Solução alternativa de conflitos é saída para reduzir a judicialização no setor aéreo

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Painel debate legislação e jurisprudência que regem as relações de consumo no setor aéreo. Foto: G.Dettmar/CNJ
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Ampliar canais de diálogo e de negociação entre companhias aéreas e passageiros e utilizar os métodos alternativos de solução de conflitos, como os acordos de conciliação, são alguns dos caminhos que se apresentam para conter a escalada da litigiosidade no setor aéreo. Essas foram algumas das conclusões do painel “A moldura legislativa e jurisprudencial contemporânea do transporte aéreo” que integra a programação do webinário “Setor Aéreo Brasileiro: Caminhos para a Redução da Litigiosidade” realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nesta terça-feira (25/5).

O Brasil é recordista em processos contra companhias aéreas, país onde a chance de uma empresa do setor ser processada é cinco mil vezes maior do que nos Estados Unidos, informou o secretário-geral do CNJ, Valter Shuenquener, que coordenou os debates. Apenas em 2018, foram propostas 64 mil ações por consumidores contra empresas aéreas, número que passou para 109 mil, em 2019, e com a pandemia indicando movimentações altas também em 2020 e 2021.

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Diante desse quadro, o secretário-geral do CNJ disse que é necessário priorizar as soluções alternativas e consensuais. Como parte das soluções, foi lançada a “Cartilha Digital do Transporte Aéreo”, com informações sobre direitos e deveres relacionados a esse segmento em uma contribuição para ampliar o nível de conhecimento sobre o setor.

“É preciso ressaltar a importância desse evento sobretudo no cenário atual de saúde pública, uma vez que, somado a todos esses problemas, a pandemia deu ao setor uma redução de 94% da malha aérea brasileira em viagens, com impactos profundos no mercado. Daí a relevância de debatermos a judicialização do setor aéreo neste momento de crise a fim de evitarmos o agravamento da situação que possa levar ao colapso até mesmo do sistema judicial, que está sendo inundado por um tsunami de ações relacionadas ao setor aéreo”, afirmou Shuenquener.

Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Paulo Moura Ribeiro apresentou a jurisprudência que tem orientado os julgamentos na corte. Para ele, devem ser analisados em profundidade os motivos que tornam o Brasil o campeão da judicialização na relação entre as empresas do setor aéreo e os usuários.

Moura Ribeiro destacou cinco casos analisados pelo STJ, dos quais quatro geraram indenização. Entre eles, o da prerrogativa das empresas de cancelamento automático unilateral de bilhetes nos casos de compra de passagens de ida e volta em que o consumidor perde o direito à passagem de retorno se por não ter tiver embarcado.

“Estamos aqui no STJ falando a respeito do diálogo das fontes, mas temos que entender sempre nessa linha de que o consumidor como sendo sempre a parte vulnerável de qualquer relação”, afirmou o ministro. “Pode ser que em determinados momentos isso até não seja verdade, mas o princípio maior é este e devemos nos agarrar a ele como coisa segura e de segurança jurídica para aqueles que pedem a proteção do Código de Defesa do Consumidor.”

Para a presidente da Associação de Magistrados Brasileiros (AMB), Renata Gil, uma das vias para a desjudicialização é o maior conhecimento, por parte dos magistrados e magistradas, dos precedentes relacionados a setores com alto nível de litigiosidade. “A proposta é que, além do CNJ apresentar ao consumidor e aos juízes brasileiros os casos mais recorrentes e como são resolvidos, que a gente também trabalhe de braços dados com o setor aéreo para fazer com que todos entendamos como esse segmento funciona.”

Outra contribuição para o entendimento da complexidade do tema foi dada pela secretária nacional do Consumidor, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Juliana Domingues. Ela lembrou que o setor aéreo é regulado, conta com poucos agentes econômicos e cuja oferta de serviços pode ser reduzida ou desaparecer por “medidas radicais e desconectadas com a realidade”.

Em sua visão, a judicialização pode ser contida e evitada a partir da decisão das companhias aéreas de fortalecer os serviços de atendimento ao consumidor (SACs). “Se nos primeiros canais de atendimento o usuário tem uma solução de sua demanda, nos casos em que é um caso simples, isso ajudaria a reduzir a litigiosidade. O treinamento dos atendimentos dos SACs precisa ser feito de forma prioritária para impedir a escalação dos conflitos.”

Juizados especiais

Na análise dos elementos que permeiam a questão, a advogada Thais Strozzi, especialista desse setor, fez um retrospecto do apagão aéreo dos anos de 2006 e 2007 lembrando que, a partir de então, um número expressivo de acordos vem sendo firmados nos juizados especiais. “Embora o índice de judicialização seja extremamente elevado no Brasil, é certo que o número de acordos no âmbito dos juizados especiais cíveis é também igualmente expressivo, com cerca de 20% das demandas submetidas resolvidas por acordo homologado em juízo”, destacou, citando como fonte os dados de 2019 do Relatório Justiça em Números, do CNJ.

Representante das empresas de aviação, a advogada Valéria Curi, da Associação Latino-Americana do Transporte Aéreo, apresentou um retrato da legislação do transporte aéreo no Brasil, formado pela Constituição Federal, o Código Brasileiro de Aeronáutica, o Código de Defesa do Consumidor, o Código Civil, a Convenção de Varsóvia, o Código do Processo Civil de 2015 e a regulamentação de Agencia Nacional de Aviação Civil.

Ela também abordou a questão do dano moral como um dos responsáveis pelo excesso de judicialização, apresentando valores médios de indenizações e avaliando que os ressarcimentos não vêm tendo relação com o valor das passagens. “A realidade brasileira é essa na qual em 60% a 70% dos casos ainda há banalização da aplicação de danos morais, o que nos leva à constatação de existência de valores aleatórios. Eles não têm relação com o preço do bilhete aéreo, com o fato de o serviço ter sido provavelmente prestado ou qualquer outro elemento a não ser a experiência do magistrado e, como todo o meu respeito à magistratura, a vontade de dar um caráter punitivo ou não compensatório pela conduta do transportador aéreo, o que é vedado pelo Artigo 29 da Convenção de Montreal.”

Regulação

Um panorama da regulação da aviação brasileira foi apresentada pelo diretor da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Ricardo Bisinotto. Ele afirmou que os serviços prestados pelas companhias possuem qualidade similar ao oferecido em outros países e a elevada judicialização tem dificultado a atração de investimentos e de empresas estrangeiras interessadas em atuar no Brasil.

“O acesso ao Judiciário tem que estar reservado aos casos que realmente sejam inafastáveis e graves, aqueles que mereçam a indenização e reparação. Temos uma justiça gratuita que eventualmente fomenta e gera um incentivo sem maiores consequências para o consumidor pleitear indenização e temos visto que isso afasta investimentos e novos players”, explicou.

Luciana Otoni
Agência CNJ de Notícias

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25 05 2021 Webinário “O Setor Aéreo Brasileiro: Caminhos para a Redução da Litigiosidade”