A adesão imediata ao Banco Nacional de Monitoramento de Prisões (BNMP) pelo Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) foi uma das medidas mais efetivas diante das consequências da rebelião no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia. Ocorrida no início deste ano, o motim resultou em nove mortos, 14 feridos, 242 foragidos.
O lamentável episódio mobilizou autoridades do Poder Judiciário e do Poder Executivo goiano e exigiu, em especial da direção do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), a tomada de providências urgentes com grande impacto na prestação jurisdicional.
Em 8 de janeiro, durante visita de emergência ao TJ-GO, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Cármen Lúcia, e o presidente do tribunal, desembargador Gilberto Marques Filho, assinaram um termo de adesão para dar início ao registro dos dados dos custodiados goianos no sistema.
Lançado em dezembro de 2016, o Cadastro Nacional de Presos busca apresentar um raio-x do sistema penitenciário do País, com dados precisos sobre a quantidade de pessoas que estão privadas de liberdade no Brasil.
Goiás foi o quarto estado a aderir ao projeto, depois de Roraima, Santa Catarina e São Paulo. A determinação da ministra começou a ser cumprida a partir da convocação de 55 servidores. Depois de receberem treinamento de equipe do CNJ, eles iniciaram a alimentação do sistema com os dados pessoais e processuais dos presos do Estado.
“Procuramos os profissionais mais capacitados e montamos uma equipe em parceria com a Corregedoria-Geral da Justiça de Goiás e com a diretoria do Foro. Com isso, situações que o magistrado possivelmente só detectaria ao longo da análise do processo puderam vir à tona com antecedência, o que possibilitou a tomada de providências imediatas”, disse a juíza auxiliar da Presidência Maria Cristina Costa, que coordenou a força-tarefa.
O tribunal conclui o trabalho concentrado em 60 dias, conforme o prazo estabelecido por Carmen Lúcia, com a inserção das informações de 18,2 mil detentos no cadastro. À época, havia 7.979 pessoas condenadas cumprindo pena de forma definitiva, 1.315 condenados que ainda aguardavam o resultado de recurso e 7.022 detentos provisórios, ou seja, que ainda aguardavam julgamento. Até aquele momento, apenas Roraima havia concluído o trabalho.
Pela liberdade, tudo faz diferença
“Realizamos um trabalho árduo, mas com muita satisfação para todos nós envolvidos a fim de atender aos prazos da ministra Cármen Lúcia, que queria resultados”, afirma o presidente do TJ-GO. A entrada do estado de Goiás no BNMP já estava prevista no cronograma do projeto, mas foi antecipada diante do quadro de emergência.
Hoje, 23 tribunais já concluíram o registro no BNMP e, até o fim de junho, o sistema contava com os dados de 519.766 presos e também de 147.877 mandados de prisão pendentes de cumprimento. Ao longo do trabalho, foram detectados casos isolados de pessoas presa além do prazo estabelecido na condenação.
Um deles chamou a atenção por ter se estendido por um ano. “Essa prisão só não foi considerada ilegal porque descobrimos que a pessoa tinha outra condenação no Distrito Federal, com pena superior a esse período. O BNMP nos mostrou que é preciso mais atenção à questão dos benefícios e do correto cálculo da pena, pois quando se trata de liberdade, tudo faz diferença. Um dia a mais não é aceitável. A vida e a liberdade são os nossos bens maiores”, diz a juíza Maria Cristina Costa.
Os bons resultados alcançados serviram de exemplo para outros tribunais. Em fevereiro, a coordenadora da força-tarefa goiana esteve no Tribunal de Justiça de Sergipe (TJ-SE) para compartilhar a experiência bem-sucedida. Mais do que inserir as informações pessoais e processuais dos custodiados no BNMP, o trabalho feito pelo TJ-GO possibilitou ainda o saneamento de muitos processos. A implantação do Cadastro Nacional de Presos pode ser acompanhada aqui.
Com os números em mãos, a direção do tribunal goiano, atendendo a um novo pedido da ministra Cármen Lúcia, iniciou um mutirão para analisar as ações das pessoas detidas provisoriamente. Ao longo de 40 dias, o TJ-GO e a Corregedoria-Geral da Justiça promoveram uma força-tarefa para analisar processos de detentos provisórios com mais de 180 dias.
No período, foram julgadas 692 ações, o que correspondia a 40,78% do acervo. Outras 868 (51,15%) tiveram algum movimento processual, com a realização de audiências, júris antecipados ou sessões extras. Apenas 8% dos processos não foram analisados pois estavam com audiências marcadas ou júris designados.
Leia mais: Após mortes em presídio, tribunal goiano aprimora execução penal
Processo eletrônico
A crise desencadeada pelas rebeliões de janeiro acelerou outra medida que já estava em estudo pela direção do tribunal: a implantação do processo eletrônico nas quatro varas de execução penal de Goiânia.
“Em maio, iniciamos a digitalização do acervo e determinamos ainda que, a partir daquela data, todo processo começasse pelo sistema eletrônico. Isso dá maior agilidade e transparência ao trabalho”, disse a juíza Maria Cristina Costa. A ideia é estender a ação às comarcas de Anápolis e Aparecida de Goiânia, tornando essas unidades 100% digitais.
“Detectamos, ainda que de forma esporádica, situações de condenados que tinham direito a benefícios e continuavam detidos”, disse o Desembargador Gilberto Marques Filho. FOTO: G.Dettmar/Agência CNJ.
ENTREVISTA // Desembargador Gilberto Marques Filho
Hoje presidente do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), o desembargador Gilberto Marques Filho manteve relação estreita com a execução penal no Estado ao longo de 42 anos de carreira na magistratura. Em 1996, quando era juiz responsável por fiscalizar o Centro Penitenciário de Atividades Industriais de Goiás, ele foi um dos 36 reféns mantidos por seis dias na unidade durante a maior rebelião de presos registrada no Estado até então.
O motim foi liderado por Leonardo Pareja, criminoso que ganhou fama nacional no desenrolar do episódio. Entre as pessoas que ficaram em poder dos rebelados estavam o então presidente do tribunal, desembargador Homero Sabino de Freiras; o secretário de Segurança do Estado, Antônio Lorenzo Filho; o diretor da Polícia Civil, Hitler Mussolini; juízes, promotores de Justiça e o diretor do presídio, além de jornalistas que acompanhavam a visita.
A comitiva foi ao local a convite de Gilberto Marques Filho, que solicitou aos colegas que vissem de perto as condições do presídio para onde mandavam os condenados. Ao longo de quase uma semana, parte dos reféns acabou liberada pelos criminosos, mas o hoje presidente do tribunal ficou com o grupo rebelado até o fim, tendo sido, inclusive, uma das pessoas levadas na fuga dos presos.
Os presos foram capturados em seguida e os reféns liberados, ilesos. Em 3 de janeiro de 2018, 22 anos depois, o desembargador Gilberto Marques Filho voltou a uma unidade prisional palco de motim, a Colônia Agrícola de Aparecida de Goiânia.
Desta vez, já presidente do TJ-GO, ele teve como incumbência inspecionar a unidade após a rebelião que causou mortes e destruição de parte da unidade. Em entrevista à Agência CNJ de Notícias, o presidente do tribunal goiano fala sobre o trabalho feito na implantação do Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP) e de outras medidas determinadas pela ministra Cármen Lúcia após a rebelião:
Qual é a importância do Banco Nacional de Monitoramento de Prisões para o Brasil?
Marques Filho: Quando eu assumi a Corregedoria –Geral da Justiça de Goiás, em 2017, nós desenvolvemos um trabalho para saber quantos eram os presos do Estado. Eu percorri 6,6 mil quilômetros visitando todos os presídios, fazendo o levantamento, filmando, fotografando. Onde havia uma cela em uma cidade, por menor que fosse, nós visitamos. Para a minha surpresa, a ministra Cármen Lúcia determinou a criação desse cadastro, em nível nacional. Fiquei muito entusiasmado.
A implantação do cadastro nacional trouxe benefícios para o TJ-GO ?
Marques Filho: Para o tribunal de Justiça de Goiás, o BNMP foi ótimo, pois detectamos, ainda que de forma esporádica, situações de condenados que tinham direito a benefícios e continuavam detidos. Fizemos uma força-tarefa, com 19 magistrados e 16 servidores, além de estagiários, para concretizar esse trabalho, que resultou na concessão de vários benefícios, várias sentenças, várias decisões.
Os presos temporários também foram beneficiados pela adesão de Goiás ao cadastro nacional?
Marques Filho: Concluído esse trabalho, a ministra exigiu uma força-tarefa para cuidar daqueles que estavam detidos provisoriamente. Isso foi uma segunda etapa. Convocamos vários magistrados, servidores e o colaboradores para regularizar a situação das pessoas que estavam presas sem julgamento até 180 dias, que é o prazo esgotado para se ter um resultado. Para alguns foram concedidos benefícios, como a progressão, outros tiveram seus casos decididos definitivamente e em apenas 8% dos casos não houve movimentação porque os processos já estavam avançados, prestes a ter solução, muitos com audiência marcada ou júri designado.
Qual balanço o senhor faz dessa experiência?
Marques Filho: Realizamos um trabalho árduo, mas com muita satisfação para todos nós. Servimos, de certa forma, de modelo para outros tribunais. Colocamos a doutora Maria Cristina Costa, juíza auxiliar da Presidência, à disposição da ministra e do CNJ para orientar e repassar o conhecimento que nós adquirimos nessa empreitada. Eu, com quase 43 anos de magistratura, fico com a sensação de dever cumprido.
Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias