Autoridades defendem atualização legislativa para combater corrupção

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Uma mesma agenda uniu diagnósticos e propostas dos palestrantes da manhã de segunda-feira (25/3) durante o Seminário Transparência e Combate à Corrupção, que acontece no Rio de Janeiro. Tanto o presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, quanto a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, o diretor da Transparência Internacional no Brasil, Bruno Brandão, e o professor José Miguel Vivanco colocaram no centro do debate a necessidade de se atualizar a legislação.

O ministro Dias Toffoli defendeu o impacto positivo das mudanças na lei brasileira e nos acordos internacionais de combate à corrupção dos quais o Brasil participa como signatário. Segundo os dados mais recentes do Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ (DPJ/CNJ), em 2017, tramitavam na Justiça brasileira 80.721 processos de crimes ligados ao assunto e outras 33.826 ações de improbidade administrativa.

Dias Toffoli fez uma compilação das mudanças legislativas realizadas no país nos últimos anos, depois da promulgação da Constituição Federal de 1988, marco legal que estabeleceu as condições necessárias à criação de uma legislação própria de combate efetivo à corrupção. Na lista das leis, o ministro destacou a Lei 12.683/12, que incluiu crimes e contravenções penais na chamada Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei nº 9.613/98), e a Lei 12.850/13, que tipificou o conceito de organização criminosa no Código Penal.

Trata-se de um processo de “amadurecimento da democracia”, segundo o presidente do CNJ e do STF. “O Estado brasileiro, cada vez mais, vem demonstrando que o funcionamento das instituições, indissociado da liberdade de imprensa, traduz-se no amadurecimento da nossa democracia e na depuração ética de nosso processo político. O caminho para se enfrentar a corrupção com legitimidade é esse que vem sendo trilhado nos últimos anos. Há amadurecimento institucional, evolução legislativa, normativa, harmonia e independência dos três poderes da República e das instituições essenciais à Justiça e ao Estado brasileiro”, afirmou o ministro.

Proposta

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, defendeu uma proposta concreta para um tipo específico de corrupção, o Caixa 2, como se convencionou chamar o financiamento ilegal de campanhas eleitorais no país. Dodge propôs encarregar magistrados da Justiça Federal de processar os acusados de Caixa 2 pelos seus crimes federais conexos (relacionados à prática da fraude eleitoral). Depois de o Plenário do STF confirmar na última semana a Justiça Eleitoral como foro próprio para avaliar casos de financiamento ilegal de campanhas, seria necessária uma alteração normativa para estender excepcionalmente, como propõe a chefe do Ministério Público Federal, aos juízes federais a competência para lidar com esses casos da Justiça Eleitoral.

Seriam organizadas forças-tarefa para julgar esses crimes. Assim, segundo Dodge, previne-se a prescrição e a impunidade de seus autores, com economia de despesas. “Estou requerendo à presidência do TSE, sem que isso cause aumento de despesa ou aumento de estrutura e com grande economicidade para o orçamento da União, para ampliar o número de juízes eleitorais de modo a incluir os magistrados federais que atuam em varas especializadas em corrupção, lavagem de dinheiro e crime organizado. É uma medida que visará utilizar a mesma estrutura, comissionando os juízes federais para que atuem em matéria eleitoral nas suas próprias varas. Trata-se de uma adaptação importante da mesma estrutura para fazer face a esse crime que se adapta continuamente”, disse a procuradora-geral. Dodge comparou a corrupção a um organismo vivo em constante processo de mutação, com poder de se adaptar para sobreviver em qualquer bioma.

Pacote anticorrupção

O diretor da seção brasileira da Transparência Internacional, Bruno Brandão, apresentou não uma, mas um conjunto de sugestões de medidas para prevenir a corrupção no Brasil. São projetos de lei e propostas de normativos administrativos com uma diversidade de focos. Propõe-se desde mudar a forma como se escolhem os ministros e conselheiros dos tribunais de contas, que atualmente são indicados por políticos, a mudanças pontuais, como prever maneiras de proteger quem, de boa fé, resolver denunciar crimes. Há também medidas mais genéricas, como desburocratizar o Estado e tornar o processo legislativo como um todo mais participativo.

“Trata-se do maior pacote de reformas anticorrupção feito até hoje no mundo”, afirmou Brandão, diretor regional da principal entidade não-governamental que, desde 1995, atua na área. Durante a elaboração do “pacote”, foram estudados exemplos internacionais de boas práticas, que, compiladas, foram adaptadas à realidade brasileira e então submetidas à revisão de especialistas de diversas áreas. Finalmente, as propostas resultantes desse processo foram colocadas em consulta pública, com apoio de uma ferramenta da Câmara dos Deputados. Atualmente, boa parte das sugestões foi transformada em projeto de lei que tramita no Congresso.

O corregedor Nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, lembrou a postura anti-corrupção sustentada pelo presidente do STF e do CNJ, ministro Dias Toffoli, e sua preocupação com os efeitos econômicos e sociais da corrupção para o país, além da defesa da lei como arma de combate à corrupção. O ministro lembrou também uma declaração da procuradora-geral da República, Raque Dodge, segundo quem a corrupção “perpetua ciclo de pobreza, desestabiliza governos e causa morte social”, disse Martins.

Interesse público

O representante da organização de direitos humanos Human Rights Watch José Miguel Vivanco aposta em mudanças que superam os limites do Poder Legislativo e do Poder Judiciário. Segundo o professor chileno, a liberdade de expressão é fundamental para um ambiente democrático em que a corrupção possa ser identificada e denunciada. “O senso comum trata a liberdade de expressão o direito de falar o que se quiser, mas é muito mais que isso”, disse o estudioso.

Vivanco falou sobre assegurar condições para o livre trabalho da imprensa, que deve ter o direito de acessar todas as informações de interesse público, sem restrições que atendam à conveniência de determinado governo. “Nós vimos como muito positivo o fato de o Congresso Nacional brasileiro ter derrubado o decreto presidencial que aumentava a quantidade de pessoas – algumas sem vínculo definitivo com o Estado – com autoridade para transformar documentos públicos em informação confidencial do Estado”, disse. Segundo o acadêmico, embora a Lei da Transparência seja importante para a democracia, é preciso aperfeiçoá-la, estabelecendo os critérios que serão usados para decidir se uma informação deve ser mantida confidencial.

O professor citou assassinatos de jornalistas que investigavam os malfeitos de poderosos, no Brasil e no exterior, condenou o uso instrumental da publicidade oficial como meio da “domesticação da imprensa” e defendeu a proteção ao anonimato das fontes dos profissionais de imprensa. “Essa batalha contra a corrupção e em favor da liberdade de expressão e da transparência é importante não apenas porque marca a diferença entre o presente e um passado obscuro, de abusos – não somente no Brasil como no resto da região –, mas também porque dela depende que os cidadãos sigam acreditando no sistema democrático”, afirmou Vivanco.

Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias