Após mortes em presídio, tribunal goiano aprimora execução penal

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Em 1° de janeiro de 2018, enquanto a população do País comemorava a chegada do novo ano, uma tragédia se desenrolava na Colônia Agroindustrial de Aparecida de Goiânia, unidade prisional que abriga presos do regime semiaberto. 

Após invadirem as alas A, B e D, os presos mataram nove pessoas e deixaram outras 14 feridas. Em meio à rebelião, mais de 240 detentos fugiram da unidade. A notícia ganhou o Brasil e, diante da gravidade do ocorrido, a presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, decidiu agir.

No dia seguinte à tragédia, em contato com o presidente do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), desembargador Gilberto Marques Filho, Cármen Lúcia determinou que fosse realizada uma inspeção de urgência na unidade que, projetada para abrigar 468 presos, tinha 1.254 no dia do motim, número 210% superior à capacidade.

A ministra solicitou que, em 48 horas, fosse enviado um relatório sobre a vistoria. De pronto, o tribunal se mobilizou para atender à determinação. Acompanhado de representantes do Ministério Público, da Defensoria Pública e da OAB-GO, o presidente do TJ-GO foi pessoalmente ao presídio.

Rebelião

Na vistoria, realizada em 3 de janeiro, constataram-se sérios problemas na infraestrutura – como desabastecimento de água e falhas no fornecimento de energia -, acomodações precárias e ocorrência de doenças de pele (sarna), entre outros. Um incêndio provocado pelos rebelados destruiu boa parte dos prédios e inutilizou os colchões onde dormiam os custodiados.

 Durante a visita, muitos presos relataram que estavam insatisfeitos em relação à demora no trâmite de seus processos. A atuação de facções criminosas na unidade também foi alertada tanto pela direção do presidio e quanto pelos presos.

O motim, segundo eles, teria inclusive acontecido por conta de um desentendimento entre dois grupos de detentos. No dia seguinte à vistoria, houve nova rebelião na unidade, mas, desta vez, a confusão foi controlada rapidamente e não deixou vítimas.

Diante do quadro caótico e com o intuito de garantir a segurança dos presos que ainda estavam no local, a Justiça goiana transferiu temporariamente boa parte das pessoas para outras unidades. Em seguida, a direção do TJ-GO deu início às primeiras ações concretas para dar uma resposta à situação.

 “Uma equipe passou a levantar a situação de todos os detentos para fazer uma triagem e ver quais reeducandos tinham alguma oportunidade de benefício”, lembra o desembargador Gilberto Marques Filho. 

A realidade encontrada pela comitiva coordenada pelo tribunal de Goiás  confirmou o que os magistrados já sabiam há muito tempo: a falência do sistema penitenciário goiano. Em inspeção realizada em 19 de dezembro de 2017, a juíza Wanessa Rezende Fuso Brom, responsável pela  Vara de Execuções Penais de Goiânia (2ª VEP), classificou como péssimas as condições da Colônia Agroindustrial de Aparecida de Goiânia. 

Em seu relatório, a magistrada destacou que “após a inspeção, foi oficiado o Corregedor-Geral de Justiça do TJ-GO a fim de certificar acerca da situação fática vivida na 2ª VEP e na Colônia Agroindustrial do Regime Semiaberto de Aparecida de Goiânia e resguardar esta magistrada de eventuais responsabilizações futuras”.

Titular da 2ª VEP de Goiânia há cinco anos, Wanessa estava de férias quando os motins eclodiram, mas interrompeu imediatamente o descanso para se inteirar dos acontecimentos. Em 8 de janeiro, a ministra Cármen Lúcia esteve em Goiânia para discutir e estabelecer medidas para promover mudanças efetivas, no tocante às responsabilidades do Poder Judiciário, na realidade dos presos do estado. 

Em reunião no TJ-GO, a presidente do CNJ ouviu de representantes do Judiciário, do Executivo, e também do Ministério Público, da Defensoria Pública e da OAB-GO, sugestões e providências que estavam sendo tomadas em resposta à crise.Na oportunidade, a ministra reforçou o compromisso do Judiciário, em especial do CNJ, na busca de soluções para o problema que atinge dimensões dramáticas e preocupa todo o País.

“Precisamos buscar soluções concretas, que contemplem o direito dos presos e o direito da sociedade de dormir em sossego”, afirmou a presidente do CNJ.  Cármen Lúcia determinou ainda a realização de nova inspeção para fazer uma varredura no presídio onde ocorreram as mortes, com foco na apreensão de armas, e informou que voltaria ao estado em um mês. 

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Força-tarefa

Com um estoque de 8,8 mil processos, por determinação da Presidência do TJ-GO, a 2ª VEP (que reúne ações dos presos dos regimes aberto, semiaberto e condicional em progressão, de Goiânia e Aparecida de Goiânia), recebeu uma força-tarefa para acelerar o trâmite das ações. 

“Mobilizamos 16 magistrados e 19 servidores para dar andamento ao fluxo processual, em uma demonstração da grande força de trabalho e comprometimento de todos”, disse Gilberto Marques Filho. Os juízes e servidores prestaram auxílio temporário na realização de tarefas como cálculos penais, liquidação de penas, juntada de petições e definição das datas dos benefícios dos presos.

A promoção de audiências de justificação de falta grave também foi alvo do mutirão. “Apesar da ocorrência de fatos lamentáveis, as rebeliões desencadearam várias consequências positivas, tanto no que tange a estrutura prisional dos regimes aberto e semiaberto quanto na questão jurisdicional”, afirma juíza Wanessa Rezende Fuso Brom.

O esforço se traduziu em números. Em 23 dias, foram analisadas 1.390 ações, com 1.883 juntadas petições e 1.277 cálculos de liquidação de pena. Houve a realização de 559 audiências e a concessão de 118 benefícios (progressão de regime e livramento condicional).

Os magistrados promoveram ainda 547 despachos, 570 decisões e 125 sentenças. “Foi uma resposta rápida e eficiente do tribunal sobre o volume dos processos”, disse Fuso Brom. Outro desdobramento da ação foi a aprovação, pela Corte Especial do tribunal, da Resolução n.86, que, entre outras mudanças, ampliou a competência da 7ª Vara Criminal de Goiânia.

Titular da 2ª VEP de Goiânia, juíza Wanessa Fuso Brom, interrompeu suas férias com a rebelião dos presos. FOTO: G. Dettmar/Agência CNJ. 

A unidade passou a ser competente, concorrente e equitativamente à 2ª VEP, para execução das penas do regime aberto e semiaberto. Com isso, houve a divisão do acervo processual, o que, em curto prazo, já deve refletir em mais agilidade na análise das ações.

Esvaziamento

Após as rebeliões, o Governo de Goiás adquiriu 4 mil tornozeleiras eletrônicas, o que possibilitou mudanças na condução das penas dos presos do regime semiaberto. Com isso, houve sensível redução no número de custodiados na Colônia Agroindustrial de Aparecida de Goiânia, pois as pessoas que conseguiram trabalho foram liberadas para pernoitar em casa.

Atualmente, apenas 200 presos permanecem no local, alguns apenas dormem na unidade. Desses, 49 estão bloqueados (tratam-se de custodiados que cometeram faltas graves ou novos crimes durante o cumprimento da pena) e o restante fica no presídio por não ter conseguido ocupação, não querer trabalhar ou ser dependente químico. A unidade onde ocorreu a tragédia está em processo de desativação.

A juíza titular da 2ª VEP explica que a situação do prédio está longe do ideal, mas bem mais tranquila do que em janeiro. Outros 50 presos foram transferidos para a Casa do Albergado, unidade localizada em Goiânia, que oferece melhor infraestrutura para abrigar os custodiados.

Thaís Cieglinski

Agência CNJ de Notícias