Uma parceria entre o Judiciário, o estado de Minas Gerais, o município de Itajubá/MG) e associações comunitárias está mudando a cidade, localizada no Sul de Minas Gerais. Há cerca de seis meses, os detentos do Presídio de Itajubá transformam terrenos baldios em plantações orgânicas e comunitárias. O projeto, denominado “Fazenda Esperança”, prevê a destinação de todo o alimento produzido com a mão de obra dos apenados para famílias carentes cadastradas na prefeitura.
O projeto foi organizado pelo diretor de Ressocialização do Presídio de Itajubá, Leandro Palma. “O preso precisa se ressocializar, interagir com a sociedade. É bom para ele e para a comunidade”, comentou. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e outras instituições envolvidas com o sistema carcerário também compartilham a visão de que o acesso dos apenados a oportunidades de estudo, capacitação profissional e trabalho é fundamental para prevenção da reincidência criminal.
Sem utilidade e abandonado, um terreno de 2,1 mil metros quadrados em Medicina, bairro popular de Itajubá, foi um dos primeiros a receber os presos. O diretor explicou que a produção de hortaliças para os moradores mais carentes do bairro não será a única destinação do terreno. Haverá também um parquinho para crianças e uma pista de bocha, atividade muito praticada pelos idosos da cidade. Os brinquedos são peças descartadas por escolas e que estão sendo recuperados por um outro grupo de apenados.
O projeto contempla ainda a criação de hortas em todas as escolas públicas municipais. Com 267 alunos, a Escola Municipal Santo Agostinho já conta com 18 canteiros distribuídos por 175 metros quadrados, onde crescem alfaces, chicória, cebolinha, couve, rúcula, salsinha, repolho e couve. Os presos trabalharam em parceria com as crianças. A aluna Kauanne Vitória, de nove anos, prometeu que iria comer a alface que estava plantando. “Eu não como verdura. Só gosto de arroz. Mas prometo que essa eu vou experimentar”, disse.
Na avaliação do juiz Selmo Sila da Souza, que atuou por mais de dez anos na vara criminal da Itajubá, a participação de presos nessas atividades não apenas dá a oportunidade de formar uma nova profissão, como também ajuda a diminuir o preconceito entre a comunidade. “A população está vendo que aquela benfeitoria é para ela e reconhece isso. Acho importante o preso ter uma ocupação, a sensação de que está sendo útil para a sociedade”, afirmou.
Condenado há 12 anos de detenção, Marcos Rogério da Silva é um dos presos que participam do projeto. Antes de ser condenado, ele era lavrador. “Quando a gente trabalha o tempo passa mais rápido. E tem sido muito bom para mim ocupar a cabeça. Não gosto de ficar sem fazer nada”, contou. Ele já participou de outros projetos de ressocialização, com a reforma de escolas públicas.
Conforme previsão da Lei de Execução Penal (LEP), o acesso da pessoa privada de liberdade ao trabalho depende de seleção da Comissão Técnica de Classificação, grupo interdisciplinar presidido pelo diretor da unidade e composta por equipe multidisciplinar a quem cabe avaliar o perfil do apenado. “Todos os presos passam pelo CPC. Dos que são convidados para trabalhar, cerca de 98% aceitam na hora. Há uma mudança drástica e positiva no comportamento dos que trabalham, o que mostra que estamos no caminho certo. Presídio não é para ser depósito de gente. É preciso ressocializar essas pessoas”, destacou o diretor-geral do presídio de Itajubá, Rodney Dantas.
O presidente da Associação Comunitária do Bairro Medicina, Júnior Leoni dos Santos, assegura que a presença e a circulação dos presos nas proximidades da nova horta não intimidaram a população. “Os moradores vêm aqui, perguntam se eles estão com fome, se precisam de água. A gente nota que eles reconhecem que a nossa realidade só está sendo modificada porque os presos estão trabalhando no projeto. Do contrário seria inviável”, observou.
O que prevê a LEP – De acordo com a Lei de Execução Penal (LEP), o trabalho da pessoa privada de liberdade, como dever social e condição e dignidade humana, tem a finalidade educativa e produtiva e, ainda que não sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o trabalho do preso deve ser remunerado, não podendo ser inferior a três quartos do salário mínimo. As tarefas executadas como prestação de serviço à comunidade não são remuneradas.
O produto da remuneração do trabalho deverá atender à indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados por outros meios; à assistência à família; a pequenas despesas pessoais; e ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado, em proporção a ser fixada e sem prejuízo das demais destinações. Será depositada a parte restante para constituição do pecúlio, em Caderneta de Poupança, que será entregue ao condenado quando posto em liberdade.
Segundo o último levantamento do Departamento Penitenciário Nacional, do Ministério da Justiça, 115.794 detentos exercem atividades laborais em instituições públicas e privadas, o que representa 20% da população prisional do país. Dos presos que trabalham, 25%¨estão em atividades externas aos presídios e 75% trabalham internamente nas unidades. Mato Grosso é o estado com maior porcentagem de presos trabalhando em relação à população encarcerada (37%), seguido por Amapá (35%), e Santa Catarina (32%).
Paula Andrade
Agência CNJ de Notícias