Projeto inédito desenvolvido no Centro Judiciário de Solução de Conflitos (Cejusc) de Ponta Grossa (PR) oferece a 31 menores infratores a oportunidade de participarem de oficinas de filosofia para refletir sobre o mundo do crime e os atos infracionais que praticaram. Eles também envolvem suas famílias em círculos de Justiça Restaurativa, uma abordagem consensual de solução de conflito que pode ser utilizado em qualquer etapa do processo criminal.
A Justiça Restaurativa, uma das prioridades da gestão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para o biênio 2015-2016, prevista na Portaria nº 16/2015, do ministro Ricardo Lewandowski, está baseada em uma perspectiva de solução de conflitos que prima pela criatividade e sensibilidade na escuta das vítimas e dos ofensores. Nos círculos restaurativos é feita a aproximação entre vítima, agressor, suas famílias e a sociedade na reparação dos danos causados por um crime ou infração. Dessa forma, são envolvidas diferentes pessoas e instituições na resolução de um conflito, que auxiliam na reparação dos danos causados e na recuperação social do agressor, aplicando o conceito de corresponsabilidade social do crime.
“Optamos por não restringir a Justiça Restaurativa aos processos judiciais, mas usá-las em unidades socioeducativas e projetos desenvolvidos pelos Cejuscs”, afirma o desembargador Roberto Portugal Bacellar. Ele preside a comissão de Justiça Restaurativa do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) e participa do Grupo de Trabalho (GT) coordenado pelo CNJ, responsável por elaborar uma minuta de resolução para implantação e estruturação de um sistema restaurativo de resolução de conflitos em tribunais estaduais e federais. De acordo com o desembargador, o TJPR optou por adotar uma visão transdisciplinar da Justiça Restaurativa, não apenas restrita ao Direito, mas a outras áreas como Psicologia, Letras e Filosofia.
Filosofia contra o crime – Baseados nessa concepção mais ampla de Justiça Restaurativa, surgiram neste ano as oficinas de filosofia realizadas pelo Cejusc de Ponta Grossa. O projeto reúne adolescentes que cumprem medidas socioeducativas em liberdade assistida, encaminhados pelo Ministério Público. Ele foi idealizado pela facilitadora Eliete Requerme, que percebeu a necessidade de alguns jovens infratores refletirem sobre a sua condição. “Percebi que muitos jovens não tinham consciência do que estavam fazendo ali, o motivo de terem que comparecer à Justiça, o porquê de terem que assinar papéis. Pensei que se melhorássemos a qualidade da medida socioeducativa estaríamos tornando-a mais efetiva”, conta Eliete, que é formada em Filosofia e foi capacitada pelo TJPR para atuar em círculos restaurativos.
Como parte da medida socioeducativa, os adolescentes participam de cinco encontros com temas variados, tendo por base filósofos como Platão e René Descartes. “Percebemos nas oficinas que o adolescente se sente pela primeira vez pertencendo a algo e também que pode se expressar sem que isso seja usado contra ele, o que é um dos princípios da Justiça Restaurativa”, conta Eliete. Ao final do curso, relata a facilitadora, os jovens registram manifestações positivas e reconhecimento dos erros.
Alfabetização de jovens infratores – Os magistrados do TJPR também têm utilizado princípios da Justiça Restaurativa em círculos de alfabetização de jovens internos do Centro Socioeducação de Ponta Grossa, por meio do projeto “Alfabetizando na medida”, coordenado pelas juízas Laryssa Angélica Copack Muniz e Jurema Carolina da Silveira Gomes, que também participam do GT de Justiça restaurativa do CNJ.
No projeto, estudantes do curso de Letras da Faculdade Sociedade Educativa e Cultural Amélia (Secal) realizam encontros semanais com os jovens infratores realizando práticas de alfabetização a partir das concepções de letramento e educomunicação. São feitos, por exemplo, círculos de discussão com letras de rap e produção oral de letras de música com os temas discutidos, visando, dessa forma, trabalhar a autoestima dos adolescentes. “Percebemos que os atos infracionais cometidos por muitos jovens estavam relacionados ao fato de serem analfabetos, pois a indisciplina escolar, na verdade, tinha origem na vergonha de sua condição”, diz a juíza Laryssa.
Luiza de Carvalho Fariello
Agência CNJ de Notícias