Há muito tempo se discute a elevada litigância envolvendo Fisco e contribuinte. Dentre tantos aspectos desta relação ainda conflituosa e marcada por uma desconfiança recíproca, está evidente a baixa efetividade da cobrança judicial do crédito tributário, especificamente o de pequeno valor, e o seu impacto no congestionamento do Judiciário, destacando a necessidade de repensar a forma de cobrança pela Fazenda Pública, bem como expandir métodos de resolução de conflitos. Dimensionando o tamanho do problema, mapeamos que somente em 2% das execuções fiscais, aproximadamente, há a satisfação integral do crédito tributário [1] [2].

O Relatório Justiça em Números, edição 2023, mais uma vez evidencia que o congestionamento dos tribunais e a longa duração das execuções fiscais minam a eficácia da justiça e comprometem a confiança de cidadãos e empresas. As execuções fiscais abrangem 27,3 milhões (33,5%) do total de processos em tramitação, com a maior taxa de congestionamento do Poder Judiciário (88,4%). O relatório também aponta que três tribunais detêm 65% das execuções fiscais em tramitação no país: TJRJ, TJSP e TRF3. Além disso, o relatório apresenta indicadores como tempo médio de duração das execuções fiscais, 6 anos e 7 meses, índice de acordos nesta classe processual de apenas 0,5% e um crescimento dos feitos em tramitação no último ano de 1,5%[3].

Aproximadamente, 4,01 trilhões de reais estão em disputas nos tribunais federais e estaduais. O prolongamento dos processos tributários no Brasil, que em média levam 18 anos e 11 meses para serem concluídos, engendra um grande estoque de capital improdutivo. Esses recursos, em vez de serem direcionados para discussões tributárias, poderiam ser utilizados para promover a qualificação da mão de obra, aprimorar processos produtivos e fortalecer a gestão empresarial[4].

Levantamento por amostragem do CNJ concluiu que mais da metade (52,3%) das execuções fiscais tem valor de ajuizamento inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). Além disso, o Núcleo de Processos Estruturais e Complexos do STF concluiu que o custo mínimo de uma execução fiscal, com base no valor da mão-de-obra, é de R$ 9.277,00 (nove mil, duzentos e setenta e sete reais), e que o protesto de certidões de dívida ativa costuma ser mais eficaz que o ajuizamento de execuções fiscais[5].

Diante desse contexto, o Supremo Tribunal Federal se debruçou sobre o tema 1184 da repercussão geral (Recurso Extraordinário 1.355.208, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 19/12/2023) e definiu que é legítima a extinção de execução fiscal de baixo valor pela ausência de interesse de agir, tendo em vista o princípio constitucional da eficiência administrativa.

Tendo como marco o aludido julgado e visando regulamentá-lo, o CNJ editou a Resolução CNJ 547/2024, reiterando a possibilidade de extinção de execuções fiscais de baixo valor e esclarecendo a sistemática de cumprimento do julgado da Suprema Corte dentro do Poder Judiciário.

A propósito, reiterou que podem ser extintas as execuções fiscais de valor de ajuizamento inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais), desde que sem movimentação útil há mais de um ano sem citação do executado ou, ainda que citado, não tenham sido localizados bens penhoráveis.

O Ato normativo dialoga, também, harmonicamente com a Resolução CNJ n. 471/2022 e com a Recomendação CNJ 120/2021, quanto à priorização, nas demandas tributárias, da solução consensual de conflitos, a exemplo da conciliação, mediação e transação tributárias, extensível à seara extrajudicial. Inúmeros processos de execução fiscal de pequena monta podem ser solucionados logo no início da lide.

Tendo em vista a alta taxa de congestionamento tributário e a necessária a cooperação judiciária interinstitucional, foram editadas as Portarias Conjuntas n. 5/2024; 7/2023 e 8/2023, objetivando racionalizar e aprimorar o fluxo de execuções fiscais e ações correlatas da União e do Município de Fortaleza.

Além disso, diversos acordos de cooperação técnica foram celebrados entre o Conselho Nacional de Justiça, Estados e Municípios, desenvolvendo ações para aprimorar o contencioso fiscal, em observância ao disposto nas Resoluções CNJ n. 471/2022 e 547/2024. Os Acordos de Cooperação Técnica firmados entre o CNJ e a Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, e entre o CNJ e as Procuradorias dos Municípios de São Paulo, Salvador, Lauro de Freitas e Candeias são exemplos.

A Semana Nacional da Regularização Tributária em sua primeira edição de 11 a 15 de dezembro de 2023, visou difundir a cooperação e a mudança cultural na relação entre o fisco, os contribuintes e o Poder Judiciário. Durante aquela semana foram regularizados débitos ajuizados no valor de R$ 857,1 milhões, com arrecadação imediata de R$ 59,8 milhões. Se levarmos em conta também os débitos não ajuizados, foram regularizados R$ 4,479 bilhões e arrecadados imediatamente R$ 303,2 milhões, o que evitou a judicialização dessas cobranças.

[1] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Diagnóstico do contencioso judicial tributário brasileiro: relatório final de pesquisa / Conselho Nacional de Justiça; Instituto de Ensino e Pesquisa. – Brasília: CNJ, 2022ª, p. 272-273. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/02/relatorio-contencioso-tributario-final-v10-2.pdf. Acesso: 15 abr 2024

[2] RESENDE, Guilherme Mendes. Nota Técnica n. 6, de 2023, p. 15. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/textos/verTexto.asp?servico=cmc&pagina=nupec_apresentacao#litigio_em_analise. Acesso em: 16 abr 2024

[3] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números. Brasília, DF: CNJ, 2023, p. 303

[4] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Diagnóstico do contencioso judicial tributário brasileiro: relatório final de pesquisa / Conselho Nacional de Justiça; Instituto de Ensino e Pesquisa. – Brasília: CNJ, 2022ª, p. 29. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/02/relatorio-contencioso-tributario-final-v10-2.pdf. Acesso: 16 abr 2024

[5] RESENDE, Guilherme Mendes. Nota Técnica n. 8, de 2023, p. 15. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/textos/verTexto.asp?servico=cmc&pagina=nupec_apresentacao#litigio_em_analise. Acesso em: 16 abr. 2024

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