Justiça Restaurativa reintegra e fortalece vínculos em Araguaína (TO)

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Detido por roubo qualificado na comarca de Araguaína (TO), o adolescente A.I.J. teve sua prisão em flagrante convertida para prisão preventiva há duas semanas e aguarda julgamento de seu processo. O fato, que parece corriqueiro, ganhou novos contornos com a aplicação da Justiça Restaurativa, método alternativo de solução de conflito que pode ser utilizado em qualquer etapa do processo criminal. Em um círculo restaurativo organizado pela 2ª Vara Criminal e Execuções Penais da Comarca de Araguaína, A.I.J. se comprometeu a arrumar um emprego no prazo de um mês, escrever uma carta para vítima de seu ato com justificativas e pedido de desculpas, devolver o celular furtado, além de fortalecer suas relações com a família – objetivos que devem ser cumpridos independentemente do curso do processo criminal e da pena a ser estabelecida.

A realização do círculo faz parte de um projeto de Justiça Restaurativa que está sendo implementada pela vara não apenas com presos em flagrantes, mas também com socioeducandos e em conflitos ocorridos dentro do sistema prisional. A Justiça Restaurativa está baseada em uma perspectiva de solução de conflitos que prima pela criatividade e sensibilidade na escuta das vítimas e dos ofensores, mediante a aproximação entre vítima, agressor, suas famílias e a sociedade na reparação dos danos causados por um crime ou infração.

Dessa forma, envolve diferentes pessoas e instituições na resolução de um conflito, que auxiliam na reparação dos danos causados e na recuperação social do agressor, aplicando o conceito de corresponsabilidade social do crime. Foi o que ocorreu no caso de A.I.J., que participou do círculo restaurativo no fórum de Araguaína com a presença de dois facilitadores capacitados pela vara e diversos membros de sua família. De acordo com o juiz Antônio Dantas, responsável pela implementação da Justiça Restaurativa na comarca, o réu é primário, recebe seguro desemprego e comprometeu-se a procurar um emprego e aproximar-se da família. Para isso será acompanhado por um grupo chamado “pós círculo” para verificação do cumprimento dos objetivos estabelecidos no procedimento restaurativo.

“Normalmente esses crimes são causados pelo vício em drogas ou pelo consumismo exagerado da sociedade atual, e os círculos de Justiça Restaurativa ajudam as pessoas a se reencontrarem, apresentando caminhos para reintegração à sociedade e fortalecimento de vínculos”, conta Dantas.

Projeto de Araguaína – O projeto em implementação pela comarca de Araguaína prevê que, caso a prisão em flagrante seja convertida em preventiva, especialmente em delitos de roubo e demais crimes contra o patrimônio, o juiz designará um facilitador para que no prazo de sete dias se realize o “pré-círculo”. Caso o indiciado manifeste interesse em participar do projeto, serão realizados círculos com intuito de agregar informações e adotar  providências que possibilitem o seu retorno ao convívio social, podendo o juiz reanalisar a necessidade de manutenção da prisão preventiva.

A próxima etapa do projeto é fazer com que também as vítimas possam participar dos círculos restaurativos. Conforme o documento, a Justiça Restaurativa não visa causar impunidade, mas fazer com que aquele que comete infrações perceba a gravidade de sua conduta e se responsabilize pelos seus atos, por meio da realização de círculos com os ofensores, ofendidos e representantes da sociedade, de forma a reduzir os ciclos de violência e criminalidade e promover uma cultura da paz.

Círculos em presídios – A comarca também começou a realizar, desde o final do ano passado, círculos restaurativos envolvendo delitos ocorridos com reeducandos em presídios. O primeiro círculo restaurativo foi na Unidade de Tratamento Penal Barra da Grota, com atividades voltadas para 18 reeducandos. Outro exemplo ocorreu no último dia 15 de março, quando um reeducando foi flagrado na prisão com um cigarro de maconha, infração considerada gravíssima e que impediria a progressão para o regime semiaberto. O círculo restaurativo foi realizado com a presença da esposa do reeducando, seus filhos e outros parentes, e a progressão de regime foi autorizada, mediante alguns compromissos firmados, como o pagamento de R$ 1 mil para o Fundo Nacional Antidrogas, voltar a estudar e trabalhar, dentre outros. “Caso se constate no pós-círculo que os compromissos não foram cumpridos, o reeducando retorna ao regime fechado”, explica o magistrado Dantas.

Na decisão, o magistrado observou que existem casos em que a manutenção de uma pessoa presa provisoriamente, por exemplo, até o final do processo, poderá gerar efeito inverso à sociedade, porque voltará ao convívio social com uma agressividade maior.

Capacitação de facilitadores – Atualmente a comarca de Araguaína conta com três facilitadores, mas esse número deve aumentar. A 2ª Vara Criminal e Execuções Penais designou a realização de um curso para facilitadores que irão auxiliar o Judiciário na implementação da Justiça Restaurativa, com 50 vagas e duração de três meses. O curso será realizado por meio de parceria do Judiciário com a Faculdade Católica Dom Orione (FCDO) e com o Instituto Tocantinense Presidente Antônio Carlos (ITPAC).

Normatização do CNJ – Contribuir com o desenvolvimento da Justiça Restaurativa é uma das diretrizes prioritárias da gestão do CNJ para o biênio 2015-2016, prevista na Portaria 16/2015, do presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Ricardo Lewandowski. O grupo de trabalho instituído pelo ministro Lewandowski, por meio da Portaria n. 74/2015, para desenvolvimento da Justiça Restaurativa, conta com juízes auxiliares da Presidência do CNJ e magistrados de diversas regiões brasileiras que se destacam pela difusão da prática. O grupo deve apresentar a minuta de um ato normativo durante o primeiro semestre de 2016, que deverá ser aprovado pelo plenário do órgão.

Atualmente, apenas seis dos 27 Tribunais de Justiça (TJs) possuem normatizações a respeito da Justiça Restaurativa, seja por meio de resoluções ou de portarias. Os esforços do grupo estão voltados principalmente para que a norma a ser proposta contemple as diferentes metodologias de práticas restaurativas e leve em consideração as normas já existentes nos tribunais a respeito. Entre os princípios que orientam a Justiça Restaurativa estão a corresponsabilidade, a reparação dos danos, o respeito e o empoderamento.

Luiza Fariello
Agência CNJ de Notícias