Tribunal pega estrada para ampliar acesso à Justiça

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Depois de chacoalhar durante quase 10 horas em estradas de terra, no sudeste paraense, três juízes e dois advogados chegaram à localidade de Lindoeste, a mais de 250 quilômetros da sede do município de São Félix do Xingu. A bordo de três caminhonetes, eles haviam partido de Marabá, a quase 400 quilômetros dali, levando computadores, impressoras, scanners e material de expediente para fazer audiências, casamentos comunitários, homologar divórcios e emitir documentos. Outra caminhonete, com mais equipamentos e servidores do Tribunal de Justiça do Pará partiu de São Félix com o mesmo destino.

Em boa parte da viagem, a velocidade não passava dos 40 quilômetros por hora, por causa dos buracos, da poeira e das pontes de madeira que rangiam debaixo das rodas. São lugares assim, distantes e de acesso difícil, que pontuam a rota de um projeto itinerante do Tribunal de Justiça do Pará (TJPA), empenhado em levar serviços do Judiciário a quem não tem fórum ou outros serviços públicos por perto.

Quando desembarcaram em Lindoeste, os juízes e advogados foram recebidos com festa e cartazes de boas-vindas pela população. Era a primeira vez que os serviços do Judiciário alcançavam a vila. Também foi novidade a presença de uma desembargadora no lugar: Diracy Nunes, coordenadora dos Juizados Especiais do TJPA, desembarcou de um helicóptero da Polícia Militar, num campo de futebol, para acompanhar o projeto, batizado com o nome de “A Justiça vai aonde você está”. O projeto traçou nove grandes rotas terrestres e fluviais no estado, onde devem ser atendidas cerca de um milhão de pessoas até o fim do ano.

A desembargadora Diracy Alves se disse “sensibilizada com a situação vivida pela comunidade”. Os moradores de Lindoeste e Sudoeste, com cerca de 12 mil habitantes, precisam se deslocar até as sedes dos municípios mais próximos para ter acesso a correios, bancos, postos de saúde e fóruns, arcando com as despesas de transportes.

Pequenos fóruns – No último fim de semana, o projeto contabilizou cerca de 970 atendimentos em Lindoeste e na vizinha Sudoeste, em São Félix do Xingu. Em escolas públicas, transformadas em pequemos fóruns, os juízes Alexandre Hiroshi Arakaki, Pedro Enrico e Cristiano Arantes, além dos advogados voluntários Paulo Ferreira Carvalho e Fernanda Cardoso Barros, realizaram 94 casamentos comunitários, 264 atendimentos e orientações jurídicas, 99 ajuizamentos de ações, 34 audiências, 43 sentenças, além de emissão de 20 certidões de nascimento. O Museu sobre Rodas, que acompanha a Justiça Itinerante, recebeu mais de 400 visitas monitoradas pela historiadora Cacilda Pinto, apresentando de forma lúdica e cultural a história do Judiciário do Pará.

Os atendimentos mais comuns são relacionados a divórcios, ação por alimentos e pedidos de registro civil extemporâneo (de pessoas acima de 12 anos). Cerca de 30 pessoas, entre magistrados e servidores do Judiciário, do cartório extrajudicial e da prefeitura municipal, cuidaram do atendimento às muitas demandas da comunidade.

O agricultor Nelson Marinho de Abreu, por exemplo, teve renovada a esperança de conseguir o principal documento de cidadania: a Certidão de Nascimento. “Eu já tinha desistido de correr atrás desse registro, já que os cartórios de Carolina e Miracema sempre diziam que não estou registrado lá, que não existe nenhum registro no meu nome. Agora, o juiz me prometeu que, assim que chegar a comunicação desses cartórios dizendo que não tem nada de registro em meu nome por lá, ele vai resolver o meu caso. O advogado fez o pedido e mostrou para o juiz todos os meus documentos, e o juiz falou comigo e com duas pessoas que me conhecem desde sempre. Graças a Deus, meu caso vai ser resolvido logo”, relatou, esperançoso.

Nelson havia sido registrado por duas vezes, quando criança, por seu pai, primeiramente em Carolina, no Maranhão, e depois em Miracema, no Tocantins, mas nenhum dos dois cartórios confirmavam a existência de registro.

Paternidade – Outro trabalhador rural, Francisco das Chagas Azevedo, fez o reconhecimento voluntário de paternidade de seu filho. “A vinda da Justiça aqui foi muito boa, porque já fica tudo resolvido. Hoje eu reconheci o meu filho e já foi arrumado o registro dele”, contou. Da mesma forma, Clarisneta França Cortez regularizou a guarda de seu filho, que estava com os avós maternos, e Claricy Brandão de Souza, que tinha ajuizado pedido de suprimento judicial de consentimento para casamento, pode regularizar sua situação conjugal. “Não sei quando eu poderia ir em São Félix resolver isso. Fiquei muito agradecida de poder arrumar minha situação aqui na vila sem ter que pagar condução para São Félix”, declarou.

De acordo com o juiz auxiliar dos Juizados Especiais, Cristiano Arantes, “a importância do programa é patente” quando se contabiliza os benefícios que tal esforço concentrado leva à população. “Mais de 1,2 milhão de pessoas serão alcançadas ao final da execução da agenda de itinerância”, ressaltou.

A próxima ação do programa “A Justiça vai aonde você está” está agendada para os dias 20 e 21 de setembro e atenderá o distrito de Cruzeiro do Sul, no município de Itupiranga. Nos dias 27 e 28, o programa estará no distrito de Ladeira Vermelha, em São Félix do Xingu. Ainda em 2014, o projeto chegará, por rios e estradas, a outras 26 comunidades longínquas do Pará.

Fonte: TJPA