Tampão, o inferno amazônico

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Na Casa de Detenção de Vilhena, a equipe do mutirão encontrou duas celas de quatro metros quadrados, cada, destinadas a isolar presos que cumprem punição por algum ato de indisciplina. O “banheiro” é um buraco aberto no chão de um canto da cela que exala mau-cheiro intenso. O outro buraco é uma fenda gradeada no alto de uma parede com um metro de largura por 20 centímetros de altura. Por entre as bigornas é que passa o ar. Onde quer que se olhe, há sujeira. Quando a porta é fechada, a impressão é de claustrofobia fétida, calor amazônico. Na escuridão total (em plena luz do meio-dia), não há sequer uma “cama” para dormir.

Quem conta os piores horrores sobre o tampão são os apenados da ala chamada de “seguro”, onde ficam aqueles que estão ameaçados por outros colegas da prisão ou condenados por crimes sexuais. Os castigos manteriam tais detentos até um mês dentro da cela. Segundo os relatos, os castigados ficariam nus ou de cueca, o que causaria doenças, principalmente de pele. Quando o banheiro entope, seriam forçados a defecar na embalagem das refeições ou no chão. 
 
O preso R. O. A. alega que contraiu sífilis durante os 12 dias que passou no “tampão” do Presídio de Vilhena, completamente nu. O interno, preso há três anos por roubo, conta que a doença venérea foi diagnosticada quando foi a Porto Velho, escoltado por causa da emergência médica. “Estou nervoso, não estou conseguindo dormir por causa do problema”. Segundo o detento, quando pede ajuda aos agentes, ouve a sugestão de “bater bigorna”. O recurso de bater com objetos nas grades da cela provoca barulho. Não raro, também gera tumulto na ala inteira, o que é punido com dias, semanas no “tampão”.
 
A outra unidade prisional da cidade abriga presos do regime semiaberto que estudam ou trabalham e só precisam se recolher ao presídio no fim do dia. A direção da casa garante que a “cela alternativa”, idêntica ao tampão do presídio, foi desativada. “Quando a pessoa voltava embriagada para o presídio à noite, era encaminhada para esta cela alternativa porque não tínhamos como contê-la”, tenta explicar o diretor, Fernando Oliveira. Segundo ele, ali, essas presas permaneceriam até “a agressividade passar”. “Só o fato de a cela existir depõe contra vocês”, diz o juiz Lima Neto, diante do tampão aberto, a um constrangido diretor da unidade. 
 
Assassino de baratas

O mutirão carcerário continua as inspeções, subindo a BR-364 (Cuiabá-Porto Velho) rumo ao norte do Estado. Na Casa de Detenção de Pimenta Bueno, encontra mais tampões e testemunha humilhação ainda maior: o único vão na grossa porta de metal da cela fica a um palmo do chão. Para recolher a refeição ou pedir para falar com o diretor, os presos precisam se deitar no chão. No momento em que o coordenador do mutirão chega para conhecer as duas “celas alternativas”, uma barata circulava pelo chão, do lado de fora do tampão. Da pequena passagem de ar, menor que um cachorro pequeno, sai um braço do lado de dentro. Uma mão apanha um vidro de remédio do chão e amassa o inseto, após algumas tentativas. 
 
A cena parece inusitada. Uma voz sem rosto contesta imediatamente lá de dentro. “Passo a noite toda matando barata”, afirma o assassino da barata. Além das baratas, o morador do tampão tem a companhia de um colega de cela do presídio de Cacoal. “Quando chegamos tinha três dedos de fezes no cano (latrina). Não deram nem um papelão para a gente deitar, estou com pneumonia aqui”, diz. Para a direção do presídio, a situação é provisória.
 
No tampão do lado, três vizinhos da prisão do mesmo município. São apenas cinco dos 264 internos da cadeia, que oferece 63 vagas para homens. Segundo o presidente da Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (APAC) do município de Pimenta Bueno, Leliton Costa, os cinco foram transferidos há 14 dias a pedido do juiz de Execução Penal de Cacoal porque teriam tentado iniciar um motim na antiga cadeia. “Além disso, também estariam jurados de morte em Cacoal”, conta.

Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias

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