O esporte como “nova modalidade” do tráfico internacional de pessoas será debatido em Simpósio Internacional

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A quarta edição do Simpósio Internacional para o Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nesta quinta e sexta-feira (29 e 30/5), no Rio de Janeiro/RJ, vai debater as várias formas desse tipo de crime entre os agentes que lidam com a problemática cotidianamente. O tráfico “desportivo”, como é chamado por quem atua no enfrentamento ao problema, vem chamando a atenção das autoridades internacionais, sobretudo, no Brasil, onde o futebol movimenta bilhões anualmente por meio de compra e venda de atletas.

Para abordar o assunto, o Simpósio terá a participação da procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT) do Paraná, Cristiane Maria Sbalqueiro Lopes, que é coordenadora do Grupo de Trabalho para avaliar e estudar estratégias de atuação a respeito do trabalho dos migrantes. Ela também é coautora do Projeto Nacional de Enfrentamento da Exploração do Trabalho de Crianças e Adolescentes nos Esportes: Atletas da Copa e das Olimpíadas, da Coordinfância/MPT. Ela participará do evento no dia 29/5, no painel Múltiplas Dimensões do Tráfico de Pessoas: Modalidades de Exploração, Fluxos e Rotas do Tráfico.

A procuradora destaca que o fato do Brasil ter a fama de possuir o melhor futebol do mundo tem permitido que criminosos se aproveitem dessa condição e consigam atrair para cá crianças e adolescentes de vários países, como China e Japão, iludidos pela vontade de serem descobertos por um grande time brasileiro e, em seguida, despontarem para o cenário internacional. O sonho também é alimentado por muitos brasileirinhos que têm caído nesses golpes com cada vez mais frequência.

Abaixo, leia íntegra da entrevista com a procuradora do MPT Cristiane Maria Sbalqueiro Lopes sobre o tráfico “desportivo” como modalidade de tráfico internacional de pessoas.

Estamos falando de uma “nova modalidade” de tráfico de pessoas ou ele já vem sendo cometido há bastante tempo no País e no mundo?

O trânsito internacional de atletas é uma realidade há tempos, principalmente, no futebol. Mas, atualmente, essa internacionalização de atletas movimenta cifras bilionárias, a ponto de muitos especialistas em futebol afirmarem que o novo “modelo” brasileiro não é o de formação de atletas para obtenção de resultados medidos em qualidade desportiva, e sim, para serem comercializados no mercado internacional. Esse é o sonho da maioria dos atletas: ser vendido para o exterior. No entanto, em alguns casos investigados pelo Ministério Público do Trabalho, adolescentes foram atraídos para jogar futebol no Brasil mediante engano. Pensavam que iriam treinar em um local adequado, junto a um clube regularmente constituído e que a oportunidade lhes abriria portas profissionais. Nada mais equivocado.

E como esses casos vêm sendo tratados pelas autoridades brasileiras?

Tivemos no Paraná o caso de um clube que não existia, o Esporte Clube Piraquara. Um site divulgava fotos de um suposto “centro de treinamento” que não era deles. Quando os garotos estrangeiros chegavam, os passaportes dos atletas eram recolhidos pelo representante do suposto clube para ficarem “bem guardados”, o dinheiro mandado pelos pais era sacado pelos treinadores, que não repassavam nada aos atletas. Aqui, esses meninos não estudavam, estando integralmente à disposição para treinamentos desportivos, nos quais jogavam com os times de bairro. Esses adolescentes eram de nacionalidade sul-coreana, não falavam português nem inglês. Se formos ler a definição de tráfico de pessoas que consta do artigo 3º do Protocolo de Palermo, não teria dúvidas em afirmar: é tráfico! No entanto, é preciso mais para que essa situação seja identificada como tráfico, é preciso abrir os olhos das autoridades, que não estão acostumadas a gerir esse tipo de situação. Concretamente, no caso de Piraquara, não houve interesse em instaurar qualquer inquérito criminal. Outro caso emblemático ocorreu na região de Campinas, onde não houve possibilidade de inserir os adolescentes resgatados em qualquer programa de resgate a vítimas de tráfico de pessoas. Eles haviam, inclusive, sofrido violência física por não desempenharem direito os treinamentos e mesmo assim, após o resgate, acabaram ficando hospedados em um hotel, ao alcance dos “treinadores”, tendo o Conselho Tutelar relatado ao MPT tentativas de aproximação.

Há algum outro esporte no qual o tráfico de pessoas venha agindo?

O futebol é o único efetivamente mercantilizado no Brasil e no mundo.

Como o MPT vem lidando com a questão?

O MPT vem procurando se informar sobre todos os vistos concedidos a título de “prática intensiva de treinamento na área desportiva”, previsto na Resolução n. 86/2010 do Conselho Nacional de Imigração, obtendo a relação correspondente do Ministério de Relações Exteriores. Com isso, programou força-tarefa na região de Ribeirão Preto, por exemplo, onde havia centenas de atletas em treinamento, provenientes de países como China e Cazaquistão. No entanto, não havia sido esclarecido anteriormente que esses atletas estavam no Brasil a título de uma espécie de intercâmbio internacional, com a participação e ciência do Ministério dos Esportes e da Agência Brasileira de Cooperação. Nesse caso, o tráfico não se confirmou e os atletas estavam usufruindo de um programa autêntico, com inegáveis benefícios e acompanhamento escolar de qualidade. Mesmo assim, novos casos foram aparecendo, e se descobriu que atualmente está sendo utilizado o visto de estudante para realização de tais práticas, ao arrepio de sua finalidade legal, já que a escola indicada para obtenção do visto não é responsável pelo programa. O aliciador simplesmente pede uma declaração de escola pública a respeito da existência de vagas e com isso tramita o pedido, notadamente em países como Coreia do Sul e Japão, que, nem sequer, adotam o mesmo alfabeto que o brasileiro, dificultando assim a compreensão da realidade. É mais difícil interceder sobre os vistos de estudante, cuja quantidade é exponencialmente maior que os vistos da Resolução n. 86.

Como o MPT vem trabalhando no enfrentamento dessa questão?

Estamos trabalhando para reformulação dos procedimentos para obtenção de vistos, de forma a melhorar os controles sobre a entrada de adolescentes para treinar futebol, visando que eles não sejam enganados e tenham uma experiência proveitosa.

Como o país deve se preparar para enfrentar esse problema?

Defendemos que o tráfico desportivo seja alçado à ordem do dia. Uma definição criminal seria conveniente, pois o Protocolo de Palermo não constitui um instrumento que vise assegurar direitos humanos, mas apenas um documento acessório à Convenção para Repressão do Crime Internacional. No entanto, uma definição criminal não é absolutamente necessária para afrontamento a essas práticas. Trazer ao debate e à incorporação do tráfico desportivo nas Políticas Públicas, entre elas a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, já asseguraria alguns instrumentos para viabilizar o encaminhamento adequado de casos práticos, especialmente, por exemplo, a proteção imediata das vítimas, assim que resgatadas de seus “cativeiros” e, enquanto não procedida a repatriação. É importante observar que o lugar de adolescentes em fase de formação educacional é junto aos seus pais e a formação realizada no Brasil não tem finalidade migratória.

Serviço:

IV Simpósio Internacional para Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas
 
Data: 29 e 30/5
Local: Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, Rio de Janeiro/RJ
Horário: das 9h às 18h30
 
Veja a programação.
 
O evento é voltado para magistrados, membros do Ministério Público, representantes do Ministério da Justiça, advogados públicos (Defensoria Pública da União, dos estados e da Advocacia-Geral da União), auditores fiscais do Trabalho, polícias judiciária e administrativa, secretarias de Educação e da Saúde e Rede de Atendimento às Vítimas. Clique aqui para mais informações.

Waleiska Fernandes
Agência CNJ de Notícias