O que você precisa saber sobre a Política Antimanicomial do Poder Judiciário

A resolução do CNJ não cria nada, apenas estabelece diretrizes e procedimentos para aplicabilidade das normas nacionais e internacionais vigentes, a exemplo da Constituição Federal, do Código Penal e do Código de Processo Penal, da Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei nº 10.216/2001), da Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.416/2015) e da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, que foi internalizada pelo país com força de emenda constitucional (Decreto Nº 6.949/2009). 

Portanto: é incorreto dizer que há uma situação nova, não prevista, surgida com a Resolução do CNJ. A proposta da Política Antimanicomial foi, justamente, fazer com que as regras já existentes (e válidas de longa data) sejam efetivamente cumpridas, ao mesmo tempo ofertando melhores instrumentos para que o Poder Judiciário possa se adequar a essas normas.

Outras normativas relevantes que balizam a Resolução CNJ nº 487/2023:

  • Resolução CNJ nº 113/2010, que dispõe sobre os procedimentos relativos à execução de pena privativa de liberdade e de medida de segurança, no âmbito dos Tribunais.
  • Recomendação CNJ nº 35/2011, que estabelece diretrizes para a desinstitucionalização e o redirecionamento do modelo assistencial à saúde mental em serviços substitutivos em meio aberto, indicam a adoção de política antimanicomial na execução das medidas de segurança, nos termos da Lei nº 10.216/2001.
  • Resolução CNPCP nº 4/2010, indica que no prazo de dez anos, o Poder Executivo, em parceria com o Poder Judiciário, deveria ter implantado e concluído a substituição do modelo manicomial de cumprimento de medida de segurança pelo modelo antimanicomial, através de programa de atenção ao paciente judiciário

A Resolução, aprovada em votação plenária pelos conselheiros do CNJ e com força normativa para o Judiciário, parte de extensa base legal traduzida pela Política Antimanicomial do Poder Judiciário e não cria nenhuma ciência, instrumentalizando a aplicação da base legal elencada em seus “considerandos”. Quando as condições de internação em hospitais de custódia violam o cumprimento da lei, torna-se, obrigatoriamente, objeto de atenção do Judiciário.

A questão foi discutida amplamente com diferentes atores por quase dois anos no Grupo de Trabalho instituído pelo CNJ no contexto da audiência sobre a condenação do Brasil no caso Ximenes Lopes vs. Brasil, que trata de paciente psiquiátrico que morreu em uma clínica psiquiátrica, o Damião Ximenes Lopes. Esse grupo contou com representantes também da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e Organização Mundial da Saúde (OMS).

Não foi objeto do Grupo adentrar em questões específicas de cada profissão envolvida no atendimento ao paciente com transtorno mental, pois isso já tem regulamentação em cada área. O que foi elaborado diz respeito apenas à adequação da atuação do Poder Judiciário às normas vigentes sobre local apropriado de tratamento e internação que continua tendo as mesmas regras em casos de saúde mental.

A insuficiência de vagas também é realidade no sistema prisional. O trabalho por melhorias das políticas públicas é contínuo, e a impossibilidade de se manter o modelo de hospitais de custódia no formato atual foi apontada pela própria entidade citada, em relatório de 2014: https://www.cremesp.org.br/pdfs/Livro_Hospital_de_Custodia.pdf

Além disso, nem todos os casos precisarão ocupar leitos em hospitais gerais. O tratamento mais adequado a cada caso será avaliado e indicado pela equipe médica e de saúde, competência exclusiva dessa área. Além disso, a ideia é fomentar, com o fechamento de leitos em hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, investimento de recursos em equipamentos da saúde. Os leitos em hospital geral ou em Caps fazem parte da RAPS.

Enquanto o número de medidas de segurança em unidades prisionais está em queda segundo dados do Poder Executivo, estados como Rio de Janeiro e Piauí fecharam Hospitais de Custódia, enquanto Goiás nunca teve esse tipo de estabelecimento. Adicionalmente, diversos tribunais desenvolveram Programas com fluxos próprios para encaminhamentos, e vimos multiplicar os grupos de trabalho e ações interinstitucionais para a discussão do tema em pelo menos 17 estados.

O paciente com transtorno mental em medida de segurança continuará sendo acompanhado pelo Judiciário, inclusive em seu Artigo 13 da Resolução recomenda à autoridade judicial a interlocução constante com a equipe do estabelecimento de saúde que acompanha a pessoa, a EAP ou outra equipe conectora, para que sejam realizadas avaliações biopsicossociais a cada 30 (trinta) dias.

O CNJ não muda regras para internações psiquiátricas e não faz avaliações gerais sobre situações específicas de cada pessoa em medidas de segurança – cada caso deve ser analisado pelo juízo competente, dentro das especificidades de cada situação, mas sempre zelando pela aplicação das leis e normas em vigor, que é o que a resolução busca instrumentalizar.

O juiz seguirá pautado na opinião de equipes médicas e de saúde, que vão recomendar ou não o seguimento da internação ou indicar a continuidade do atendimento sob outro modelo ou regime quando necessário.

As diferentes necessidades das pessoas inimputáveis em medida de segurança devem ser observadas no tratamento seguindo o Projeto Terapêutico Singular (PTS) que também consta na resolução.

A política não muda o cumprimento de penas. Penas são cumpridas por aqueles que compreendem o crime que praticaram. A resolução só diz respeito a quem não tinha consciência de seus atos, situação atestada após avaliação por equipe de saúde especializada. A lei considera essas pessoas inimputáveis.

A vantagem é passarem a receber efetivamente um tratamento que atenda às necessidades específicas e sociais de cada um em conformidade com as políticas de saúde.

Nem todos os pacientes precisarão de internação e, portanto, leito em Hospital Geral.   Segundo determina a resolução, cada pessoa deve ter seu Projeto Terapêutico Singular (PTS) formulado e as respostas para cada necessidade. 

 

A RAPS conta com vários serviços, por exemplo:

Na Atenção Básica • Unidade Básica de Saúde; • Núcleo de Apoio a Saúde da Família; • Consultório de Rua; • Apoio aos Serviços do componente Atenção Residencial de Caráter Transitório; • Centros de Convivência e Cultura. Atenção Psicossocial Estratégica • Centros de Atenção Psicossocial nas suas diferentes modalidades.

Atenção de Urgência e Emergência • SAMU 192; • Sala de Estabilização; • UPA 24 horas e portas hospitalares de atenção à urgência /pronto socorro, Unidades Básicas de Saúde.

Atenção Residencial de Caráter Transitório • Unidade de Acolhimento; • Serviço de Atenção em Regime Residencial.

Atenção Hospitalar • Enfermaria especializada em hospital geral; • Serviço Hospitalar de Referência (SHR) para Atenção às pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas.

Estratégia de Desinstitucionalização • Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT); • Programa de Volta para Casa (PVC). Estratégias de Reabilitação Psicossocial • Iniciativas de Geração de Trabalho e Renda; • Empreendimentos Solidários e Cooperativas Sociais.

 

A resolução não abole nenhum tipo de avaliação de competência de outras áreas. Inclusive, a resolução fala em vários momentos em respeitar e levar em conta as considerações e avaliações da equipe de saúde, que inclui os profissionais da especialidade médica, no acompanhamento dos pacientes, considerando a noção ampliada de saúde da OMS e seus determinantes sociais e a mudança de paradigma trazida pela Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), conforme listado em seu Artigo 2º.

Dentre os que tiverem necessidade de internação, após avaliação por equipe de saúde, ficarão internados na RAPS enquanto necessário como parte do tratamento. O fato de terem cometido algum ato definido como crime não os torna mais suscetíveis do que os demais para cometer outros atos. O manejo de situações de risco psiquiátrico segue um protocolo definido pelos profissionais da saúde, aplicável a todas as pessoas em tratamento.

A melhor forma de proteger a todos – tanto as pessoas em medidas de segurança, quanto a sociedade em geral –, garantindo a aplicação de normas e leis em vigor definidas segundo melhores práticas observadas no Brasil e no mundo, é que essas pessoas estejam sob cuidados especializados, com profissionais especializados e em locais que ofereçam o tratamento adequado, o que não é o caso de muitos hospitais de custódia em operação no país, conforme apontado pela própria Cremesp em relatório publicado em 2014: https://www.cremesp.org.br/pdfs/Livro_Hospital_de_Custodia.pdf  

Para além da evidência de própria análise médica sobre a situação dos hospitais de custódia mencionada na questão anterior, é importante destacar que é função precípua do Judiciário garantir o cumprimento de leis, que no caso, apontam para a impossibilidade de operação dos hospitais de custódia no formato que estão no país hoje. A partir dessa premissa, o trabalho pela melhoria das políticas públicas deve ser contínuo. 

Enquanto o número de medidas de segurança em unidades prisionais está em queda segundo dados do Poder Executivo, estados como Rio de Janeiro e Piauí fecharam Hospitais de Custódia, enquanto Goiás nunca teve esse tipo de estabelecimento. Adicionalmente, diversos tribunais desenvolveram fluxos próprios para encaminhamentos, e vimos multiplicar os grupos de trabalho e ações interinstitucionais para a discussão do tema em pelo menos 17 estados.

A responsabilidade pela elaboração dos Projetos Terapêuticos Singulares (PTS), uma vez determinada a medida de segurança pelo Judiciário, é dos profissionais da área de saúde, conforme indicado em diversos momentos da resolução, a exemplo do Artigo 12, parágrafo 1.

  • 1º O acompanhamento da medida levará em conta o desenvolvimento do PTS e demais elementos trazidos aos autos pela equipe de atenção psicossocial, a existência e as condições de acessibilidade ao serviço, a atuação das equipes de saúde, a vinculação e adesão da pessoa ao tratamento.

Esse é um uso equivocado do termo segundo as leis em vigor no país. De acordo com o Código Penal, pessoas inimputáveis não são condenadas, e sim “absolvidas impropriamente”, justamente porque não tinham ciência de seus atos. Assim, se tornam público de atenção da rede de saúde e não do sistema penal. 

A insuficiência de vagas também é realidade no sistema prisional. O trabalho por melhorias das políticas públicas é contínuo. Além disso, nem todos os casos precisarão ocupar leitos em hospitais gerais. O tratamento mais adequado a cada caso será avaliado e indicado pela equipe médica e de saúde, competência exclusiva dessa área. Além disso, a ideia é fomentar, com o fechamento de leitos em hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, investimento de recursos em equipamentos da saúde. Os leitos em hospital geral ou em Caps fazem parte da RAPS.

A Resolução não fala em nenhum momento em diagnóstico por outra área do conhecimento.  Com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e outras legislações vigentes houve uma mudança com relação à atenção às pessoas com deficiência que passa a ser integral e que deve ser assistida por equipe multidisciplinar e, quando necessário, com avaliação biopsicossocial, ofertando, portanto, avaliação e cuidado mais amplos.

Importante destacar que a CDPD tem status constitucional no Brasil, exigindo adequação do Estado brasileiro no tratamento da questão.

A partir do momento que a pessoa é considerada inimputável, segundo as leis do país e após avaliação médica e de saúde, ela passa a ser paciente como os demais. Devendo receber tratamento adequado para o seu caso, com estrita observação da execução da medida pelo Judiciário, que deve tomar todas as providências necessárias e recomendadas pelas equipes de saúde para garantir a saúde e segurança de todos. 

As diferentes necessidades das pessoas inimputáveis em medida de segurança devem ser observadas no tratamento seguindo o Projeto Terapêutico Singular que também consta na resolução. Quanto a vulnerabilidade de pessoas em medida de segurança, diversas pesquisas indicam que instituições totais asilares tendem a aumentar a vulnerabilidade dos indivíduos. A ideia é que os pacientes tenham tratamento de saúde mental adequado e não em manicômios que deveriam ter sido extintos há pelo menos 20 anos, de acordo com as bases da Reforma Psiquiátrica do Brasil.

Por fim: O juiz estará sempre pautado na opinião da equipe de saúde que vai recomendar ou não o seguimento da internação ou indicar a continuidade do atendimento sob outro modelo ou regime quando necessário.

Diversas unidades da federação já buscam se adequar à perspectiva antimanicomial. Enquanto o número de medidas de segurança em unidades prisionais está em queda segundo dados do Poder Executivo – eram 3989 pessoas nessa situação, no país, em 2011 chegamos a 1987 pessoas, em 2022 – estados como Rio de Janeiro e Piauí fecharam Hospitais de Custódia, enquanto Goiás nunca teve esse tipo de estabelecimento. Adicionalmente, diversos tribunais desenvolveram fluxos próprios para encaminhamentos, e vimos multiplicar os grupos de trabalho e ações interinstitucionais para a discussão do tema em pelo menos 11 estados.

A internação daquele que não tem condições de estar em liberdade não está sendo cancelada pela Resolução. Apenas o lugar, um equipamento de saúde efetivo, com todas as restrições devidas e os cuidados necessários, é que está sendo revalidado e passará a ser exigido.

Em outras palavras, cada caso deve ser analisado com suas especificidades, e a internação nos casos em que a pessoa com transtorno mental praticou crime grave e com comportamento antissocial ainda segue como uma opção, nas situações em que a equipe de saúde, incluídos médicos, psicólogos e assistentes sociais, entendam ser essa medida necessária, quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.

Em resumo, o juiz estará sempre pautado na opinião de equipe de saúde que vai recomendar ou não o seguimento da internação ou indicar a continuidade do atendimento sob outro modelo ou regime quando necessário.