Pacientes e funcionários de hospital sobrevivem à rotina de horror

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Enquanto sofria uma crise de esquizofrenia, um homem matou o próprio pai. A família não o aceita de volta. O caso não faz parte da sinopse de um filme. Esse homem tem 38 anos de idade e sobreviveu os últimos três anos cumprindo medida de segurança nas instalações do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Salvador (HCT). Única do tipo na Bahia, a unidade obrigava o homem a viver a mil quilômetros de distância de sua cidade, Santa Rita de Cássia.

Casos semelhantes – há outros no HCT – levaram o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA) a realizar no hospital o primeiro mutirão de medidas de segurança no País, iniciado em agosto de 2010. Em maio de 2011, o mutirão realizou uma perícia no HCT para estabelecer quais pacientes deveriam cumprir a medida de segurança no hospital e quais poderiam ser encaminhados para outro estabelecimento, onde houvesse um tratamento mais adequado às necessidades do caso.

Pouco mais de um ano se passou desde a perícia e, em 9 de julho de 2012, o número de pacientes do HCT havia caído de 156 para 117, mas a deterioração das condições físicas da unidade a transformou em um cenário assustador. A decadência da vida levada ali inspirou a antropóloga Débora Diniz a realizar o documentário “A Casa dos Mortos”, indicado ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro em 2011. O poema de um dos internos da instituição deu nome ao filme.

Infraestrutura decadente – Por causa da falta de manutenção no telhado do prédio, segundo os próprios internos, a chuva molhava todo o chão da ala que fica no primeiro andar. Em razão das infiltrações, a água queimava as lâmpadas dos quartos e os bocais viravam goteiras. Além de úmido, o lugar não cheirava bem. No final de junho, o fedor atingira o insuportável, segundo funcionários da unidade, porque o contrato entre o governo estadual e uma empresa de limpeza havia terminado e o serviço fora interrompido.

Como um incêndio destruiu em maio passado a enfermaria, no segundo andar, o acesso ao local foi desde então proibido por causa do risco de desabamento. De acordo com funcionários do hospital, o prédio é muito antigo – teria servido como uma das primeiras unidades prisionais da Bahia.

Cotidiano de medo – Tentativas de fuga seriam constantes, mesmo na ala onde são mantidos os idosos e deficientes físicos. Conforme o testemunho de quem cuida da segurança da unidade, as grades são facilmente serradas, pois estão em estágio avançado de oxidação. Para evitar fugas em massa, a direção construiu um muro de tijolos no lugar da passagem por onde o ar entrava no quarto.

Os casos de violência entre os próprios internos e algumas agressões ao pessoal da casa reduziram ainda mais um quadro já envelhecido de servidores. Se a violência dentro dos muros da unidade assusta, o bairro onde está localizado o HCT – conhecido como Baixa do Fiscal – é a localidade mais violenta da capital baiana. Por ano, a média de assassinatos é de 526 pessoas por 100 mil habitantes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Secretaria de Segurança Pública do estado.

Saúde no papel – Dez meses após o início da implantação, na Bahia, do Programa de Assistência às Pessoas com Transtornos Mentais, por meio de termo de cooperação assinado em 1º de setembro de 2011 entre diversas entidades, incluindo o CNJ, o TJBA, o governo, o Ministério Público e a Defensoria Pública do estado, a escassez de médicos ainda comprometia o atendimento aos quase 120 internos do hospital.

Enquanto o documento assinado previa a criação de rede de atendimento multidisciplinar que aprimoraria a execução das medidas de segurança, no início de julho, só havia oito médicos no HCT, desdobrando-se entre as funções de plantonista, perito e assistência médica.

Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias