“Mortes de presos do Carandiru foram em vão”

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Passados 20 anos, a repercussão da morte de 111 presos por policiais militares na Casa de Detenção de São Paulo, no episódio conhecido como massacre do Carandiru, frustra quem esperava a punição dos acusados e melhorias no combalido sistema carcerário brasileiro. A única condenação penal, do coronel que comandou a operação, foi anulada pela Justiça. Além disso, nesse período a população carcerária do país aumentou 300%, inviabilizando qualquer solução para as mazelas das prisões.

“A revolta daqueles presos, que resultou no massacre do Carandiru, foi um protesto deles contra o tratamento indigno dispensado pelo Estado. Mas essa revolta e a morte dos presos foram em vão, não serviram para nada, a não ser envergonhar o Brasil perante o mundo. Mesmo com toda a repercussão do caso, ninguém foi punido até hoje, e os problemas do sistema prisional continuam com a mesma gravidade”, lamenta o conselheiro Fernando da Costa Tourinho Neto, supervisor do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e de Execução de Medidas Socioeducativas do Conselho Nacional de Justiça (DMF/CNJ).

Sobre o fato de 79 réus ainda não terem sido julgados, o conselheiro aponta a dimensão do processo e os recursos dos advogados como causas, mas faz um alerta: os réus podem se beneficiar do instituto legal da “prescrição retroativa”, com base no intervalo de tempo entre a denúncia e a publicação da sentença.  “Assim, ficariam livres do cumprimento da pena”, completa o conselheiro.

A seguir, os principais trechos da entrevista do supervisor do DMF/CNJ:

O chamado massacre do Carandiru teve grande repercussão, dentro e fora do Brasil. O episódio rendeu até livros e filmes sobre o crime e a situação caótica do sistema prisional. Na sua opinião, essa repercussão foi suficiente para pressionar as autoridades a promover melhorias nas prisões?

Nada melhorou. A situação do sistema carcerário continua a mesma. O que se vê ainda hoje é superlotação de delegacias e penitenciárias. Na maioria dos casos, os presos recebem tratamento indigno, humilhante. É o mesmo horror de 20 anos atrás. Isso gera revolta entre os presos e aumenta a tensão e a violência. Quando os presos recebem um tratamento digno, as revoltas são mínimas. Mas, na maioria das vezes, a administração pública dispensa um tratamento indigno e desrespeitoso aos presos e seus familiares. Há 20 anos, a revolta daqueles presos, que resultou no massacre do Carandiru, foi um protesto deles contra o tratamento indigno dispensado pelo Estado. Mas essa revolta e a morte dos presos foram em vão, não serviram para nada, a não ser envergonhar o Brasil perante o mundo. Mesmo com toda a repercussão do caso, ninguém foi punido até hoje, e os problemas do sistema prisional continuam com a mesma gravidade.

O que poderia ser feito para mudar esse quadro?

Acho que a sociedade poderia contribuir significativamente para melhorar essa situação, mudando de mentalidade. A sociedade só vê solução para o crime na cadeia, no castigo, na vingança. É claro que há presos que cometeram crimes graves, que nos arrepiam, mas nem todos estão nessa situação. Hoje, no Presídio da Papuda, aqui em Brasília, os presos não veem a luz do sol, o que configura risco para sua saúde. A sociedade e os governos não olham para os presos. Além disso, a sociedade vira as costas, por preconceito, quando alguém que foi preso lhe pede uma oportunidade de trabalho, para reconstruir a vida. E é por isso que são altos os índices de reincidência criminal no Brasil. É preciso que se perceba que esse tipo de mentalidade retroalimenta o ciclo de criminalidade e não traz nenhuma garantia de segurança para a população.

Até agora, apenas 28 dos 79 policiais militares acusados do massacre do Carandiru tiveram o julgamento marcado. Será em janeiro de 2013, no Fórum da Barra Funda, em São Paulo. E a marcação do julgamento ocorreu somente às vésperas de o massacre completar 20 anos, perto de sua prescrição. O que o senhor tem a dizer sobre isso?

O julgamento demorou a ser marcado porque o processo é muito grande, são muitos réus. E, como são muitos réus, os diversos recursos impetrados pelos advogados impedem que o processo tramite com mais rapidez. Mas essa demora em realizar o julgamento pode acabar beneficiando ainda mais os réus, porque seus advogados podem requerer a prescrição retroativa, com base no intervalo de tempo entre a denúncia do Ministério Público e a sentença. Há, sim, o risco de muitos deles não precisarem cumprir a pena, em função da prescrição retroativa.

O episódio da morte dos 111 presos rendeu livros e filmes sobre a situação carcerária brasileira. Ao que o senhor atribui o interesse de escritores e artistas sobre o assunto?

Por falar nisso, eu li o livro Estação Carandiru, do Dr. Drauzio Varela. Acho que essas obras foram criadas como forma de denunciar o caos do sistema prisional brasileiro. Foram feitas por pessoas que têm sentimento e querem contribuir para que esse horror tenha fim. Mas, infelizmente, nada melhorou nas prisões brasileiras.

Jorge Vasconcellos
Agência CNJ de Notícias