O Mutirão de Medidas de Segurança do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que analisa os processos judiciais dos detentos do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Salvador (BA) (HCTP) revelou dados preocupantes. Dos 156 internos do HCTP, 88 pessoas estão presas ainda aguardando o laudo de insanidade mental – que deveria ser emitido pelos juízes em até 135 dias.
“Em alguns casos, há pacientes presos no hospital há mais de 10 anos”, disse o coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do CNJ, juiz auxiliar da presidência Luciano Losekann, durante divulgação dos dados, nesta quarta-feira (4/5), no Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA). Os processos, em análise do CNJ desde o início da semana, também revelaram que a miséria e o abandono familiar contribuem para a manutenção no número de pacientes internados; 31 deles já poderiam sair do hospital, mas continuam internados por falta de assistência social e de saúde. A maioria perdeu o vínculo com a família e não tem para onde ir.
No hospital há 34 anos, o caso de Derivaldo Bispo Santos, de 60 anos, é o mais surpreendente descoberto até agora pelo mutirão e reforça o temor de que as medidas de segurança transformem-se em penas perpétuas se não forem fiscalizadas. Em 1977, então com 27 anos, Derivaldo foi internado no HCTP por ter cometido lesão corporal – crime cuja pena máxima é de 12 anos – mas, de lá, ele nunca mais saiu.
“Casos como esse revelam que estamos diante de um problema de saúde pública. Por isso a necessidade da criação da rede de assistência social e de saúde. Quando essa equipe estiver montada, acompanhará os casos desde a ocorrência do delito até a cessação de periculosidade do indivíduo”, explicou Losekann, que participou da reunião de formação da rede de assistência aos detentos com sofrimento mental no TJBA, ocorrida na manhã de quarta.
No encontro, os representantes dos órgãos envolvidos no projeto discutiram a criação de uma rede de apoio multidisciplinar para auxiliar os juízes nos processos que envolvam casos de insanidade. Também participaram da reunião a juíza Andremara dos Santos, titular da Vara de Execuções Penais (VEP) e presidente do Grupo de Monitoramento, Fiscalização e Acompanhamento do Sistema Carcerário da Bahia (GMF Bahia), a juíza auxiliar Rosana Chaves, da Vara de Execuções Penais e Medidas Alternativas, além de representantes das secretarias da Saúde e de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza do Estado.
O mutirão ainda contabilizou 37 pacientes em cumprimento de medidas de segurança no hospital e 44 considerados inimputáveis pela perícia médica, mas que ainda aguardam sentença do juiz responsável pelo caso. Em 20 dias uma equipe de peritos e psiquiatras cedidos de vários órgãos públicos avaliarão os pacientes ao longo de uma semana – de 23 a 27 de maio. Serão previstas aproximadamente 37 perícias de cessação de periculosidade e 54 perícias de insanidade mental. Há pacientes de 85 cidades baianas.
Histórico- No ano passado, o CNJ esteve no Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) para implantar o mutirão, mas precisou suspender o trabalho por causa da falta de programas sociais que pudessem acolher os infratores com problemas psiquiátricos. Para solucionar o problema, um termo de cooperação técnica entre o CNJ, o TJBA, além dos ministérios da Justiça, Saúde e Desenvolvimento Social garantiu a integração das ações para promover a sociabilidade das pessoas internadas e garantir a revisão periódica das medidas de segurança, previstas em lei.
O CNJ se espelhou no Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário (PAI-PJ), instituído há 10 anos pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, para formar a rede de assistência social e de saúde ao doente infrator, na Bahia. Composta por psicólogos, assistentes sociais e bacharéis em Direito, a rede funcionaria de modo itinerante e deverá atender todo estado da Bahia. Inicialmente, deveao ser criadas quatro equipes com esses profissionais.
Orientado pelos princípios da reforma psiquiátrica, o programa PAI-PJ acompanha o portador de sofrimento mental infrator em todas as fases do processo criminal, permitindo-lhe acesso ao tratamento em saúde mental, previsto na Constituição da República, e as reinserções social e familiar.
O programa vem sendo aplicado desde 2002 e já acompanhou 489 pessoas portadoras de sofrimento mental que cometeram crimes, sem a necessidade de internação manicomial. “Essa rede tem uma lógica própria, pois precisa integrar várias questões. Esse sujeito que cometeu um crime em situação de sofrimento circula pela problemática da saúde, da assistência social e da Justiça. Se não temos o elo que comunique um campo com o outro, não alcançamos esses casos”, explica a psicóloga Fernanda Otoni, coordenadora-técnica do PAI-PJ de Belo Horizonte, convidada pelo CNJ a acompanhar a montagem da equipe que trabalhará no HC de Salvador.
Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias