Justiça Restaurativa rompe com círculo de violência em escolas de São Paulo

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Alunos rebeldes, que jogam bombas no recreio, usam drogas ou cometem violência contra o professor são expulsos da escola. Depois, expulsos novamente de outra instituição, acabam desistindo de estudar. Continuam cometendo delitos até que, por fim, são recolhidos à Fundação Casa. A trajetória é muito conhecida por juízes da Vara da Infância, que sabem que o resgate desses menores para a sociedade vai se tornando cada vez mais difícil. No entanto, a aplicação da Justiça Restaurativa nas escolas do Estado de São Paulo tem rompido esse ciclo de violência e recuperado adolescentes para o convívio social e escolar sem a necessidade de aplicação de medidas de caráter meramente punitivo.

A Justiça Restaurativa é um método alternativo de solução de conflito que pode ser utilizado em qualquer etapa do processo criminal, e consiste na adoção de medidas voltadas a solucionar situações de conflito e violência, mediante a aproximação entre vítima, agressor, suas famílias e a sociedade na reparação dos danos causados por um crime ou infração. Dessa forma, a Justiça Restaurativa envolve diferentes pessoas e instituições na resolução de um conflito, que auxiliam na reparação dos danos causados e na recuperação social do agressor, aplicando o conceito de corresponsabilidade social do crime.

A prática da Justiça Restaurativa é incentivada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por meio do Protocolo de Cooperação para a Difusão da Justiça Restaurativa, firmado em agosto de 2014 com a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). A introdução da prática atende à Resolução CNJ n. 125, que estimula a busca por soluções extrajudiciais para os conflitos.

Origem – O Projeto de Justiça Restaurativa em São Paulo começou em 2005, nas quatro varas Especiais da Infância e da Juventude da Capital, responsáveis pelos processos envolvendo menores entre 12 e 18 anos, e que coordena, portanto, a aplicação das medidas socioeducativas. O círculo restaurativo começou a ser aplicado em casos envolvendo crimes de menor potencial ofensivo – como lesão corporal, ameaça, pequenos furtos, dano ao patrimônio -,com o objetivo de que o jovem agressor não somente cumpra a pena, mas entenda os valores que foram corrompidos e possa, por meio de medidas pedagógicas, obter auxílio no contexto em que está inserido – quase sempre, eles são frutos de famílias desestruturadas. “O processo restaurativo não é apenas uma negociação, mas algo mais profundo, que gere uma transformação no infrator”, diz o juiz Egberto de Almeida Penido, titular da 1ª Vara Especial da Infância e da Juventude da Capital e membro da Coordenadoria da Infância e da Juventude.

O núcleo de Justiça Restaurativa foi implantado nas escolas de comunidades carentes como, por exemplo, em Heliópolis, região de grande vulnerabilidade social localizada ao sul do município, e foi estendido para escolas de diversas cidades do interior paulista, como Santos, Tatuí, Tietê – na cidade de São José dos Campos, por exemplo, todas as escolas municipais já têm núcleo de práticas restaurativas. “Percebemos que era preciso fazer com que a prática da Justiça Restaurativa se enraizasse como um projeto político pedagógico, na cultura da escola e dos pais, e não apenas uma ação pontual que resolva determinado conflito”, diz o juiz Egberto.

Bombas – Em um caso recente ocorrido em uma escola pública em Heliópolis, dois jovens explodiram bombas no recreio com a intenção de reivindicar maior diálogo com a diretoria e acabaram machucando outros colegas. O círculo restaurativo foi feito, envolvendo membros do conselho tutelar, judiciário, escola, familiares e outros colegas e, ao invés da expulsão, os alunos foram encaminhados para um treinamento no corpo de bombeiros e se tornaram, por um ano, os “guardiões do recreio”. Depois disso, nunca mais ocorreram casos de violência na escola, que eram bastante corriqueiros. Além disso, os alunos se comprometeram a retomar o jornal da escola, para melhorar a comunicação com a diretoria.

“A Justiça Restaurativa não significa impunidade nem apologia à desresponsabilizacão, mas resolver o conflito a fundo. Os círculos não trabalham com base na punição e no castigo, mas há a responsabilização social do adolescente pelas suas escolhas”, diz o juiz Egberto.

Pólos irradiadores – A metodologia que está sendo utilizada para implementar a Justiça Restaurativa no Estado de São Paulo é denominada “pólos irradiadores”, que significa envolver, na implantação do método, diversas instituições para que não fique setorizado. “Nenhuma instituição sozinha resolve o problema da violência, é preciso entender o contexto em que ela está inserida e os aspectos sociais da produção de violência”, diz Mônica Mumme, consultora da Coordenadoria da Infância e Juventude do TJSP e responsável pela implementação da metodologia dos Polos Irradiadores em São Paulo. De acordo com ela, a violência é complexa e precisa de uma resposta interinstitucional, envolvendo o conselho tutelar, as escolas, assistentes sociais, profissionais de saúde, dentre outros. “É uma justiça que busca pelo nosso potencial criativo, pela união de todas as instituições para uma proposta de resolução do conflito”, diz Mônica.

Bulliyng – Os círculos restaurativos, que são realizados em três etapas – pré-círculo, círculo e pós-círculo -, também têm sido aplicados com frequência em casos de bulliyng nas escolas. Em uma escola atendida pelo núcleo, um apelido dado a uma menina – “testuda” – fez com que ela tivesse uma reação desastrada e agredisse o seu colega, causando lesões graves. Após o Boletim de Ocorrência, instaurou-se o ciclo restaurativo, envolvendo os jovens, o coordenador pedagógico da escola, representantes do grêmio estudantil, os familiares, o conselho tutelar e o facilitador de Justiça. Após a menina ter tido a oportunidade de explicitar a dor que o apelido lhe causava e dos pedidos qualificados de desculpas, os dois alunos ficaram responsáveis por realizar uma campanha anti-bullying na escola, para prevenir a prática. “Não fosse o círculo restaurativo, a aluna seria expulsa e corria o risco de abandonar os estudos, tornando o resgate cada vez mais difícil”, diz o juiz Egberto.

Luiza de Carvalho
Agência CNJ de Notícias