Quase 11 mil crianças indígenas da região do Alto Rio Negro não possuem certidão de nascimento, informou Tarcísio dos Santos Luciano que é índio e representante da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro – uma associação civil e sem fins lucrativos. O relato foi feito durante a visita da comitiva do projeto Cidadania, Direito de Todos à aldeia Potira Kapuamo, ocorrida no primeiro final de semana de maio.
O projeto Cidadania, Direito de Todos foi criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em parceria com a Coordenação-Geral de Promoção do Registro Civil de Nascimento da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, para facilitar o acesso dos índios à documentação civil básica. A visita a essa e outras aldeias de São Gabriel da Cachoeira, município do Brasil com a maior concentração de indígenas, realizada no último fim de semana, teve por objetivo estudar a realização de um mutirão para a concessão desses documentos.
A comunidade Potira Kapuamo – que significa Ilha das Flores em português – fica às margens do Rio Negro e reúne índios de diversas etnias. Tarcísio relatou que muitas crianças estão sem estudar justamente por não possuírem a certidão de nascimento. O documento é exigido para a matrícula no ensino fundamental. “O mesmo problema ocorre para o ensino médio, para o qual se exige a apresentação de RG, que pode levar até três meses para ser retirado”, acrescentou Tarcísio. Ele explicou que os índios podem até assistir às aulas, mas seus dados não são incluídos no censo escolar. A falta do documento também é um empecilho para obtenção do diploma ao final do curso.
Tarcísio explicou que documento ainda é algo inacessível para muitos indígenas. “Às vezes temos que ir à cidade e ficar lá uns dois ou três dias para conseguir uma certidão. E isso porque estamos mais perto. Imagina a dificuldade que é para os índios que moram mais longe”, afirmou. De acordo com ele, algumas comunidades ficam até três dias de distância de barco de São Gabriel. A carência de recursos impede muitos de irem até a sede do município. “A ação tem que ser realizada na comunidade e não cidade”, afirmou. O juiz auxiliar da presidência do TJAM, Ronnie Frank Torres Stone, sugeriu aos líderes das comunidades indígenas que realizassem uma espécie de censo para identificar quem precisa de documentação básica. “O resultado disso será uma maior rapidez. Viríamos aqui apenas para fazer a entrega”, disse.
Representantes de aldeias próximas a Potira Kapuamo também participaram do encontro com os integrantes do projeto Cidadania, Direito de Todos. A visita teve início com a apresentação dos capitães (caciques) e professores dessas comunidades. Eles relataram os principais problemas que afligem as aldeias, em documento entregue à comitiva. Muitos decorrem da inexistência de políticas públicas na região. Falta de material e merenda escolar e até de energia elétrica são algumas dificuldades enfrentadas pelos indígenas. “Toda estrutura que temos foi construída com a força da comunidade”, disse Tarcísio, referindo-se à escola e ao centro de cultura da aldeia.
A visita foi finalizada com a apresentação da dança Dabucuri pelos alunos do ensino médio. Os indígenas também presentearam a comitiva com frutas típicas, cultivadas por eles. O conselheiro Ney Freitas, presidente da Comissão de Acesso à Justiça e Cidadania do CNJ, elogiou a articulação da comunidade. “Nunca percam seus sonhos. Sonhar é projetar o futuro”, estimulou.
Giselle Souza
Agência CNJ de Notícias