Conselheiro defende verdade orçamentária para o Judiciário

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Sexta, 24 de Outubro de 2008

Em artigo  denominado “A inverdade orçamentária”, o conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Joaquim Falcão, afirma que o orçamento do Judiciário incorpora custos dos demais poderes e de outras instituições do Estado brasileiro. Como exemplo, cita os precatórios que, em sua maioria, são despesas do Executivo e, que portanto, “não podem ser debitados no orçamento do Judiciário”. Leia aqui a íntegra do texto, publicado nesta sexta-feira (24/10) no jornal Correio Braziliense.

A inverdade orçamentária

 

*Joaquim Falcão

 

Quanto custa a Justiça nacional? Não é fácil calcular, embora uma resposta mais precisa seja cada vez mais necessária. Se vamos entrar – e vamos – em fase de estrito controle de gastos públicos para enfrentar a crise de crédito que se avizinha, mais do que nunca a verdade orçamentária é imposição nacional. Mas, ao contrário do que parece, saber quanto um órgão governamental gasta não é tarefa simples, mas complexa. No caso do Judiciário, por exemplo, lhe são debitados custos que não são seus. São dos vizinhos: dos demais poderes e outras instituições do Estado brasileiro. Vejamos alguns exemplos.

 O orçamento federal da Justiça (que, além do Superior Tribunal de Justiça, do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, inclui as justiças Federal; do Trabalho; Militar da União; Eleitoral; e do Distrito Federal e Territórios) para o próximo ano de 2009 é de cerca de R$ 30 bilhões – mais exatamente R$ 30.709.520.418,00. Destes, para surpresa geral, mais de R$ 5,1 bilhões (R$ 5.119.355.458,00) referem-se a precatórios – ou seja, cerca de 17% do orçamento.

 Precatórios são, em sua imensíssima maioria, despesas do Executivo. Não podem ser debitados no orçamento do Judiciário. Trata-se de clara inverdade orçamentária. Que, aliás, não vem de hoje, vem de muitos anos. Distorce o custo da administração da Justiça. E, provavelmente, diminui o déficit público de responsabilidade do Poder Executivo. O fato de ser o Judiciário responsável por determinar a ordem de pagamento dos precatórios não justifica que ele seja o responsável pela despesa. Essa situação federal se repete nos estados e nos mais de noventa tribunais. A conta é fácil. Só na Justiça Federal debita-se, indevidamente, ao Judiciário, R$ 5,1 bilhões. Some-se o resto.

 Mas a inverdade não pára aí. Os recursos que compõem o Fundo Partidário – destinado ao financiamento dos partidos políticos – representam cerca de R$ 211 milhões no orçamento federal da Justiça. Ou seja, são, também, debitados do Poder Judiciário. Consomem o orçamento do único dos poderes que não tem – nem pode ter – relação alguma com os partidos. Doar recursos do Tesouro para partidos não é fazer Justiça. Não faz sentido esse débito à Justiça Eleitoral.

 Outro exemplo: os magistrados e membros do Ministério Público que servem à Justiça Eleitoral recebem uma gratificação sobre os vencimentos. Que as gratificações referentes aos magistrados sejam incluídas na conta do Poder Judiciário está correto. Mas que o Poder Judiciário venha a pagar ao Ministério Público para ele realizar suas atividades constitucionais é, claramente, um desvio de realidade orçamentária. Diminui o custo per capita do procurador e aumenta o do magistrado. Despesa do Ministério Público é responsabilidade do próprio Ministério Público.

 Essas e muitas outras práticas orçamentárias não vêm de hoje. Vêm de muito longe. Várias estão consubstanciadas em normas legais. Mas nunca é tarde para mudá-las e corrigi-las. Sem a verdade orçamentária, não podemos calcular o custo real de um magistrado, o custo real de uma sentença. Não podemos fixar metas de produtividade com base no orçamento. Mais ainda: isso alimenta a percepção de que o Poder Judiciário do Brasil é um poder caro, se comparado com o de outros países. Aliás, qualquer comparação ficará distorcida. Só o item precatório representa uma bolha de quase 17% de seu custo real.

 Acredito que é mais do que conveniente ao Congresso Nacional enfrentar logo a questão dos precatórios a partir do projeto, já em tramitação, do senador Renan Calheiros. Discuta-se, aperfeiçoe-se, modifique-se, mas é hora de agir. O mercado, detentor desses papéis estimados em mais de R$ 60 bilhões, começa a desenvolver soluções paralelas e imaginativas para se ver livre deles. Daqui a pouco, surgirá incontrolável mercado negro de precatórios, que a ninguém beneficiará. Se é este o caminho – o do livre mercado – que o façamos legalmente e que se libere cada assembléia estadual para regular como lhe aprouver o problema.

 Outro dia, dois magistrados, diante dessa situação, fizeram-me comentários diferentes. Um disse sorrindo: “Verdade orçamentária é quase uma contradição”. Outro disse mais sério: “Prefiro o poder orçamentário ao poder político”. Ambos, à sua maneira, apenas evidenciam mais uma tarefa a implementar em nosso Estado Democrático de Direito: o princípio da transparência deve incluir a verdade orçamentária; pois sem um instrumental poder orçamentário, o poder político do Judiciário não se realiza.

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* Membro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Diretor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (RJ)

 

( Publicado no Correio Braziliense (DF) em 24/10/2008)