“A situação vista em Maceió é, sem dúvida, uma das piores que já vi no Brasil”. A afirmação é do juiz auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Márcio da Silva Alexandre, que atua no Departamento de Monitoramento do Sistema Socioeducativo do CNJ (DMF), ao se referir ao Mutirão do Sistema Socioeducativo, encerrado nesta sexta-feira (16/5), em Alagoas. A ação do CNJ começou no último dia 5.
Durante duas semanas, o mutirão realizado pelo Conselho em parceria com o Tribunal de Justiça de Alagoas (TJAL) analisou cerca de 600 processos de adolescentes em conflito com a lei e ouviu relatos de garotos e garotas internadas no sistema de medidas socioeducativas. Além da falta de estrutura física e de atividades de ressocialização, comida de péssima qualidade e convivência em ambiente insalubre, os juízes que realizaram a inspeção na Unidade de Internação de Menores (UIM) de Maceió se depararam com a revelação de retaliação aos jovens que conversaram com a equipe do CNJ nos primeiros dias da força-tarefa. “Ontem e hoje, quando voltamos à unidade, ouvimos relatos de tortura psicológica e maus tratos físicos dos jovens. Alguns nos mostraram marcas de agressão no corpo por terem nos relatado, durante a visita da semana passada, tudo que sofrem aqui”, lamentou a juíza designada pelo CNJ para coordenar o mutirão, Ana Cristina Borba.
Segundo a juíza, as denúncias de tortura foram apresentadas imediatamente ao Ministério Público do Estado. Somente neste ano, 46 monitores de unidades de internação de jovens em conflito com a lei de Alagoas foram afastados de suas funções após serem acusados de abusos físicos contra os adolescentes internados. Os afastamentos atendem a decisões judiciais ou a pedidos do Ministério Público ou da Defensoria Pública do Estado.
Enjaulados – Na avaliação do juiz integrante do DMF, o Governo do Estado precisa entender que a questão do adolescente é prioridade. “Não é à toa que Alagoas é considerado o estado mais violento do país. Basta ver como estão sendo tratadas as crianças e adolescentes daqui e quem está pagando a conta é a sociedade”, afirmou.
O juiz Márcio Alexandre relatou que a situação de alguns jovens que cumprem medida de internação está pior do que a de presos. “A gente percebe que eles estão enjaulados, não têm nenhuma atividade externa, não são alimentados dignamente. Recebemos denúncias de que eles são constantemente agredidos física e psicologicamente. Desse jeito, não se recupera nem um animal, quanto mais um adolescente” afirmou.
Para a juíza Ana Cristina Borba, as condições de acautelamento dos adolescentes não permitem um trabalho ressocializador. “O sistema socioeducativo em Alagoas está como uma bomba relógio, prestes a explodir a qualquer momento”. A magistrada informou que, com exceção da unidade feminina, todas estão superlotadas. “O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo está sendo descumprido de A a Z”, avaliou a magistrada.
Reincidência – O juiz Márcio Alexandre destaca que a situação do sistema socioeducativo de Alagoas é tão preocupante que, só entre 2013 e 2014, o estado já recebeu mais de três visitas do Conselho Nacional de Justiça, sendo uma delas com a presença do próprio ministro Joaquim Barbosa. Em 15 de abril, o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF) ouviu as reclamações de menores internados no Núcleo Estadual de Atendimento Socioeducativo (Neas) e na Unidade de Internação de Jovens e Adultos (Uija), ambos localizados na capital alagoana. As queixas foram referentes à alimentação, ao atendimento médico e ao tratamento prestado pelos funcionários, entre outras. “Em algumas partes, (a estrutura) em nada se diferencia de uma prisão, e não é isso que lei a determina” lamentou Joaquim Barbosa na ocasião.
Em abril, o ministro havia declarado a necessidade urgente de mudança de atitude para que o sistema de fato promovesse a reeducação dos jovens no estado. “Encontramos uma série de problemas graves, que envolvem instalações inadequadas, pessoal não capacitado e penúria de pessoal”, declarou o presidente do CNJ. A partir do Mutirão Socioeducativo será elaborado um relatório com recomendações às autoridades do Executivo para que sejam cumpridas as determinações do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE).
Waleiska Fernandes
Agência CNJ de Notícias