Ocupante do topo das listas dos maiores litigantes do Poder Judiciário, o Poder Público precisa “mudar de cultura” e buscar soluções mais conciliadas para os conflitos em que figura como parte. É o que defende o advogado-geral da União, Luís Inácio Lucena Adams.
Em entrevista à Agência CNJ de Notícias, Adams relata como foi a participação da Advocacia-Geral da União, órgão de representação judicial e extrajudicial do Poder Executivo, na VII Semana Nacional da Conciliação, promovida pelo Conselho Nacional de Justiça dos dias 7 a 14 de novembro. Ele também conta mais sobre as experiências no campo da negociação desenvolvidas pelo órgão que comanda. De acordo com ele, o principal resultado da conciliação é a economia de recursos públicos e ainda há o ganho de se evitar o risco moral. “Aos olhos da sociedade, o Estado parece um ente resistente a implantar as decisões judiciais. Essa percepção e esse risco moral são eliminados pela conciliação”, acrescentou. Veja abaixo os principais trechos da entrevista:
De que forma a AGU participou da Semana Nacional da Conciliação promovida pelo CNJ?
A AGU tem atuado com muita intensidade nessa questão da conciliação. Seja por meio da nossa Câmara de Conciliação ou diretamente nos processos judiciais, temos usado esse instrumento de maneira ativa. Estamos trabalhando nos processos selecionados pelo Poder Judiciário, principalmente na parte previdenciária, buscando viabilizar soluções de fato negociáveis para o encerramento dos conflitos. É que nos juizados especiais cíveis, a lei já autoriza o advogado público a fazer conciliações.
A AGU é reconhecida pela atuação no campo da conciliação. Que experiências do órgão o senhor poderia citar como exemplo?
Há muitos exemplos emblemáticos. Na área previdenciária, já conciliamos 12.515 execuções individuais, com a devida correção monetária. Outro exemplo ocorreu em um processo em que éramos o autor. Foi no caso do empresário Luiz Estevão, em que fizemos uma negociação para ressarcir o Estado em quase R$ 1 bilhão de forma parcelada, em um prazo de oito anos. Isso viabilizou o ingresso de recursos muito significativos para o Estado. Então, o instrumento da conciliação tem sido utilizado de maneira muito intensa em várias instâncias da advocacia pública. Fizemos conciliações em várias questões trabalhistas e previdenciárias. Essa última área, aliás, talvez seja uma das mais emblemáticas porque envolve o atendimento àquela parcela da população que recebe uma previdência de valor pequeno. São causas que visam ao reconhecimento de aposentadoria, pensão especial ou auxilio invalidez. Tivemos uma decisão do Supremo Tribunal Federal com relação ao cálculo de revisão do valor das aposentadorias. Isso foi para uma ação individual, mas em um processo coletivo em São Paulo, fizemos um acordo para a implantação dessa determinação em nível nacional, em um prazo razoável de 13 anos. É um benefício, mas que o Estado teria dificuldade de cumprir por questões orçamentárias. As ações da previdência são pequenas individualmente, mas seu volume total tem uma repercussão muito grande. Então, com essa negociação coletiva com uma associação de São Paulo, possibilitamos a implantação de uma decisão em um prazo compatível com a realidade orçamentária do Estado. Isso mostra que o exercício da conciliação pode resolver futuros passivos. Evitamos com essa negociação coletiva milhares de potenciais ações.
Em valores, quanto de economia a conciliação trouxe para a AGU?
Trouxe economia de duas ordens. A primeira foi o equacionamento de valores. As conciliações evitam riscos de acréscimo por conta de um processo judicial que se prolongou e para o qual não há certeza de resultado. Então, temos obtido resultados muito positivos. Só em honorários, decorrentes da eventual perda da União, economizamos R$ 22 milhões. E com os custos da manutenção do processo, a economia foi de R$ 60 milhões. Se considerarmos a correção de juros, o acumulo por causa da demora do processo, estimamos em mais de R$ 226 milhões.
Desde quando nota-se essa economia?
A referência são todas as conciliações já realizadas. Mas essa não é a única economia. O segundo custo que conseguimos evitar diz respeito à legitimidade e ao risco moral. Aos olhos da sociedade, o Estado parece um ente resistente a implantar as decisões judiciais. Essa percepção e esse risco moral são eliminados pela conciliação. Acho essa consequência tão relevante quanto o custo financeiro ajustado. Conseguimos, na Semana da Conciliação, resultados desse tipo: de um lado equacionar passivos, de forma a reduzi-los; e de outro, legitimar o Estado como implementador da Justiça.
Segundo a pesquisa 100 Maiores Litigantes do CNJ, órgãos públicos lideram a lista das empresas com maior número de processos. Na sua avaliação, o que impede esses órgãos de utilizarem mais a conciliação?
O Estado não tem a cultura de conciliação. Defendo que o Estado é fundamentalmente um prestador de serviço, seja na Previdência Social, na Receita Federal, na Polícia ou na prestação de serviços sociais. E, nessa condição, o Estado tem de ser um prestador de serviço cada vez melhor. À medida que não consegue, a litigância surge. Qual é então nosso grande esforço? Buscar qualificar esse serviço. Quando o litígio está judicializado, a advocacia pública entra em defesa do Estado, no entanto busca agir também como agente a fim de reduzir esse índice de litigiosidade. Entra, então, como agente que procura mediar esses conflitos. Esse é um papel muito significativo da advocacia pública e que tem sido exercido com muito afinco em vários momentos na nossa instituição. Mas repito: Temos um problema cultural. A advocacia pública, a advocacia como um todo, não está preparada para isso. Ela está preparada para litigar, defender seu cliente a todo custo. Então, pensando sobre porque haver tantos recursos, concluo que é o modelo instalado no País que favorece o litigio. Na administração pública, em particular, a dificuldade está no fato de se ter que prestar contas. Qualquer decisão de conciliação envolve discricionariedade, e nosso sistema não é muito tolerante com essa discricionariedade. No geral, nosso sistema é muito rígido, formalista e controlador.
Na sua avaliação, deveria haver alguma mudança na legislação para a conciliação ser mais fomentada?
Algumas mudanças seriam necessárias, mas o fundamental seria a mudança de cultura. A legislação já permite muitas possibilidades de solução conciliada. Eu mesmo tomei uma decisão que, quando vimos o resultado, verificamos que a conciliação era possível e importante. Foi em torno de 500 processos de execução fiscal conduzidas pelas autarquias e fundações na 1ª Região. Autorizei alguns abatimentos nas dívidas para podermos conciliar e obtivemos 97% de adesão. Então, em vez de permanecermos com uma ação indefinida no tempo, cujo resultado chegaria a 1% da arrecadação, tivemos esse resultado positivo. O Estado brasileiro, como disse, é o maior prestador de serviço desse país. Ele atende mais de 26 milhões de aposentados, 30 milhões de contribuintes e é responsável pela saúde de 190 milhões de brasileiros. Essa condição torna compreensível que ele seja acionado no Judiciário. No entanto, acho que temos como reduzir as razões que levam a litigiosidade, com a qualificação dessa prestação de serviço em relação às necessidades de quem o busca.
Giselle Souza
Agência CNJ de Notícias