INTRODUÇÃO
A judicialização na saúde abrange diferentes abordagens e se associa a diferentes causas, que perpassam desde a busca insaciável pelos direitos individuais e o exercício da cidadania; os direitos individuais em prol dos direitos coletivos; a exposição de falhas e/ou desorganização na gestão de política de saúde; assim como o alto preços das tecnologias em saúde (PERES, et al. 2022).

Com o aumento da judicialização da saúde, na última década, a gestão desse problema está focada nas medidas de racionalização das demandas judiciais, desenvolvendo articulações entre as instituições e a justiça, que resultaram na política de resolução de conflitos protagonizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Dentre as iniciativas, foi recomendado, em 2010, a criação de Núcleos de Apoio Técnico ao Judiciário, conhecidos nacionalmente como Nat-Jus.

Nesse movimento do CNJ, foi levado em consideração que na crescente judicialização da saúde, o Poder Judiciário torna-se refém dos argumentos referidos nas ações em razão da forma como os fatos são postos, resultando na necessidade de uma análise técnica que aborde os aspectos médicos, farmacêuticos, tecnológicos e da consequente gestão desse conjunto, considerando a finitude de recursos para o atendimento dos usuários do Sistema Único de Saúde – SUS.

A Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina (SES/SC), a partir da recomendação citada, e verificando as demandas judiciais que ocorriam no estado, verificou a importância e a necessidade de racionalizá-las, uma vez que a judicialização impacta diretamente na (des)estruturação e no financiamento da saúde pública dos entes federativos, principalmente pela imprevisibilidade dos litígios e, por muitas vezes, pela negligência com relação à hierarquia federativa do SUS, uma vez que as sentenças são direcionadas para outras competências (WANG et al., 2014; RAMOS et al., 2017; PERES, et al., 2022).

            Sendo assim, o Nat-Jus/SC, diferente da maioria dos outros Núcleos, originou-se, exclusivamente, de uma iniciativa da SES a partir de um convênio com o Tribunal de Justiça de Santa Catarina em um projeto-piloto (dezembro/2015), com objetivo de racionalizar e qualificar as demandas judiciais. Em 2017, o projeto ampliou atendimento para mais 10 comarcas e, posteriormente (entre 2017-2019), para mais uma comarca e três subseções federais. Na sequência, em 2023, houve a expansão para mais 10 comarcas estaduais, ratificando a importância do trabalho técnico desenvolvido até o momento. O NAT-Jus/SC segue três princípios para a avaliação dos processos judiciais: análise do caso concreto (segundo os documentos acostados aos autos), políticas públicas e evidências científicas. Adicionalmente, é importante ressaltar que a equipe do NAT-Jus/SC tem o compromisso da imparcialidade quanto ao vínculo empregatício, seguindo os princípios anteriormente mencionados.

Frente a esses princípios, um dos destaques do trabalho desenvolvido pelo NAT-Jus/SC, é verificar o caso concreto com a possibilidade de analisar pontualmente o que foi, efetivamente, solicitado pelo indivíduo, autor da ação, no âmbito administrativo e em outras demandas judiciais. Isso ocorre em razão deste Núcleo ser constituído pela SES/SC, com a equipe lotada nesta Instituição, permitindo, assim, acesso ao sistema de investidas administrativas do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF), denominado Sistema de Gerenciamento de Medicamentos do Componente Especializado (SISMEDEX) e ao sistema de cadastro de todas as ações judiciais (CONECTA – sistema de autoria da SES/SC). Ou seja, antes da elaboração das manifestações técnicas é realizada a busca pelas informações sobre o atendimento administrativo dos indivíduos, verificando a rede de atenção; assim como a verificação de processos judiciais, se vigentes, apreciação referente à retirada dos medicamentos e ao processo judicial ativo.

O acesso ao SISMEDEX, sistema que gerencia o pedido, a análise e a dispensação dos medicamentos do CEAF, permite que em diversos processos a solução do conflito ocorra no início da ação, antes mesmo de ocorrer o deferimento da liminar e a citação dos réus, oportunizando aos magistrados a extinção do feito e, consequentemente, oportunizando aos indivíduos o atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS), utilizando-se de uma política que foi efetivamente avaliada e aprovada, e, além disso, inserida em uma rede de atendimento, possibilitando, assim, o acompanhamento com análise da efetividade e da segurança do tratamento, o que, por muitas vezes, deixa de ocorrer quando existe a judicialização, considerando que se torna uma via de acesso paralela, sem esse monitoramento preconizado nas Políticas de Saúde.

Cumpre mencionar que o Núcleo, além do acesso ao sistema administrativo, também considera as avaliações recentes realizadas pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC), apreciando cuidadosamente as avaliações mais antigas, assim como incrementando o trabalho realizado com as evidências atualizadas referentes às tecnologias solicitadas.

Quanto à avaliação às investidas judiciais já realizadas pela parte autora, essas são objeto de consulta junto ao sistema CONECTA, software desenvolvido pela SES/SC, que permite aferir processos idênticos já extintos ou, ainda, em tramitação, que por opção dos

autores não foi efetuada a continuidade e ao serem novamente distribuídos não foram detectados pelo poder judiciário, o que possibilitaria a extinção do mesmo por questões processuais.

Quanto à busca de evidências realizada pelo Núcleo, esta é abrangente mediante ao convênio realizado junto a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) que possibilita o acesso às revistas indexadas nas diversas bases de dados, como por exemplo, Pubmed, Scopus, Epistemonikos, Cochrane, entre outras. A busca é realizada segundo as

particularidades do caso concreto, considerando o pleito e situação clínica da parte autora,

segundo os documentos acostados aos autos.

O permissivo constitucional ao acesso ao Judiciário, em muitas vezes pode ser evitado, conforme acima demonstrado. Esse ponto é muito importante, tendo em vista que reflete o acesso ao usuário na rede pública de saúde, o qual está organizado e estruturado em Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT), garantindo eficácia e segurança aos usuários, formatados em critérios científicos com fundamento na medicina baseada em evidência.

 

MÉTODOS
A partir da base de dados do Nat-Jus/SC, foram analisadas as manifestações realizadas pelo Núcleo em 2022, demonstrando sua atuação e algumas das resoluções do processo judicial por meio da informação de políticas públicas.

O Núcleo se manifesta por meio de dois documentos:

– Ofícios: que podem ser elaborados para solicitar esclarecimentos para suprir a necessidade da avaliação do caso concreto, ou apenas para informar sobre as políticas públicas que integram o fornecimento do pleito, momento em que, muitas vezes, já é suficiente para resolução do processo, por extinção do mesmo; ou

– Notas Técnicas: que integram informações referentes ao caso concreto e a tecnologia,

tais como a existência do registro sanitário na Agência Nacional de Vigilância Sanitária; a avaliação da CONITEC; e as evidências científicas para o caso.

Ademais, também ocorreu a verificação dos processos judiciais que foram instrumentalizados pelo NAT-Jus/SC quanto à existência de uma política pública que integrava o medicamento solicitado; e consultado o SISMEDEX, a fim de verificar, após a orientação do Núcleo, quanto desses usuários/autores buscaram a via administrativa e foram atendidos.

Todos os dados foram planilhados e analisados em Excel.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Entre os anos de 2018-2022 1, o Núcleo se manifestou para 7.553 processos judiciais que geraram 14.053 análises (FIGURA 1 – relativo aos pedidos feitos nessas ações). Somente em 2022 foram realizadas 2.543 manifestações, sendo 1.522 Ofícios e 1.021 Notas Técnicas, que analisaram 3.561 pedidos.

1 Não foram inseridos os dados de 2016-2017, por serem os anos que o Núcleo se estruturou e organizou os atendimentos às Comarcas e Varas.

FIGURA 1: Análises do NAT-Jus/SC quanto ao número de processos, elaboração de documentos (manifestações) e análise de pedidos no período de 2018-2022.

Fonte: NAT-Jus SC.

Conforme a Figura 1, no período analisado, verificamos um aumento no número de processos judiciais que integram a análise deste Núcleo. Dados esses convergentes com o perfil de judicialização nacional (INPER, 2019). Contudo, é importante salientar que se observa no decorrer dos anos, com a atuação do NAT-Jus/SC, que as ações judiciais estão melhores instrumentalizadas tecnicamente, inclusive por solicitação dos juízes, uma vez que o NAT-Jus/SC não tem função pericial, e considerando que o Núcleo avalia apenas os documentos acostados no processo judicial, para análise do caso concreto se faz necessário compreender a evolução clínica da parte autora, para elaboração do documento técnico mais completo possível.

Quanto aos medicamentos solicitados no ano de 2022, se observa que diversos deles integravam a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME), predominantemente os pertencentes ao CEAF, seguido dos produtos do Componente Básico da Assistência Farmacêutica (CBAF).

Cabe destacar que entre os medicamentos integrantes do CBAF, também continham medicamentos do Anexo A da Deliberação 501/CIB/2013 (SANTA CATARINA, 2022). Sobre esse aspecto, é importante salientar que os fármacos que compõe o Anexo A da referida Deliberação, recebem contrapartida estadual para aquisição municipal dos medicamentos 2 , ou seja, ocorre a pactuação entre o estado de Santa Catarina e os municípios, ficando a cargo dos municípios a compra e disponibilização obrigatória desses à sua população, sendo assim, seria mais um caso no qual a judicialização não se justificaria, pois existe financiamento e acordo (estado e municípios) para o fornecimento, possibilitando então o acesso da parte autora.

Em relação aos processos judiciais que incluem pedidos de medicamentos disponibilizados pelo CEAF, segundo o PCDT do Ministério da Saúde (MS), o Núcleo orienta a busca administrativa pela parte autora, considerando a existência da política pública e que o medicamento já foi avaliado e incorporado, a princípio, para a situação clínica que acomete a parte autora. Todavia, para os casos que o autor(a) já buscou a via administrativa e obteve o indeferimento do pedido pela Diretoria de Assistência Farmacêutica (DIAF) de Santa Catarina, o autor(a) não teria política pública disponibilizando o medicamento solicitado, sendo assim, o Núcleo avalia o caso concreto.

Considerando a orientação deste Núcleo referente à existência de políticas públicas e a possibilidade pela busca administrativa do medicamento por meio do CEAF, em consulta ao SISMEDEX, se observou que 52,4% buscaram esse atendimento após informação elaborada pelo Núcleo e, destes, apenas 6,1% não preenchiam os critérios de inclusão do PCDT, enquanto 78,8% já estão sendo atendidos administrativamente; 3,0% encontram-se em análise quanto aos preenchimentos dos critérios de inclusão do PCDT; e para 12,1% o processo administrativo foi devolvido ao paciente para adequação da documentação.

Esses resultados demonstram que a judicialização por vezes não é consequência apenas de falhas de políticas públicas ou ausência de acesso ao medicamento, mas pode estar correlacionada a falha de informação/desconhecimento da parte autora quanto às políticas públicas já existentes, bem como dos prescritores, ou as formas de acessá-las considerando os blocos da assistência farmacêutica. Nesse sentido, ressalta-se a importância do NAT-Jus/SC na disseminação da informação e da orientação quanto às políticas de acesso aos medicamentos, porém, cabe destacar o quão importante seria disseminar também a informação referente à existência da política pública antes mesmo de protocolar o processo judicial.

Outro aspecto relevante que foi observado durante a atuação do Núcleo, se refere ao aumento das demandas judiciais quando os medicamentos são incorporados pelo MS, porém não estão disponíveis à população. Após uma decisão de incorporação de tecnologia pelo MS, a disponibilização não ocorre de forma imediata, pois existe a tramitação técnica e operacional para o acesso da população, e por vezes, se observa um aumento da judicialização durante esse período, incluindo como réus da ação entes federativos que não seriam os responsáveis pela compra do medicamento, considerando o pactuado em Comissão Tripartite – CIT (acordo entre municípios, estados e União), e que, posteriormente, esses autores resistem a buscar a via administrativa para o atendimento, optando por se manterem na via paralela da judicialização.

2 A contrapartida estadual do Incentivo à Assistência Farmacêutica na Atenção Básica será de R$ 4,50 per capita habitante/ano para 270 municípios, e de R$ 6,50 habitante/ano para os 25 municípios integrantes do Programa Estadual de Inclusão Social – PROCIS (Lei Estadual 14.610 de 07/01/2009) inserir sobre o cofinanciamento CIB 501
 

CONCLUSÃO
Assim como o CNJ, a SES/SC compreende e também reforça a importância da racionalização da judicialização, e dessa forma por meio de Convênios e Termos de Cooperação Técnica, o NAT-Jus/SC subsidia os magistrados com informações técnicas ao avaliar os processos judiciais de algumas varas e comarcas de Santa Catarina. Com a experiência do Núcleo se pode observar que os processos judiciais com o decorrer dos anos são mais instrumentalizados tecnicamente, quanto às necessidades de saúde que evidenciam a solicitação do pedido, contudo também se observou no decorrer dos anos que muitos medicamentos são judicializados de forma “desnecessária”, por já existirem políticas de saúde que suprem a demanda de acesso ao mesmo medicamento.

Ainda, resta clara a efetividade do trabalho desenvolvido por este Núcleo, tanto no sentido de racionalizar como também de qualificar o cenário da judicialização no estado, oportunizando, assim, em atender ao que está posto como meta do CNJ de solução prévia de conflitos, ou, no caso do NAT-Jus/SC, solução precoce no âmbito da ação judicial em curso.

REFERÊNCIAS
INSPER – Instituto de Ensino e Pesquisa. Judicialização da Saúde no Brasil: Perfil das Demandas, Causas e Propostas de Solução. 2019. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2018/01/f74c66d46cfea933bf22005ca50ec915.pdf. Acesso em:28/09/2023.

PERES, K. C. et al. Judicialização da Saúde em Santa Catarina: 20 anos de história. In: Daniel Wei Liang Wang (org.). Coletânea Judicialização da Saúde nos Municípios: Diagnósticos, experiências de gestão e teses jurídicas. Brasília: Conasems, p. 181- 206, 2022. [livro eletrônico]. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1xVtB47NEG3cmeey6e2bqE7jWayDUawLK/view . Acesso em:28/09/2023.

RAMOS, Raquel de Souza.; GOMES, Antonio Marcos Tosoli; GUIMARÃES, Raphael Mendonça; SANTOS, Érick Igor dos. A Judicialização da Saúde Contextualizada na Dimensão Prática das Representações Sociais dos Profissionais de Saúde. Revista De Direito Sanitário, 18(2), 18-38, 2017.

SANTA CATARINA. Governo de Santa Catarina. Secretaria de Estado da Saúde. Comissão Intergestores Bipartite. A Comissão Intergestores Bipartite, no uso de suas atribuições, ad referendum em 27 de novembro de 2013 e retificada em 22 de março de 2022, para inclusão do gerenciamento do fluxo da Ata de Registro de Preço realizada pela SES para os municípios. Disponível em: https://www.saude.sc.gov.br/index.php/legislacao/deliberacoes-cib/deliberacoes-2013-cib?limit=20&limitstart=100. Acesso em: 28/09/2023.

WANG, Daniel Wei L.; VASCONCELOS, Natália Pires de; OLIVEIRA, Vanessa Elias de; TERRAZAS, Fernanda Vargas. Os impactos da judicialização da saúde no município de São Paulo: gasto público e organização federativa. Revista de Administração Pública, [online]. Rio de Janeiro 48(5):1191-1206.

INTRODUÇÃO
Desde abril     de        2021,   a          Portaria           Conjunta         PGE/SE-PLAD/SESPA/FSCMP/HOL/FHCGV/IASEP 01/2021 autoriza o depósito judicial de valores para cumprimento de ordens judiciais de fornecimento de medicamentos e realização procedimentos e exames médicos quando eles forem de valor irrisório e o Estado não os tiver em sua rede.

Pelo Depósito Cidadão, ao receber a decisão judicial a SESPA verifica se existe Ata de Registro de Preço com o bem ou serviço. 

Não havendo, realiza-se uma pesquisa mercadológica para se verificar o seu preço. 

Se for irrisório (até R$ 880,00), a SESPA cumpre a decisão depositando o valor em Juízo para que o jurisdicionado possa comprar o bem ou serviço e informa a PGE.

Se não for irrisório (superior a R$ 880,00), a SESPA faz cotação eletrônica de preço para sua aquisição. Caso não haja interessados, ela cumpre a decisão depositando o valor em Juízo para que o jurisdicionado possa o comprar e informa a PGE.

Uma vez depositado, cabe ao Juízo a liberação do valor, mediante a apresentação de 3 orçamentos pela parte interessada. 

Se a média dos orçamentos for menor do que o valor depositado, o Juízo autoriza o levantamento apenas da quantia suficiente para o custeio do tratamento. 

Se a média for maior, o Juízo intima o Estado para complementar o depósito.

Com a prática, o Juízo passa a administrar somente o cumprimento da tutela, não havendo discussão sobre o mérito da causa.

 

PÚBLICO-ALVO   

Jurisdicionado.

 

OBJETIVOS E METAS     

O objetivo é cumprir as decisões judiciais com celeridade, quando o valor do bem ou serviço a ser adquirido for irrisório, evitando o bloqueio de contas públicas, multa e prisão de gestores.

A meta é resgatar a dignidade e cidadania do jurisdicionado demonstrando que o Estado coopera para a efetivação da tutela em tempo razoável.

 

DESENVOLVIMENTO

  1. Identificação do problema, análise das principais causas, planos de melhorias e resultado esperado

O Tema 793/STF fixou que a responsabilidade dos entes federados para o fornecimento de medicamentos e tratamentos padronizados é solidária, criando a obrigação de o Estado arcar com políticas de saúde que não são originalmente de sua competência, assegurado o direito ao ressarcimento futuro.

Como o Estado não tem essa competência original, quando uma ordem judicial determina a compra de medicamento ou tratamento de responsabilidade de outro ente, ele tem dificuldade de cumpri-la porque:

  1. Não possui o remédio em estoque;
  2. Não possui planejamento para aquisição rotineira do remédio;
  3. As empresas não aceitam empenho como forma de pagamento quando o valor da compra é baixo; ou
  4. Não oferece o tratamento na rede pública estadual.

Diante deste cenário, a Procuradoria-Geral do Estado do Pará, em conjunto com

Secretaria de Planejamento e Administração, Secretaria de Saúde Pública, Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará, Hospital Ophir Loyola, Fundação Hospital de Clínicas Gaspar Vianna e Instituto de Assistência dos Servidores do Estado do Pará, criaram a prática do Depósito Cidadão, estabelecendo um fluxo de cumprimento de decisões judiciais relativas a medicamentos, procedimentos e exames médicos.

Verificando que o Estado não possui ata de registro de preço com o objeto da ordem judicial, realiza-se uma pesquisa mercadológica para ver o custo do bem.

Se ele for irrisório (até R$ 880,00), a SESPA cumpre a decisão depositando o valor em Juízo para que o jurisdicionado possa comprar o bem ou serviço e informa a PGE.

Se não for irrisório (superior a R$ 880,00), a SESPA faz cotação eletrônica de preço para sua aquisição. Caso não haja interessados, ela cumpre a decisão depositando o valor em Juízo para que o jurisdicionado possa o comprar e informa a PGE.

Isso permite o depósito judicial para custear medicamentos, procedimento e exames de baixo valor e permite custear também aqueles que o ente público não consegue cumprir por não encontrar fornecedores dispostos a os vender para o Estado.

Quando a decisão fixa prazo para o tratamento, o depósito corresponde ao tratamento integral. Contudo, quando o tratamento é por tempo indeterminado ou quando a decisão não fixa o prazo para o tratamento, o depósito se limita a 3 meses, ficando os novos depósitos condicionados à apresentação trimestral de relatórios e prescrições médicas atualizadas.

Cabe ao Juízo a liberação do valor, mediante a apresentação de 3 orçamentos pela parte interessada. Caso a média dos orçamentos seja menor do que o valor depositado, o Juízo autoriza o levantamento apenas da quantia suficiente para o custeio do tratamento. Se a média for maior, o Juízo intima o Estado para complementar o depósito.

Com a prática, o Poder Judiciário passa a administrar somente o cumprimento da tutela, não havendo discussão sobre o mérito da causa.

  1. Fundamentação legal, teórica, metodológica e técnicas, com as estratégias adotadas no desenvolvimento da prática

O fundamento legal da prática é o princípio da cooperação (art. 6º do CPC), resgatando a cidadania do jurisdicionado ao compartilhar com ele a solução do problema.

O fundamento teórico é a promoção da solução consensual dos conflitos (art. 3º, § 2º, do CPC).

Do ponto de vista metodológico, optou-se por iniciar a prática com compras de valor irrisório (até R$ 880,00) pelo fato de o Estado não conseguir fazer a aquisição administrativa quando montante é pequeno e pelas contratações desertas em que não aparecem players com interesse de vender para o ente público.

A prática não é aplicável às demandas administrativas (art. 1, § 2º, da Portaria Conjunta nº 1/21), ou seja, somente é possível fazer o depósito quando há um processo judicial. A razão disso é para evitar fraudes e impedir que a Secretaria se torne uma instituição financeira em que o cidadão apresenta uma receita e recebe dinheiro em troca.

A estratégia impediu bloqueio de verbas pública e está em estudo a sua expansão para abranger valores maiores e outras matérias – hoje ela se limita a medicamento, procedimento e exame.

  1. Dificuldades encontradas durante a implementação

Identificou-se 2 dificuldades: uma envolvendo o Preço CAP (Coeficiente de Adequação de Preços); outra envolvendo a renovação do depósito.

Em relação ao Preço CAP, a Resolução CMED nº 4/06, obriga que os fornecedores apliquem um desconto mínimo obrigatório ao Governo quando compra medicamentos por decisão judicial. Atualmente, é um desconto de 21,53% (Resolução CMED nº 5/20).

O TCU entende que o ente público deve observar o Preço CAP, sob pena de configuração de aquisição antieconômica e necessidade de instauração de tomada de contas especial para que haja devolução dos recursos pagos acima do teto estabelecido:

REPRESENTAÇÃO. ESTUDOS INTER-INSTITUCIONAIS PARA FIXAÇÃO DE CRITÉRIOS DE ACEITABILIDADE DE PREÇOS PARA COMPRA DE MEDICAMENTOS PELO SETOR PÚBLICO. CONHECIMENTO. PROCEDÊNCIA. DETERMINAÇÕES. CIÊNCIA. ARQUIVAMENTO. 

  1. Cumpre ao Estado, por meio de órgão próprio, atuar como agente normativo e regulador da atividade econômica, notadamente em situação de mercado imperfeito em que a demanda inelástica cria condições favoráveis à prática de abuso econômico, como é o caso do mercado de fármacos.

  2. Fixados os critérios de aceitabilidade de preços pelo órgão competente, incumbe ao Administrador Público, em suas políticas de compra de medicamentos, observar e impor aos fornecedores as vantagens que devem ser obrigatoriamente praticadas nas compras do setor público, sob pena de, por aquisição antieconômica, devolução dos recursos pagos acima do teto estabelecido pelos normativos aplicáveis, mediante instauração de tomada das contas especial.

  3. No campo de atuação pedagógica e preventiva, incumbe ao Tribunal orientar gestores, conselhos de saúde e demais segmentos do controle social e da população, sobre os mecanismos regulamentares disponíveis para a aquisição mais vantajosa de medicamentos por parte do setor público nos níveis federal, estadual e municipal.

(Acórdão TCU 1437/2007-Plenário. Rel: VALMIR CAMPELO, Data do Julgamento: 25/07/2007, grifo nosso)

Por isso, o Estado faz a pesquisa mercadológica levando em consideração o Preço CAP e, por conseguinte, deposita a quantia referente ao valor encontrado.

Porém, o particular não consegue comprar o remédio com o Preço CAP (valor da pesquisa mercadológica do Estado), o que enseja a necessidade de complementação do depósito pelo Poder Público.

Portanto, a 1ª dificuldade é compatibilizar o Preço CAP com o depósito judicial para que o gestor não seja investigado no futuro por adquirir um medicamento acima do teto previsto pela CMED.

A 2ª dificuldade reside no fluxo de renovação do depósito, quando o Juízo não fixa um prazo para o tratamento ou quando ele é por tempo indeterminado.

O fato de haver necessidade de atualização do relatório e prescrição médica a cada 3 meses faz com que cada processo de renovação tramite, pelo menos, 4 vezes por ano na Secretaria, o que aumenta significativamente o número de processos na SESPA. Essa é uma das dificuldades.

A outra é o fato de ser comum o interessado juntar uma nova receita com um novo medicamento no processo de renovação, sendo ineficaz realizar a pesquisa mercadológica de um remédio que o paciente entende não precisar mais. 

Por outro lado, o Estado não pode depositar o valor do novo medicamento da nova receita, pois estaria descumprindo a decisão judicial.

Então, a 2ª dificuldade diz respeito aos desdobramentos da renovação do depósito judicial.

 

  1. Resultados e benefícios alcançados após a implementação da prática 

A medida solucionou 208 casos em que o Estado não conseguiria cumprir a ordem judicial por não conseguir fornecedor para entregar o medicamento, realizar o procedimento ou exame, conforme tabela abaixo (planilha de excel em anexo):

A medida garante dignidade ao jurisdicionado, que vê a sua demanda solucionada de maneira célere, e resgata sua cidadania, na medida em que compartilha a solução com a parte (ela fica responsável pela compra do medicamento).

  1. Custos e recursos utilizados na implementação da prática

O custo de implementação é o valor do depósito. Até a presente data, a prática movimentou R$ 2.150.063,98. 

  1. Características inovadora (diferenciais) da prática

A característica inovadora da prática é o compartilhamento da solução do litígio entre os demais atores do processo judicial.

Quando a prática não estava implementada, a responsabilidade pelo descumprimento da ordem judicial era exclusivamente do ente público. 

Com o depósito judicial, o Estado demonstra que tem interesse em resolver o litígio, mas confessa que não tem meios para efetivar a tutela, compartilhando com demais envolvidos a sua implementação, imputando uma conduta ativa a eles.

  1. Características que demonstram facilidade de replicação da prática

O fato de o ato administrativo reger uma multiplicidade de órgãos (ProcuradoriaGeral do Estado do Pará, Secretaria de Planejamento e Administração, Secretaria de Saúde Pública, Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará, Hospital Ophir Loyola, Fundação Hospital de Clínicas Gaspar Vianna e Instituto de Assistência dos Servidores do Estado do Pará) comprova que ela é facilmente replicável nos outros entes federados.

  1. Tempo de implementação

O tempo para implementação é mínimo: deve se estabelecer o fluxo em ato administrativo e ter disponibilidade orçamentária para cumprimento das ordens judiciais.

No curso do procedimento para depósito, quando há demora ela acontece na pesquisa mercadológica pelo volume de processos em tramitação no órgão.

  1. Conclusão

O Depósito Cidadão possui baixo custo, é de fácil implementação e traz benefícios ao ente público, protegendo as contas públicas de bloqueios judiciais e os gestores de sanções por descumprimento da tutela.

Em relação ao cidadão, ele resgata a dignidade do cidadão com a solução célere do seu problema e é um instrumento de efetivação de sua cidadania, pois compartilha com o jurisdicionado o ônus de implementar a decisão judicial, razão pela qual entendemos ser uma prática inovadora e digna de premiação pelo CNJ, considerando que já solucionou 208 processos, tendo sido depositado um total de R$ 2.150.063,98 no Poder Judiciário.