O primeiro grau de jurisdição é o segmento mais sobrecarregado do Poder Judiciário e, por conseguinte, aquele que presta serviços judiciários mais aquém da qualidade desejada. 

Dados do Relatório Justiça em Números 2014 revelam que dos 95,1 milhões de processos que tramitaram no Judiciário brasileiro no ano de 2013, 85,7 milhões encontravam-se no primeiro grau, o que corresponde a 90% do total. 

Revelam, também, que o primeiro grau baixou 23 milhões de processos, a demonstrar que sua capacidade produtiva anual é de apenas 27% da demanda (casos novos + acervo) imposta à sua apreciação. Isso demonstra que para dar vazão ao estoque de processos seria necessário cessar a distribuição por quase 4 anos e, nesse período, baixar anualmente o mesmo número de processos de 2013. 

Note-se que o problema maior está concentrado no primeiro grau da Justiça Estadual, no qual tramitaram em 2013 cerca de 69,7 milhões de processos, com baixa de 16,4 milhões, ou seja, 23,5% do total. 

A realidade do segundo grau é bem mais confortável. Em 2013 tramitaram 6,2 milhões de processos em segundo grau (excluídas as turmas recursais), dos quais foram baixados cerca de 3,3 milhões (53% do total). No segundo grau da Justiça dos Estados tramitaram 3,8 milhões de processos e foram baixados 2,1 milhões (56% do total). 

Esse cenário é confirmado por outros indicadores do Relatório Justiça em Números. Vejamos. 

A taxa de congestionamento do segundo grau, computado todo o Judiciário, é de 47%, enquanto que a do primeiro é de 73%, ou seja, 55% superior (variação absoluta de 26 pontos percentuais).  

No primeiro grau da Justiça Estadual (excluídos os juizados especiais), o congestionamento é de 80%, contra 44% do segundo grau (diferença de 36 pontos percentuais). 

Na Justiça do Trabalho o congestionamento é menor, mas a diferença entre primeiro e segundo graus é, percentualmente, ainda mais acentuada: apenas 31% de congestionamento no segundo grau contra 51% no primeiro (diferença de 20 pontos percentuais). 

Nessa mesma linha, a carga de trabalho (casos novos + acervo) por magistrado de primeiro grau, computado todo o Judiciário, também é bem superior à de segundo: 6.386 processos contra 3.148, diferença de 103%. 

Essa configuração também é mais grave na Justiça dos Estados, na qual os juízes de primeiro grau tem carga de trabalho de 7.407 processos contra 2.712 no segundo, diferença de 173%.

Ressalte-se, que esses dados representam a realidade média dos tribunais, de modo que o cenário de contradição entre primeiro e segundo graus é ainda mais grave em diversos órgãos do Poder Judiciário.  

O fenômeno da maior sobrecarga de trabalho no primeiro grau se repete em todos os segmentos do Judiciário, embora seja menor na Justiça Federal, cuja taxa de congestionamento é mais equilibrada entre primeiro e segundo graus (excluídos os juizados especiais e turmas recursais): 78% e 67%, respectivamente.

 De outro lado, dados do Relatório Justiça em Números igualmente demonstram que, apesar da excessiva carga de processos, a força de trabalho disponibilizada ao primeiro grau (servidores) é, proporcionalmente, inferior à dedicada ao segundo. Como consequência, os servidores de primeiro grau também estão mais sobrecarregados. 

Basta dizer que, considerando todo o Judiciário, a carga de trabalho por servidor da área judiciária é de 488 processos no primeiro grau e de 227 no segundo, diferença de 121%. 

Na Justiça Estadual essa desproporção é ainda maior: 545 processos por servidor de primeiro grau contra 230 de segundo (115%). 

A quantidade de servidor por magistrado também confirma essa distorção. 

Apesar de a carga de trabalho sobre os magistrados de primeiro grau ser 103% superior, o número de servidores da área judiciária por magistrado de segundo grau é 6% superior: 14 servidores por magistrado no segundo grau e 13 no primeiro. 

Essa desproporção é mais acentuada na Justiça do Trabalho, na qual existem 16 servidores por magistrado de segundo grau e apenas 8 por magistrado de primeiro (100% de diferença). Vale rememorar, a propósito, que a taxa de congestionamento do segundo grau da Justiça do Trabalho é cerca de 20 pontos percentuais inferior à taxa de primeiro grau (31% contra 51%), a revelar a medida dessa desigualdade.  

Todos esses dados motivaram o Conselho Nacional de Justiça a instituir a Política de Atenção Prioritária ao Primeiro Grau de Jurisdição, objeto da Resolução CNJ n. 194, de 26 de maio de 2014.