Identificação
Resolução Nº 348 de 13/10/2020
Apelido
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Temas
Execução Penal e Sistema Carcerário; Gestão e Organização Judiciária; Direitos Humanos; Igualdade de Gênero;
Ementa

Estabelece diretrizes e procedimentos a serem observados pelo Poder Judiciário, no âmbito criminal, com relação ao tratamento da população lésbica, gay, bissexual, transexual, travesti ou intersexo que seja custodiada, acusada, ré, condenada, privada deliberdade, em cumprimento de alternativas penais ou monitorada eletronicamente.

Situação
Alterado
Situação STF
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Origem
Presidência
Fonte
DJe/CNJ nº 335/2020, de 15/10/2020, p. 12-17.
Alteração
Legislação Correlata
Observação / CUMPRDEC / CONSULTA

Cumprdec 0009213-59.2020.2.00.0000 

 
Texto
Texto Original
Texto Compilado

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso de suas atribuições legais e regimentais;

CONSIDERANDO que a Constituição Federal de 1988 estabelece como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, I e IV);

CONSIDERANDO que a Constituição Federal de 1988 assegura, em seu art. 5º, que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante (inciso III), que não haverá penas cruéis (inciso XLVII, “e”), que a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo da pessoa apenada (inciso XLVIII), devendo-se garantir o respeito à sua integridade física e moral (inciso XLIX);

CONSIDERANDO os princípios de direitos humanos consagrados em documentos e tratados internacionais, em especial a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966), o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), o Protocolo de São Salvador (1988), a Declaração da Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata (Durban, 2001), as Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras – “Regras de Bangkok” –, as Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento dos Reclusos – “Regras de Nelson Mandela” -, as Regras Mínimas Padrão das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas Não Privativas de Liberdade - “Regras de Tóquio”;

CONSIDERANDO os Princípios de Yogyakarta sobre a Aplicação da Legislação Internacional de Direitos Humanos em relação à Orientação Sexual e Identidade de Gênero (Yogyakarta, 2006), cujo Postulado 8 propõe a implementação de programas de conscientização para atores do sistema de justiça sobre os padrõesinternacionais de direitos humanos e princípios de igualdade e não discriminação, inclusive em relação à orientação sexual e identidade de gênero, e cujo Postulado 9 reconhece que toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com humanidade, respeito e reconhecimento à orientação sexual e identidade de gênero autodeterminadas, bem como indicando obrigações aos estados no que tange ao combate à discriminação, à garantia do direito à saúde, ao direito de participação em decisões relacionadas ao local de detenção adequado à sua orientação sexual e identidade de gênero, à proteção contra violência ou abuso por causa de sua orientação sexual, identidade ou expressão de gênero, assegurando tanto quanto seja razoavelmente praticável que essas medidas de proteção não impliquem maior restrição a seus direitos do que aquelas que já atingem a população prisional em geral, à garantia de visitas conjugais e de monitoramento independente das instalações de detenção pelo Estado e organizações não governamentais;

CONSIDERANDO a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que na Opinião Consultiva OC-24/7, de 24 de novembro de 2017, solicitada pela República de Costa Rica, expressamente asseverou que a orientação sexual, a identidade de gênero e a expressão de gênero são categorias protegidas pelo artigo 1.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos estando portanto vedada qualquer norma, ato ou prática discriminatória baseada na orientação sexual ou na identidade de gênerodas pessoas (item 68) e que, ainda, a Corte Interamericana asseverou que dentre os fatores que definem a identidade sexual e de gênero de uma pessoa se apresenta como prioridade o fator subjetivo sobre seus caracteres físicos ou morfológicos (fator objetivo);

CONSIDERANDO a Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de 28 de novembro de 2018, em suas Medidas Provisórias decretadas no casodo Complexo Penitenciário do Curado, que ordenou ao Estado brasileiro que adote, em caráter de urgência, as medidas necessárias para garantir a efetiva proteção das pessoas LGBTI privadas de liberdade;

CONSIDERANDO o glossário adotado pelas Nações Unidas no movimento Livres e Iguais, que indica os termos referentes à população LGBTI e conceitos de orientação sexual e identidade de gênero;

CONSIDERANDO o disposto na Lei Federal nº 7.210/1984 - Lei de Execução Penal, em especial o dever de respeito à integridade física e moral das pessoas condenadas e presas provisórias (art. 40) e os direitos da pessoa presa (art.41);

CONSIDERANDO a publicação do Decreto nº 8.727/2016, da Presidência da República, que dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional;

CONSIDERANDO a Resolução Conjunta nº 1/2014, do Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD/LGBT) e do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP/MJ), que estabelece parâmetros para o acolhimento de pessoas LGBT em privação de liberdade no Brasil, publicada em 17 de abril de 2014;

CONSIDERANDO a Nota Técnica nº 9/2020/DIAMGE/CGCAP/DIRPP/DEPEN/MJ, que trata dos procedimentos quanto à custódia de pessoas LGBTI no sistema prisional brasileiro, atendendo aos regramentos internacionais e nacionais;

CONSIDERANDO os parâmetros nacionais da Política Nacional de Saúde Integral de LGBT, instituída pelo Ministério da Saúde por meio da Portaria nº 2.836/2011, e da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP), instituída pela Portaria Interministerial no 1/2014;

CONSIDERANDO o relatório “LGBT nas prisões do Brasil: Diagnóstico dos procedimentos institucionais e experiências de encarceramento”, publicado pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, em 2020;

CONSIDERANDO a decisão proferida na ADI nº 4275, em que o SupremoTribunal Federal reconheceu a transgêneros a possibilidade de alteração de registro civil sem mudança de sexo, e a decisão proferida no RE nº 670.422;

CONSIDERANDO a decisão proferida pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus no 143.641/SP;

CONSIDERANDO que cabe ao Conselho Nacional de Justiça a fiscalização e a normatização do Poder Judiciário e dos atos praticados por seus órgãos (art. 103-B, § 4º, I, II e III, da CF);

CONSIDERANDO a Resolução CNJ nº 270/2018, que dispõe sobre o uso do nome social pelas pessoas trans, travestis e transexuais usuárias dos serviços judiciários, membros, servidores, estagiários e trabalhadores terceirizados dos tribunais brasileiros;

CONSIDERANDO a Resolução CNJ nº 306/2019, que estabelece diretrizes e parâmetros para a emissão de documentação civil e para a identificação civil biométrica das pessoas privadas de liberdade;

CONSIDERANDO a deliberação do Plenário do CNJ, no Procedimento de Ato Normativo 0003733-03.2020.2.00.0000, na 74ª Sessão Virtual, realizada em 2 de outubro de 2020.

 

RESOLVE:

 

Art. 1º Estabelecer procedimentos e diretrizes relacionados ao tratamento da população lésbica, gay, bissexual, transexual, travesti e intersexo (LGBTI) que esteja custodiada, acusada, ré, condenada, privada de liberdade, em cumprimento de alternativas penais ou monitorada eletronicamente.

Art. 2º A presente Resolução tem por objetivos:

I – a garantia do direito à vida e à integridade física e mental da população LGBTI, assim como à sua integridade sexual, segurança do corpo, liberdade de expressão da identidade de gênero e orientação sexual;

II – o reconhecimento do direito à autodeterminação de gênero e sexualidade da população LGBTI; e

III – a garantia, sem discriminação, de estudo, trabalho e demais direitos previstos em instrumentos legais e convencionais concernentes à população privada de liberdade, em cumprimento de alternativas penais ou monitoração eletrônica em geral, bem como a garantia de direitos específicos da população LGBTI nessas condições.

Art. 3º Para fins desta Resolução, e com base no glossário das Nações Unidas, considera-se:

I – transgênero: termo empregado para descrever uma variedade ampla de identidades de gênero cujas aparências e características são percebidas como atípicas – incluindo pessoas transexuais, travestis, cross-dressers e pessoas que se identificam como terceiro gênero; sendo:

a) mulheres trans: identificam-se como mulheres, mas foram designadas homens quando nasceram;

b) homens trans: identificam-se como homens, mas foram designados mulheres quando nasceram,

c) outras pessoas trans não se identificam de modo algum com o espectro binário de gênero; e

d) que algumas pessoas transgêneras querem passar por cirurgias ou porterapia hormonal para alinhar o seu corpo com a sua identidade de gênero; outras, não;

II – intersexo: pessoas que nascem com características sexuais físicas oubiológicas, como a anatomia sexual, os órgãos reprodutivos, os padrões hormonais e/ou cromossômicos que não se encaixam nas definições típicas de masculino e feminino; considerando que:

a) essas características podem ser aparentes no nascimento ou surgir no decorrer da vida, muitas vezes durante a puberdade; e

b) pessoas intersexo podem ter qualquer orientação sexual e identidade de gênero;

III – orientação sexual: atração física, romântica e/ou emocional de uma pessoa em relação a outra, sendo que:

a) homens gays e mulheres lésbicas: atraem-se por indivíduos que são do mesmo sexo que eles e elas;

b) pessoas heterossexuais: atraem-se por indivíduos de um sexo diferente do seu;

c) pessoas bissexuais: podem se atrair por indivíduos do mesmo sexo ou de sexo diferente; e

d) a orientação sexual não está relacionada à identidade de gênero ou às características sexuais;

IV – identidade de gênero: o senso profundamente sentido e vivido do próprio gênero de uma pessoa, considerando-se que:

a) todas as pessoas têm uma identidade de gênero, que faz parte de sua identidade como um todo; e

b) tipicamente, a identidade de gênero de uma pessoa é alinhada com o sexo que lhe foi designado no momento do seu nascimento.

Art. 4º O reconhecimento da pessoa como parte da população LGBTI será feito exclusivamente por meio de autodeclaração, que deverá ser colhida pelo magistrado em audiência, em qualquer fase do procedimento penal, incluindo a audiência de custódia, até a extinção da punibilidade pelo cumprimento da pena, garantidos os direitos à privacidade e à integridade da pessoa declarante.

Parágrafo único. Nos casos em que o magistrado, por qualquer meio, for informado de que a pessoa em juízo pertence à população LGBTI, deverá cientificá-la acerca da possibilidade da autodeclaração e informá-la, em linguagem acessível, os direitos e garantias que lhe assistem, nos termos da presente Resolução.

Art. 5º Em caso de autodeclaração da pessoa como parte da população LGBTI, o Poder Judiciário fará constar essa informação nos seus sistemas informatizados, que deverão assegurar a proteção de seus dados pessoais e o pleno respeito aos seus direitos e garantias individuais, notadamente à intimidade, privacidade, honra e imagem.

Parágrafo único. O magistrado poderá, de ofício ou a pedido da defesa ou da pessoa interessada, determinar que essa informação seja armazenada em caráter restrito, ou, nos casos previstos pela lei, decretar o sigilo acerca da autodeclaração.

Art. 6º Pessoas autodeclaradas parte da população LGBTI submetidas à persecução penal têm o direito de ser tratadas pelo nome social, de acordo com sua identidade de gênero, mesmo que distinto do nome que conste de seu registro civil, como previsto na Resolução CNJ nº 270/2018.

Parágrafo único. Caberá ao magistrado, quando solicitado pela pessoa autodeclarada parte da população LGBTI ou pela defesa, com autorização expressa dapessoa interessada, diligenciar pela emissão de documentos, nos termos do artigo 6º da Resolução CNJ nº 306/2019, ou pela retificação da documentação civil da pessoa.

Art. 7º Em caso de prisão da pessoa autodeclarada parte da população LGBTI, o local de privação de liberdade será determinado pelo magistrado em decisão fundamentada após consulta à pessoa acerca de sua escolha, que poderá se dar a qualquer momento do processo penal ou execução da pena, devendo ser assegurada, ainda, a possibilidade de alteração do local, em atenção aos objetivos previstos no art. 2º da presente Resolução.

Art. 7º Em caso de prisão da pessoa autodeclarada parte da população LGBTI, o local de privação de liberdade será definido pelo magistrado em decisão fundamentada. (Redação dada pela Resolução n. 366, de 20/01/2021)

§ 1º A possibilidade de escolha do local de privação de liberdade e de sua alteração deverá ser informada expressamente à pessoa parte da população LGBTI no momento da autodeclaração.

§ 1º A decisão que determinar o local de privação de liberdade será proferida após questionamento da preferência da pessoa presa, nos termos do art. 8º, o qual poderá se dar em qualquer momento do processo penal ou execução da pena, assegurada, ainda, a possibilidade de alteração do local, em atenção aos objetivos previstos no art. 2º desta Resolução. (Redação dada pela Resolução n. 366, de 20/01/2021)

§ 1º - A. A possibilidade de manifestação da preferência quanto ao local de privação de liberdade e de sua alteração deverá ser informada expressamente à pessoa pertencente à população LGBTI no momento da autodeclaração. (Incluído pela Resolução n. 366, de 20/01/2021)

§ 2º Para os fins do caput, a autodeclaração da pessoa como parte dapopulação LGBTI poderá ensejar a retificação e emissão dos seus documentos quando solicitado ao magistrado, nos termos do art. 6º da Resolução CNJ nº 306/2019.

§ 3º A alocação da pessoa autodeclarada parte da população LGBTI em estabelecimento prisional, determinada pela autoridade judicial após escuta à pessoa interessada, não poderá resultar na perda de quaisquer direitos relacionados à execução penal em relação às demais pessoas custodiadas no mesmo estabelecimento, especialmente quanto ao acesso a trabalho, estudo, atenção à saúde, alimentação, assistência material, assistência social, assistência religiosa, condições da cela, banho de sol, visitação e outras rotinas existentes na unidade.

Art. 8º De modo a possibilitar a aplicação do artigo 7º, o magistrado deverá:

I – esclarecer em linguagem acessível acerca da estrutura dos estabelecimentos prisionais disponíveis na respectiva localidade, da localização de unidades masculina e feminina, da existência de alas ou celas específicas para a população LGBTI, bem como dos reflexos dessa escolha na convivência e no exercício de direitos;

II – indagar à pessoa autodeclarada parte da população transexual, travesti e intersexo acerca da preferência pela custódia em unidade feminina, masculina ou específica, se houver, e, na unidade escolhida, preferência pela detenção no convívio geral ou em alas ou celas específicas, onde houver; e

II – indagar à pessoa autodeclarada parte da população transexual acercada preferência pela custódia em unidade feminina, masculina ou específica, se houver, e, na unidade escolhida, preferência pela detenção no convívio geral ou em alas ou celas específicas, onde houver; e (Redação dada pela Resolução n. 366, de 20/01/2021)

III – indagar à pessoa autodeclarada parte da população gay, lésbica e bissexual acerca da preferência pela custódia no convívio geral ou em alas ou celas específicas.

III – indagar à pessoa autodeclarada parte da população gay, lésbica, bissexual, intersexo e travesti acerca da preferência pela custódia no convívio geral ou em alas ou celas específicas. (Redação dada pela Resolução n. 366, de 20/01/2021)

§ 1º Os procedimentos previstos neste artigo devem ser observados na realização da audiência de custódia após prisão em flagrante ou cumprimento do mandado de prisão, na prolação de sentença condenatória, assim como em audiência na qual seja decretada a privação de liberdade de pessoa autodeclarada parte da população LGBTI.

§ 2º A preferência de local de detenção declarada pela pessoa constará expressamente da decisão ou sentença judicial, que determinará seu cumprimento.

Art. 8º - A. A aplicação do disposto nos artigos 7º e 8º será compatibilizada com as disposições do artigo 21 da Lei nº 13.869/2019(Incluído pela Resolução n. 366, de 20/01/2021)

Art. 9º Em caso de violência ou grave ameaça à pessoa autodeclarada parte da população LGBTI privada de liberdade, o magistrado deverá dar preferência à análise de pedidos de transferência para outro estabelecimento, condicionado a prévio requerimento pela pessoa interessada.

Art. 10. Os direitos assegurados às mulheres deverão ser estendidos às mulheres lésbicas, travestis e transexuais e aos homens transexuais, no que couber, especialmente quanto à:

I – excepcionalidade da prisão provisória, especialmente para as gestantes, lactantes, mães e responsáveis por crianças menores de 12 anos ou pessoas com deficiência, nos termos dos artigos 318 e 318-A do Código de Processo Penal e do acórdão proferido pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC nº 143.641/SP; e

II – progressão de regime nos termos do art. 112, § 3º, da Lei de Execução Penal.

Art. 11. Nos estabelecimentos prisionais onde houver pessoas autodeclaradas parte da população LGBTI privadas de liberdade, o juiz da execução penal, no exercício de sua competência de fiscalização, zelará para que seja garantida assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa, sem qualquer forma de discriminação em razão de orientação sexual ou identidade de gênero, devendo levarem consideração, especialmente:

I – quanto à assistência à saúde:

a) a observância aos parâmetros da Política Nacional de Saúde Integral de LGBT e da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP);

b) a garantia à pessoa autodeclarada como parte da população LGBTI privada de liberdade ou em cumprimento de alternativas penais e monitoração eletrônica do direito ao tratamento hormonal e sua manutenção, bem como o acompanhamento de saúde específico, principalmente à pessoa convivendo com HIV/TB e coinfecções, alémde outras doenças crônicas e infecciosas e deficiências, ou demandas decorrentes das necessidades do processo transexualizador;

c) a garantia de testagem da pessoa privada de liberdade ou em cumprimento de alternativas penais e monitoração eletrônica em relação a doenças infectocontagiosascomo HIV/TB e coinfecções, bem como outras doenças crônicas e infecciosas e deficiências;

d) a garantia de atendimento psicológico e psiquiátrico, considerando o agravamento da saúde mental dessa população, especialmente voltado à prevenção do suicídio, bem como tratamento ginecológico, urológico e endocrinológico especializado para pessoas transexuais, travestis e intersexo durante todo o período de privação de liberdade;

e) a garantia, com isonomia de tratamento, à distribuição de preservativos;e

f) a garantia do sigilo das informações e diagnósticos constantes dos prontuários médicos, principalmente nos casos de informações sorológicas e outras infecções sexualmente transmissíveis, resguardando-se o direito constitucional à intimidade;

II – quanto à assistência religiosa:

a) a garantia à pessoa autodeclarada como parte da população LGBTI do direito à assistência religiosa, condicionada à sua expressa anuência, nos termos da Lei nº 9.982/2000, e demais normas que regulamentem tal direito;

b) a garantia, em iguais condições, da liberdade religiosa e de culto e o respeito à objeção da pessoa autodeclarada parte da população LGBTI presa em receber visita de qualquer representante religioso ou sacerdote, ou de participar de celebrações religiosas;

III – quanto ao trabalho, educação e demais políticas ofertadas nos estabelecimentos prisionais:

a) a garantia de não discriminação e oferecimento de oportunidades em iguais condições em todas as iniciativas realizadas dentro do estabelecimento prisional, não podendo eventual isolamento ou alocação em espaços de convivência específicos representar impedimento ao oferecimento de vagas e oportunidades;

b) a garantia à pessoa autodeclarada parte da população LGBTI, em igualdade de condições, de acesso e continuidade à sua formação educacional e profissional sob a responsabilidade do Estado; e

c) a vedação ao trabalho humilhante em virtude da identidade de gênero e/ou orientação sexual;

IV – quanto à autodeterminação e dignidade:

a) a garantia aos homens transexuais do direito de utilizar vestimentas socialmente lidas como masculinas e acessórios para a compressão de mamas como instrumento de manutenção da sua identidade de gênero;

b) a garantia às mulheres transexuais e travestis do direito de utilizar vestimentas lidas socialmente como femininas, manter os cabelos compridos, inclusive extensão capilar fixa e o acesso controlado a pinças para extração de pelos e a produtos de maquiagem, garantindo seus caracteres secundários de acordo com sua identidade de gênero; e

c) a garantia às pessoas intersexo do direito de utilizar vestimentas e o acesso controlado a utensílios que preservem sua identidade de gênero autorreconhecida;

V – quanto ao direito às visitas:

a) a garantia de que a visita social deve ser realizada em espaço apropriado, respeitando a integridade e privacidade, devendo se evitar que as visitas sejam realizadas nos pavilhões ou celas;

b) a ausência de discriminação de visitas de pessoas pertencentes à população LGBTI, considerando as relações socioafetivas declaradas, não limitadas às oficialmente declaradas e incluindo amigos;

c) a garantia de exercício do direito à visita íntima em igualdade de condições,nos termos da Portaria nº 1.190/2008, do Ministério da Justiça, e da Resolução nº 4/2011, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, inclusive em relação aos cônjuges ou companheiros que estejam custodiados no mesmo estabelecimento prisional;

VI – quanto ao local de detenção:

a) a garantia de que os espaços de vivência específicos para as pessoas autodeclaradas parte da população LGBTI privadas de liberdade não sejam utilizados para aplicação de medida disciplinar ou qualquer método coercitivo para elas ou para outros detentos, assegurando-se, inclusive, procedimentos de movimentação interna que garantam seu acesso aos ambientes onde são ofertadas as assistências à saúde, educacional, social, religiosa, material e ao trabalho;

VII – quanto a procedimentos gerais:

a) a garantia de vedação da transferência compulsória entre ambientes como forma de sanção, punição ou castigo em razão da condição de pessoa autodeclarada parte da população LGBTI;

b) a garantia do direito ao atendimento psicossocial, consistente em ações contínuas dirigidas também aos visitantes, para garantia do respeito aos princípios de igualdade e não discriminação e do direito ao autorreconhecimento, inclusive em relação à orientação sexual e identidade de gênero; e

c) garantia de gratuidade na emissão e retificação dos documentos civis da população LGBTI.

Art. 12. Deverá ser garantido à pessoa autodeclarada como parte da população LGBTI, quando do cumprimento de alternativas penais ou medidas de monitoração eletrônica, o respeito às especificidades elencadas nesta Resolução, no primeiro atendimento e durante todo o cumprimento da determinação judicial, em todas as esferas do Poder Judiciário e serviços de acompanhamento das medidas, buscando-se apoio de serviços como as Centrais Integradas de Alternativas Penais, Centrais de Monitoração Eletrônica ou instituições parceiras onde se dê o cumprimento da medida aplicada.

Art. 13. Os tribunais deverão manter cadastro de unidades com informações referentes à existência de unidades, alas ou celas específicas para a população LGBTI, de modo a instruir os magistrados para a operabilidade do artigo 7º.

Art. 14. As diretrizes e os procedimentos previstos nesta Resolução se aplicam a todas as pessoas que se autodeclarem parte da população LGBTI, ressaltando-se que a identificação pode ou não ser exclusiva, bem como variar ao longo do tempo e espaço.

Parágrafo único. As garantias previstas nesta Resolução se estendem, no que couber, a outras formas de orientação sexual, identidade e expressões de gênero diversas da cisgeneridade e da heterossexualidade, ainda que não mencionadas expressamente nesta Resolução.

Art. 15. Esta Resolução também será aplicada aos adolescentes apreendidos, processados por cometimento de ato infracional ou em cumprimento de medida socioeducativa que se autodeterminem como parte da população LGBTI, no que couber eenquanto não for elaborado ato normativo próprio, considerando-se a condição de pessoa em desenvolvimento, o princípio da prioridade absoluta e as devidas adaptações, conforme previsão do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Art. 16. Para o cumprimento do disposto nesta Resolução, os tribunais, em colaboração com as Escolas de Magistratura, poderão promover cursos destinados à permanente qualificação e atualização funcional dos magistrados e serventuários que atuam nas Centrais de Audiências de Custódia, Varas Criminais, Juizados Especiais Criminais, Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e Varas de Execução Penal em relação à garantia de direitos da população LGBTI que esteja custodiada, acusada, ré, condenada, privada de liberdade, em cumprimento de alternativas penais ou monitorada eletronicamente.

Art. 17. O Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do Conselho Nacional de Justiça elaborará, em até noventa dias, manual voltado à orientação dos tribunais e magistrados quanto à implementação das medidas previstas nesta Resolução.

Art. 18. Esta Resolução entra em vigor 120 dias após sua publicação.

Art. 18. Esta Resolução entra em vigor 180 dias após sua publicação. (Redação dada pela Resolução n. 366, de 20/01/2021)

 

Ministro LUIZ FUX