O encarceramento tem cor, diz especialista

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Seminário Questões Raciais e o Poder Judiciário - Conselheiro Mário Guerreiro. FOTO: Luiz Silveira/Agência CNJ
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Por que os negros são a maioria nas penitenciárias brasileiras? Essa foi a pergunta norteadora que direcionou o início dos debates do segundo dia do Seminário Questões Raciais e o Poder Judiciário, organizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Sob moderação do conselheiro do CNJ Mário Guerreiro, os participantes do painel “Negros no Sistema Carcerário e no Cumprimento de Medidas Socioeducativas” destacaram o racismo velado que faz com que o negro já seja considerado criminoso, antes mesmo de ser processado.

“Praticamente toda a população carcerária do Brasil é negra. É algo que chama a atenção e precisa ser estudado” enfatizou o conselheiro. A informação foi reforçada pelos dados apresentados por Edinaldo César Santos Junior, coordenador executivo do Encontro Nacional de Juízas e Juízes Negros (ENAJUN) e juiz do Tribunal de Justiça de Sergipe (TJSE). “Cerca de 63,7% da população carcerária brasileira é formada por negros. E isso são dados de 2017 do Departamento Penitenciário Nacional (Depen)”, afirmou. “Por que será? Por que são pobres? Por que a maioria dos pobres é negra? O encarceramento tem cor.”

O magistrado fez uma retomada histórica da segregação racial no Brasil, destacando que existe uma política de Estado de aprisionamento de negros, destacando que o sistema prisional os rotula como criminosos. “Nós mantemos as castas raciais a partir do sistema prisional ao ignorar as circunstâncias sociais e históricas da população negra”, completou Santos Junior. “É o delito de ser negro.”

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O discurso foi corroborado por Washington Clark dos Santos, diretor-geral substituto do Depen. “Conhecer quem são os nossos presos, saber de onde vieram e como chegaram até ali é fundamental para dar efetividade às políticas públicas”, explicou. “Ajudaria demais se tivéssemos dados mais detalhados de quem passou pelo sistema socioeducativo e agora está nas unidades prisionais”, afirmou. Clark dos Santos enfatizou que as pessoas negras recebem penas mais duras quando cometem os mesmo crimes de pessoas brancas.

Edinaldo César Santos Junior apresentou dados que explicam em números a observação feira por Clark. Segundo o magistrado, uma pesquisa da Agência Pública de Jornalismo Investigativo em São Paulo que demonstrou que a quantidade de maconha apreendida com pessoas brancas é, em média, maior do que as negras (1,15kg contra 145 gramas). No entanto os negros são os mais condenados (71,35% contra 64,36% dos brancos). Isso acontece na apreensão de todos os tipos de entorpecentes. “Brancos acabam sendo classificados como usuários enquanto os negros, como traficantes”, explicou.

Carlos Gustavo Vianna Direito, juiz auxiliar da Presidência do CNJ que atua no Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), comentou que o Conselho está elaborando um normativo para incluir os dados sobre raça e cor da pele no preenchimento dos cadastros para facilitar a apuração de dados e pesquisas da população carcerária e da socioeducativa. Além disso, o magistrado ressaltou que é necessário fazer uma capacitação dos agentes públicos para receber informação sobre o racismo, em especial os que lidam com a população prisional. “Nós, do Judiciário, fazemos um mea culpa da situação, mas estamos correndo atrás. Fomos os primeiros a implantar as cotas raciais nos concursos e, especialmente no DMF, trabalhamos para reduzir o racismo dentro do sistema prisional.”

Evento

O Seminário Questões Raciais e o Poder Judiciário foi realizado totalmente por meio virtual e teve início na terça-feira (7/7), atraindo mais de 2.200 pessoas para o canal do CNJ no YouTube. Ao abrir o seminário, o ministro Dias Toffoli citou dados de diversas pesquisas que confirmam que os níveis de vulnerabilidade econômica e social são maiores na população negra. Entre os exemplos, Toffoli relatou a prevalência de negros na população carcerária brasileira, o maior número de negros vítimas de homicídios e de negras vítimas de violência doméstica e a desigualdade racial no mercado de trabalho.

Paula Andrade
Agência CNJ de Notícias