Tribunais apresentam boas práticas para combater litigância predatória

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1º Seminário Dados e Litigância: experiências do Judiciário brasileiro no monitoramento da litigância predatória. FOTO: Luiz Silveira/Agência CNJ
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As milhares de ações judiciais baseadas em conflitos falsos ou artificiais que sobrecarregam o Poder Judiciário nos últimos anos têm contribuído para frear o andamento dos processos judiciais. Para fazer frente a essa prática, iniciativas desenvolvidas por tribunais de diferentes segmentos do Poder Judiciário mostram que investimento em tecnologia e gestão baseada em dados são algumas das soluções disponíveis. Essas experiências foram apresentadas no seminário realizado no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nesta quarta-feira (30/11), para discutir formas de enfrentar e prevenir os prejuízos causados pela litigância predatória. O combate à prática é uma das diretrizes da Corregedoria aprovadas no Encontro Nacional do Poder Judiciário deste ano.

Boa parte dos tribunais já mapeiam a litigância predatória com estatísticas. O CNJ criou o Painel Grandes Litigantes que permite a consulta e a visualização em gráficos tanto das pessoas jurídicas que mais são levadas à Justiça quanto das instituições que mais acionam o Poder Judiciário. Filtros permitem a criação de listas com os maiores litigantes de acordo com o ramo de Justiça, tribunal, grau, unidade judiciária, no caso do Poder Judiciário, mas também pelo setor da atividade econômica a que a empresa pertença.

De acordo com a juíza auxiliar da Presidência do CNJ Ana Aguiar, ao tratar a litigância com transparência, a ferramenta dá aos litigantes visibilidade incômoda para os negócios. “Por isso é importante divulgar os painéis. De fato, os litigantes não têm interesse em aparecer como tal”, afirmou. Nesta quarta-feira (30/11), figuravam como os maiores litigantes no polo passivo (acionados na Justiça) o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a Caixa, o Banco Bradesco S.A., o estado do Rio Grande do Sul e o estado de São Paulo.

Desde 2016, um grupo de 30 advogados moveu, no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), cerca de 120 mil ações judiciais em 840 unidades judiciárias, de acordo com o estudo feito pelo Núcleo de Monitoramento dos Perfis de Demandas da Corregedoria Geral da Justiça (Numopede) sobre o perfil das ações movidas por um grupo de 30 advogados na Comarca de Ribeirão Preto. O grupo, que acabou condenado, elevou a demanda de casos novos na comarca de 23 mil para 27 mil processos ingressados por ano. Por causa da ação do grupo, o tempo médio entre início do processo até a sentença aumentou de 364 dias, em 2012, para 930 dias, em 2016.

O juiz auxiliar da Presidência do TJSP Felipe Viaro apresentou um painel que vai permitir a um magistrado ou uma magistrada pesquisar dados sobre todos os processos ingressados por determinado advogado, a partir de busca pelo nome do profissional. “Verifica-se, reiteradamente, pequenos grupos de advogados que ajuízam um número muito grande de ações, em nome de um número pulverizado de litigantes eventuais. É preocupante, pois, embora as partes dessas ações não possam ser consideradas litigantes contumazes, quem os representa pode ser considerado litigantes habituais. Eles têm toda a expertise dos litigantes habituais”, afirmou.

Má-fé

Na maioria dos casos, são pedidos sem fundamento apresentados pelo mesmo advogado ou pelos mesmos escritórios de advocacia, muitas vezes em tribunais distantes uns dos outros: uma estratégia de má-fé usada para comprometer a defesa de quem é acusado ou de quem se cobra pagamento ou o cumprimento de uma obrigação. Um advogado ingressou com a mesma ação na Justiça Federal da Paraíba e na Justiça Federal do Rio Grande do Norte. “A única diferença era o endereço da parte, que tinha uma demanda de saúde. Quando conseguia liminar em uma seção judiciária, desistia do processo na outra”, afirmou o juiz auxiliar da Presidência do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), Halisson Rêgo Bezerra.

De acordo com o juiz auxiliar da Presidência do CNJ João Thiago de França Guerra, o uso estratégico da má-fé compromete a capacidade de o Poder Judiciário responder à demanda no momento adequado. “Existe uma máquina de exploração econômica do processo, da letargia e da morosidade do processo. É um fenômeno que precisa ser estudado e contemporizado para que o acesso à Justiça daquele que realmente precisa e busca a tutela do seu direito não seja inviabilizado por essa exploração econômica do serviço judiciário”, afirmou o magistrado.

De acordo com a juíza auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça Roberta Ferme, na Justiça do Trabalho são frequentes as ações que não deveriam ter sido judicializadas, mas o são para que a empresa não pague, aos trabalhadores demitidos, os valores devidos na rescisão contratual. De acordo com a magistrada, que pertence ao quadro do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT2), o diálogo entre os atores específicos do processo, como o Ministério Público do Trabalho e a Advocacia, pode evitar que empresas prefiram não cumprir as regras ao deixar a parte decidir buscar seus direitos ou não, “porque este custo acaba saindo mais barato ou com menor risco do que simplesmente fazer política de cumprimento das regras da Justiça do Trabalho”, afirmou.

Ações

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) editou este ano uma portaria para normatizar o tratamento da “judicialização predatória”. A norma permite que sejam agrupados os processos que forem caracterizados como fruto de litigância abusiva, para otimizar o andamento deles, assegurando o direito ao contraditório e a amplia defesa de quem é acionado no tribunal. Também recomenda que a comunicação dos casos à Corregedoria do TRF2 para que sejam informados ao Ministério Público Federal (MPF) e à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

O Tribunal de Justiça de Tocantins (TJTO) usa Inteligência Artificial para identificar demandas abusivas, a partir da análise textual das petições iniciais. Um Painel de Business Intelligence identifica similaridades nas peças que inauguram os processos.

Texto: Manuel Carlos Montenegro
Edição: Sarah Barros
Agência CNJ de Notícias

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