O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), o Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec) e o Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) promoveram a 1ª edição da Praça de Justiça e Cidadania no município de Canudos, no extremo norte da Bahia.
O evento, realizado entre os dias 1º e 3 de outubro, contou com a parceria de mais de 30 outras instituições públicas e celebrou os 132 anos de fundação da cidade – então chamada de Belo Monte – pelo líder Antônio Conselheiro, que culminou no evento histórico da Guerra de Canudos (1896-1897).
Foi a primeira Praça de Justiça e Cidadania implantada no estado da Bahia – projeto que tem o objetivo de aproximar o Poder Judiciário de comunidades, com o acesso integrado a serviços públicos, jurídicos, sociais, culturais e de cidadania.
Pelo TRF-1, estiveram presentes a vice-coordenadora do Sistema de Conciliação da Justiça Federal da 1ª Região (SistCon1), desembargadora federal Rosimayre Gonçalves de Carvalho; o vice-coordenador dos Juizados Especiais Federais da 1ª Região (Cojef), desembargador federal Roberto Carvalho Veloso; e o desembargador Flávio Jardim, que dirige a coordenação temática de Direitos dos Povos Indígenas e Tradicionais do SistCon1. Também participaram a juíza federal Hanna Porto e os juízes federais João Paulo Pirôpo, Hugo Abas Frazão, Cristiano Miranda e Gabriel Vinícius.
Os serviços e atendimentos do sistema Justiça foram o principal foco de atuação da iniciativa, que também abrangeu atividades de saúde, assistência social e educação, entre outras. A 1ª Região atuou nos eixos de acesso à Previdência, Assistência Social e Desenvolvimento Rural; Regularização fundiária e Desenvolvimento Rural; e, também, de Solução de Conflitos Individuais com a União ou com a Caixa Econômica Federal.
Assim, foi dada oportunidade para a realização de perícias com o objetivo de conferir celeridade à tramitação de demandas de natureza previdenciária, assistencial e de saúde; serviços de atermação, com atendimento humanizado à população para formulação de pedidos iniciais e esclarecimentos processuais; e julgamento de processos e prolação de sentenças com prioridade para casos de maior destaque social.
Segundo a desembargadora federal Rosimayre Gonçalves, a experiência em Canudos mostrou que a população local “demanda justiça substantiva e restaurativa e, ao mesmo tempo, transmite valiosos ensinamentos por meio de sua resiliência e riqueza cultural”. A magistrada atua no SistCon1 na coordenação dos trabalhos do Núcleo de Justiça Restaurativa (Nujures) e nos Núcleos de Práticas Restaurativas (NPR). Além disso, é coordenadora executiva do programa Casas de Justiça e Cidadania na 1ª Região.
“Retorno desta experiência da justiça multiportas com o compromisso de promover a continuidade do trabalho restaurativo e com a esperança renovada em nossos propósitos institucionais. O sistema de justiça, como de resto todas as instituições democráticas, passa por desafios próprios do novo século e novo jeito de viver, de modo que precisa abandonar a fragmentação e passar à união multi-institucional para atender às necessidades dos cidadãos, e, com isso, manter e fortalecer sua legitimidade”, disse a vice-coordenadora do SistCon1.
Essa visão foi compartilhada também pelo vice-coordenador dos Juizados Especiais Federais da 1ª Região (Cojef/TRF-1), desembargador federal Roberto Veloso, que compareceu ao evento representando o órgão, liderado pelo desembargador federal César Jatahy.
“Ter uma Casa de Justiça em Canudos, por iniciativa do ministro Carlos Brandão, é reafirmar que o Estado Democrático de Direito deve estar presente em todos os lugares, inclusive — e principalmente — naqueles onde o povo resistiu com fé, coragem e esperança. Canudos, símbolo de bravura e de luta por justiça social, agora se torna também símbolo de reconciliação, de paz e de fraternidade institucional”, afirmou, referindo-se ao atual ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Carlos Augusto Brandão, que iniciou os trabalhos de instalação da Praça de Justiça e Cidadania em Canudos quando era desembargador do TRF-1.

O papel da cooperação interinstitucional e do empenho da magistratura foram igualmente destacados por outro parceiro da 1ª Região, o Tribunal de Justiça da Bahia. Foi o que disse a desembargadora Marielza Brandão, que representou a presidente do TJBA na ocasião.
“Este é um evento no qual os juízes do Tribunal de Justiça da Bahia e da Justiça Federal saem dos seus gabinetes e se preocupam não só em proferir sentenças, mas também em fomentar a justiça multiportas, permitindo que as pessoas possam encontrar soluções para seus problemas por meio de outras formas, como a mediação, a conciliação, a justiça restaurativa. E, além disso, junto com parceiros, estamos oferecendo outros serviços, como emissão de carteira de identidade, exame de DNA, serviços de saúde, entre outros, em parceria com o Governo do Estado, o Ministério Público, a Defensoria Pública, a OAB e a Prefeitura de Canudos, que tem dado todo o apoio para que esse evento aconteça”, declarou a magistrada.
Audiência histórica
Um dos principais destaques dos três dias de atividade da Praça de Justiça e Cidadania foi o trabalho desenvolvido na aproximação das partes em conciliação para buscar soluções a uma ação civil pública, movida pelo Município de Canudos, que busca a reparação histórica pelos danos causados pela União durante a Guerra de Canudos (1896-1897). A audiência foi noticiada por veículos de comunicação locais e destacada pelo seu valor histórico e de reparação.
Em entrevista à jornalista colaboradora do jornal BNews, o desembargador federal Flávio Jardim, na condição de coordenador temático das causas dos povos tradicionais no SistCon1, ressaltou que a audiência foi agendada para coincidir com o mutirão cívico, visando também “fechar uma ferida aberta há 128 anos”.
“A audiência é importante porque propicia à Justiça escutar a pretensão da comunidade, identificar os problemas municipais, que têm origem desde a guerra e o massacre aqui ocorridos”, disse ainda o desembargador Flávio Jardim.
Instrumentos inovadores de Justiça
Presente nesta primeira edição do projeto em Canudos, o juiz federal Hugo Abas Frazão salientou a importância do encontro dos magistrados com a sociedade nessas ocasiões.
“Os juízes federais nunca vieram à terra do sertão, dos conselheiristas, tão honrada de sua história, e que, até hoje, enaltecem um líder, Antônio Conselheiro. Nós não conhecíamos essa versão e a narrativa do povo faz a gente entender muito dos seus sofrimentos”, relatou o magistrado.
“A partir desse encontro, os magistrados vieram para compreender quais os verdadeiros dramas para aí pensar em um futuro para Canudos. Não um futuro trágico como foi o da primeira Canudos, mas esta Canudos, que já é a terceira, erguida, construída, precisa crescer e alavancar-se”, acrescentou.
Hugo Frazão destacou ainda a atuação do Judiciário a partir dos seus “velhos e novos instrumentos”, em especial os instrumentos inovadores, a exemplo das reclamações pré-processuais, os acordos, a conciliação e a justiça restaurativa, que ajudaram a identificar elementos determinantes.
“Acredito piamente que nós poderemos dar uma resposta concreta de que o Judiciário não é apenas a aplicação da Lei, mas é entender o Direito para além da Lei, considerando suas circunstâncias fáticas e seus valores. Canudos precisa ser respeitada e nós temos o dever de conhecê-la para que a gente possa julgar melhor”, concluiu o magistrado.
Projeto idealizado na 1ª Região
O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Carlos Pires Brandão também prestigiou a realização da Praça de Justiça e Cidadania, na quinta-feira (2/10), em Canudos. Brandão foi um dos idealizadores desse projeto no país, quando ainda era desembargador federal no Tribunal Regional da Federal da 1ª Região (TRF-1).
Em entrevista ao Anota Bahia, o ministro destacou que a partir do projeto Viva Alcântara, da 1ª Região, se pôde compreender o papel do sistema de justiça em sociedades marcadas pela exclusão. “A escolha de Canudos não foi aleatória, mas sim emblemática de uma dívida histórica de 128 anos e da violência estrutural”, afirmou, ressaltando que “projetos como a Praça de Justiça demonstram, na prática, que é possível um Judiciário atualizado com as promessas constitucionais, juridicamente mais adequado para as demandas de uma sociedade complexa e desigual”.

