Pressão do Sistema de Justiça garantiu criminalização de violência virtual contra a mulher

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Painel 1 da XV Jornada Maria da Penha, promotora de Justiça Maria Gabriela Prado Manssur, do Ministério Público de São Paulo. Foto: G.Dettmar/CNJ
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A violência contra a mulher sob a ótica masculina e na internet foram alguns dos temas abordados no primeiro painel da XV Jornada da Lei Maria da Penha, nesta terça-feira (10/8), evento promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A promotora de Justiça de São Paulo e idealizadora do projeto “Tem Saída”, Gabriela Manssur, levantou a relevância da internet, em especial das redes sociais, na amplificação da voz das mulheres, ao uni-las pelo fim da violência, ao exigir uma postura mais imediata do Sistema de Justiça, ao dar vozes para casos emblemáticos, a exemplo dos crimes cometidos pelo religioso João de Deus.

A representante do Ministério Público de São Paulo ponderou, no entanto, que o ambiente virtual também promove o linchamento da reputação e da imagem de muitas brasileiras. “Infelizmente, a internet é mais um espaço em que se reproduz a questão social e cultural contra a mulher, do machismo que acaba também se reproduzindo nos espaços virtuais”, ponderou. Segundo Gabriela, pesquisa feita no Rio de Janeiro revelou que 82% dos crimes apurados na Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática são contra a honra, injúria, calúnia e difamação; e, desses, 82%, são contra mulheres em situação de término de relacionamento.

“Nos últimos três anos, o aumento da violência virtual contra as mulheres no Brasil cresceu em 1.600%: são crimes contra a liberdade, contra a privacidade, contra a intimidade e a dignidade sexual. Muitas vezes esses agressores se sentem protegidos pela tela do celular, como se fosse um escudo protetor que garante a sua impunidade”, afirmou.

Gabriela destaca que foi necessário um grande esforço para garantir a tipificação de condutas específicas para o combate a prevenção da violência contra a mulher. “Antes da Lei de Importunação Sexual, de outubro de 2018, não havia uma tipificação específica para tratar da pornografia de revanche. Muitas vezes esses crimes eram tidos como constrangimento ilegal, difamação ou injúria”, disse. Hoje, a pena é de um a cinco anos e multa. “E o que foi mais importante da Lei de Importunação Sexual foi a modificação da natureza da ação penal, que nesses crimes passaram a ser públicas incondicionadas, ou seja, independentemente da vontade da vítima, o Ministério Público já tem a competência para investigar e processar o autor.”

O crime de stalking também foi citado pela promotora. “Não tínhamos uma tipificação específica e foram necessários casos concretos em que houve uma sensação de impunidade para que todo o Sistema de Justiça atuasse. O Ministério Público e o Poder Judiciário deixaram um legado para as mulheres brasileiras, um legado de luta, de construção, de articulação e de promoção de justiça às mulheres brasileiras. E a Lei do stalking veio para firmar essa situação e mostrar que não toleraremos situações como essa”, afirmou. “Lugar de mulher é onde ela quiser, inclusive na Internet.”

Moderadora do painel, a juíza do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e presidente do Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Fonavid), Bárbara Lívio, relembrou que a criação do Fórum ocorreu justamente em uma das edições da Jornada Maria da Penha, em 2009, “o que demonstra o compromisso do CNJ com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária”. Ela pontuou que um dos eixos de atuação dos juízes de violência doméstica é pensar nas respostas do Estado para os homens, como a criação de grupos reflexivos.

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Masculinidade tóxica

A violência contra a mulher sob a perspectiva dos homens foi o tema apresentado pelo desembargador do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) Roger Raupp Rios. O magistrado dividiu a sua palestra em três momentos: uma primeira reflexão sobre os homens e as masculinidades, uma segunda sobre a sociedade e a sociabilidade, e, por fim, sobre onde e como estão as instituições do Sistema de Justiça diante desse quadro de violência. O magistrado é autor de artigos e livros sobre o tema, entre os quais “O direito à antidiscriminação: discriminação direta e indireta e ações afirmativas” e “Em defesa dos direitos sexuais”.

O desembargador falou sobre a masculinidade tóxica, “que para alguns não é somente a expressão de um lugar de poder de dominação, mas é também uma manifestação de uma subjetividade fraca, insegura, que só se sustenta na base de agressão, de xingamento, de violência, de empunhar armas, de praticar ofensas. Algo que não se sustenta em si mesmo e para isso lança mão de uma força bruta, de uma violência”.

O desafio institucional de dizer um basta à violência foi destacado pelo desembargador. “O Estado vai criando e vai pujando certos tipos de masculinidade e hoje em dia existe todo um movimento muito machista e muito ‘masculinista’ não só na sociedade, mas no Estado, não só no Brasil, mas em outros países do mundo. O Estado generifica a sociedade muitas vezes de uma masculinidade tóxica violenta e a sociedade também masculiniza de forma tóxica e violenta o próprio Estado. Então, isso se dá dentro do Sistema de Justiça.”

No entanto, também destacou a positiva proposição de políticas públicas, iniciativas, resoluções e cursos de formação dentro do Poder Judiciário. “É uma chaga que desvela nós e a nossa sociedade. É uma chaga que aponta para algo que é constitutivo nas nossas subjetividades contemporâneas e na masculinidade e na sociabilidade que predomina entre nós, mas, ao mesmo tempo, é um desafio, uma convocação de mudança ética e institucional”, conclamou.

Carolina Lobo
Agência CNJ de Notícias

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