Tribunais preparam adoção do depoimento especial de crianças de povos tradicionais

Você está visualizando atualmente Tribunais preparam adoção do depoimento especial de crianças de povos tradicionais
Encontro “Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência – Comunidades Tradicionais”. Foto: G.Dettmar/CNJ
Compartilhe

Tribunais de vários estados passam, a partir deste ano, a centrar esforços na preparação para tornar efetivo o protocolo para depoimento especial de crianças e jovens de povos e comunidades tradicionais. Instrumento para a proteção de menores vítimas ou testemunhas de violência, o protocolo definido no no “Manual de Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes de Povos e Comunidades Tradicionais” foi elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no ano passado a partir de um projeto-piloto desenvolvido nos tribunais de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJMS), Amazonas (TJAM), Bahia (TJBA) e de Roraima (TJRR) em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

Agora, as instituições que compõem a ampla rede de proteção passam a implementar o roteiro, que traça como os depoimentos especiais e as provas devem ser colhidos e reunidos. “O grande desafio dos tribunais é mobilizar colaboradores e fontes de financiamento e organizar parcerias para articularmos com os demais atores da rede de proteção, do Sistema de Justiça e de Segurança para que esse trabalho tão bem elaborado possa ser trazido à nossa prática de maneira que se alcance não somente o objetivo de coleta de provas, mas de proteção a essas crianças e adolescentes”, afirmou a juíza Katy Braun do Prado, do TJMS.

A partir dessa construção, os órgãos do Poder Judiciário passam a uma articulação maior para implementar o roteiro que traça como os depoimentos especiais e as provas devem ser colhidos e reunidos. Para as cortes, a meta é assegurar a adoção do depoimento especial com resguardo das especificidades socioculturais dos povos e comunidades tradicionais. Essa preparação foi debatida durante o evento “Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência – Comunidades Tradicionais,, realizado nesta sexta-feira (11/2) pelo CNJ em evento transmitido pelo YouTube.

“O grande desafio dos tribunais é mobilizar colaboradores e fontes de financiamento e organizar parcerias para articularmos com os demais atores da rede de proteção, do Sistema de Justiça e de Segurança para que esse trabalho tão bem elaborado possa ser trazido à nossa prática de maneira que se alcance não somente o objetivo de coleta de provas, mas de proteção a essas crianças e adolescentes”, disse a juíza Katy Braun do Prado, do TJMS.

Entre as diretrizes a serem observadas pelos órgãos da Justiça estão a organização interna para a tomada do depoimento especial, articulação com as instituições de garantia de direitos, formação permanente de magistrados, servidores e colaboradores, diálogo e articulação com os povos tradicionais, além de planejamento, monitoramento e avaliação das ações adotadas.

Leia também:

Diversidade

Na prática, esta é a realidade de cerca de 28 povos indígenas e 305 etnias que se comunicam por meio de 284 idiomas que vivem no território brasileiro com sua cultura, tradições e costumes, muitas vezes em comunidades distantes e carentes de políticas públicas. As informações foram coletadas pelo IBGE em 2011 e 2012 e informada no evento pela Procuradora de Justiça do Ministério Público do Rio Grande do Sul Denise Casanova Villela.

No dia a dia, os casos de violação de direitos em menores de povos e comunidades tradicionais são variados, desde crianças que são testemunhas de violência doméstica e familiar a vítimas de maus-tratos, de abandono parental, de violência sexual, psicológica e de violência institucional, muitas vezes responsáveis pela revitimização.

Diante dessa realidade a ser enfrentada, juízes e juízas mostraram-se aliviados com a decisão do CNJ de definir um manual a ser seguido no depoimento especial de crianças e jovens de povos e comunidades tradicionais.

“Até então, magistrados de comarcas longínquas se sentiam meio perdidos sem saber o que podiam ou não fazer. Com a divulgação desse manual, todos passam a saber os mecanismos e, obedecendo às peculiaridades de cada povo em suas aldeias e tribos, poderão trabalhar e buscar parcerias para as soluções apresentadas´, avaliou a desembargadora do TJAM Joana Meirelles.

A organização dos depoimentos especiais vai demandar uma articulação entre as diferentes instituições que compõem a rede de proteção, com definição de fluxos para o atendimento célere e eficaz para que seja conferida a esses crianças e jovens vítimas ou testemunhas de violência a prioridade absoluta.

“A violência dentro das comunidades dos povos tradicionais é complexa e possui fatores específicos. As mulheres, crianças e jovens são os mais vulneráveis e essa a violência é proveniente de situações de extrema precariedade e de falta de políticas públicas diferenciadas”, comentou o juiz do TJBA Arnaldo José Lemos de Souza. Para ele, a articulação com as lideranças dessas comunidades é fator chave para que esses depoimentos especiais sejam bem-sucedidos.

Pertencente a uma comunidade tradicional extrativista, a especialista em educação do campo Edel Moraes citou casos específicos de violência contra crianças e adolescentes ocorridos nas comunidades da Ilha de Marajó, no Pará, uma das áreas brasileiras com o mais baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país.

Vivendo com menos de R$ 150 por mês na pobreza ou extrema pobreza, muitos dos moradores da região convivem com a violência em sua rotina. O mais comum, apontou Edel Moraes, são casos de difícil elucidação até pelo fato de muitas das crianças e jovens não terem certidão de nascimento. São, conforme apontou ela, pessoas em situação a trabalho análogo ao da escravidão, ou filhos de extrativistas, pescadores, famílias ribeirinhas, ciganas ou quilombolas sem acesso à escola ou saúde pública, em situação extrema de vulnerabilidade social.

A preparação dos tribunais e dos magistrados e magistradas é parte da solução desses problemas, conforme apontou o juiz Jorsenildo Dourado do Nascimento do TJAM. Falando sobre a realidade do Amazonas, ele disse que somente na localidade de São Gabriel, há 22 etnias diferentes.

“O manual que está sendo lançado muito é importante para o dia a dia dos magistrados e com essa política o CNJ dá uma importante contribuição para o aperfeiçoamento da jurisdição voltada para os povos e comunidades tradicionais”, disse. Os desafios para a efetiva implementação foram abordados também pela por Denise Casanova Villela. Ela considera que para tornar efetivo o protocolo do depoimento especial, a Justiça terá que se organizar para entender mais e melhor os povos tradicionais, sua linguagem, cultura, costumes e necessidades.

“O Poder Judiciário terá que criar sistemas de informação judicial de auto-declaração por meio de pactuações com a polícia e o Ministério Público e outras instituições na oferta de peças processuais que contenham informações (sobre esses povos e comunidades) a fim de organizar o depoimento especial”, disse.

De forma complementar, o juiz e coordenador de Infância de Juventude do Tribunal de Justiça de Roraima, Marcelo Lima Oliveira, abordou questões práticas. Ele citou, por exemplo, a importância da ajuda de um intérprete ou mediador para as oitivas e coleta de prova, o cuidado na definição do local dos depoimentos especiais e o diálogo com as lideranças e membros das comunidades em que a violência ocorreu. “Nós, magistrados, precisaremos trabalhar com a rede de proteção e com as instituições para que haja confiança mútua na implementação do protocolo.”

Luciana Otoni
Agência CNJ de Notícias

Reveja o evento no canal do CNJ no YouTube

Veja mais fotos no Flickr do CNJ
(navegue usando as setas à esquerda e à direita da foto a seguir)
11 02 2022 Encontro Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes - Povos e Comunidades Tradicionais

Macrodesafio - Garantia dos direitos fundamentais