Parcerias ajudam Judiciário no combate às fake news

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FOTO: Gil Ferreira/Agência CNJ
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A mesa redonda “Políticas judiciárias de combate às fake news” discutiu, nesta segunda-feira (4/11), sugestões possíveis para a mitigação das notícias falsas. Medidas como ações de compliance, a autorregulação regulada e sugestões para a instituição de leis para o combate à desinformação foram apontadas como iniciativas positivas. O evento, organizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), trouxe intensos debates que apontaram para a necessidade de o Poder Judiciário participar da construção das soluções para o combate às notícias falsas.

Com a evolução da internet, o direito brasileiro precisa ser atualizado, de forma a atender à nova realidade. Segundo o professor assistente de direito da Universidade Goethe de Frankfurt, Ricardo Resende Campos, o problema central é a forma como a informação circula e a maneira como ela é gerada atualmente.

O professor explicou que, até 30 anos atrás, a notícia era centrada em grandes organizações e redações jornalísticas, mas, agora, as informações circulam especialmente nas redes sociais. “O modelo tradicional de responsabilidade está em decadência. Os juristas precisam repensar os institutos jurídicos. Por exemplo, o direito de resposta pode ser aplicado às situações atuais? Como forçar o direito de resposta nas redes? As plataformas intermediárias, como Facebook, Whatsapp, Youtube, podem ser responsabilizados em casos de difamação? A responsabilidade jurídica dos intermediários na internet precisa ser repensada”, sinalizou.

Além disso, o acadêmico apresentou as experiências de Portugal, Alemanha, Estados Unidos e Brasil, sobre as ações de combate às notícias falsas. Ressaltou, inclusive, o trabalho de mediação que vem sendo realizado em Portugal, contando com cybercourt (cortes virtuais), com resultados positivos.

Em seguida, o professor adjunto o Departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais, Fabício Benevuto, reafirmando as ponderações do expositor, delineou as experiências do sistema de checagem de dados desenvolvido dentro da Universidade.

Marco Civil

Em dezembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve voltar a analisar o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), com foco no artigo 19.  A norma determina que o “provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”.

Os debatedores concordaram que é preciso investir em medidas de transparência para combater as fakes news e o discurso de ódio. Para tanto, é preciso incentivar que os intermediários adotem políticas de compliance, melhorando os mecanismos de defesa contra a viralidade das informações falsas. Nesse sentido, acredita-se que a legislação deva ser aprimorada, com a participação do Poder Judiciário, para que o mercado e toda a sociedade sejam contempladas.

O juiz auxiliar da Presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e coordenador do Programa de Enfrentamento à Desinformação, Ricardo Fioreze, lembrou que é preciso respeitar a legislação existente sobre proteção de dados pessoais. De acordo com ele, o Brasil ainda não tem experiência suficiente para buscar soluções legislativas imediatas. Afirmou que o TSE vem trabalhando em parceria junto às plataformas do Whatsapp, Youtube e Facebook, para buscar soluções. De acordo com ele, as ações adotadas pelo programa, até o momento, têm contribuído com investigadores, com as autoridades públicas e para a produção de um jornalismo de qualidade.

O representante do TSE também sugeriu o incentivo de uma autorregulação das empresas, mas de forma regulada, para que usuários não sejam suspensos ou penalizados à revelia, mas permitindo o contraditório e a ampla defesa. “Estamos inserindo as partes e sua atuação em nosso programa, tentando levar ao público conteúdo que permita compreender os problemas democráticos do país e os pessoais”, disse.

A participação do Judiciário nos gabinetes de crise, ou a adoção de um sistema de gerenciamento de crise, nos moldes utilizados pelos governos durante importantes ocasiões como as manifestações de 2014 e a greve dos caminhoneiros, também foi apontada como parte da solução, pelo assessor especial da Presidência do TSE e ex-delegado da Polícia Federal, Rogério Galloro. “Quando o Judiciário se aproxima na busca de soluções, traz sua carga de conhecimento e permite uma tomada de decisões mais rápida e eficiente. Isso ficou evidente no referido programa do TSE”, disse.

O reforço à imprensa livre e responsável foi destacado pelo deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP). De acordo com o parlamentar, que foi relator no Congresso da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, é preciso “parar o processo de desqualificação sistemática da imprensa”. Além disso, o parlamentar defendeu a participação do CNJ na construção legislativa, uma vez que pode “oferecer subsídios para proteger a democracia”.

O Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, do Superior Tribunal de Justiça, que trouxe importantes experiências do direito comparado, ressaltou a importância do papel dos tribunais, não só para combater a desinformação, mas também para a responsabilização dos ofensores.

Para o conselheiro Valtércio de Oliveira, o processo legislativo pode não ser tão célere quanto se precisa, uma vez que, em 2020, o Brasil terá eleições municipais, que podem exigir uma força-tarefa para controlar e combater a notícias falsas. Nesse sentido, ele sugeriu que o CNJ apresente uma resolução sobre o tema, até que advenha a lei.

 

Painel Multissetorial

O assessor processual da Presidência do STF, Alexandre Freire, disse que é preciso buscar mais efetividade na checagem de dados, em relação à viralidade das notícias falsas, para construir um modelo de intervenção aos intermediários. Um exemplo é o Painel Multissetorial de Checagem de Informações e Combate a FakeNews, lançado pelo CNJ/STF em junho deste ano, que reúne organizações públicas (tribunais, associações de magistrados) e privadas (representantes dos meios de comunicação, da imprensa, advogados e agências de notícias e de checagem de conteúdos) para combater a proliferação de notícias falsas e conteúdos inverídicos veiculados na internet e em redes sociais.

De acordo com o secretário especial de Programas, Pesquisas e Gestão Estratégica do CNJ, Richard Pae Kim, é preciso otimizar o trabalho do Painel que, de junho a setembro, teve cerca de 900 acessos. Ele destacou que o CNJ deve incrementar as campanhas nas redes sociais, como as postagens contra as notícias falsas – #FakeNewsNão e Fake News – Perigo Real. O magistrado, que coordenou os trabalhos da mesa redonda, acredita que a parceria com os intermediários é positiva e que é possível desenvolver um design jurídico para enfrentar o problema. “O Poder Judiciário deve realizar seu papel de garantir direitos e punir quem estiver agindo ilegalmente. Precisamos pensar num sistema que permita ao Judiciário decisões efetivas”, afirmou.

O evento se encerrou com a definição no sentido de que encaminhamentos serão feitos até o final do ano, visando a ampliação das ações judiciárias de combate às fake news.

Lenir Camimura Herculano
Agência CNJ de Notícias