Pai da poetisa Cora Coralina atuou como juiz na comarca de Macapá (AP) em 1868

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Arte: TJAP
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Francisco de Paula Lins dos Guimarães Peixoto foi um magistrado que atuou como juiz da comarca de Macapá (AP) no ano de 1868. Os sobrenomes chamaram atenção dos servidores Michel Duarte Ferraz (museólogo) e Marcelo Jaques de Oliveira (historiador), do Tribunal de Justiça do Amapá (TJAP), que atualmente realizam a análise documental de processos judiciais antigos com objetivo de resgatar registros de valor histórico para Justiça amapaense, desde o período do Brasil Império (de 1822 a 1889).

Os sobrenomes parecidos com os da poetisa goiana, de renome nacional, Cora Coralina, batizada como Anna Lins dos Guimarães Peixoto, saltaram aos olhos dos pesquisadores, que analisaram a biografia da poetisa e constataram que ela descendia do magistrado. Francisco de Paula Lins dos Guimarães Peixoto nasceu em Areias (PB),em 1821. Pela proximidade com sua terra natal, tudo indica que tenha se tornado bacharel em Direto estudando na antiga Faculdade de Direito de Olinda (PE), instalada no mosteiro de São Bento.

Em sua trajetória profissional consta que atuou como Chefe de Polícia nas províncias do Amazonas e Piauí. Exerceu a magistratura em comarcas vinculadas ao Tribunal de Relações do Pará, entre elas: Macapá, Manaus e no Termo Judiciário de Cametá. Foi também Auditor de Guerra da Província do Amazonas.

Em 1884, torna-se desembargador do Tribunal de Relações de Goyaz (hoje Goiás), tendo atuado interinamente como Desembargador Procurador da Coroa, soberania e Fazenda Nacional. Faleceu em 1889, aos 68 anos, na cidade de Goiás, hoje estado.

Segundo o museólogo Michel Duarte Ferraz, diante dos materiais pesquisados até o momento não é possível traçar com precisão um perfil da sua atuação profissional ou da sua personalidade. “Os jornais daquela época eram claramente parciais e distribuíam notícias e versões de interesse dos seus proprietários e dos partidos políticos a que estavam ligados. Alguns jornais das províncias em que atuou tratavam-no como magistrado exemplar, outros o acusavam de recorrente abuso de autoridade, de conceder favores indevidos aos seus aliados ou de ser um juiz ‘venal’. Percebe-se que sua trajetória profissional foi marcada por muitas polêmicas e isso pode ter ocasionado mudanças de funções ou mesmo transferência de comarcas.”

Magistrado x questões políticas

O magistrado Francisco de Paula Lins dos Guimarães Peixoto atuou em Macapá entre 1868 e 1870 e, certamente, contribuiu com a prestação jurisdicional e com a consolidação da comarca. Além da função de magistrado, ele também exercia a função de Delegado de Ensino. “Ficaríamos felizes em encontrar em nosso acervo um documento original do período em que o juiz tenha atuado por aqui, mas ainda estamos em busca”, relatou o servidor Michel Duarte. “Podemos destacar que em Macapá ele estava no meio das questões políticas criadas e potencializadas pelos aliados dos partidos Conservador e Liberal.”

Um dos incidentes envolvendo o nome do magistrado foi noticiado pelo jornal O Liberal do Pará, de 17 de janeiro de 1869. O periódico relatava que o juiz seguia viagem para Belém com objetivo de defender-se das acusações que lhe eram imputadas. O fato teria acorrido no ano anterior e envolvia ameaça à vida do Capitão Fernando Álvares da Costa. Segundo relato anônimo, o “sr. dr. Peixoto, armado de um punhal, que trazia em uma bengala, provocou o nosso amigo de um modo inaudito e tentou feri-lo, depois de haver empregado todos os meios para espancá-lo. Não tendo o dr. Peixoto, nem sequer ao menos, procurado em lugar retirado e solitário, muito do seu propósito quis que a sua façanha fosse decantada por todo mundo”.

Outros casos de questões políticas envolvendo o juiz Peixoto podem ser encontradas em jornais da antiga província do Piauy (hoje estado do Piauí).

Transferência para Goiás

Francisco de Paula Lins dos Guimarães Peixoto constou na lista dos juízes mais antigos, aptos a ocupar vaga para desembargador no Tribunal de Relações de Belém. No entanto, em 15 de novembro de 1884, acaba sendo nomeado desembargador do Tribunal de Relações de Goyaz. Estabelecido em Vila boa de Goyaz (atual cidade de Goiás), aos 66 anos de idade, ele se casa com Jacintha Luiza do Couto Brandão e da união nasce, em 1889, a pequena Anna, a Cora Coralina.

A poetisa não conviveu com seu pai, já que ele faleceu dois meses depois do seu nascimento. Entretanto, sua ausência parece ter deixado marcas na sua vida. Isso fica perceptível na foto póstuma ao pai colocada por ela na parede da casa velha da ponte (antiga residência da família e atual museu Cora Coralina) e mesmo nos seus versos, como no poema “Meu pai”. Cora Coralina inclusive reformou o túmulo do pai, adquiriu espaço contíguo e construiu no local seu próprio túmulo.

“Meu pai
Meu pai se foi com sua toga de juiz.
Nem sei quem lha vestiu.
Eu era tão pequena,
mal nascida.
Ninguém me predizia – vida.
Nada lhe dei nas mãos.
Nem um beijo,
uma oração, um triste ai.
Eu era tão pequena!…
E fiquei sempre pequenina na grande
falta que me fez meu pai”
Cora Coralina

Fonte: TJAP