Mariana: atingidos relatam doenças, pobreza e demora no ressarcimento dos danos

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Audiência pública com pessoas atingidas pelo rompimento da barragem do Fundão em Governador Valadares. Foto: Romulo Serpa/CNJ
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Em novembro de 2015, um desastre ambiental mudou a vida de milhares de pessoas a partir do rompimento da Barragem do Fundão, operada pela mineradora Samarco na cidade mineira de Mariana. O impacto não se restringiu apenas aos distritos e municípios próximos ao local onde ocorreu o rompimento, mas se estendeu ao longo de toda a bacia do Rio Doce, afetando comunidades de Minas Gerais e do Espírito Santo. Seis anos após o desastre, o que se vê é uma batalha judicial.

Na última semana, o conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello, mediador da repactuação de acordos no âmbito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), percorreu distritos, subdistritos e as sedes dos municípios de Mariana, Conselheiro Pena e Governador Valadares para conhecer a realidade das pessoas atingidas. Nos dois dias em que esteve nas propriedades de pescadores e produtores rurais, e ainda durante a realização de duas audiências públicas em conjunto com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o conselheiro conheceu o dia a dia das pessoas que sofrem até hoje os efeitos do desastre ambiental.

Durante a primeira audiência pública presencial realizada pelo CNJ e pelo MPMG em Mariana, Bandeira de Mello ouviu pessoas como Marino d’Ângelo, que, antes do acidente, chegou a presidir uma associação de produtores de leite na cidade, com aproximadamente 120 famílias associadas. Juntas, produziam mais de 10 mil litros de leite por dia. “Por ser a principal atividade econômica da região, a produção de leite movimentava o comércio e gerava emprego. Atualmente, nossa associação, que tem apenas 55 famílias, produz pouco mais de 2 mil litros por dia. Os moradores de Paracatu de Baixo trabalhavam conosco em parceria. Infelizmente, hoje, todos vivem em isolamento, em um empobrecimento muito grande.”

Mesmo as beneficiadas com casas no Assentamento Coletivo de Bento Rodrigues, em fase de construção pela Fundação Renova, não poupam críticas à condução dos mecanismos usados pelas mineradoras para reparar os danos causados pelo desastre. Mauro Marcos da Silva, representante da Comissão de Atingidos de Bento Rodrigues, relatou a Bandeira de Mello as dificuldades que vêm sendo observadas pelos futuros moradores do local. O conselheiro visitou as obras do assentamento coletivo na manhã da última de terça-feira (29/3), quando buscou compreender as razões do atraso na entrega das unidades de moradia e cobrou celeridade no processo de conclusão das casas e equipamentos públicos que irão sediar o novo distrito de Bento Rodrigues.

De acordo com Mauro, no dia em que foi realizada a audiência pública presencial em Mariana, seria o primeiro prazo para a entrega do assentamento. “O assentamento está se transformando em um ‘sepulcro caiado’, bonito por fora e podre por dentro. São inúmeros os problemas que temos lá nas obras, fundações que estão cedendo, revestimentos que estão soltando, um cemitério que a Renova insiste em colocar na entrada do reassentamento do lado de dois lotes, acerca de 100 metros de um curso de água. Tudo o que observamos de errado nas visitas mensais, reportamos à Fundação Renova e ao Ministério Público.”

Representante das pessoas atingidos na cidade de Paracatu de Baixo, Anderson Jesus de Paula agradeceu ao conselheiro o esforço empreendido pelo CNJ no sentido de buscar conhecer de perto a realidade “da outra ponta” dos envolvidos no acidente. “Paracatu de Baixo é uma amostra do que acontece em todo lugar. Em nossa cidade, assim como em outras, temos de dialogar com nosso agressor. E é o agressor quem determina o valor do agredido.”

Leia também: Repactuação terá atingidos como prioridade, afirma conselheiro Bandeira de Mello

Tratamento médico

O desastre trouxe consequências graves também para a saúde dos moradores e das moradoras de muitas localidades afetadas pela lama de rejeitos. Simone Maria da Silva, de Barra Longa, que participou da primeira audiência pública promovida pelo CNJ na modalidade on-line, luta na Justiça para que sua filha, Sofia, receba tratamento médico adequado. Na época do rompimento da barragem, Sofia, tinha apenas 10 meses de idade.

Na avaliação de Simone, é impossível tratar de repactuação sem que se possa falar sobre saúde, uma vez que boa parte dos atingidos teve seu bem-estar físico, mental e emocional abalado. “A maioria de nós vive à base de antidepressivos para não aumentar a estatística de mortos por causa do acidente. Minha filha está doente há anos por contaminação de metais pesados. Temos uma ação na Justiça para assegurar o tratamento dela e conto com dois advogados voluntários. A Vale, a Samarco e BHP, juntas, têm 72 advogados que lutam para não pagar o tratamento dela. Quantas Sofias temos ao longo da bacia do Rio Doce? O Novel deveria, realmente, ser uma forma de reparação aos atingidos.”

Sistema de indenização simplificado, o Novel foi criado a partir de uma série de sentenças proferidas pelo juiz federal Mário de Paula Franco Júnior sobre o tema. O sistema exige que o atingido assine o termo de quitação total para as empresas, abrindo mão de quaisquer reclamações futuras na Justiça brasileira e no exterior ou que reivindique qualquer outro direito referente ao acidente de Mariana.

Em Governador Valadares (MG), Bandeira de Mello encontrou com outro grupo de pessoas atingidas pelo desastre. Embora a maior parte das que prestaram depoimento na sede do Ministério Público na cidade fossem de cidades mais distantes de Mariana, os relatos se assemelhavam em muitos pontos.

Patrícia Barreto, de Naque (MG), criticou uma das propostas de ressarcimento feita pela Fundação Renova aos pescadores. “Entre as inúmeras propostas de reparação, recebemos uma no valor de R$ 21 mil para aqueles que pescavam e foram impedidos de realizar suas atividades. O que é esse valor depois de seis anos? E em relação ao futuro, qual é a expectativa?”

Na opinião de Patrícia, no período que se seguiu ao rompimento da barragem, houve um aumento do número de doença de pele e de casos de câncer “Basta irmos aos postos de saúde para identificarmos o caos instalado pós-acidente. Além disso, precisamos lembrar que não estamos lidando com uma categoria profissional apenas, e sim, com várias, e todas foram prejudicadas”, disse sobre a suposta indenização de R$ 21 mil.

Ana Moura
Agência CNJ de Notícias

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