Um acordo de guarda compartilhada por meio de videoconferência. Tarefa difícil em um presídio, mas não impossível para o projeto Justiça Itinerante do Sistema Penitenciário, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ). O uso da tecnologia foi necessário para legalizar, nesta sexta-feira, 10 de outubro, a situação da filha e da neta de uma detenta que moram com a tia dela. O atendimento aconteceu no Instituto Penal Djanira Dolores de Oliveira, em Bangu, na Zona Oeste do Rio.
Com o aparelho celular de uma defensora pública que viabilizou a chamada de Kelly (nome fictício), de 32 anos, a audiência foi realizada – a tia não conseguiu comparecer presencialmente em função do horário de trabalho. De acordo com o juiz da 2ª Vara Cível da Comarca de Itaguaí, Juarez Fernandes Cardoso, o uso da videochamada, autorizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), é um mecanismo que permite que a Justiça Itinerante consiga resolver tudo no mesmo local.
“A alternativa foi usada para dar celeridade ao processo e garantir que a sentença chegue o mais rápido possível para as partes envolvidas. O companheiro da detenta, que está aqui presente, vai entregar a sentença que viabilizará a legalização de toda a documentação da filha, que é menor de idade, e da neta. Com a documentação, elas terão acesso aos benefícios a que têm direito, além de atendimento médico e matrícula em unidades escolares”, explicou o magistrado.
Para Kelly (nome fictício), que cumpre pena por tráfico de drogas, foi emocionante o contato com os familiares pela tela e reconfortante saber que a situação da guarda compartilhada de dentro do presídio, finalmente, teve um final feliz. Ela aproveitou a oportunidade para realizar um sonho antigo de converter a união estável de 10 anos com o seu parceiro em casamento.
“Estou realizada por saber que a minha filha e a minha neta estarão legalmente sendo cuidadas e amparadas pela minha tia, já que não posso contar com o pai biológico e minha mãe é falecida. Elas vão receber a sentença da mão do meu atual marido, que vai sair do presídio, hoje, com a certidão de casamento e o compartilhamento de guarda para entregar para a minha tia”, disse.
Quem celebrou a união dos noivos foi o juiz auxiliar da 2ª Vice-Presidência Marcello Rubioli, que participou, pela primeira vez, do projeto Justiça Itinerante no Sistema Penitenciário. O magistrado ressaltou a semelhança com o trabalho que desempenha no plano Pena Justa, que visa à melhoria da estrutura e de serviços nas prisões, reintegração social e políticas para evitar a repetição das violações de direitos. “Resgatar a dignidade do preso é chamá-lo para a sociedade na esperança de que ele não volte a delinquir. Garantir o direito civil é resgatar a dignidade. Atrás de cada prontuário, há uma narrativa. Então, é importante até para um juiz criminal, como no meu caso, conhecer o outro lado e verificar que os detentos têm suas histórias e questões. Nesse caso, realizei a conversão de uma união estável de muito tempo de um casal em casamento. Esse caso é excepcional porque é difícil a união estável ser mantida nas unidades prisionais. Geralmente, acontecem separações”, contou o juiz.
Já a professora do ensino infantil Suelen (nome fictício) está presa por descumprir uma medida protetiva e procurou o projeto para investigação da paternidade da filha. Ela é mãe de uma criança de oito anos e quer que o pai arque com as responsabilidades. “Eu sei quem é o pai biológico da minha filha, mas, para ela ter os direitos assegurados, é necessário exame de DNA. Para isso, preciso compartilhar a guarda com a minha mãe adotiva para ela conseguir fazer o exame. Só ela pode fazer isso”, disse.
As 180 internas do Instituto Penal Djanira Dolores de Oliveira foram atendidas nesta sexta-feira também pela juíza titular da 1ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Capital, Lysia Maria da Rocha Mesquita, e servidores do TJRJ, além de membros do Ministério Público, Defensoria Pública e Detran. São oferecidos serviços como reconhecimento de paternidade, registro tardio, retificação de registro, além de atendimentos na parte documental, como emissão de certidão de nascimento, RG e CPF. O Programa Justiça Itinerante, coordenado pela desembargadora Cristina Gaulia, tem o objetivo de promover o amplo acesso à Justiça e fomentar a cidadania.
