Intolerância Religiosa: é no ambiente de trabalho onde as pessoas mais sofrem

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A palavra religião deriva do latim religare, que significa “voltar a ligar”. O termo sugere, portanto, que as pessoas adeptas de diferentes religiões buscam reconectar-se ao divino, a Deus. Assim, conforme destacado por Katia Roncada, juíza auxiliar da presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e membra da Comissão de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, do Assédio Sexual e da Discriminação (CEAD), em sua fala inicial na palestra Liberdade e Intolerância Religiosa, realizada ontem (6/5), no auditório do CNJ, “não existe uma religião certa, mas, sim, aquela que faz sentido para cada um”. 

Roncada enfatiza a necessidade de reforçar ações de combate ao assédio, afinal, muitas vítimas demoram a processar que foram alvos de assédio e discriminação, de modo que essas situações deixam “feridas que ficam abertas por muito tempo” e, por isso, “precisamos todos estar atentos”. Ela destaca que “a Comissão está de braços abertos para receber a todos que precisarem, com total confidencialidade, por meio de qualquer canal disponível”. A juíza destaca, ainda, a importância de se combater as condutas humilhantes que levam as pessoas a se sentirem diminuídas, que causam dor e desespero, sendo a discriminação religiosa uma dessas formas.  

O evento, que abriu a Semana de Combate ao Assédio e à Discriminação, teve como objetivo instruir todo o corpo funcional do Conselho sobre a proteção e os limites de religião ou crença, bem como as normas jurídicas aplicáveis em situações de intolerância religiosa, e apresentar a Política Nacional de Promoção à Liberdade Religiosa e Combate à Intolerância no âmbito do Poder Judiciário (Resolução CNJ n. 440/2022). 

O palestrante convidado foi o juiz federal do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) Renato Nigro, que desempenhou o papel de coordenador da elaboração dessa política. Na ocasião, Nigro abordou desafios, estatísticas e possíveis estratégias para o enfrentamento da intolerância religiosa. 

Construção da Resolução CNJ n. 440/2022 

O ato normativo implementado pelo CNJ, por meio da Resolução 440/2022, entre outras iniciativas, prevê o estabelecimento de estratégias de respeito à diversidade e à liberdade religiosa, bem como a adoção de medidas administrativas que garantam a liberdade religiosa no ambiente institucional.  

Segundo o juiz federal Renato Nigro, um ponto de atenção durante as pesquisas que nortearam o texto da Resolução foi a necessidade de reunir definições que fossem menos subjetivas, o que por vezes dificulta uma atuação mais assertiva na perspectiva jurídica.  

Dessa forma, o normativo traz algumas definições operacionais/materiais provenientes de pesquisas com base na Constituição Federal de 1988 e em tratados internacionais, com status constitucionais, que englobam o tema. Além disso, a Política aborda princípios consoantes a essa documentação. 

Entre os princípios da Política, está a necessidade de o Poder Judiciário adotar medidas de acolhimento do pluralismo religioso. De acordo com o palestrante, “é uma obrigação para o CNJ e para todos os demais órgãos do Judiciário adotar políticas positivas antes mesmo das denúncias chegarem. É preciso fomentar ações que incentivem a tolerância”. 

Leia o documento completo. 

Números importantes 

As pesquisas que embasaram a Resolução CNJ n. 440/2022 trazem alguns números importantes, mesmo com a alta de subnotificações relacionadas à temática, conforme o Relatório sobre Intolerância e Violência Religiosa no Brasil (RIVIR). De acordo com o que foi explicado por Nigro, “acontecem muitas coisas nas ruas, nas esferas sociais, que não chegam aos tribunais e muitas vezes não chegam nem à polícia ou ao Ministério Público”. Dessa forma, a pesquisa concluiu que a baixa de notificações se deve à dificuldade que as pessoas que vão denunciar sofrem para registrar a queixa, pelo fato de a autoridades considerarem esse um tipo de conflito como algo de “menor importância”. 

Apesar das subnotificações, os dados do Disque 100, canal de denúncia do Governo Federal, demonstram um aumento significativo nos casos de discriminação religiosa nos últimos anos, especificamente desde 2011. Em 2023, por exemplo, foram registradas 940 infrações a mais que no ano anterior, ou seja, um aumento de 80%. 

Dados do RIVIR informam ainda que as maiores vítimas de agressões por intolerância religiosa são as religiões afro-brasileiras, com 27% da predominância; em seguida, as evangélicas, com 16%; e as católicas e espíritas, com 8 e 7%, respectivamente.  

Quando a abordagem diz respeito à religião dos agressores, conforme a pesquisa RIVIR, de 2016, 65% não informaram suas crenças, 27% deles eram evangélicos e 5% eram católicos. Já conforme o “II Relatório sobre Intolerância Religiosa: Brasil, América Latina e Caribe”, do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP) junto ao Observatório das Liberdades Religiosas (OLR), as agressões partem de pessoas que se identificam como evangélicas em 56% dos casos. Sobre os incentivadores dos discursos de ódio, quase 20% são figuras públicas e 13% são ministros religiosos.  

Entre tantos outros dados alarmantes, o RIVIR de 2016 concluiu que o local com maior ocorrência dos atos de intolerância é o ambiente de trabalho, com mais de 30% dos casos*. É para evitar situações desse tipo que a CEAD tem se disponibilizado diariamente para a promoção de ações preventivas e repressivas relacionadas ao assédio e à discriminação no ambiente de trabalho. Alinhada também à Política Nacional de Promoção à Liberdade Religiosa e Combate à Intolerância no âmbito do Poder Judiciário, essa é uma forma de fazer do órgão um ambiente seguro e acolhedor para todo o corpo funcional.  

Dessa forma, aqueles que passarem ou presenciarem situações de assédio no âmbito do CNJ devem procurar a Comissão para que sejam tomadas todas as providências cabíveis.  

Para denunciar ou tirar dúvidas, entre em contato com a CEAD pelo telefone/WhatsApp (61) 99570-6373 ou pelo e-mail comissaoassedio@cnj.jus.br. As denúncias podem ser formalizadas, também, por processo aberto pelo Sistema Eletrônico de Informações (SEI). É importante ressaltar que todas as denúncias têm caráter sigiloso. 

*Em seguida, os locais de ensino (25%) e a comunidade (14%).

Texto: Thaís Oliveira
Edição: Mirela Lopes
Comunicação Interna