CNJ 20 anos: cidadãs e cidadãos tiveram acesso à Justiça ampliado

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Fórum de Ceilândia atende a cidade mais populosa do Distrito Federal, com mais de 350 mil habitantes. Foto: Luiz Silveira/Ag CNJ
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A Justiça brasileira recebeu mais de 38 milhões de novos casos para julgar em 2024. O número é recorde da série histórica iniciada em 2019, do Painel de Estatísticas do Poder Judiciário. Para além do volume de processo judicial, o número representa a expectativa de cidadãs e cidadãos de usufruírem da proteção e do acolhimento, da conciliação e de todos os direitos previstos nas leis que regem o país. Em 2025, o CNJ completa 20 anos de existência e, durante esse período, tem atuado para garantir que os julgamentos se convertam na entrega desses valores às pessoas que compõem a sociedade. 

João Alves conseguiu resolver sua demanda em uma audiência de conciliação on-line

Trabalhador da coleta seletiva, João Alves tem 44 anos e cursou até o segundo ano do Ensino Fundamental. No início do ano, ele esteve no Fórum da Ceilândia — a cidade mais populosa do Distrito Federal, com mais de 350 mil habitantes — para participar de uma audiência de conciliação, depois que um ônibus bateu no veículo com o qual ele trabalha. “Pedi R$ 300 para fazer o conserto. A empresa de transporte queria pagar a metade, mas eu disse que já não estava cobrando pelos dias em que não pude trabalhar. Então, eles concordaram com o valor que pedi de indenização”, relatou, após ser atendido por uma equipe especializada do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT). 

A audiência foi realizada por meio virtual, mas em uma sala dentro do Fórum. Dessa forma, as pessoas que não têm familiaridade com a tecnologia podem participar de audiências com privacidade e com o suporte técnico dos servidores. A disponibilidade desses espaços foi determinada pelo CNJ em 2020 por meio da Resolução CNJ n. 341/2020, quando era necessário evitar o contágio pela covid-19, mas o serviço permaneceu ativo mesmo após a pandemia.  

A audiência na qual foi resolvido o problema de João contou com a condução de um conciliador, que aplica técnicas para facilitar o diálogo e estimular as partes a buscarem soluções conjuntamente. A atuação desse profissional está prevista na Política Nacional de Conciliação, criada pelo CNJ em 2010. Em 2024, foram realizadas 4.129.036 audiências conciliatórias e 4.464.265 acordos foram homologados por um juiz ou uma juíza.  

Processos criminais

Mas, em geral, a Justiça lida com conflitos que demandam um ato direto do juiz ou da juíza. É o que espera um denunciante que participava de audiência em outra sala do mesmo fórum. O homem, que preferiu não se identificar, optou por prestar depoimento em separado para não ter contato com o réu. Ele foi até o local porque um vizinho havia prometido levar o carro dele a uma oficina, mas desapareceu com o veículo. Posteriormente, o carro foi encontrado pela polícia, e o acusado foi preso.  

A dona de casa Karina Araújo, 26 anos, precisava de uma cópia da medida protetiva para encaminhar à Casa da Mulher, com o objetivo de obter atendimento psicológico e conseguir o auxílio-aluguel por ter sofrido, há um ano, uma tentativa de feminicídio. As diretrizes e as ações do Poder Judiciário para prevenção e combate à violência contra as mulheres estão definidas na Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres no Poder Judiciário.

Com a ajuda de um estagiário de Direito, ela pôde conversar no balcão virtual com a servidora da vara na qual o processo corre e receber o documento. O balcão virtual também é uma ferramenta regulamentada pelo CNJ. Ela lança mão da tecnologia para permitir que o cidadão seja atendido de forma imediata. O funcionamento é garantido durante todo o horário de atendimento ao público, de forma similar à do balcão de atendimento presencial.  

Cidadania 

As inovações tecnológicas, contudo, não eliminaram a possibilidade de contato direto de qualquer interessado com a Justiça. A população brasileira conta atualmente com 15.646 unidades judiciárias de primeiro grau, em que se pode requerer o julgamento, conforme a lei, de uma demanda a um juiz ou uma juíza. Em 2015, quando o CNJ apresentou pela primeira vez o detalhamento das comarcas e das varas instaladas por unidade da federação, eram 14.985 unidades, entre juizados, varas, zonas eleitorais e auditorias militares. 

O aposentado Milton Rodrigues de Galvão, 63 anos, que cursou até o oitavo ano do Ensino Fundamental, precisava que o cartório providenciasse nova certidão de registro civil, com averbação do divórcio. “Levei menos de cinco minutos para ser atendido por um servidor, que entrou em contato com o cartório. O documento será enviado por e-mail a uma sobrinha”, elogiou.  

Dentro do fórum, cidadãos e cidadãs contam ainda com o atendimento pela Defensoria Pública do Distrito Federal. Foi por essa porta de acesso que a dona de casa Gilmara Martins Pereira, 52 anos, conseguiu acrescentar o nome do pai da criança à certidão de nascimento da neta, após o trágico falecimento dos genitores, vítimas de homicídio.

Linguagem simples 

De acordo com a defensora Caroline Talgati, 33 anos, a utilização da linguagem simples é um dos aspectos fundamentais do trabalho de atendimento. “Buscamos fazer essa ‘tradução’ para uma linguagem que seja compreensível para uma pessoa que é leiga no Direito. Caso contrário, a parte não irá compreender”, comenta.   

O uso da linguagem simples pelo Judiciário foi institucionalizado pelo CNJ, com o lançamento, em 2023, do Pacto Nacional do Poder Judiciário pela Linguagem Simples. O compromisso assumido pelos tribunais brasileiros abrange a produção das decisões judiciais e a comunicação geral com a sociedade. Ações em todos os segmentos da Justiça e em todos os graus de jurisdição demonstram o empenho na adoção da linguagem simples, direta e compreensível a todas as pessoas.  

Na sede do TJDFT, o aprendizado acontece de forma lúdica: no Laboratório Aurora, braço do tribunal dedicado à inovação, servidoras e servidores desenvolvem habilidades comunicacionais jogando. “Desenvolvemos o jogo ‘Simplifique’ após sermos selecionados por uma empresa de gamificação. O intuito do jogo é utilizar as cartas de linguagem simples para traduzir os termos do ‘juridiquês’. Vence o jogador que conseguir fazer o maior número de simplificações”, ensina a coordenadora substituta do Aurora, Adelyse Morais Lopes.  

A servidora do Aurora e autora de um projeto de linguagem simples em Língua Brasileira de Sinais (Libras), Marilene Conceição dos Santos Oliveira Silva, afirma que a linguagem compreensível é pré-requisito para uma comunicação não verbal eficiente. No pacto, está designado que a linguagem simples também pressupõe acessibilidade, devendo os tribunais aprimorarem formas de inclusão, com uso de Libras e de audiodescrição ou outras ferramentas similares, sempre que possível.

Cidadãos mirins 

No Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), a linguagem simples é utilizada para a construção da cidadania desde a infância. Chamado “Tintim por tintim”, o programa ministrado pela titular do Juizado da Infância e Juventude de Luziânia, juíza Célia Regina Lara, leva crianças abrigadas ao fórum. Lá, elas não somente conhecem a estrutura do local como, por meio do uso de termos compreensíveis, podem entender melhor a sua própria situação perante o Judiciário. 

Dessa forma, o fórum passa a ser “o lugar em que se resolvem as questões da vida dessas crianças”. Elas conhecem a equipe e aprendem que a psicóloga “é quem conversa com os familiares” e que o juiz “é quem cuida do processo, um caderno que fica no computador”. “Por ele, sabemos o dia em que vocês nasceram e quem são o papai e a mamãe”, explica a juíza para um grupo de 16 crianças e jovens abrigados na Casa de Passagem, com idades que de dois a 14 anos.   

Juíza titular do Juizado da Infância e Juventude de Luziânia, juíza Célia Regina Lara.

A magistrada ensina que, assim como na escola, no fórum também há regras, que são chamadas de leis. “A regra das crianças está aqui, no Estatuto da Criança e do Adolescente”, aponta, mostrando um exemplar do ECA, para em seguida explicar a importância da realização de audiências.  

Depois, os acolhidos, de forma lúdica, praticam os ensinamentos. Eles fazem uma audiência em que cada um desempenha um dos papéis: juiz, promotor, defensor, testemunha e o réu que será julgado. O trabalho é finalizado com uma roda de conversa em que cada um escolhe uma palavra. Logo aparecem a felicidade, o amor e a alegria, valores que ressignificam trajetórias que, embora curtas, já carreguem uma densidade de experiências.  

Nesse ambiente, a magistrada enfatiza a relevância do exercício da linguagem simples. “Se eles não nos entenderem, não conseguimos cumprir a nossa missão. Nosso jurisdicionado aqui são crianças e adolescentes que devem ser tratados com respeito, dignidade, garantia do direito de escuta, de fala e de entender o que está acontecendo, todo o procedimento judicial em uma linguagem simples, adequada, lúdica, para que se sintam acolhidos”. 

Antes do lanche, uma menina pede para cantar e emociona os visitantes: “Tem coisa boa chegando/Tem algo acontecendo/E não importa o que eu sofri/O que importa é que eu sobrevivi”, diz a letra da canção religiosa “Sobrevivi”. “Essa é a nossa função no Poder Judiciário: fazer essa entrega da prestação jurisdicional, a decisão, a sentença, mas de uma forma que não revitimize. Isso não precisa ser mais dolorido do que já é a realidade deles”, afirma a juíza.  

Este texto faz parte da série “CNJ 20 anos”, que será publicada ao longo dos próximos meses para mostrar os diversos públicos alcançados pelas ações do Conselho.

Texto: Mariana Mainenti
Edição: Sarah Barros
Fotos: Luiz Silveira
Arte: Lucas Lobato
Revisão: Caroline Zanetti
Agência CNJ de Notícias

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