Caminhos Literários no Socioeducativo: evento é encerrado com edição prevista para 2023

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Jovens da Unidade de Internação do Recanto das Emas, em Brasília, participaram do último dia do Caminhos Literários no Socioeducativo. Foto: Rômulo Serpa/CNJ
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Com uma tarde dedicada a conectar vivências de adolescentes em unidades socioeducativas em todo o país, foi encerrada, na última sexta-feira (29/7), a primeira edição do “Caminhos Literários no Socioeducativo – Pelo Direito à Leitura”. A iniciativa inédita do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mobilizou participantes de 60 unidades socioeducativas durante as sextas-feiras de julho – o quarto e último encontro teve apresentação de 11 trabalhos de promoção à leitura e à literatura apresentados pelos próprios adolescentes.

A juíza Cláudia Catafesta, responsável pela vara do sistema socioeducativo de Londrina (PR), falou sobre o projeto Clube de Leitura, que promove diálogos literários com adolescentes em privação de liberdade. O projeto foi posteriormente expandido para todo o estado do Paraná, com transmissão dos debates pela internet para outras unidades. “Além do processo de reflexão dos adolescentes, a promoção da leitura também é uma maneira de tornar o tempo na unidade mais prazeroso.”

A Unidade de Internação do Recanto das Emas (Unire), do Distrito Federal, integrou uma das onze apresentações da programação. “Quarenta e quatro jovens evoluíram desde o início até o presente, desenvolvendo-se reciprocamente para melhorarem intelectualmente. Evoluímos em poucos meses o que demoraria anos para poder realizar, desenvolvendo em nós consciência cidadã, trabalhando o hoje, construindo o amanhã”, declamou um dos jovens que acompanharam o evento.

Os poemas apresentados, que abordam temas no campo do Direito, na economia e na política, foram escritos com outros quatro adolescentes. “[O projeto] mostrou mais do socioeducativo e isso é importante para nós termos mais voz e expressarmos nossas opiniões através da arte”, disse um dos adolescentes.

Para a diretora da unidade, Kellen Messias, o Caminhos Literários somou ao projeto Escola dos Campeões porque os jovens foram protagonistas. “Eles apresentarem suas obras e se integrarem a outros adolescentes de unidades socioeducativas brasileiras. A própria equipe se beneficiou ao ver boas práticas de diferentes estados. É um projeto que engrandece a política da socioeducação.”

As apresentações foram acompanhadas pelo escritor, poeta e fundador da Cooperativa
Cultural da Periferia (Cooperifa) Sérgio Vaz. “Ouvi muitas falas potentes, dessa juventude que quer se transformar” afirmou. Para ele a literatura “salva a gente de nós mesmo. Algo que muitas vezes precisamos, inclusive para estarmos de volta às ruas, mais empoderados e com a cabeça no lugar.”

O Caminhos Literários do Socioeducativo é uma das atividades do programa Fazendo Justiça, executado pelo CNJ em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) para incidir em desafios no campo da privação de liberdade. Além de ser a primeira ação nacional de incentivo à leitura entre jovens em conflito com a lei, foi também o primeiro evento realizado pelo CNJ com participação ativa de adolescentes em privação de liberdade, conforme destacou a coordenadora de ações para o socioeducativo do programa Fazendo Justiça, Fernanda Givisiez. Uma nova edição já é esperada para 2023.

Palavras rimadas

O primeiro dos quatro dias de evento foi um seminário aberto ao público geral, no dia 8 de julho. “A leitura se encontra na intersecção entre o direito à cultura, o direito à educação, o direito ao lazer e aos meios de comunicação social”, afirmou o juiz auxiliar da Presidência do CNJ com atuação no Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e no Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do CNJ, Fernando Mello. Nas três sextas-feiras seguintes do mês de julho, a programação foi voltada exclusivamente para adolescentes em privação de liberdade.

O segundo dia da programação tratou das palavras rimadas, sejam elas lidas, cantadas ou ouvidas, abordando o direito à literatura também para as pessoas que tenham dificuldades ou não saibam ler. Organizador do sarau Asas Abertas, Jaime Queiroga fez um relato pessoal sobre sua vida e envolvimento com crimes e conflitos com a lei, superados  com a literatura.

“É como academia. Um peso por dia. Assim é o livro: uma página por dia, duas páginas por dia”, explicou Queiroga. Hoje, com o Sarau Asas abertas, ele ajuda levar poesia para adolescentes em privação de liberdade na Fundação Casa por todo estado de São Paulo.

A escritora  e poeta Luz Ribeiro comentou sobre a sua infância, no Jardim Souza, periferia na sul da cidade de São Paulo. “Minha mãe sempre me falou que eu precisava ser duas vezes melhor porque eu era preta e pobre. Hoje eu sou tudo o que falaram que eu não seria. Por escolha, não engravidei cedo, por escolha, terminei dois cursos universitários, por escolha, não fui desgosto para minha mãe. Não foi fácil, mas eu fiz. Todas as pessoas pretas, indígenas, racializadas precisam ser duas vezes melhor e isso é cansativo.”

Música e teatro

O segundo evento para os adolescentes, realizado em 22 de julho, enfocou a música e o teatro. “A palavra é umas ferramentas transformação social mais potentes que a gente tem, através dela aprendi que é possível emanar energia de afeto e de força para outras pessoas”, defendeu a escritora, poeta e slamer Mel Duarte. “Por todas as vezes que eu fui diminuída, eu resolvi escrever, para nunca mais ser silenciada.”

Mel Duarte participou do coletivo Poetas Ambulantes, que declamava e distribuía poesia no transporte público. Após alguns anos de atividade, o coletivo foi chamado para fazer oficinas em diversos espaços, inclusive entre jovens cumprindo medidas socioeducativas. “Essa foi uma das experiências mais bonitas que eu já tive na minha vida, porque além da troca ter sido muito sincera, eu compreendi como a arte pode mudar o dia e a vida de alguém.”

Outra pessoa que conversou com os jovens no dia 22 também desenvolve há muitos anos trabalhos com os jovens em conflito com a lei: o rapper, doutor em Geografia e arte-educador Renan Inquérito. Ele desenvolve uma oficina com jovens em medidas de privação se liberdade chamada Rap na Medida, trabalho iniciado ainda na época da Febem, antecessora da Fundação Casa em São Paulo que já chegou ao Paraná e a Brasília.

Inquérito lembrou que cultura hip hop, da qual faz parte o rap, começou nos Estados Unidos como uma forma de evitar as brigas entre gangues. “O hip hop transformou a violência da periferia em arte, o que antes eram pessoas se matando, depois elas passaram a disputar quem era o melhor na rima.” Para ele, o hip hop é ainda “super-herói e que salva vidas”. “Quando eu estava quase em conflito com a lei e já em conflito com a minha família, eu encontrei o hip hop. E isso me salvou.”

Homenagem a Henrique

O encerramento da jornada foi marcado também pela homenagem ao adolescente Henrique, que participou do evento no dia 15 de julho. Após um período no sistema socioeducativo em Manaus, onde vivia, ele escreveu e publicou um livro autobiográfico. No mesmo dia em que falou com adolescentes de todo o país, Henrique foi assassinado na casa em que morava aos 17 anos.

“Nós todos temos nossos erros, mas não podemos desistir. Isso é só uma fase. Por que não podemos chegar até o céu e conquistar os nosso sonhos?”, disse no trecho reproduzido novamente no fechamento do evento. “Queremos que a mensagem de esperança de Henrique continue ecoando em nossas mentes e corações”, concluiu Fernanda Givisiez, do Fazendo Justiça.

Texto: Isis Capistrano e Pedro Malavolta
Edição: Débora Zampier
Agência CNJ de Notícias

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29/07/2022 Caminhos Literários no Socioeducativo

Reveja o primeiro dia do evento no canal do CNJ no YouTube

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