Ações previdenciárias: pesquisa registra causas da revisão judicial de decisões administrativas

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Agência do INSS em Brasília. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Uma investigação sobre as possíveis causas da judicialização de benefícios previdenciários e assistenciais no Brasil apontou que problemas de coordenação do próprio Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), além do descompasso entre as perícias feitas pelo órgão e as realizadas pelo Judiciário, estão entre os principais motivos que levam ao grande número de processos em tramitação. Esse panorama foi apresentado na terça-feira (20/10) no relatório “A judicialização de benefícios previdenciários e assistenciais”, que trata das causas, problemas e políticas públicas indicadas como soluções.

Encomendado pelo CNJ, o estudo foi elaborado pelo Insper na 4ª Edição da Série Justiça Pesquisa. O tema Previdência Social e benefícios assistenciais é o mais judicializado em varas e tribunais federais (representa mais da metade dos novos casos ajuizados), sendo relevante também na justiça estadual, por competência delegada, bem como no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O estudo também revelou que intensidade e o perfil da judicialização da previdência estão relacionados às condições socioeconômicas locais, como nível de renda e desenvolvimento do mercado formal de trabalho. Além disso, a redução do quadro de pessoal técnico e de procuradores do INSS, conforme a pesquisa, está associada ao aumento do tempo médio de análise de benefícios e à judicialização pela demora da autarquia em responder às solicitações dos segurados.

Processos

No total, foram utilizados dados de 9.253.045 processos administrativos e 593.772 concessões em decorrência de decisão judicial, do período entre dezembro de 2018 e dezembro de 2019, assim como dados administrativos agregados para os dez anos anteriores; dados de gestão processual da justiça de 9.027.825 processos judiciais entre 2015 a 2019; textos de decisões judiciais referentes a 1.334.814 processos entre 2015 a 2018; e entrevistas semiestruturadas com 47 representantes dos sistemas de justiça e previdenciário.

A partir da análise dos processos administrativos, o relatório aponta seis características principais das concessões e indeferimentos: ao menos 11% dos benefícios concedidos pelo INSS advêm de decisões judiciais, especialmente de ações do sul e sudeste; há prevalência da requisição administrativa e judicial de auxílio-doença em tema que envolve a validade e o alcance das perícias médicas e divergência entre a administração pública e o Judiciário sobre o conceito de invalidez; a maior parte dos indeferimentos administrativos se dá por divergência entre o pedido e o parecer da perícia médica; a participação dos benefícios que requerem perícia é maior entre as concessões por decisão judicial em comparação às decisões administrativas indicando maior propensão à judicialização; a proporção de pessoas desempregadas é consideravelmente maior nos casos de indeferimento; e nos últimos dez anos observou-se aumento no tempo médio de análise dos benefícios por parte do INSS.

Já a análise dos processos judiciais, a partir dos dados da Base Nacional de Dados Processuais do Poder Judiciário (DataJud), indicou algumas conclusões. Foi identificado aumento na distribuição de processos relativos à Previdência e benefícios assistenciais, com concentração das ações na Justiça Federal. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) e o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) são os com maior carga de processos.

Já o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) tem a menor intensidade de judicialização e é onde mais indefere pedidos proporcionalmente. E os pedidos sobre benefícios assistenciais, aposentadoria rural e salário maternidade são mais frequentes no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) e no TRF5.

Macroproblemas e políticas públicas

A partir dos dados coletados, o relatório elenca quatro macroproblemas identificados: dificuldade de acesso à instância administrativa para requerer o benefício, dificuldade de internalização da jurisprudência pelo INSS, subaproveitamento na via administrativa e o subaproveitamento das informações apuradas no processo administrativo em sede judicial.

Como resultado da análise das informações e das entrevistas, são indicadas 16 ações destinadas a resolver ou minimizar os macroproblemas e reduzir a judicialização. Entre elas, a extinção do atendimento preferencial de advogados na instância administrativa, o acesso presencial às agências do INSS em regiões de maior exclusão digital, a adoção de uma política de informação sobre o uso da plataforma “Meu INSS”, o maior acesso e simplificação do processo administrativo com ampla informação ao segurado, a transição para o processo digital com atenção à qualidade das análises e mais informações ao segurado sobre o andamento das análises administrativas.

Também foi indicado reforço na qualidade de análise do material probatório e verificação de informações sobre o segurado, uniformização dos critérios de análise probatória e pericial, compartilhamento de sistemas do INSS e do Judiciário, acesso pelo Judiciário às análises e documentos do processo administrativo e ampliação dos esforços do Judiciário para a consolidação dos enunciados.

Ao apresentar as conclusões do estudo, o relatório alerta para o risco de a pandemia da Covid-19 agravar a situação da judicialização dos benefícios previdenciários e assistenciais. A partir das informações, a equipe de pesquisa do Insper considerou que a ampliação da demanda pelos benefícios previdenciários e assistenciais, dificuldades de coordenação entre as esferas administrativa e judicial, o desemprego em níveis mais altos e o constrangimento fiscal devem contribuir para a intensificar a judicialização. “É momento, portanto, para iniciativas que visem mitigar esse problema”, recomendam os pesquisadores.

Luciana Otoni e Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias

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