Acessibilidade: evento termina com debate sobre autonomia e quebra de preconceito

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Palestra sobre “Nada sobre nós, sem nós: Política institucional para a valorização das pessoas com deficiência”, Izabel Maior - Foto: Romulo Serpa/Ag.CNJ
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Ela estava no 8º semestre do curso de medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) quando um acidente a colocou em cima de uma cama de hospital, sem os movimentos dos braços para baixo. A notícia foi um impacto a todos, mas professores e coordenadores da faculdade se mobilizaram e decidiram que, para que Izabel não perdesse o curso, ela seja avaliada por meio de provas orais. “De uma maneira prática, derrubaram a barreira. Talvez pensaram que um dia, mesmo na minha condição, eu pudesse vir a ajudar alguém de alguma maneira. E aqui estou”, disse a médica fisiatra Izabel Loureiro Maior, primeira pessoa com deficiência a comandar a Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência. A médica participou, por meio de videoconferência, do seminário Inclusão da Pessoa com Deficiência no Judiciário promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na última quarta-feira (19/5).

O encontro – que levantou reflexões sobre a importância do estabelecimento da acessibilidade para a inclusão de pessoas no ambiente social e de trabalho – deve servir de base ao Conselho para a formulação de futuras orientações aos tribunais brasileiros na busca por atender às necessidades e direitos das pessoas com deficiência que atuam ou utilizam os serviços do Poder Judiciário.

“Cabe ao CNJ e ao Estado garantir a efetiva participação das pessoas com deficiência na formulação das normas jurídicas e garantir a igualdade com igualdade de oportunidades”, afirmou o secretário-geral do órgão, Valter Shuenquener, durante o encontro virtual, proposto e organizado pela Comissão Permanente de Eficiência Operacional, Infraestrutura e Gestão de Pessoas do CNJ, presidida pelo conselheiro Emmanoel Pereira.

“Deficiência não é doença. Mas resultado de oportunidades perdidas na existência de barreiras. Se a primeira barreira não tivesse sido rompida lá atrás, não teria me formado médica e não estaria aqui”, disse a líder do Movimento das Pessoas com Deficiência no Brasil. Izabel reforçou a necessidade de que pessoas com deficiência sejam chamadas a participarem da elaboração das leis relativas à acessibilidade. “Nós temos esse olhar especial porque lidamos com as barreiras e os preconceitos”, disse. Para ela, o ideal é que ainda na creche as crianças lidem com outras que convivam com alguma deficiência.

“Diversidade humana é o conjunto mais importante de nossa natureza, que nos faz pensar uns nos outros. As crianças devem conviver com as diferenças para que todos se sintam integrados. A diferença é o normal. Pode não ser comum, mas faz parte da natureza, esse lindo mosaico humano”, disse a ativista. Izabel afirmou ainda que o poder público tem instrumentos para garantir a inclusão, mas que ainda falta uma política federal que trate com seriedade e humanidade a questão. Aos gestores, disse a médica, cabe aplicar as leis que já existem para que cidadãos portadores de deficiência não se sintam dependentes ou discriminados, e possam – de maneira igualitária – oferecer à sociedade sua visão de vida.

Ela citou o movimento Nada sobre nós sem nós, estabelecido pelas Nações Unidas (ONU), que foi utilizado pelos portadores de deficiência para que suas vozes sejam ouvidas e respeitadas. “Ninguém terá a visão de um portador de deficiência, a não ser ele mesmo. Essa é a grande importância e beleza da sociedade. Nossa variedade, nossa pluralidade, nossas diferenças. A humanidade é feita de um lindo mosaico e ouvir as vozes que representam minorias é um fundamental. Somos pessoas, cidadãos, não somos apenas portadores de deficiência. Não é assim que quero ser chamada”, afirmou.

Entre os pontos práticos de acessibilidade estão a construção de centros de habilitação; o respeito à reserva de vagas em concursos; incentivos fiscais a empresas empreguem portadores de deficiência; adequação de transportes públicos e responsabilização dos gestores públicos que não cumprem a legislação. Na área de comunicação, informações devem conter legendas; linguagem de sinais e libras. Na infraestrutura, corrimões em escadas; ruas pavimentadas de maneira correta, com rampas e sem buracos.

Políticas nacionais e internacionais

Izabel Maior também falou sobre a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, assinado em Nova Iorque (EUA), que transformou o modelo de tratamento à pessoa com deficiência de um modelo de problema de saúde para um modelo social, de direito humano, que busca lidar não apenas com a limitação funcional do corpo, mas superar as barreiras externas. No Brasil, a Lei da Acessibilidade (Nº 10.098/2000) foi a primeira a estabelecer normas para essa inclusão. E, em 2015, foi aprovada a Lei n. 13.146, que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI).

No âmbito do Judiciário, o CNJ publicou normas voltadas à acessibilidade, entre elas a Recomendação n. 27/2009 e a Resolução n. 230/2016 sobre a política de acessibilidade no Judiciário, definindo conceitos e determinando ações práticas, como o quantitativo de pelo menos 5% de servidores ou terceirizados capacitados no uso de libras, linguagem de sinais. A mais recente diretriz estabelecida foi a Resolução CNJ n. 343/2020, que institui condições especiais de trabalho para magistrados(as) e servidores(as) com deficiência, necessidades especiais ou doença grave ou que sejam pais ou responsáveis por dependentes nessa mesma condição.

“O Judiciário ainda tem muito a avançar e sabemos que essa deve ser uma prioridade, para construirmos uma sociedade mais justa, plural e fraterna, como preconiza a Constituição Federal de 1988. A presidência e a secretaria do CNJ estão de portas abertas para receber propostas e facilitar a concretização dos direitos das pessoas com deficiência. Cobrem isso do CNJ, é importante a informação chegar até nós. Muitas vezes erramos por não termos conhecimento”, disse, ao finalizar o evento, o secretário-geral do CNJ, Valter Shuenquener.     

Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias