Ação pioneira em pesquisas judiciárias revela a Justiça brasileira

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Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ
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Um trabalho inédito de realização de pesquisas judiciárias na Justiça brasileira marca os primeiros 15 anos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Em ação pioneira de coleta, padronização e uso de estatísticas, o órgão de cúpula do Poder Judiciário tem atuado decisivamente no aprimoramento das políticas públicas judiciárias e na ampliação do atendimento aos direitos dos cidadãos.

Até a criação do Conselho em 2005, os dados da prestação jurisdicional produzidos por milhares de órgãos judiciais ficavam dispersos em um país de dimensões continentais. O cenário era de ausência de indicadores e estatísticas organizadas e quase desconhecimento sobre os números do Judiciário. Ilustrava essa deficiência o fato de, no início dos anos 2000, não se saber, ao certo, a quantidade de processos que tramitavam. Foi nesse contexto, de necessidade de maior qualidade dos dados para a elaboração de diagnósticos precisos, que o CNJ, em seu primeiro ano de atividade, instituiu o Sistema de Estatística do Poder Judiciário, a partir do qual os dados passaram a ser encaminhados a um órgão central.

No CNJ, o Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) foi incumbido de produzir pesquisas e diagnósticos a partir desses dados. Hoje, a equipe multidisciplinar, apoiada por um conselho consultivo formado por magistrados e professores renomados, debruça-se sobre elementos da realidade judiciária e jurídica brasileira. “Tudo foi feito nos últimos 15 anos. Não havia dados, não havia padrão e o CNJ partiu da estaca zero”, lembra a diretora do DPJ, Gabriela Azevedo, servidora de carreira com formação em Estatística.

A diretora chama a atenção para a capacidade cada vez maior do Conselho de entregar estudos bem fundamentados e com indicadores sobre temas diversos do Judiciário. “O que existia era um mar de dados, mas sem que houvesse um alinhamento com as políticas públicas. A partir das ações que foram adotadas ao longo dos anos, o que temos atualmente são grupos de trabalho e comissões no CNJ com ações baseadas em diagnósticos precisos, e isso é um avanço”. O acervo de pesquisas disponíveis no portal do Conselho é significativo: são mais de 100 relatórios publicados nos últimos nove anos à disposição da sociedade.

O primeiro deles se tornou a principal fonte das estatísticas oficiais do Poder Judiciário: o Relatório Justiça em Números. Em 2005, o CNJ assumiu a produção do compêndio que reúne dados de quatro dos cinco tribunais superiores brasileiros – a exceção é o Supremo Tribunal Federal (STF) – e mais cinco tribunais regionais federais; 24 tribunais regionais do trabalho; 27 tribunais regionais eleitorais; três tribunais de Justiça Militar estaduais e 27 tribunais de Justiça.

Inicialmente, o relatório era composto por dados básicos, referentes a despesas e quantidade de processos. Atualmente, as informações abrangem mais detalhes sobre o orçamento da Justiça brasileira e a força de trabalho dedicada ao atendimento jurisdicional, além de aspectos da litigiosidade, como estoque, novos casos ingressados, julgados e baixados, entre outros. Também são entregues à sociedade indicadores que permitem a análise da produtividade, da celeridade e do acesso ao Judiciário.

“O Relatório Justiça em Números é a principal referência do Judiciário como mecanismo de transparência da atuação da Justiça à serviço da sociedade. O relatório, que reúne dados de mais de uma década, apresenta um raio-X completo dos tribunais, por segmento de Justiça e por porte, que abrange informações de despesas, arrecadações, força de trabalho e dados processuais, como indicadores de desempenho e de produtividade, índices de conciliação, entre outros”, explica Gabriela Azevedo.

Um divisor de águas, o Relatório Justiça em Números foi produzido entre 2006 e 2009 com base na Resolução n. 15/2006. Passou por duas importantes reformulações: a primeira em 2009, com a edição da Resolução n. 76/2009, que criou o modelo atual. Este é o ponto inicial da série histórica dos dados do relatório. Daí em diante, o Justiça em Números começou a agrupar os tribunais conforme o porte e viabilizar comparações entre os tribunais e unidades judiciárias. A segunda mudança, em 2015, agregou novos indicadores, após consulta pública e participação dos tribunais.

A evolução e a experiência angariadas no trabalho desenvolvido pelo DPJ subsidiam, agora, um projeto mais amplo. Na fase atual, o CNJ desenvolve o DataJud, uma base de dados com informações de todos os movimentos processuais, identificação das partes, classe processual, assuntos tratados em cada ação na Justiça e órgão julgador, entre outras.

O cruzamento desses elementos permitirá, por exemplo, medir o tempo dos processos em todas as fases, identificar gargalos e discrepâncias, comparar o desempenho de unidades judiciárias exclusivas e cumulativas e identificar relações sociais e demográficas dos municípios com indicadores de eficiência. A partir disso, será possível, pela primeira vez, investigar a fundo cada tema relacionado ao Poder Judiciário.

Parcerias

Um marco do trabalho estatístico realizado de forma sistemática desde 2005 ocorreu este ano com a apresentação da centésima pesquisa realizada pelo CNJ: um estudo comparativo sobre competência delegada em Direito Previdenciário. Nesse levantamento, o CNJ traça um panorama sobre o tema, mostrando que, do universo dos 78,7 milhões de processos judiciais em trâmite no Judiciário brasileiro, as ações previdenciárias representam cerca de 10%.

Das 100 pesquisas publicadas entre 2010 e o início de 2020, 68 foram produzidas pela equipe do DPJ a partir de informações do Sistema de Estatística do Judiciário e 32 pesquisas, por meio de instituições parceiras. Todas elas representam uma ação gradativa e firme do CNJ ao longo dos anos para fornecer ao Judiciário, aos demais Poderes e à sociedade dados, informações, estatísticas e indicadores cada vez mais utilizados para o diagnóstico e a análise de questões relevantes.

O Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas (Ipea) é, por exemplo, um usuário dos dados gerados pelo Sistema de Estatística do Judiciário, ao mesmo tempo em que é importante parceiro do Conselho na realização de alguns estudos. “Uma coisa importante que o CNJ tem feito é eleger temas prioritários e isso significa orientar a política judiciária embasada em dados e informações”, comenta Luseni Aquino, integrante da Coordenação de Estudos de Justiça e Segurança Pública do Ipea. Recentemente, o CNJ e o Ipea realizaram juntos o “Relatório sobre o Poder Judiciário no Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra as Mulheres”.

Outro parceiro do CNJ na realização de levantamentos é o Instituto Brasileiro de Jurimetria (ABJ), entidade de análise dos dados e fatos jurídicos a partir do uso de métodos estatísticos. O secretário-geral da entidade, Julio Trecenti, diz que a produção de dados feita pelo CNJ é essencial para o país e cita o Justiça em Números como ferramenta indispensável na formulação e aperfeiçoamento de políticas públicas judiciárias. “Tenho visto os esforços do DPJ para que os tribunais enviem para o CNJ informações com qualidade e granularidade e esses são esforços bastante positivos”, afirma.

Em um olhar lançado ao futuro, em prol da continuidade e melhoria das pesquisas judiciárias, Trecenti sugere aperfeiçoamentos tais como continuidade de investimentos na formação da equipe multidisciplinar de pesquisadores do CNJ. E, também, maior divulgação dos dados contidos no Justiça em Números.

Gestão de políticas públicas

Se o Sistema de Estatísticas e a criação do DPJ foram alicerces que permitiram ao CNJ centralizar dados gerados pelo Judiciário que até então ficavam dispersos, outras medidas adotadas a partir de 2007 foram determinantes para obter indicadores valiosos para a formulação de políticas judiciárias.

Nesse processo, um dos marcos foram as Tabelas Processuais Unificadas (TPU). A criação de uma taxonomia para todos os tribunais permitiu unificar e definir uma regra de cálculo de variáveis e formação de indicadores do Sistema de Estatística do Poder Judiciário. As TPUs, implementadas pela Resolução CNJ n. 46/2007, relacionam as classes, os movimentos e os assuntos contidos em cada processo judicial. Da correta categorização, é possível extrair, por exemplo, quantos documentos são pedidos de prisão, quais ações estão em fase de conhecimento ou execução e até se o caso envolve afastamento do cargo.

Outro ato que favoreceu a depuração das informações da Justiça foi a adoção, em 2008, da numeração única processual. Com isso, o Conselho conseguiu padronizar o formato de identificação de todos os processos e, em um único número, reconhecer o ano de autuação e a origem das ações.

Em 2012, com o lançamento do Programa Justiça Pesquisa, passam a ser estruturadas pesquisas nos eixos “Direitos e garantias fundamentais” e “Políticas públicas do Poder Judiciário”. Neste mesmo ano, o relatório Justiça em Números começa a incorporar o conceito de análise de eficiência aos dados do Judiciário, permitindo comparações entre o que foi produzido (processos baixados) em relação aos recursos disponíveis (despesa, pessoal, processos) em cada tribunal, com uso de metodologia que até então somente era aplicada em áreas como a engenharia de produção, caracterizando um ganho estrutural de análise.

Já dispondo de uma estrutura básica de padronização das informações, o CNJ avançou para mecanismos de incentivo aos tribunais para produzirem estatísticas com maior grau de confiabilidade: é criado o “Selo Justiça em Números”. Em 2019, o selo deu lugar ao Prêmio CNJ de Qualidade, que tem em seus eixos para a condecoração a exigência de envio dos dados estatísticos validados, a observância às Tabelas Processuais Unificadas e a ampla transparência ao cidadão.

O atual presidente do CNJ, ministro Dias Toffoli, lembra que o Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) foi criado em outubro de 2006, com a edição da Lei nº 11.364, e tem como objetivos: desenvolver pesquisas e realizar a gestão de dados estatísticos sobre a Justiça; contribuir com a elaboração e a análise de diagnósticos do Poder Judiciário; e fornecer subsídios técnicos para a formulação de políticas judiciárias. “Nesses últimos 10 anos, foram produzidas mais de cem pesquisas, tendo a primeira publicação ocorrido em 2010. Assim, é com alegria que celebramos a proximidade dos quatorze anos de criação do DPJ. Parabenizo a todos os servidores e colaboradores do DPJ, que vem sendo coordenado de forma competente pela diretora-executiva, Gabriela Moreira de Azevedo Soares, assim como aos membros que compõem e que já compuseram o Conselho Consultivo do DPJ”, afirma.

O Conselho Consultivo do DPJ foi criado em 2009, por meio da Resolução 69, e teve a composição atualizada em 2018 e 2019, que pode ser acessada aqui.  Fazem parte advogados, artista, economista, mestres e professores do Direito, engenheiro, especialistas em Direito Público, Administração Pública, Direito Tributário e Educação, juízes e desembargadores. “O DPJ é um órgão essencial para todo o Poder Judiciário. Não há política pública sem diagnóstico, avaliação, estatísticas, pesquisas e gestão de dados. Também não seria possível a realização de boas pesquisas se não fosse a contribuição dos membros do Conselho Consultivo do DPJ, que hoje indicam grande parte dos temas a serem pesquisados e contribuem para que os resultados desse trabalho tenham aplicação significativa para o Judiciário e para o País.”, destaca o juiz auxiliar da Presidência do CNJ Richard Pae Kim.

Os últimos anos também vêm sendo marcados pela gestão dos dados e pela criação de dispositivos móveis, tornando as informações dos órgãos judiciais mais acessíveis aos usuários. Entram em cena os dispositivos digitais “CNJ em Números” (permite visualizar processos novos, julgados e baixados e em trâmite no próprio Conselho), o “Supremo em Ação” (oferece visualização de dados da Suprema Corte com base em informações geradas e processadas pelo Supremo Tribunal Federal) e o “Justiça Aqui” (fornece a localização de varas próximas aos usuários da justiça conforme o grau de jurisdição e o ramo da justiça desejado), além da estruturação de diversos dados estatísticos com uso de ferramentas de dashboards, que permitem a visualização de dados de forma mais dinâmica e intuitiva.

Este texto faz parte da série comemorativa dos 15 anos do CNJ. Conheça aqui outros momentos dessa história

Luciana Otoni
Agência CNJ de Notícias