Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0008370-60.2021.2.00.0000
Requerente: LUIZ UBIRATA DE CARVALHO
Requerido: CONSELHO ESPECIAL ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS e outros

 


EMENTA: RECURSO ADMINISTRATIVO. INTERESSE INDIVIDUAL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS. DECISÃO ADMINISTRATIVA. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

1 – Pretensão deduzida com caráter meramente individual e sem repercussão para todo o Poder Judiciário. Aplicação do Enunciado CNJ nº 17.

2 – Recurso conhecido e, no mérito, não provido.

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por maioria, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Vencido o Conselheiro Mário Goulart Maia, que dava provimento ao recurso com restituição dos autos ao Relator para exame de mérito. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 24 de junho de 2022. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas (Relator), Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0008370-60.2021.2.00.0000
Requerente: LUIZ UBIRATA DE CARVALHO
Requerido: CONSELHO ESPECIAL ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS e outros


RELATÓRIO


           

Trata-se de Recurso Administrativo (Ids 4610694) interposto por Luiz Ubirata de Carvalho contra a Decisão (Id 4597065) que não conheceu os pedidos do requerente, em razão de a pretensão ser de natureza individual e sem repercussão para todo o Poder Judiciário.

O relatório da decisão recorrida foi assim sistematizado:

  

“Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo (PCA), proposto por Luiz Ubirata de Carvalho em face do Conselho Especial Administrativo do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), no qual requer a reforma da decisão do TJDFT que o descredenciou da condição de leiloeiro, nos autos do Processo nº 0000284-41.2020.8.07.0000, pelo prazo de 1 (um) ano.

Afirma que a Corregedoria do TJDFT lhe aplicou sanção em decorrência da existência de irregularidades em dois leilões, motivo pelo qual interpôs recurso administrativo que foi apreciado e negado pelo Conselho Especial Administrativo do TJDFT.

Sustenta a ilegalidade e desproporcionalidade da penalidade, tendo em vista que ‘não houve indicação de violação de norma jurídica ao leiloeiro’, além da ‘ausência de apuração específica sobre provas, pois não houve dilação probatória sobre os dois fatos imputados ao requerente, sendo que um deles foi originário de denúncia anônima’. O requerente, ao final, pleiteia:

‘a) A concessão da medida liminar inaudita altera parte, a fim de se acautelar o pleito e suspender o ato que descredenciou o requerente da condição de leiloeiro do Egrégio TJDFT, ato esse confirmado pelo Colendo Conselho Especial Administrativo daquela Corte, até decisão final pelo Colegiado e confirmação da procedência do pedido;

b) Seja instado o Colendo Conselho Especial Administrativo do TJDFT, na pessoa de seu Presidente, a prestar eventual manifestação;

c) Ao final, com a confirmação da medida liminar, seja julgado procedente o pedido, a fim de se anular/reformar o v. acórdão do Colendo Conselho Especial Administrativo do TJDF, que negou provimento ao recurso e manteve o descredenciamento do requerente da condição de leiloeiro pelo prazo de um ano, tudo com vistas, em última ratio, a julgar insubsistente a punição aplicada ao requerente e, com isso, determinar-se o retorno ao status quo ante, com o credenciamento do requerente na função sempre corretamente exercida.’

O feito foi inicialmente encaminhado à Corregedoria Nacional de Justiça, a qual, por entender que se tratava de matéria estranha às suas competências, determinou sua reautuação como PCA e sua livre distribuição (Id 4538114).

Devidamente intimado a se manifestar sobre os termos da inicial (Id 4544283), o Tribunal apresentou informações no Id 4551672. Em seguida, o Conselheiro Mário Goulart Maia, atuando em substituição, indeferiu o requerimento liminar, no Id 4554079.

Contra essa decisão, o requerente interpôs recurso administrativo (Id 4560736), afirmando que o leilão foi declarado nulo pelo juízo de execução e que não lhe foi paga comissão pelo feito.

Alega que não há impedimento legal expresso no Código de Processo Civil para participação, no leilão, de ex-advogado do leiloeiro e que a suposta flagrante ilegalidade da decisão do Conselho Especial Administrativo do TJDFT é suficiente para afastar o comando proibitivo do conhecimento por este Conselho de pretensões sem repercussão geral, do Enunciado Administrativo nº 17, que fundamenta a decisão ora atacada.

Ao final, requereu a reconsideração da decisão negativa da liminar, a fim de restabelecer sua condição de leiloeiro. Subsidiariamente, pede o envio dos autos ao Plenário.

É, em breve síntese, o relatório. Decido:”

 

A decisão recorrida não conheceu dos pedidos, por versarem sobre matéria de cunho estritamente individual e sem repercussão para todo o Poder Judiciário, ensejando o arquivamento do PCA (art. 25, X, do RICNJ).

Inconformado, o requerente, ora recorrente, interpôs o presente pedido de reconsideração, recebido como Recurso Administrativo pela Decisão de Id 4620816, no qual defende a competência deste Conselho para atuar quando a decisão administrativa impugnada se configurar em decisão teratológica, ilegal e abusiva, como a do presente caso (Id 4610694).

A fim de comprovar a ilegalidade da decisão do Conselho Especial do TJDFT e a existência de perseguição administrativa, o recorrente reitera os fundamentos da petição inicial e sustenta que foi descredenciado sem a indicação dos dispositivos da Resolução CNJ nº 236 que foram violados e sem instrução probatória.

Por fim, requer:

 

“Diante da clara ilegalidade, necessária a atuação deste Conselho de Justiça visando analisar e afastar ato não condizente com a função do Poder Judiciário, razão pela qual roga o Recorrente a RECONSIDERAÇÃO da decisão que determinou o arquivamento e conceda a liminar pleiteada de se suspender a decisão que determinou o descredenciamento do requerente da função de Leiloeiro Público Oficial pelo extenso período de 1 ano e dado prosseguimento a análise dos pedidos neste Conselho de Justiça para julgamento e afastamento em definitivo da decisão proferida no Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal, por evidente ilegalidade e decisão teratológica. ”

 

Devidamente intimado (Id 4620816), o TJDFT apresentou Contrarrazões (Id 4632819) ao Recurso Administrativo nas quais alega que a aplicação da penalidade se baseou em ofensa ao art. 37 da Constituição Federal, aos arts. 5º, 6º, 881 e 890 do CPC e aos arts. 5º, 14 e 15 da Resolução nº 236/2016, e que o requerente não se manifestou no processo administrativo originário sobre a necessidade de dilação probatória. Pleiteia a manutenção da decisão do Conselho Especial do TJDFT e o indeferimento deste recurso.

 

 

É o relatório. 


 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0008370-60.2021.2.00.0000
Requerente: LUIZ UBIRATA DE CARVALHO
Requerido: CONSELHO ESPECIAL ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS e outros

 


Recebo o recurso administrativo por ser tempestivo e próprio, nos termos do art. 115 do Regimento Interno do CNJ.

O recorrente pretende a reforma da Decisão de Id 4597065, por entender configurada a competência constitucional deste Conselho, porquanto a decisão administrativa impugnada, que determinou o descredenciamento do recorrente da condição de leiloeiro público em virtude da constatação de irregularidades no procedimento administrativo, seria "teratológica, ilegal e abusiva". 

Como é cediço, é facultado ao relator determinar o arquivamento liminar do feito quando se tratar e matérias de cunho individual sem repercussão geral ao Poder Judiciário. De fato, o art. 25, X do RICNJ expressamente dispõe que compete ao relator "determinar o arquivamento liminar do processo quando a matéria for flagrantemente estranha às finalidades do CNJ, bem como a pretensão for manifestamente improcedente, despida de elementos mínimos para sua compreensão ou quando ausente interesse geral".

Com efeito, não pode este Conselho se transformar em instância revisora de decisões administrativas proferidas pelos tribunais, por isso que se exige, para que se afigure hipótese de competência de atuação do CNJ, que o objeto do processo seja mais amplo do que a mera esfera de interesse do requerente. No caso em tela, em suas razões recursais, o requerente limita-se e reproduzir os mesmo argumentos constantes da inicial, no Id 4536448, que foram enfrentadas na decisão recorrida. Ante a pertinência da decisão, transcrevo-a:

 

“No que tange ao mérito, refoge à competência do CNJ a análise de pretensões de cunho individual e que não possuem relevância para todo Poder Judiciário, consoante Enunciado Administrativo n. 17/CNJ:

‘Enunciado Administrativo Nº 17: Não cabe ao CNJ o exame de pretensões de natureza individual, desprovidas de interesse geral, compreendido este sempre que a questão ultrapassar os interesses subjetivos da parte em face da relevância institucional, dos impactos para o sistema de justiça e da repercussão social da matéria.’

In casu, o CNJ não pode conhecer de procedimentos que impugnam decisões dos tribunais que descredenciam leiloeiros públicos em virtude da constatação de irregularidades, pois tais questões dizem respeito unicamente a interesse individual do requerente, sem qualquer repercussão geral para a coletividade ou para o Poder Judiciário. Admitir-se o processamento de tais pedidos acabaria por transformar este Conselho em uma espécie de instância recursal administrativa, consoante posicionamento do Plenário, in verbis:

‘RECURSO ADMINISTRATIVO. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL REGIONAL DO ESTADO DE SÃO PAULO. DESEMBARGADOR. ABONO DE PERMANÊNCIA. PEDIDO INDEFERIDO. REFORMA PELO CNJ. PRETENSÃO INDIVIDUAL. VIÉS RECURSAL. RECURSO IMPROVIDO

1.Recurso contra decisão que não conheceu do pedido de controle da decisão de Tribunal que indeferiu a concessão do abono de permanência formulado por desembargador.

2.A revisão da decisão denegatória do pedido de concessão de abono de permanência configuraria a tutela a direito individual por exigir a incursão na situação pessoal do requerente para aferir a plausibilidade do direito vindicado. Além disso, eventual julgamento, não seria aplicável a outras situações em razão das singularidades do caso concreto.

3.Não há espaço para conhecer da pretensão com patente interesse de convolar este Conselho em instância recursal de decisões administrativas dos Tribunais. Precedentes.

4. Recurso desprovido.’

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0007420-85.2020.2.00.0000 - Rel. CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM - 90ª Sessão Virtual - julgado em 13/08/2021). Destaque nosso.

 

‘RECURSO EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. PROCESSOS JUDICIAIS. VARA DE FAMÍLIA. SOLICITAÇÃO DE INFORMAÇÕES PARTICULARES. SIGILO. AUSÊNCIA DE IRREGULARIDADE NA DECISÃO DO TRIBUNAL. NATUREZA INDIVIDUAL. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1.Descabido o fornecimento de informações detalhadas dos processos em curso nas Varas de Família (ex.: nome das partes e conteúdo processual) para quem não é parte do processo, advogado habilitado ou ausente interesse acadêmico.

2.A atuação constitucional do Conselho Nacional de Justiça visa ao interesse coletivo do Poder Judiciário e de toda a sociedade, o que afasta a natureza de instância recursal ou originária para questões judiciais ou administrativas de caráter individual. Precedente neste sentido.

3.Recurso que se conhece e nega provimento.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0009613-73.2020.2.00.0000 - Rel. ANDRÉ LUIZ GUIMARÃES GODINHO - 88ª Sessão Virtual - julgado em 11/06/2021). Destaque nosso.

 

‘RECURSO ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E TERRITORIOS. PAGAMENTO DE ADICIONAL POR SERVIÇO EXTRAORDINÁRIO A SERVIDORES. AUTONOMIA ADMINISTRATIVA E FINANCEIRA DOS TRIBUNAIS. PRECEDENTES.

1. Recurso administrativo contra decisão que julgou improcedente o pedido de pagamento de adicional de serviço extraordinário em razão da autonomia administrativa e financeira que os Tribunais gozam, sobretudo quando a matéria implicar destinação orçamentária. Precedentes do CNJ.

2. Pretensão de pagamento de verbas. Questão administrativa julgada pelo Tribunal de Justiça. Impossibilidade de o CNJ atuar como instância recursal de toda e qualquer decisão administrativa proferida pelas Cortes, em especial, àquelas que envolvem causas subjetivas individuais. Precedentes do CNJ.

3. O Conselho Nacional de Justiça não pode ser utilizado como sucedâneo de órgão de cobrança de valores. Precedentes do CNJ.

4. Recurso a que se nega provimento.’

 (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0006958-02.2018.2.00.0000 - Rel. LUIZ FERNANDO TOMASI KEPPEN - 62ª Sessão Virtual - julgado em 27/03/2020). Destaque nosso.

 

No caso em tela, não se verifica, sob qualquer perspectiva, possibilidade de intervenção do Conselho Nacional de Justiça, ante a ausência de repercussão geral.

Diante do exposto, não conheço do recurso administrativo interposto no Id 4560736, nos termos do § 1º do art. 115 do RICNJ.

No mérito, com fundamento no artigo 25, X, do RICNJ1, não conheço dos pedidos formulados e determino o arquivamento do feito. (...)”

 

Como já detalhado na decisão atacada, aplica-se, portanto, o Enunciado Administrativo CNJ nº 17 e o entendimento jurisprudencial desta Casa, reproduzidos abaixo:

 

"Enunciado Administrativo Nº 17: Não cabe ao CNJ o exame de pretensões de natureza individual, desprovidas de interesse geral, compreendido este sempre que a questão ultrapassar os interesses subjetivos da parte em face da relevância institucional, dos impactos para o sistema de justiça e da repercussão social da matéria".

 

“CONCURSO PÚBLICO. SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. INTERESSE MERAMENTE INDIVIDUAL. [...]

Não se conhece de pedido de natureza meramente individual, independentemente do direito subjetivo, que deve ser submetido à apreciação jurisdicional (Precedentes do CNJ: PCA 197, PP 9867 e PCA 573). [...]” (PCA 200810000012457, Rel. Cons. Paulo Lôbo, j. 21/10/2008)”.

 

“Recurso Administrativo. Oficial de Justiça. Exercício em caráter precário. Exoneração. Controle do ato. Natureza eminentemente individual.

I) A competência do CNJ para o exame da legalidade de atos administrativos emanados de órgãos do Poder Judiciário deve ser lida no contexto de suas demais missões institucionais, em especial o planejamento estratégico do Poder Judiciário.

II) Não cabe ao CNJ o exame de pretensões que ostentem natureza eminentemente individual, desprovidas de interesse geral para o Poder Judiciário em âmbito nacional ou para a sociedade.

III) Recurso Administrativo em Pedido de Providências de que se conhece.” (PCA 2008100000033473 – Rel. Cons. João Oreste Dalazen – DJU 07/04/2009)”.

 

Diante do exposto, inexistindo qualquer razão apta a ensejar a modificação do entendimento adotado na monocrática, conheço do recurso interposto e, no mérito, nego-lhe provimento.



É como voto.

 



Após as comunicações de praxe, arquive-se.

 

 

 

Conselheiro Marcio Luiz Freitas

 

Relator  

 



 

 

 

VOTO DIVERGENTE

O EXMO. SR. CONSELHEIRO MÁRIO GOULART MAIA: Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo (PCA) proposto por Luiz Ubirata de Carvalho em face do Conselho Especial Administrativo do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), no qual requer a reforma da decisão do TJDFT que o descredenciou da condição de leiloeiro, nos autos do Processo 0000284-41.2020.8.07.0000, pelo prazo de 1 (um) ano.

Ao examinar a questão, concluiu o eminente Relator que não há como avançar sobre o caso narrado, porque adstrito à esfera de interesse do requerente, não ostentando relevância coletiva ou repercussão geral para o Poder Judiciário.

Nega, assim, provimento ao recurso, para manter a decisão que não conheceu do pedido.

 Peço vênia ao ilustre Conselheiro Márcio Luiz Coelho de Freitas para divergir quanto à tese de fundo.

Preambularmente, ressalvo meu entendimento quanto à aplicação indistinta de precedentes a casos submetidos a exame. Penso que os julgados prolatados por esta Casa não são construídos com o fito de vincular julgamentos futuros do Conselho Nacional de Justiça. Cada caso deve ser apreciado de maneira única. Os precedentes devem ser observados, mas não aplicados de forma vinculativa. Essa compreensão também o fiz por ocasião dos julgamentos dos PCA’s 8404-06, 4493-83, 1134-57, 3446-06, PP’s 9156-07, 1087-49, 8815-78 e Ato 0291-58.

A respeito do pensamento jurídico, a obra de Benjamin Nathan Cardozo – A Natureza do Processo e a Evolução do Direito[1], ensina que:

(5) [...] Henry Cohen (6) citava como “clássico” o trecho em que Cardozo dizia: “O tribunal não existe para o litigante individual, mas para o corpo indefinido de litigantes, cujas causas estão potencialmente envolvidas na causa específica em exame. Os danos sofridos pelos autores são apenas os símbolos algébricos dos quais o tribunal deve extrair a fórmula de justiça.”

Com efeito, o CNJ possui farta jurisprudência firmada no sentido de que pretensões eminentemente individuais não devem ser conhecidas.

Todavia, compreendo que a ausência de repercussão geral fica bem caracterizada quando a decisão fica adstrita às peculiaridades do caso concreto e o resultado do julgamento não se estende a outras hipóteses.

A valoração da realidade, mediante a criteriosa apreciação de seus elementos factuais, é o primeiro passo para a justiça, porque esse valor incide sobre relações concretas e da vida – sobre fatos – e não sobre as suas abstrações. Pode-se dizer que, sem o conhecimento integral e ponderado dos fatos de uma questão jurídica, jamais será possível expedir a seu respeito um juízo de justiça, mas apenas uma solução burocrática.

Pedindo vênia uma vez mais ao Relator, penso não serem essas as circunstâncias dos autos (natureza individual).

Como dito, Luiz Ubirata de Carvalho foi descredenciado da função de Leiloeiro Público Oficial, pelo prazo de 1 ano, cuja regulamentação é do Conselho Nacional de Justiça – a Resolução CNJ 236, de 13.07.2016, que regulamenta, no âmbito do Poder Judiciário, procedimentos relativos à alienação judicial por meio eletrônico, na forma preconizada pelo art. 882, § 1º, do novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015).

Chamo atenção para os memoriais colacionados ao feito sob a Id 4560739, que dão conta de que: “o ato punitivo imputou ao recorrente dois fatos diversos entre si, inclusive quanto ao enquadramento jurídico de cada um, quais sejam:

1º FATO: participação de advogado do exequente em leilão. Contudo, nem sequer houve a consumação do leilão, eis que foi corretamente anulado pelo Juízo da execução, responsável pela condução e pela declaração de nulidade do certame, nos termos do art. 12, da Resolução CNJ nº 236, de 2016.

2º FATO: impossibilidade de participação e de arrematação de veículo por ex-advogado do leiloeiro, o que atraiu por analogia a vedação do art. 890, inciso VI, do CPC. Esse dispositivo diz respeito à vedação de participação de advogado das partes, mas não de advogado que possa ter tido qualquer liame com o leiloeiro, daí porque houve a invocação descabida da analogia para a punição.

Na origem (TJDFT), também se constata que o julgamento prolatado pelo Conselho Especial Administrativo não foi unânime, tendo o desembargador Relator, Alfeu Machado, votado pela reforma da decisão recorrida e improcedência da acusação imputada ao requerente, com a confirmação da liminar concedida, assegurando seu recredenciamento na função de leiloeiro público oficial (Id 4536158, fls. 1/18). Destaco os seguintes excertos:

E não há prova nesse sentido no bojo dos autos, sendo certo que o art. 12 da Resolução CNJ nº 236/2016 deixa claro que qualquer interessado pode se cadastrar e dar lances em leilões eletrônicos, e que cabe ao Juízo da execução, e não ao leiloeiro, decidir sobre eventuais impedimentos.

Não consta dentre as obrigações do leiloeiro descritas no art. 5 da Resolução CNJ nº 236/2016 a atribuição de declarar a nulidade da alienação ou realizar o controle dos impedimentos legais ao cadastramento e realização de lances por pessoas interessadas.

[...]

Nesse sentido, o art. 13 da Resolução CNJ nº 236/2016, impõe ao terceiro interessado, e não ao leiloeiro, eventual responsabilidade administrativa, civil ou criminal pelo abuso no cadastramento em leilão eletrônico ou realização de lances em desacordo com as normas legais.

Na hipótese, não demonstrado nenhuma intervenção do leiloeiro em benefício dos arrematantes, e aferido que os leilões que foram realizados de modo regular, com garantia de ampla concorrência, a participação dos arrematantes não pode ser considerada irregularidade imputável ao recorrente, por mera presunção e com lastro em denúncia anônima, cujo conteúdo se mostrou improcedente pelas provas lícitas produzidas nos autos.

Por fim, reitero entendimento já manifestado no voto minoritário proferido no julgamento antecedente, que a falta de fundamento hábil à condenação do recorrente em processo administrativo disciplinar, denota a improcedência da imputação, por falta de provas ou demonstração de ato ilícito, e não motivo para cassação da decisão recorrida, para possibilitar que a autoridade prolatora possa apresentar novos motivos para condenação.

Diante do exposto, dou provimento ao recurso administrativo para reformar a decisão recorrida e julgar improcedente a acusação imputada ao recorrente, com a confirmação da liminar concedida, assegurando seu recredenciamento na função de leiloeiro público oficial deste Tribunal de Justiça, com o restabelecimento dos pregões que lhe foram confiados.

Assim, não há como caracterizar o descredenciamento do leiloeiro como de natureza individual, porque em caso de teratologia ou ausência de razoabilidade na sanção aplicada, o CNJ tem o poder-dever de examinar a regularidade do ato praticado pelo TJDFT.

O requerente argumenta que teria havido ilegalidade e desproporcionalidade na aplicação da sanção, uma vez que “não houve indicação de violação de norma jurídica ao leiloeiro”, além da “ausência de apuração específica sobre provas, pois não houve dilação probatória sobre os dois fatos imputados ao requerente, sendo que um deles foi originário de denúncia anônima”, dentre outras.

Logo, somente após análise detida dos autos e dos documentos coligidos ao feito é que se dirá se as diretrizes baixadas pelo CNJ foram observadas.

Ao escrever sobre proporcionalidade e razoabilidade, Oriana Piske[2] destaca que:

O cerne do Direito positivo, como leciona Recaséns Siches, não é permanecer no reino das ideias puras, válidas em si e por si, com abstração de toda aplicação real e situações concretas da vida, mas a sua efetivação. Aliás, outra não é a lição de Miguel Reale quando afirma: ‘Poder-se-á dizer que o Direito nasce do fato e ao fato se destina, obedecendo sempre a certas medidas de valor consubstanciadas na norma’. [...] Recaséns Siches, aponta com brilhantismo a necessidade da observância do princípio da razoabilidade pelo Poder Judiciário. Os ensinamentos do mestre estão sintetizados de forma lapidar no seguinte trecho de sua monumental obra intitulada Nueva Filosofía de la Interpretación del Derecho:

O juiz, para averiguar qual a norma aplicável ao caso particular submetido à sua jurisdição, não deve deixar-se levar por meros nomes, por etiquetas ou conceitos classificatórios, mas pelo contrário, tem que ver quais são as normas, pertencentes ao ordenamento jurídico positivo a ser aplicado no caso concreto, que ao dirimir o conflito estejam em consonância com os valores albergados e priorizados por este mesmo ordenamento.

Corrobora esse raciocínio, a jurisprudência desta Casa em relação ao alinhamento (ou não) de atos de Tribunais à norma jurídica que inspira os procedimentos relativos à alienação judicial (a Resolução CNJ 236/2016). Veja-se:

RECURSO EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. RESOLUÇÃO CNJ 236/2016. ALIENAÇÃO JUDICIAL POR MEIO ELETRÔNICO. CREDENCIAMENTO DE LEILOEIROS PÚBLICOS. REQUISITOS. EXERCÍCIO PROFISSIONAL PELO PRAZO MÍNIMO DE 3 ANOS. REVISÃO. RECURSO IMPROVIDO.

1. Pedido de Providências em que se requer a revisão do artigo 2º da Resolução CNJ 236/2016, para dele excluir a necessidade de o leiloeiro comprovar sua atuação profissional por, no mínimo, três anos.

2. Os reflexos da entrada em vigor do novo CPC foram amplamente avaliados por Grupo de Trabalho instituído pela Presidência deste Conselho e somente após instrução e exaustivos debates (consulta e audiência públicas) o Plenário do CNJ deliberou pela aprovação da Resolução 236/2016, na 16ª Sessão Virtual - Ato Normativo 0002842-21.2016.2.00.0000.

3. O Conselho Nacional de Justiça, ao exigir para o credenciamento de leiloeiros públicos o exercício profissional de, pelo menos, 3 (três) anos, não inovou no ordenamento jurídico. Ao revés, no exercício de sua competência (art. 882, §1°, do CPC), replicou em seu normativo elemento temporal que objetiva assegurar ou ao menos indicar experiência de profissional que presta relevante serviço ao Poder Judiciário.

4. Os argumentos deduzidos no recurso repisam os termos da inicial e são incapazes de infirmar a decisão terminativa.

5. Recurso a que se nega provimento.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0003558-48.2016.2.00.0000 - Rel. MARIA TEREZA UILLE GOMES - 31ª Sessão Virtual - julgado em 15/02/2018).

 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO – EDITAL DE CREDENCIAMENTO DE LEILOEIROS – VEDAÇÃO AO CREDENCIAMENTO DE LEILOEIROS QUE ESTEJAM ADVOGANDO EM PROCESSOS JUDICIAIS – REGRA ELABORADA EM CONSONÂNCIA À DISCIPLINA NORMATIVA CORRELATA - AUSÊNCIA DE CONTRARIEDADE AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (ART. 37, CF) - IMPROCEDÊNCIA. (CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0000483-59.2020.2.00.0000 - Rel. LUIZ FERNANDO TOMASI KEPPEN - 73ª Sessão Virtual - julgado em 09/09/2020).

Esse posicionamento é reforçado pela compreensão atual do chamado “princípio da inafastabilidade”. Conforme célebre lição de Kazuo Watanabe, constante da obra de Fredie Didier[3]:

O princípio da inafastabilidade deve ser entendido não como garantia formal, uma garantia pura e simplesmente “bater às portas do Poder Judiciário”, mas, sim, como uma garantia de “acesso à ordem jurídica justa”, consubstanciada em uma prestação jurisdicional tempestiva, adequada, eficiente e efetiva. ‘O direito à sentença deve ser visto como direito ao provimento e aos meios executivos capazes de dar efetividade ao direito substancial, o que significa o direito à efetividade em sentido estrito’. Também se pode retirar o direito fundamental à efetividade desse princípio constitucional, do qual seria corolário.

A meu sentir, há que se prestigiar o princípio da primazia no julgamento de mérito – art. 4º do Código Fux – sendo ele o introdutor, no nosso sistema processual atual, dessa importante e necessária orientação quanto aos julgamentos. A extinção do processo sem resolução do mérito é, s.m.j., medida anômala que não se coaduna com a efetividade da tutela jurisdicional.

Como afirma Márcio Oliveira, em comentários ao Código de Processo Civil (CPC), o princípio da primazia do mérito traz a orientação de que a atividade jurisdicional deve-se orientar pela atividade satisfativa dos direitos discutidos em juízo, esclarecendo que:

A legislação processual civil resolveu deixar de lado o cientificismo e a questão processual e passou a trazer elementos mais consentâneos com a realidade, pois é óbvio que a pessoa que procura a justiça quer ver a sua pretensão resolvida, mesmo que a decisão judicial lhe seja desfavorável. Dessa forma, a satisfatividade deve ser tão essencial quanto a preocupação com a demora do processo, até mesmo porque ambas estão umbilicalmente ligadas, já que a demora processual compromete a efetividade do direito material a ser eventualmente reconhecido que pode ser prejudicado ao final. (grifo nosso)

Com essas considerações, voto pelo provimento ao recurso, com restituição dos autos ao Relator para exame de mérito.

É como voto.

Brasília, data registrada no sistema.

 

Mário Goulart Maia

Conselheiro



[1] CARDOZO, Benjamin Nathan. A natureza do processo e a evolução do direito, Trad. De Leda Boechat Rodrigues. Editora Nacional de Direito Ltda.: 1956, III.

[2] Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/artigos-discursos-e-entrevistas/artigos/2011/proporcionalidade-e-razoabilidade-criterios-de-inteleccao-e-aplicacao-do-direito-juiza-oriana-piske

[3] DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Bahia: JusPODIVM, 2015. 17ª Edição, ampliada, p. 113.