Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM FACE DE MAGISTRADO - 0007026-78.2020.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: EDUARDO ALMEIDA PRADO ROCHA DE SIQUEIRA

 

 

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR CONTRA MAGISTRADO. DESEMBARGADOR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. PRELIMINARES DEDUZIDAS EM RAZÕES FINAIS AFASTADAS. UTILIZAÇÃO OBRIGATÓRIA DE MÁSCARA FACIAL PROTETIVA CONTRA COVID-19. RECUSA INJUSTIFICADA. DESCUMPRIMENTO DELIBERADO DE DECRETO MUNICIPAL. HOSTILIDADE, AMEAÇA E OFENSA PESSOAL AO AGENTE PÚBLICO RESPONSÁVEL PELA FISCALIZAÇÃO SANITÁRIA. USO DA SUPOSTA INFLUÊNCIA E TENTATIVA DE INTIMIDAÇÃO NO INTUITO DE SE DESVENCILHAR DA OBRIGAÇÃO IMPOSTA A TODOS OS CIDADÃOS, INCLUSIVE QUANTO À APLICAÇÃO DA MULTA RESPECTIVA. REPERCUSSÃO NACIONAL. ABALO À CREDIBILIDADE DO PODER JUDICIÁRIO. VIOLAÇÃO AO DEVER DE MANTER CONDUTA IRREPREENSÍVEL NA VIDA PÚBLICA E PARTICULAR. PROCEDIMENTO INCOMPATÍVEL COM A DIGNIDADE, A HONRA E O DECORO DA JUDICATURA. OFENSA AO ART. 35, INCISO VIII, DA LOMAN E AOS ARTS. 1º, 15, 16 E 37 DO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL CARACTERIZADA. GRAVIDADE DA CONDUTA E INCOMPATIBILIDADE PERMANENTE COM O EXERCÍCIO DA MAGISTRATURA. PROCEDÊNCIA. APLICAÇÃO DA PENA DE APOSENTADORIA COMPULSÓRIA.

 

1.      Preliminares

1.1 - Inviabilidade de acesso às mídias da audiência de instrução: O link aos arquivos de áudio e vídeo correspondentes aos atos instrutórios realizados em 12 de abril de 2022, nas dependências da 2ª Vara do Trabalho de Santos, foi efetivamente disponibilizado nos autos, e isso desde a data de realização da audiência, tudo acompanhado da respectiva ata, sem que tenha sido atribuído qualquer sigilo aos arquivos. Assim, todo o conteúdo das gravações encontra-se disponível e acessível, ou seja, possibilitou a plena e adequada análise das ocorrências e dos depoimentos ali retratados e, portanto, viabilizou por completo o exercício do contraditório e a ampla defesa. Afasta-se.

1.2 - Indeferimento parcial de produção de provas: Remanesceram despiciendas as modalidades probatórias almejadas - realização da perícia médica psiquiátrica e envio de cópias integrais dos procedimentos disciplinares anteriormente instaurados em face do processado no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo -, pois os aspectos cruciais, relacionados à aferição da capacidade do magistrado para a prática dos atos da vida civil,  ao tempo dos fatos aqui averiguados, bem assim atinentes ao respectivo histórico funcional, já haviam sido elucidados por outros dados probatórios dos autos. Trata-se de questão já dirimida pelo Plenário desta Casa no julgamento do recurso administrativo outrora ofertado pelo requerido, exsurgindo nítido o intento de mero reexame das suas alegações, ou seja, verdadeira análise recursal, o que não se viabiliza, porquanto se trata de medida vedada pelos artigos 4º, § 1º e 115, §§ 1º e 6º, do RICNJ. Preliminar repelida.

1.3 - Indeferimento de repergunta à testemunha: O objeto do presente PAD corresponde unicamente às condutas adotadas pelo requerido no momento das abordagens, delimitadas com clareza pelo teor dos vídeos trazidos aos autos, ou seja, atrela-se tão somente à relação estabelecida entre o processado e os guardas municipais, sem guardar qualquer conexão com eventuais ocorrências envolvendo os agentes públicos e terceiros em conjunturas alheias àquelas averiguadas neste feito. Assim, inexistiu qualquer mácula à ampla defesa, mas tão somente o indeferimento de repergunta inútil ao deslinde da controvérsia, já que vinculada às supostas investidas truculentas dos guardas civis municipais em face de outros cidadãos, com plena ressonância no art. 25, incisos I, IV e VIII, do Regimento Interno deste CNJ. Preliminar igualmente rechaçada.

2.      Mérito

2.1  - Revela-se ociosa a alegada inconstitucionalidade do decreto municipal que disciplinou o uso obrigatório de máscaras contra a Covid-19 no Município de Santos (Decreto Municipal nº 8.944, de 23 de abril de 2020), porque tal discussão escapa por completo do objeto do presente procedimento de índole disciplinar e à própria competência material deste Conselho Nacional de Justiça, ao qual não incumbe reconhecer a inconstitucionalidade de ato normativo municipal que disciplina regras de conduta voltadas à população em geral.

2.2 - Estando vigente o Decreto nº 8.944 desde 01º de maio de 2020, cumpria ao desembargador requerido - como a qualquer outro cidadão - a sua plena e integral observância, mas assim não procedeu, na medida em que, ao ensejo das abordagens realizadas pelos agentes municipais, o magistrado adotou comportamento, na vida privada, incompatível com a dignidade, a honra e o decoro das suas funções, infringindo por completo o comando extraído do inciso I, do § 1º, do citado ato normativo municipal, em detrimento da obrigatoriedade de utilização de máscaras faciais protetivas nos espaços públicos.

2.3 -   Os vídeos trazidos aos autos, divulgados amplamente nas redes sociais e na mídia, falam por si e evidenciam que, para além de demonstrar total menosprezo ao trabalho dos guardas municipais e da ofensa gratuita desferida a um dos servidores em julho/2020, o processado acionou o secretário municipal de segurança pública no intuito de demonstrar influência e tentar descumprir o ato normativo ora referenciado e/ou inibir a ação de ofício envolvendo a aplicação da multa. Além disso, o requerido rasgou a penalidade, a qual foi atirada ao solo na presença da própria autoridade que confeccionou o expediente, tornando-se patente o propósito de intimidar o agente público que tão somente exercia a sua função institucional.

2.4 - Ressai, ainda, do conjunto probatório, a ocorrência de episódio anterior, momento em que o requerido, também caminhando sem máscara protetiva na orla da praia, manteve conduta agressiva e desrespeitosa, valendo-se do cargo de desembargador e invocando a suposta influência junto a autoridades municipais e estaduais diversas, com o objetivo de menosprezar e intimidar os guardas municipais mediante ameaça de punição, na tentativa de se desvencilhar de obrigação imposta a todos os cidadãos.

2.5 - As ponderações defensivas de que os guardas civis teriam adotado tom provocativo e/ou revestido de truculência, sugerindo a anormalidade dos procedimentos e a hipótese de injusta agressão, bem assim pautadas na premissa de que as gravações foram premeditadas, com a "inegável intenção" de "expor" o requerido, não encontram eco no contexto probatório.

2.6 - À luz do art. 26, caput, do Código Penal, o ordenamento jurídico pátrio adotou o critério biopsicológico ou biopsíquico para o exame da inimputabilidade (ou semi-imputabilidade) - aplicável subsidiariamente, por uma questão de lógica jurídica, na esfera administrativo-disciplinar -, segundo o qual é necessário avaliar se o transtorno mental do processado afetou, em efetivo, a sua compreensão quanto à ilicitude da conduta ou sua capacidade de autodeterminar-se segundo este conhecimento, ao tempo da ação ou omissão.

2.7 - No presente caso, ainda que já estivesse acometido de patologias de ordem psiquiátrica, há dados probatórios relevantes e fundamentais para a solução da presente matéria, pois suficientemente indicativos de que, à época das abordagens pela guarda municipal, o requerido mantinha a sua higidez mental. Tanto assim que o representado exercia regularmente as funções inerentes ao cargo de desembargador, sem qualquer evidência de que houvesse sido extirpada - ou possuísse diminuída - a capacidade cognitiva, volitiva e intelectiva, ou seja, encontrava-se apto para a prática dos atos da vida civil, inclusive aqueles relacionados aos fatos objeto de apuração do presente PAD. Logo, o alegado “mal psiquiátrico” e a suposta privação da medicação controlada destinada ao respectivo tratamento, isoladamente, não têm o condão de justificar as atitudes do processado e desconstituir as imputações delineadas na portaria inaugural do presente feito disciplinar.

2.8 – A reiterada conduta externada nas 02 (duas) abordagens demonstra que o processado não agiu em consonância com o ordenamento jurídico, nem tampouco com os princípios éticos que devem pautar a conduta de todo magistrado, inclusive fora do exercício da judicatura, de modo a dignificar a função e o exercício da atividade jurisdicional, sendo certo que a confiança depositada no Poder Judiciário não está respaldada unicamente na competência e na diligência dos respectivos membros, mas também na sua integridade e correção moral. Assim, os atos praticados pelo requerido consubstanciaram grave falta funcional, a receber a reprovação por parte deste CNJ, porquanto violadores dos deveres insculpidos no inciso VIII, do art. 35, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional e nos artigos 1º, 15, 16 e 37 do Código de Ética da Magistratura Nacional.

3. Dosimetria da pena:  Sopesados o grau de reprovabilidade da conduta, os resultados e prejuízos daí advindos, a carga coativa da pena, o caráter pedagógico e a eficácia da medida punitiva, bem assim os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, não se vislumbra a possibilidade de aplicar pena diversa da aposentadoria compulsória ao desembargador requerido, prevista no art. 56, inciso II, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN, c.c art. 7º, inciso II, da Resolução CNJ nº135/2011;

Processo Administrativo Disciplinar que se julga procedente com aplicação ao requerido da sanção de aposentadoria compulsória.

 

 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho decidiu: I - por unanimidade, julgar procedente as imputações, nos termos do voto da Relatora; II - por maioria, determinar a aplicação da pena de aposentadoria compulsória ao desembargador. Vencidos os Conselheiros Marcos Vinícius Jardim Rodrigues e Mário Goulart Maia, que votavam pela aplicação da pena de disponibilidade. Votou a Presidente. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário, 22 de novembro de 2022. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto (Relatora), Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Manifestou-se o Subprocurador-Geral da República Alcides Martins. Sustentou oralmente pelo Requerido, o Advogado José Eduardo Rangel de Alckmin - OAB/DF 2.977.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM FACE DE MAGISTRADO - 0007026-78.2020.2.00.0000
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Requerido: EDUARDO ALMEIDA PRADO ROCHA DE SIQUEIRA


RELATÓRIO

 

A EXCELENTÍSSIMA SENHORA CONSELHEIRA JANE GRANZOTO (RELATORA):

Trata-se de Processo Administrativo Disciplinar instaurado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra Eduardo Almeida Prado Rocha de Siqueira, Excelentíssimo Senhor Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), por ocasião do julgamento das Reclamações Disciplinares nº 0005618-52.2020.2.00.0000 e nº 0005711-15.2020.2.00.0000 e do Pedido de Providências nº 0005735-43.2020.2.00.0000, durante a 56ª Sessão Extraordinária, realizada no dia 25 de agosto de 2020 (id´s 4101824 e 4101820), para apuração de condutas que caracterizam possível violação do art. 35, inciso VIII, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional; dos artigos 1º, 15, 16 e 37 do Código de Ética da Magistratura; e, por vias reflexas, dos artigos 33, parágrafo único, da Lei 13.869, de 5 de setembro de 2019 (Lei de Abuso de Autoridade) e do art. 331 do Código Penal, conforme descrito na Portaria 11, de 28 de agosto de 2020 (id 4101511).

No ato de instauração do processo administrativo disciplinar, o Plenário deste Conselho, à unanimidade, determinou o afastamento cautelar do magistrado de suas funções jurisdicionais e administrativas. Tal circunstância foi mantida pelo Colegiado nas decisões que deliberaram pela prorrogação do prazo para conclusão do PAD, consoante sessões finalizadas em 19 de março de 2021, 08 de outubro de 2021, 25 de fevereiro de 2022 e 24 de junho de 2022 (certidões acostadas, respectivamente, sob ids 4294562, 4506369, 4629087 e 4760743).

O presente Processo Administrativo Disciplinar foi distribuído por sorteio em 28 de agosto de 2020 à cadeira ocupada, à época, pela Conselheira Tânia Regina Silva Reckziegel.

Nos termos do despacho id 4105660, proferido em 02 de setembro de 2020, pela então relatora de sorteio, Eminente Conselheira Tânia Regina Silva Reckziegel, o Parquet foi intimado para exposições iniciais. 

Sobreveio a manifestação primeira do Ministério Público Federal em 21 de setembro de 2020, requerendo a produção probatória (id 4121563), consistente: a) na expedição de ofício ao Tribunal de Origem, solicitando informações relacionadas à eventual existência de outros procedimentos de natureza disciplinar instaurados contra o requerido, em andamento, que tivessem como objeto específico a possível falta de urbanidade do magistrado e, em caso positivo, o envio de cópias das respectivas peças inaugurais e das certidões de "objeto e pé"; b) no encaminhamento de cópia dos registros funcionais do processado; c) na expedição de ofício ao Comandante da Guarda Civil Metropolitana de Santos para identificação dos guardas civis que mantiveram contato com o requerido nas abordagens realizadas em 26 de maio de 2020 e 19 de julho de 2020, sem prejuízo de informações alusivas a eventuais registros de outras abordagens envolvendo o representado; d) na autorização para compartilhamento destes autos para fins de apuração na seara criminal.

Adelaide Albergaria Pereira Gomes e outros 41 (quarenta e um) interessados peticionaram nos autos requerendo o levantamento do segredo de justiça deste feito e dos processos conexos, sob  o fundamento de que o processado teria renunciado ao benefício da restrição de publicidade. Alegaram que, ao figurarem na condição de requerentes de um dos procedimentos que originaram este PAD (RD nº 0005735-43.2020.2.00.0000), resultaria patenteado o direito de acesso a este processo disciplinar (id 4121830). Alternativamente, na hipótese de manutenção da restrição da publicidade, clamaram pelo ingresso no feito como partes interessadas. Reiteraram o pedido na manifestação inserida no id 4229598, dirigida ao cadastramento dos peticionários neste feito, caso mantido o sigilo na tramitação.

Em despacho de 28 de setembro de 2020, ordenanou-se a citação do magistrado requerido, à luz do art. 17, da Resolução CNJ nº 135/2011, para apresentação da defesa e indicação das provas necessárias, com envio de cópia do acórdão que determinou a instauração do procedimento administrativo disciplinar e da respectiva portaria. Deliberou-se, ainda, que o representado se manifestasse quanto ao interesse e à justificativa legal para manutenção do segredo de justiça nos autos. Postergou-se, na ocasião, o exame da petição apresentada por Adelaide Albergaria Pereira Gomes e outros 41 (quarenta e um) subscritores, registrando-se que o pleito seria analisado após a apresentação da defesa. (id 4126874).

Em 28 de setembro de 2020, expediu-se a Carta de Ordem nº 131/2020 - SPR, direcionada ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no intuito de que fosse promovida a citação do desembargador processado (id 4129126).

Pedido de habilitação formulado em 30 de setembro de 2020 pela ASSOCIAÇÃO DE GUARDAS MUNICIPAIS DO BRASIL – AGM BRASIL (id 4130266), em razão de ter figurado como parte em uma das medidas das quais se originou o presente PAD. Justificou a sua pretensão afirmando que o desfecho do presente procedimento interessaria à categoria.

O requerido foi citado por Oficial de Justiça em 01 de outubro de 2020, consoante certidão acostada no id 4133401.

O magistrado apresentou razões de defesa em 06 de outubro de 2020 (id 4137331), insistindo na manutenção do sigilo dos autos, decretado pela Corregedoria Nacional de Justiça por ocasião da tramitação das medidas disciplinares das quais se desdobrou o presente PAD, sem prejuízo da produção de provas. Asseverou que um dos episódios relacionados à reação apresentada pelo ora processado - diante da exigência feita por membros da Guarda Municipal de Santos quanto ao uso de máscara no momento de realização de caminhadas na orla praiana santista - teve maior repercussão em virtude da divulgação de um vídeo realizado com o inegável objetivo de levá-lo à exposição pública, argumentando que os guardas municipais travaram diálogo seco, determinando o uso do equipamento protetivo, já com o aparelho de gravação acionado. Explicitou que os mencionados agentes ostentaram tom intimidativo com a intenção capciosa de lhe causar aborrecimento, sinalizando que a metodologia utilizada na abordagem do processado não configurava a praxe adotada. Disse que a Guarda Municipal, por vezes, agia de maneira imoderada, particularidade que, aliada à desproporção física entre os mencionados guardas municipais e o requerido, causou preocupação no sentido de que pudesse ser vítima de algum ato de violência. Obtemperou que teriam ocorrido vários incidentes entre os cidadãos e a Guarda Municipal, alguns descambando para atos de violência contra pessoas inofensivas - como deficientes físicos -, tratando-se de fatos que teriam marcado tristemente a realidade da cidade de Santos ao longo da pandemia. Realçou que a exigência de máscara sem expressa determinação legal revelava-se, no mínimo, questionável, diante da garantia constitucional da reserva legal (art. 5º, inciso II, do Texto Magno), pontuando que o "decreto" tem por escopo tão somente a regulamentação da lei e não a criação de obrigações, quanto menos a imposição de sanções. Sinalou que, à luz da proporcionalidade e da razoabilidade, na hipótese de aplicação de qualquer penalidade, mereceria ser considerado seu estado de saúde à época dos fatos, ventilando que foi acometido de "mal psiquiátrico", circunstância que lhe impôs acompanhamento médico há alguns anos, além do manejo de medicamentos - alguns de uso controlado - destinados ao equilíbrio do seu estado emocional. Nessa perspectiva, noticiou que, nos dias dos incidentes, ocorridos em plena pandemia, viu-se privado da medicação adequada, o que lhe teria causado descompensação - "alteração de estado anímico" -, inclusive em razão de problemas pessoais pelos quais atravessou naquele momento. Negou a prática de reiteradas condutas que pudessem afetar a credibilidade do Poder Judiciário perante os jurisdicionados e os demais poderes estatais constituídos, apontando que as longínquas medidas disciplinares outrora instauradas em seu desfavor - sendo a última de 2012 - foram todas arquivadas, de modo que se faria necessária a análise pormenorizada de cada representação, no intuito de se aferir a natureza e a gravidade dos fatos ali apurados, além da contemporaneidade com as questões averiguadas neste procedimento. Desse modo, consignou que a afirmativa do então Exmo. Sr. Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Humberto Martins, por ocasião da apresentação do voto oral na sessão de instauração deste PAD, na linha de que o processado teria adotado reiteradas condutas aptas a macular a imagem do Poder Judiciário, mostrou-se absolutamente genérica, refletindo, na sua concepção, uma "dura" e "injusta" crítica ao próprio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, uma vez que a linha de argumentação ali externada pelo Órgão Censor teria atribuído à Corte  Bandeirante a conotação de “leniente”. Quanto à produção de provas, requereu a requisição de informações ao Comandante da Guarda Municipal de Santos, alusivas ao procedimento habitual de abordagem aos transeuntes da orla e à existência de outras gravações realizadas na data dos fatos (com o respectivo envio), a oitiva de testemunhas, a realização de perícia psiquiátrica e a juntada de cópia de todas as representações relacionadas na certidão fornecida pela Secretaria do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ainda em fase de reclamação disciplinar (id 4101884).

Em 23 de novembro de 2020, foram acostadas aos autos cópias encaminhadas pelo Tribunal de Origem, por meio do Ofício SJ nº 40/2020, subscrito pelo então DD. Presidente da Corte Bandeirante, Excelentíssimo Senhor Desembargador Geraldo Francisco Pinheiro Franco, reportando a instauração do inquérito criminal nº 1013268-72.2020.8.26.0562 em desfavor do processado (id 4184375).

Em despacho de 30 de novembro de 2020 (id 4190816), deliberou-se por nova vista ao Órgão Ministerial para manifestação sobre a defesa e o requerimento de provas formulado pelo requerido.

 Pronunciamento do Parquet sob id 4225316, em 13 de janeiro de 2021, opinando pelo indeferimento da realização de perícia médica psiquiátrica e da juntada de cópia de todas as medidas disciplinares elencadas pela certidão oriunda da Secretaria do TJSP. Ratificou o requerimento de diligências contido na manifestação anterior, à exceção do item relativo à instauração de inquérito policial (porquanto já deflagrado), com acréscimo do pedido de expedição de ofícios ao TJSP, para que informasse sobre a existência de eventual incidente destinado a averiguar a saúde mental do processado, bem como ao Ministro Relator do Inquérito Policial nº 1442, em trâmite no Superior Tribunal de Justiça, para que autorizasse o compartilhamento do conteúdo do citado expediente para fins de instrução do presente procedimento.

Em 22 de janeiro de 2021 foi proferida decisão de saneamento e organização do processo, determinando: a) o levantamento do sigilo processual aposto nos autos, com exceção dos documentos relativos à condição de saúde do requerido, o que já atenderia ao postulado anteriormente por Adelaide Albergaria Pereira Gomes e outros 41 (quarenta e um) interessados; b) indeferindo o ingresso da ASSOCIAÇÃO DE GUARDAS MUNICIPAIS DO BRASIL, considerando o objetivo precípuo do processo administrativo disciplinar (apurar a responsabilidade funcional do magistrado dentro dos limites legalmente previstos, com higidez e duração razoável do processo, à luz do  5º, inc. LXXVIII, do Texto Magno); c) a intimação do Ministério Público Federal para esclarecimentos quanto às provas requeridas (id 4230586).

Em 28 de janeiro de 2021, foi trasladada aos autos cópia do despacho exarado no expediente SEI nº 00091/2021 pela relatora de sorteio, à época, Eminente Conselheira Tânia Regina Silva Reckziegel, determinando a extração de cópia integral do PAD nº 0007026-78.2020.2.00.000, com posterior remessa ao relator do Inquérito nº 1.442-DF (2020/0244363-9) perante o Superior Tribunal de Justiça (id 4239199).

Sobreveio o esclarecimento do Ministério Público Federal sob id 4242643, de 01 de fevereiro de 2021, no sentido de que a solicitação de informações dirigia-se ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e não como havia constado na manifestação anterior (Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro).

Em contraposição às exposições do Parquet, manifestou-se o processado, em 03 de fevereiro de 2021, insistindo na pertinência das modalidades probatórias postuladas na peça combativa (id 4245774). Pontuou a necessidade de realização de perícia diante da ausência de vedações legais para a produção de prova técnica, por força de aplicação das garantias constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. Insistiu, ainda, na determinação de juntada de cópias das 40 (quarenta) representações arquivadas relacionadas na certidão fornecida pela Secretaria do TJSP, cuja negativa representaria cerceamento de defesa, salientando a relevância que a existência de tais medidas adquiriu na apreciação do Corregedor Nacional de Justiça e do Colegiado, resultando inclusive no afastamento cautelar do processado.

Em decisão de id 4244394, exarada em 04 de fevereiro de 2021, a relatora, à época, Eminente Conselheira Tânia Regina Silva Reckziegel, deliberou, ad referendum do Plenário, pela prorrogação do prazo para conclusão deste PAD, mantendo-se o afastamento do requerido até o final do processo, consoante deliberado pelo Colegiado no ato de instauração.  

Conforme, certidão de id 4291724, lavrada em 17 de março de 2021, foram trasladadas ao presente feito as peças do Pedido de Providências que tramitou no âmbito da Corregedoria Nacional de Justiça sob nº 0001272-24.2021.2.00.0000, porquanto os fatos ali versados correspondem à situação vertida neste processo administrativo disciplinar. 

Manifestação do processado em 30 de março de 2021, acompanhada de relatório médico, descrevendo o diagnóstico (CID-10) e as medicações que lhe foram prescritas. Noticiou, ainda, a internação em clínica de psicoterapia e psiquiatria desde 03 de março de 2021, o que viria em reforço ao pedido de submissão do requerido à perícia médica psiquiátrica para avaliação do estado mental e da instabilidade emocional, especialmente nos momentos de privação da medicação que lhe é prescrita (id´s 4309152 até 4309159).  

Decisão de 27 de abril de 2021 (id 4335852) acolhendo o pedido de produção das provas requeridas pelo Órgão Ministerial e deferindo parcialmente aquelas requestadas pelo processado (oitiva de testemunhas).

Aos 13 de maio de 2021, bem assim em 20 de maio de 2021, foram colacionados aos autos as informações solicitadas junto ao Tribunal de Origem, com encaminhamento de peças e certidões de objeto e pé relacionadas às representações disciplinares ali instauradas em face do magistrado requerido (id 4356829 e 4364066).

Irresignado com a decisão de id 4335852, o requerido interpôs recurso administrativo em 17 de maio de 2021, pelas razões tombadas no id 4360284, insistindo no deferimento da realização da prova pericial e na expedição de ofício ao Tribunal de Origem para envio de cópias dos expedientes disciplinares ali instaurados em seu desfavor.

Em 27 de maio de 2021 a Secretaria Processual acostou aos autos os documentos solicitados junto à Guarda Civil Municipal de Santos (ids 4370622 a 4370843).

Novo despacho saneador exarado em 21 de junho de 2021 (id 4396996), ordenando a abertura de vista ao Ministério Público Federal para manifestação quanto ao recurso administrativo interposto pelo requerido e ao teor dos documentos enviados pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, além da reiteração da intimação dirigida ao Superior Tribunal de Justiça, com solicitação de informações e compartilhamento de peças referentes aos inquéritos que envolvem o requerido, em trâmite naquela Corte Superior.

Em atenção à solicitação da então relatora de sorteio, o C. STJ encaminhou os documentos de id´s 4399745 e 4409638 até 4413126.

Houve determinação no sentido de que, em relação ao Parquet, fosse levantado do sigilo aposto em parte dos documentos, consoante deliberação de 13 de julho de 2021 (id 4416969).

Assim, em 19 de julho de 2021, o Ministério Público Federal manifestou-se quanto ao recurso administrativo ofertado pelo processado, bem assim quanto ao novo material  probatório trazido aos autos (id 4423393).

Em 24 de agosto de 2021, o requerido apresentou cópias do laudo pericial para verificação de incapacidade, elaborado no âmbito do Tribunal de Origem (id 4456399), em relação ao qual sobreveio a manifestação da Vice-Procuradoria-Geral da República,  datada de 25 de agosto de 2021, tombada sob id 4458908.

Por ocasião da 94ª Sessão Virtual, finalizada em 08 de outubro de 2021, o Plenário desta Casa negou provimento ao recurso administrativo do requerido, mantendo a decisão que havia deferido parcialmente as provas requeridas pela defesa (ids 4506369 e 4506943), rechaçando, portanto, a produção de prova pericial psiquiátrica, assim como a juntada de cópia de todos os procedimentos disciplinares outrora instaurados contra o processado na Corte Bandeirante.

Na sequência, após serem intimadas as partes, o Ministério Público arrolou testemunhas em 16 de novembro de 2021 (id 4541792), quedando-se inerte o magistrado quanto à qualificação da testemunha arrolada inicialmente (Sr. Spencer A. Ferreira).  Assim, após a apreciação de requerimentos formulados pelo Ministério Público Federal e pelo processado, a relatora que anteriormente ocupava esta cadeira delegou a produção da prova testemunhal e do interrogatório à DD. Juíza Auxiliar da Presidência deste Conselho, Dra. Ana Lúcia Andrade de Aguiar, consoante decisão saneadora de 14 de dezembro de 2021.

Decisão exarada por esta Conselheira em 14 de março de 2022, na atual condição de relatora do feito (id 4643992), assentando que a produção da prova oral e do interrogatório do requerido seria por mim conduzida e, de conseguinte, revogando a delegação anterior à DD. Magistrada Auxiliar da Presidência desta Casa. Restou designada, na ocasião, a realização da audiência de instrução (art. 18, e parágrafos da Resolução CNJ nº 135/2011 e do art. 400 do CPP), para o dia 12 de abril de 2022, às 10h00, no Fórum Trabalhista de Santos – SP.

Expedidas as cartas de ordem para a concretização das intimações de praxe, foi realizada a audiência instrutória em 12 de abril de 2022. Na ocasião, promoveu-se a inquirição das testemunhas do Ministério Público Federal (Cícero Hilário Roza Neto, Roberto Guilhermino da Silva e Sérgio Del Bel Júnior) e da defesa (Marlene Ferreira de Andrade, Eduardo Vargas de Macedo Soares Filho e Ricardo Firveda Arias). Diante da ausência da testemunha do requerido, Exmo. Sr. Desembargador Rogério M. Pereira Cimino, determinou-se a expedição de ofício ao mencionado magistrado, no intuito de que designasse dia, hora e local para a realização da sua oitiva, consoante legalmente estabelecido (ids 4680375 e 4680376).

Em 03 de maio de 2022 (id 4699194) designou-se nova audiência visando a continuidade da instrução, para o dia 18 de maio de 2022, às 14h00, por meio de videoconferência.

Expedida nova carta de ordem e finalizadas as intimações e comunicações de estilo, procedeu-se na data designada (18 de maio de 2022) à inquirição da testemunha remanescente indicada pela defesa, Exmo. Sr. Desembargador Rogério M. Pereira Cimino e, por fim, ao interrogatório do magistrado processado, na forma do art. 18, §6º, da Resolução CNJ nº 135/2011 (id´s 4724200 até 4724703).

Em despacho de 26 de maio de 2022 (id 4726725), foi declarado o encerramento da fase de instrução. Determinou-se, na ocasião, a intimação do Ministério Público Federal e, na sequência, do (a) defensor (a) do magistrado requerido para manifestação e razões finais, respectivamente, observado o prazo sucessivo de 10 (dez) dias, nos termos do art. 19 da Resolução CNJ nº 135/2011.

Manifestação da D. Procuradoria-Geral da República em 09 de junho de 2022 (id 4744419) solicitando a liberação de acesso aos arquivos referentes à audiência de instrução realizada em 12 de abril de 2022 e a todos os outros documentos eventualmente gravados nos presentes autos sob sigilo, de forma a possibilitar a adequada análise do feito.

Nos termos do despacho exarado em 13 de junho de 2022 (id 4746142), consignou-se que o link aos arquivos de áudio e vídeo da audiência de instrução realizada em 12 de abril de 2022 encontra-se nos autos, no id 4680375 e, portanto, acessível ao Ministério Público Federal. Registrou-se, ainda, a inexistência de qualquer documento gravado  com sigilo que estivesse indisponível ao Parquet. Deliberou-se, de todo modo, pela reabertura do prazo de 10 (dez) dias para manifestação do Órgão Ministerial, sem prejuízo, na sequência, da intimação do (a) defensor (a) do magistrado requerido para apresentação das alegações finais também no prazo de 10 (dez) dias.

Na 108ª Sessão Virtual, finalizada em 24 de junho de 2022, o Plenário desta Casa deliberou, por maioria, pela prorrogação do prazo para conclusão deste processo administrativo disciplinar, por mais 140 (cento e quarenta) dias, a partir de 15 de julho de 2022, sem prejuízo da manutenção do afastamento cautelar do requerido (ids 4760743 e 4761817).

Manifestação da Sub-Procuradoria Geral da República, em 13 de julho de 2022, na forma do art. 19, da Resolução CNJ nº 135/2011, pela procedência do presente processo administrativo disciplinar, com a aplicação da penalidade de disponibilidade com vencimentos proporcionais (id 4781411).

Em despacho de 03 de agosto de 2022 (id 4803653), diante de matéria jornalística noticiando a aplicação da sanção de disponibilidade em desfavor do requerido, em sede de processo administrativo disciplinar que tramita perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Processo nº 78.324/2020), ordenou-se a intimação da Corte Estadual para envio de cópia do correspondente acórdão, em 48 (quarenta e oito) horas. Na oportunidade, deliberou-se, após a juntada do referido aresto, pela manifestação do Parquet frente ao novo documento, no prazo de 10 (dez) dias e, na sequência, a intimação da defesa do processado para apresentação de razões finais em igual prazo (art. 19, da Resolução CNJ nº 135/2011).

Em 04 de agosto de 2022, vieram as informações do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, acompanhadas de cópia do v. acórdão prolatado pelo respectivo Órgão Especial, no Processo Administrativo Disciplinar nº 78.324/2020, em trâmite naquela Corte, aplicando ao desembargador processado a pena de disponibilidade (ids 4808511 e 4808512).

Prosseguindo, em 12 de agosto de 2022, a Secretaria Processual deste CNJ lavrou certidão trasladando cópias de informações enviadas pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, comunicando a aplicação da pena de disponibilidade no citado Processo Administrativo Disciplinar nº 78.324/2020 (TJ-SP), inicialmente juntadas na Reclamação Disciplinar nº 0005618-52.2020.2.00.0000, já arquivada pela Corregedoria Nacional de Justiça, porquanto ali apurados fatos idênticos àquele versados neste Processo Administrativo Disciplinar nº 0007026-78.2020.2.00.0000 (id 4818633).

Nova manifestação do Ministério Público Federal sobreveio em 29 de agosto de 2022, ratificando integralmente os fundamentos anteriormente ofertados em sede de alegações finais, apontando a caracterização da autoria e da materialidade das infrações funcionais atribuídas ao requerido. No tocante à dosimetria da pena, revendo o posicionamento anterior, diante da caracterização da reincidência e da penalidade já aplicada recentemente pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no bojo de medida disciplinar diversa (julho/2020), por intermédio da qual se apurava violação de conduta similar, o Parquet opinou, no presente caso, pela imposição da sanção de aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais (id 4845544).

Em 01 de setembro de 2022, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo encaminhou cópia do v. acórdão complementar, proferido no anteriormente mencionado Processo Administrativo Disciplinar nº 78.324/2020, em trâmite naquela Corte local, rejeitando os embargos declaratórios ali interpostos pelo requerido em face do v. aresto que lhe aplicou a sanção de disponibilidade (ids 4850490 e 4850492).

Razões finais apresentadas pelo representado em 22 de setembro de 2022 (art. 19, da Resolução CNJ nº 135/2011), alegando preliminarmente a concretização de cerceamento de defesa, em virtude da suposta inviabilidade de acesso às mídias correspondentes às gravações da audiência de instrução, assim como do indeferimento parcial das provas tempestivamente requeridas, bem assim de reperguntas dirigidas à testemunha, tidas por relevantes para o deslinde da controvérsia. Quanto ao cerne, sinalou que a prova testemunhal teria corroborado a corrente defensiva de que a realização de gravações não correspondia ao procedimento padrão da Guarnição Municipal, bem assim revelado a inexistência de fatos que desabonassem a conduta do requerido. Argumentou que o contexto delineado pelos elementos probatórios evidenciaria que o requerido foi “perseguido e provocado até ter uma reação ditada pela sua saúde afetada e estado de nervos que era objeto de cuidados médicos”. Renovou os argumentos combativos embasados na ausência de culpabilidade – considerado o comprometimento decorrente do abalo em seu “estado psíquico” -, pontuando a inexistência de elevado grau de reprovabilidade da conduta, diante das circunstâncias relacionadas à forma “maliciosa” de abordagem dos guardas civis, tudo a revelar que não estariam configurados os requisitos indispensáveis à caracterização do ato ilícito administrativo. Sustentou que em momento agiu com dolo de ofender ou “injuriar a função pública” exercida pelo guarda municipal ou abusar de suas prerrogativas, até porque, por ocasião dos fatos, não teria atuado na condição de magistrado, mas sim de cidadão comum, particularidade que descaracterizaria, inclusive, as hipóteses de abuso de autoridade e/ou desacato. Tratou-se, na sua concepção, de um “acontecimento infeliz, mas que não pode ser generalizado para definir o comportamento habitual do juiz, inclusive em sua vida privada”. Reiterou, com esteiro no art. 5º, inciso II, do Texto Magno, as ponderações fundadas na suposta ilegalidade do ato normativo municipal que, à época dos fatos, sob pena de multa, estabeleceu a obrigatoriedade de utilização da máscara protetiva frente à expansão da Covid-19. Nesse cenário, buscou o acolhimento das preliminares suscitadas, visando a reabertura da fase instrutória, no intuito de possibilitar a realização do exame pericial e a juntada completa de todas as representações relacionadas na certidão fornecida pela Secretaria do TJ/SP no id 4101884. Quanto ao mérito, defendeu a total improcedência das acusações e, sucessivamente, a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, merecendo ser afastada a possibilidade de incidência da penalidade de aposentadoria compulsória. Reproduziu arestos em abono às suas tratativas derradeiras (id 4876402).

É o relatório.

Brasília, data registrada no sistema.

 

   JANE GRANZOTO

  Conselheira Relatora

 

 

 


 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM FACE DE MAGISTRADO - 0007026-78.2020.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: EDUARDO ALMEIDA PRADO ROCHA DE SIQUEIRA

 

VOTO

 

A EXCELENTÍSSIMA SENHORA CONSELHEIRA JANE GRANZOTO (RELATORA):

Conforme relatado, o presente Processo Administrativo Disciplinar foi instaurado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra Eduardo Almeida Prado Rocha de Siqueira, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), por ocasião do julgamento conjunto das Reclamações Disciplinares nº 0005618-52.2020.2.00.0000 e nº 0005711-15.2020.2.00.0000 e do Pedido de Providências nº 0005735-43.2020.2.00.0000, durante 56ª Sessão Extraordinária, realizada no dia 25 de agosto de 2020 (ids 4101824 e 4101820), para apuração de condutas que caracterizam possível violação do art. 35, inciso VIII da Lei Orgânica da Magistratura Nacional; dos artigos 1º, 15, 16 e 37 do Código de Ética da Magistratura; e, por vias reflexas, dos artigos 33, parágrafo único, da Lei 13.869, de 5 de setembro de 2019 (Lei de Abuso de Autoridade) e do art. 331 do Código Penal, conforme descrito na Portaria 11, de 28 de agosto de 2020 (id 4101511).

De outra parte, a citada Reclamação Disciplinar nº 0005618-52.2020.2.00.0000 foi deflagrada de ofício, inicialmente na classe "Pedido de Providências", consoante r. despacho proferido em 19 de julho de 2020 pelo Corregedor Nacional de Justiça, à época, Exmo. Sr. Ministro Humberto Martins, com espeque no art. 103-B, parágrafo 4º, da Constituição Federal, ante o teor das matérias veiculadas na rede mundial de computadores (sítio jornalístico "g.1.globo.com" e "Facebook" - perfil "Jornalismo VTV") - [1], bem assim dos esclarecimentos divulgados pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no respectivo sítio eletrônico [2]. Consoante ali noticiado pela Corte Bandeirante, deliberou-se pela imediata apuração dos fatos relacionados à postura adotada pelo magistrado processado ao ser abordado por Guardas Civis Municiais em virtude da não utilização de máscara facial para proteção contra a Covid-19 (julho/2020), ocasião em que o requerido dirigiu-se a um dos agentes como "analfabeto", rasgou a multa aplicada e arremessou o expediente ao solo. Eis o teor da nota de esclarecimentos disponibilizada pela Tribunal Local em 19 de julho de 2020:

 

“Nota de esclarecimento. 

 

Em relação ao episódio ocorrido em Santos, ontem (18), quando o desembargador Eduardo Almeida Prado Rocha de Siqueira foi multado por um Guarda Civil Municipal por não utilizar máscara enquanto caminhava na praia, o Tribunal de Justiça de São Paulo informa que, ao tomar conhecimento, determinou imediata instauração de procedimento de apuração dos fatos; requisitou a gravação original e ouvirá, com a máxima brevidade, os guardas civis e o magistrado.

 

O TJSP não compactua com atitudes de desrespeito às leis, regramentos administrativos ou de ofensas às pessoas. Muito pelo contrário, notadamente em momento de grave combate à pandemia instalada, segue com rigor as orientações técnicas voltadas à preservação da saúde de todos. E para o retorno das atividades do Poder Judiciário paulista, a Presidência elaborou detalhado plano para o desempenho seguro dos serviços com, inclusive, material de comunicação alertando para os perigos de contaminação do coronavírus (Covid-19) e a necessidade de uso de máscara em toda e qualquer situação, conforme Resolução 322/20 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Decreto Estadual nº 64.959/20, Provimento do Conselho Superior da Magistratura (CSM) nº 2564/20, Comunicado Conjunto nº 581/20 e Comunicado da Presidência nº 99/20.”

 

Ainda consoante registrado pelo Órgão Censor desta Casa ao deliberar pela autuação do expediente disciplinar (RD nº 0005618-52.2020.2.00.0000), o magistrado processado teria se identificado pelo cargo de Desembargador e realizou uma ligação telefônica para o então Secretário de Segurança Pública do Município de Santos, Sérgio Del Bel Junior, o que teria se concretizado no intento de demonstrar a sua influência e intimidar o servidor na sua atuação (id 4101897).

Nesse contexto, determinou-se a intimação do processado para apresentação das informações de praxe, na forma do art. 28, parágrafo único, e art. 17, parágrafo único, ambos do Regulamento Geral da Corregedoria Nacional de Justiça.

Paralelamente, em nova decisão igualmente prolatada em 19 de julho de 2020, o então Corregedor Nacional de Justiça, Exmo. Sr. Ministro Humberto Martins, invocando os postulados da racionalização e eficiência, os princípios da confiança e da isonomia e o comando inserido no artigo 55, parágrafos 1º e 3º, do CPC, solicitou que eventual procedimento instaurado no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, para apuração dos mesmos fatos objeto da medida disciplinar da qual se desdobrou o presente PAD, fosse encaminhado a este Conselho Nacional de Justiça. Ponderou-se que se tratava de acontecimentos recentes, bem assim que a unificação dos procedimentos tornaria mais eficiente a utilização dos recursos materiais e humanos (naturalmente escassos), coibindo-se a duplicidade de apurações - ambas, naquele momento, em fase inicial -, a repetição de atos processuais em Órgãos distintos e a eventual prolação de decisões díspares (id 4101892). Com tais razões, Sua Excelência ordenou que o procedimento em curso no TJSP fosse apensado à medida disciplinar em trâmite neste Conselho, sem prejuízo do envio de outros procedimentos instaurados por fatos análogos, de modo que o Tribunal local deveria se abster da prática de quaisquer atos em citadas medidas. Nessa conjuntura, sobreveio a cópia do procedimento de apuração preliminar deflagrado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (id 4101890).

Por sua vez, em decisão exarada em 22 de julho de 2020, o Corregedor Nacional de Justiça houve por bem solicitar ao Tribunal de Origem informações envolvendo todos os procedimentos de natureza apuratória/disciplinar, anteriores à medida instaurada no âmbito do CNJ, em andamento e arquivados, autuados em desfavor do processado, com a descrição sintética dos fatos objetos da apuração e do respectivo resultado (id 4101888).

A Corte Paulista, em atenção à solicitação do Órgão Censor Nacional, enviou a certidão acostada no id 4101884, lavrada pela Coordenadoria do Conselho Superior da Magistratura e do Órgão Especial, com informes alusivos aos procedimentos administrativos registrados nos assentos funcionais do requerido (com sintética descrição do objeto e do resultado final). À luz do relatado pelo então DD. Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Exmo. Sr. Desembargador Geraldo Francisco Pinheiro Franco, a referida certidão engloba mais de 40 (quarenta) autos processuais, muito deles instaurados há mais de 15 (quinze) anos, encontrando-se arquivados em meio físico, de sorte que a Corregedoria Nacional de Justiça acabou por dispensar o envio de cópias de todos os mencionados procedimentos para fins de instrução da medida disciplinar (id 4101882).

A seu turno, a Reclamação Disciplinar nº 0005711-15.2020.2.00.0000 (apresentada pela Associação de Guardas Municipais do Brasil - AGM BRASIL) e o Pedido de Providências nº 0005735-43.2020.2.00.0000 (ofertado por Flávio Bizzo Grossi e outras ilustres advogados), isto é, as medidas apreciadas conjuntamente à Reclamação Disciplinar nº 0005618-52.2020.2.00.0000 ao ensejo da instauração deste procedimento (56ª Sessão Extraordinária), foram apensadas a essa última medida em razão da conexão e da identidade de fatos, para efeitos de apuração das supostas faltas disciplinares praticadas pelo Desembargador Eduardo Almeida Prado Rocha de Siqueira.

Registre-se, ainda, que, diante da repercussão nacional das imagens referentes à abordagem do processado em julho/2020 pela Guarda Civil Metropolitana de Santos, chegou ao conhecimento da Corregedoria Nacional de Justiça o teor de um segundo vídeo disponibilizado em veículos de imprensa, retratando o episódio anterior envolvendo o requerido, também pelo não uso da máscara [3]. Nos moldes registrados pelo Órgão Censor Nacional, extraiu-se de tal gravação que o magistrado já havia agido de forma semelhante, sendo certo que, após ser abordado pelos agentes, ao que tudo indica, no intuito de demonstrar mais cultura e esclarecimento frente aos agentes públicos, proferiu várias frases na língua francesa. Demais disso, ainda em referida ocasião, o Desembargador Eduardo Almeida Prado Rocha de Siqueira afirmou aos Guardas Municipais que o seu irmão atuava como Procurador de Justiça responsável pelos inquéritos policiais miliares, que o Secretário de Segurança Pública o conhecia e que providenciaria contato com o Presidente do Tribunal de Justiça Militar.

Assim, diante do contexto fático emanado das condutas adotadas pelo processado nas 02 (duas) abordagens acima enfocadas, o então Corregedor Nacional de Justiça, Exmo. Sr. Ministro Humberto Martins, em 26 de julho de 2020, delimitou o objeto de apuração do Pedido de Providências nº 0005618-52.2020.2.00.0000 aos mencionados episódios, ressaltando que se tratava dos mesmos fatos vinculados à Reclamação Disciplinar nº 0005711-15.2020.2.00.0000, e ao Pedido de Providências nº 0005735-43.2020.2.00.0000.

Nessa senda, por vislumbrar a presença de elementos indiciários da prática de infração funcional pelo requerido, por violação, em linhas gerais, aos dispositivos legais e normativos já anteriormente explicitados, Sua Excelência deliberou pela intimação pessoal do representado, no intuito de que apresentasse sua defesa prévia (art. 70, caput, do RICNJ, c/c o art. 14 da Resolução CNJ n. 135 e art. 27, § 1º, da LC n. 35/79 (LOMAN), bem assim pela alteração da classe processual do então Pedido de Providências nº 0005618-52.2020.2.00.0000 para "Reclamação Disciplinar" (id 4101880).

Prosseguindo, ainda em sede de reclamação disciplinar (RD nº 0005618-52.2020.2.00.0000 e conexos em apenso), o Desembargador requerido manifestou-se em 27 de julho de 2020, 13 de agosto de 2020 e 18 de agosto de 2020 (id´s 4101873, 4101860 e 4101844), invocando a incompetência deste Conselho Nacional de Justiça para apuração dos fatos, diante do procedimento que já havia sido instaurado com tal desiderato pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, bem como a inconstitucionalidade do Decreto Municipal nº 8.944, de 23 de abril de 2020, que tornou obrigatório, à época dos fatos, o uso de máscara facial, sob pena de multa. Aventou a prática de abuso de autoridade por parte dos guardas civis do Município de Santos, salientando que as imputações que lhe foram dirigidas decorreram de "um indevido fatiamento" do episódio ocorrido durante a abordagem levada a cabo por ocasião da caminhada realizada na orla santista, particularidade que denotaria a hipótese de singela desavença com o guarda municipal. Defendeu que o feito tramitasse em segredo de justiça, pontuando que inexistiu dolo específico direcionado à ofensa da honra e/ou à humilhação do guarda civil, nem mesmo propósito intimidatório, mas tão somente meras palavras expressadas "em momento de raiva". Discorreu na linha de que usava medicação psiquiátrica que interferiu em seu estado anímico no momento da conduta questionada, salientando que se encontrava sujeito a variações de humor, de sorte que o uso de medicação controlada tinha por finalidade minorar os efeitos da ansiedade.

Os argumentos expendidos pelo requerido foram repelidos pelo Plenário desta Casa por unanimidade, no julgamento das medidas disciplinares acima referenciadas (56ª Sessão Extraordinária - 25 de agosto de 2020). Nesse diapasão, sobreveio o v. acórdão de id 4101820, do qual resultou a instauração deste PAD e o afastamento cautelar do magistrado processado. Eis o teor da ementa em voto condutor de lavra do então Corregedor Nacional de Justiça, Exmo. Sr. Ministro Humberto Martins:

 

 

“RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. INFRAÇÕES DISCIPLINARES IMPUTADAS A DESEMBARGADOR.  PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DO CNJ AFASTADA. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA E CONCORRENTE DO CNJ PARA APURAÇÃO DOS FATOS. ABORDAGEM POR GUARDAS CIVIS MUNICIPAIS. CONSTITUCIONALIDADE DE ATO NORMATIVO GERAL. MATÉRIA ESTRANHA À COMPETÊNCIA DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. RECUSA NO USO DE MÁSCARA DE PROTEÇÃO CONTRA A COVID-19. AMEAÇA EM AMASSAR A MULTA E ARREMESSÁ-LA NO ROSTO DO GUARDA MUNICIPAL. USO DO CARGO PARA DEIXAR DE USAR MÁSCARA DE PROTEÇÃO DETERMINADA POR DECRETO MUNICIPAL E PARA DEIXAR DE RECEBER A MULTA RESPECTIVA. OFENSA PESSOAL AO GUARDA MUNICIPAL. USO DE INFLUÊNCIA PARA INTIMIDAR E AMEAÇAR DE PUNIÇÃO OS GUARDAS MUNICIPAIS. INDÍCIOS DE AFRONTA À LOMAN E AO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA. INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. AFASTAMENTO CAUTELAR.  

1. É entendimento pacífico tanto do Conselho Nacional de Justiça quanto do Supremo Tribunal Federal que a competência para apurar infrações disciplinares e instaurar processos administrativos disciplinares em desfavor de membros do Poder Judiciário é originária e concorrente entre o CNJ e os Tribunais locais. Preliminar de incompetência afastada. 

2. Não compete ao Conselho Nacional de Justiça reconhecer a inconstitucionalidade de ato normativo municipal que estabelece condutas à população em geral. 

3. No caso concreto, a reclamação disciplinar visa apurar supostas infrações disciplinares praticadas por membro de Poder Judiciário, em incidente de repercussão nacional, no qual o reclamado, ao ser abordado por Guardas Civis Municipais pelo não uso de máscara facial de proteção contra a COVID-19, chamou o Guarda Municipal de “analfabeto”, rasgou a multa aplicada e a arremessou ao solo, bem como se identificou pelo cargo de desembargador e realizou ligação telefônica para o Secretário de Segurança Pública do município, com o objetivo de demonstrar influência e “intimidar” o servidor na sua atuação.  

4. Da análise dos vídeos ficou constatado que o magistrado: i) afirmou ao Guarda Civil Municipal, quando no exercício regular das suas funções de agente de segurança, que amassaria a multa eventualmente aplicada e a arremessaria no seu rosto; ii) usou da influência do cargo de desembargador para tentar deixar de usar máscaras de proteção contra a COVID-19 e/ou deixar de receber a multa (duas vezes); iii) chamou o Guarda Civil Municipal de “analfabeto” durante ligação telefônica com o Secretário de Segurança Pública municipal, na presença do agente de segurança; iv) puxou a multa da prancheta, rasgou e a atirou ao solo na frente da autoridade que a confeccionou; v) usou da sua influência em relação a outras autoridades estaduais e municipais para realizar “ameaça” de punição aos Guardas Civis Municipais que exerciam a sua função institucional. 

5. Não é possível extrair dos vídeos analisados conduta dos guardas municipais que pudesse configurar uma injusta agressão contra o magistrado, como alegado pela defesa. 

6. Existência de elementos indiciários apontando afronta, em tese, ao art. 35, VIII, da Lei Orgânica da Magistratura; aos arts. 1º, 15, 16 e 37 do Código de Ética da Magistratura; e, por vias reflexas, aos arts. 33, parágrafo único, da Lei n. 13869/2019 (Lei de Abuso de Autoridade), e 331 do Código Penal. 

7. Os elementos indiciários autorizam a instauração de procedimento administrativo disciplinar (PAD) para que o Conselho Nacional de Justiça possa aprofundar as investigações, se necessário com a produção de novas provas, com vistas a analisar a concreta violação dos deveres funcionais por parte do magistrado, com respeito ao contraditório e devido processo legal, aplicando a sanção disciplinar cabível, se for o caso.  

8. O afastamento cautelar se justifica neste momento processual, além da própria gravidade dos fatos, uma vez que, mesmo sendo o magistrado integrante do órgão de cúpula do Poder Judiciário do Estado, vem praticando reiteradamente condutas que afetam a credibilidade deste Poder perante os jurisdicionados e perante os demais poderes estatais constituídos, em decorrência das condutas praticadas. É muito provável que continue a reiterar tais condutas, afetando ainda mais a credibilidade institucional do Poder Judiciário, se permanecer no cargo durante a tramitação do PAD. 

9. Reclamações disciplinares e pedido de providências apensados procedentes para determinar a instauração de Processo Administrativo Disciplinar- PAD, com afastamento cautelar das funções jurisdicionais e administrativas. 

 

Nessa conjuntura, foi editada pela DD. Presidência deste Conselho Nacional de Justiça a Portaria PAD nº 11, de 28 de agosto de 2020, de modo que os acontecimentos que envolveram o Exmo. Sr. Desembargador Eduardo Almeida Prado Rocha de Siqueira por ocasião das abordagens da guarda municipal estão assim delimitados no libelo acusatório (id 4101511):

 

“(...)

 

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, usando das atribuições previstas nos arts. 103-B, § 4º, III, da Constituição Federal e 6º, XIV, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça; 

(...)

CONSIDERANDO que foi instaurada reclamação disciplinar para apurar supostas faltas disciplinares praticadas pelo Desembargador EDUARDO ALMEIDA PRADO ROCHA SIQUEIRA no recente incidente, que ganhou repercussão nacional, no qual o magistrado, ao ser abordado por guardas civis municipais pelo não uso de máscara facial de proteção contra a Covid-19, chamou o guarda municipal de “analfabeto”, rasgou a multa aplicada e a arremessou ao solo, bem como se identificou pelo cargo de desembargador e realizou ligação telefônica para o Secretário de Segurança Pública do município, com o objetivo de demonstrar influência e “intimidar” o servidor na sua atuação; 

CONSIDERANDO que, da análise dos vídeos, ficou constatado que o magistrado: i) afirmou ao Guarda Civil Municipal, quando no exercício regular das suas funções de agente de segurança, que amassaria a multa eventualmente aplicada e a arremessaria no seu rosto; ii) usou da influência do cargo de desembargador para tentar deixar de usar máscaras de proteção contra a COVID-19 e/ou deixar de receber a multa (duas vezes); iii) chamou o Guarda Civil Municipal de “analfabeto” durante ligação telefônica com o Secretário de Segurança Pública municipal, na presença do agente de segurança; iv) puxou a multa da prancheta, rasgou e a atirou ao solo na frente da autoridade que a confeccionou; v) usou da sua influência em relação a outras 

autoridades estaduais e municipais para realizar “ameaça” de punição aos guardas civis municipais que exerciam a sua função institucional; 

 

CONSIDERANDO a existência de elementos indiciários apontando afronta, em tese, ao art. 35, VIII, da Lei Orgânica da Magistratura; aos arts. 1º, 15, 16 e 37 do Código de Ética da Magistratura; e, por vias reflexas, aos arts. 33, parágrafo

único, da Lei no 13869/2019 (Lei de Abuso de Autoridade), e 331 do Código Penal;

CONSIDERANDO que há nos autos elementos suficientes a demonstrar que a permanência do Desembargador EDUARDO ALMEIDA PRADO ROCHA DE SIQUEIRA no cargo representa risco concreto de continuidade de condutas incompatíveis com a magistratura, colocando em risco a credibilidade do Poder Judiciário;

 

CONSIDERANDO a decisão proferida pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça no julgamento das Reclamações Disciplinares no 0005618-52.2020.2.00.0000 e no 0005711-15.2020.2.00.0000 e no Pedido de Providências n. 0005735-43.2020.2.00.0000, durante 56ª Sessão Extraordinária, realizada no dia 25 de agosto de 2020;

 

RESOLVE:

 

Art. 1º Instaurar processo administrativo disciplinar em desfavor de EDUARDO ALMEIDA PRADO ROCHA DE SIQUEIRA, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por violação dos arts. 35, VIII, da Lei

Orgânica da Magistratura; dos arts. 1º, 15, 16 e 37 do Código de Ética da Magistratura; e, por vias reflexas, dos arts. 33, parágrafo único, da Lei no 13869/2019 (Lei de Abuso de Autoridade), e 331 do Código Penal.

Art. 2º Determinar que a Secretaria do CNJ dê ciência ao Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo da decisão tomada pelo Conselho Nacional de Justiça e da abertura de processo administrativo disciplinar objeto desta Portaria, com o afastamento do magistrado de suas funções jurisdicionais e administrativas.

Art. 3º Determinar a livre distribuição do processo administrativo disciplinar entre os Conselheiros, nos termos do art. 74 do RICNJ.

Ministro DIAS TOFFOLI”

 

Cabe esclarecer que foram compartilhadas neste procedimento administrativo disciplinar cópias do Inquérito 1.442/DF, em trâmite no Superior Tribunal de Justiça, por intermédio do qual se apura eventual responsabilidade criminal do requerido (acostadas por intermédio da certidão de id 4409638). Todavia, conforme se depreende da informação enviada pelo STJ (id 4399745) e da última consulta ao sítio eletrônico do STF (https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6084581), a tramitação do mencionado inquérito foi suspensa por força da decisão liminar exarada em 14 de janeiro de 2021 pelo Exmo. Sr. Ministro Relator Gilmar Mendes, no Habeas Corpus nº 196.883/DF, e isso até o julgamento final do remédio constitucional.

Nesses termos, uma vez delineados, contextualizados e concatenados os fatos que constituem o objeto da presente apuração, passo ao exame das preliminares suscitadas em razões finais e, na sequência, da controvérsia em seu âmago, consubstanciada na possível prática de infração funcional pelo requerido, por ofensa dos citados arts. 35, VIII, da Lei Orgânica da Magistratura; dos arts. 1º, 15, 16 e 37 do Código de Ética da Magistratura; e, por via transversa, dos arts. 33, parágrafo único, da Lei nº 13.869/2019 (Lei de Abuso de Autoridade), e 331 do Código Penal, o que ora se faz.

 

1.    Preliminares suscitadas em razões finais

 

1.1 Inviabilidade de acesso às mídias de áudio e vídeo referentes à audiência de instrução realizada em 12 de abril de 2022

 

Asseverou o processado que, colhidos os depoimentos, as gravações ficaram armazenadas por meio de um link com direcionamento para uma pasta no google drive, mas no momento em que precisou consultá-las, tais mídias não se mostraram disponíveis, comprometendo o pleno acesso da defesa, o que não merece acatamento.

 

É que, consoante se depreende do expediente encaminhado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (Órgão Deprecado para o cumprimento da Carta de Ordem nº 80/2022-SPR), o link aos arquivos de áudio e vídeo correspondentes aos atos instrutórios realizados em 12 de abril de 2022, nas dependências da 2ª Vara do Trabalho de Santos, foi efetivamente disponibilizado nos autos (id 4680375), e isso desde a data de realização da audiência, tudo acompanhado da respectiva ata, sem que tenha sido atribuído qualquer sigilo aos arquivos (https://drive.google.com/drive/folders/1DJR2vQrZ7gweYRUwA2H0uoONe_wUn8dJ?usp=sharing). Assim, todo o conteúdo das gravações resultou disponível e acessível tanto ao Ministério Público Federal, quanto ao requerido, ou seja, possibilitou a plena e adequada análise das ocorrências e dos depoimentos ali retratados e, portanto, viabilizou por completo o exercício do contraditório e da ampla defesa.

 

Vale ressaltar que, por ocasião da análise das alegações finais do representado, esta Relatora, uma vez mais, procedeu à análise das mídias em referência, por intermédio do link já acima mencionado, constatando-se que os arquivos de áudio e vídeo permanecem disponíveis e plenamente acessíveis. Desse modo, eventual dificuldade técnica apresentada por parte do requerido e/ou do respectivo patrono, envolvendo o acesso ao conteúdo digital em referência, nem de longe se assemelha ao cerceamento de defesa sugerido em sede de alegações finais.

 

Afasta-se, sob tal perspectiva, a hipótese de qualquer prejuízo à defesa do requerido.

 

Nada obstante os argumentos suso enfatizados, apenas no intuito de resguardar o conteúdo da audiência de instrução realizada em 12 de abril de 2022, viabilizando inclusive o rápido acesso mediante consulta direta aos presentes autos eletrônicos, ou seja, independentemente qualquer vinculação do usuário ao link fornecido pelo Tribunal Deprecado – disponibilizado pelo sistema google drive - acolhe-se a sugestão do D. Subprocurador-Geral da República em seu douto opinativo (id 4781411), no sentido de que a gravação (áudio e vídeo) disponibilizada no id 4680375 seja inserida neste procedimento administrativo disciplinar em arquivo próprio compatível com o Sistema PJE. Providencie a Secretaria Processual deste CNJ nesse sentido.

 

1.2 Indeferimento de realização da perícia médica e de produção de prova documental

 

Defendeu o representado que “teve tolhida oportunidade de sua plena defesa com o indeferimento das provas tempestivamente requeridas”. Noticiou que a realização da perícia médica psiquiátrica tinha por escopo a aferição do estado anímico e do desequilíbrio psicológico vivenciado contemporâneos às circunstâncias apuradas neste PAD, de modo que o indeferimento da prova tornou “impossível demonstrar que o magistrado sofria de momentos de instabilidade emocional, especialmente quando privado da medicação que lhe era prescrita”.

 

No tocante à requisição de traslado de cópias da integralidade dos processos disciplinares a que foi submetido, ventilou que pretendia comprovar que, “apesar de serem numerosos”, deles não resultou nenhuma condenação, acrescentando que teriam derivado de “desentendimentos ocorridos com outro magistrado que ficou tristemente conhecido na Comarca de Santos”. Argumentou que a existência de 40 (quarenta) representações teriam adquirido relevância na apreciação dos fatos pelo Corregedor Nacional de Justiça e pelos demais integrantes do Colegiado deste CNJ, o que inclusive teria resultado no afastamento das suas funções. Nessa esteira, insistiu que destrinchar o conteúdo de tais “representações anteriores” mostrava-se útil para o desate das questões relativas ao afastamento cautelar e ao histórico funcional do ora processado, sem prejuízo de eventual implicação na dosimetria da pena. Arremata, pontuando que “sem que tais elementos de prova viessem ao processo, não se pode dizer que houve prova apta a demonstrar reiteração de condutas desabonadoras de seus deveres funcionais, sob pena de incidir-se no mais rematado cerceamento.”

 

Engana-se o requerido, todavia.

 

Relativamente ao exame psiquiátrico, de fato restou desnecessária a produção da prova pericial, uma vez que os demais elementos dos autos já se revelavam suficientemente indicativos da plena higidez mental do processado à época dos fatos investigados neste feito disciplinar, tanto que exercia regularmente as atividades inerentes à judicatura, tratando-se de particularidades que, aliás, constituirão objeto de detida análise por ocasião do enfrentamento das questões de mérito deste PAD.

 

No que toca à apresentação de detalhamentos envolvendo ao menos 40 (quarenta) procedimentos disciplinares anteriormente deflagrados em face do processado no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, revelou-se igualmente inócua a pretendida solicitação de cópias integrais dos aludidos expedientes. O expressivo volume de documentos que seria encartado aos autos apenas tumultuaria o acesso, o manuseio e a própria tramitação deste feito, sem que fossem acrescentados aspectos úteis para o deslinde da celeuma aqui exposta, já que as ocorrências retratadas naquelas medidas apuratórias não se relacionam aos fatos concretamente apurados neste procedimento.

 

Desse modo, o expediente enviado pelo Tribunal de Origem, discriminando os pontos relevantes de cada medida disciplinar ali autuada (com sintética descrição dos respectivos objetos e dos resultados finais), mostra-se bastante para delinear os aspectos basilares do histórico funcional do magistrado requerido (id 4101884), inclusive para fins de valoração e enquadramento jurídico das condutas aqui apuradas, em cotejo com os demais subsídios probatórios, com eventual repercussão na dosimetria da pena, na hipótese de aplicação de sanção neste PAD, sem que para tal desiderato seja necessária a cognição de todas as minúcias dos aludidos procedimentos pretéritos.

 

Quanto ao peso probatório e à valoração atribuída pelo então Corregedor Nacional de Justiça ao teor das representações que tramitaram na Corte de Origem, assim como pelos demais Conselheiros que participaram do julgamento das medidas disciplinares das quais resultou a instauração do presente PAD, com afastamento cautelar do requerido (id 4101820), olvida-se esse último que tais questões já estão há muito decididas e acobertadas pelo manto da preclusão administrativa. Logo, as considerações tecidas pelo representado, nesse ponto, não desafiam qualquer outro debate no âmbito deste feito, sobretudo nesta fase processual, o que apenas reforça a inutilidade da prova almejada no contexto dos questionamentos e ataques desfechados contra os fundamentos outrora explicitados pelo Órgão Censor desta Casa, ainda na fase preambular à instauração do presente processo administrativo disciplinar.

 

Em síntese, remanesceram despiciendas as modalidades probatórias almejadas - realização da perícia médica psiquiátrica e envio de cópias integrais dos procedimentos disciplinares anteriormente instaurados em face do processado no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo -, pois os aspectos cruciais para a resolução do presente processo administrativo disciplinar, relacionados à aferição da capacidade do magistrado para a prática dos atos da vida civil,  ao tempo dos fatos aqui averiguados, bem assim atinentes ao respectivo histórico funcional, já haviam sido elucidados por outros dados probatórios dos autos.

 

Logo, não há de se cogitar de cerceamento probatório para o fim de reabertura da instrução processual, sendo certo que a discussão em exame, na realidade, está totalmente superada, diante do decidido pelo Plenário desta Casa, ao negar provimento ao recurso administrativo interposto pelo requerido contra a decisão monocrática exarada por minha antecessora na relatoria deste feito, então Conselheira TÂNIA REGINA SILVA RECKZIEGEL, que havia indeferido a produção das provas acima referenciadas (id 4335852). Eis o teor da ementa do v. acórdão prolatado na 94ª Sessão Virtual, finalizada em 08 de outubro de 2021 (ids 4506369 e 4506943), como segue:

 

EMENTA: PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. INDEFERIMENTO DE PRODUÇÃO DE PROVAS. RECURSO DA DEFESA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO NA RESOLUÇÃO CNJ Nº 135/2011. MANUTENÇÃO DA DECISÃO DE INDEFERIMENTO. PROSSEGUIMENTO REGULAR DO CURSO PROCESSUAL. PRORROGAÇÃO DE PRAZO PARA A CONCLUSÃO DAS INVESTIGAÇÕES COM MANUTENÇÃO DO AFASTAMENTO CAUTELAR DO DESEMBARGADOR.   

1. Embora sem previsão regimental, trata-se de recurso administrativo contra decisão proferida no Processo Administrativo Disciplinar (PAD) que indeferiu a realização de perícia psiquiátrica no recorrente e a juntada das cópias dos cerca de 40 (quarenta) procedimentos disciplinares instaurados contra o desembargador ao longo de sua trajetória funcional.  

2. Torna-se despicienda a realização de prova pericial psiquiátrica quando verificada a plena faculdade mental do recorrente ao tempo dos fatos, exercendo, inclusive, com normalidade o exercício da judicatura.  

3. Laudo pericial produzido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo que sequer identifica sinais e sintomas que possam gerar incapacidade do desembargador para atos da vida civil, mesmo no delicado momento de internação em clínica psiquiátrica, o que reforça ainda mais a desnecessidade de realização da prova técnica.   

4. A apresentação nos autos das minúcias de mais de 40 (quarenta) procedimentos disciplinares apenas causará tumulto processual, inábil para comprovar as circunstâncias relacionadas aos fatos em apuração.  

5. Submeto ao Plenário nova proposta de prorrogação de prazo, diante da necessidade surgida de se reiterar informações a outros órgãos públicos, além da interposição deste recurso, que sem previsão legal, elasteceram a duração do curso do processo e ainda não permitiram o início da instrução processual.  

6. Manutenção do afastamento cautelar do desembargador até o final do processo, conforme deliberado pelo Colegiado desta Casa. 

7. Recurso conhecido e não provido.

 

 

Destarte, exsurge nítido que, sob o pretexto de que teria se concretizado o propalado cerceamento de defesa, o requerido busca unicamente o mero reexame das suas alegações, ou seja, verdadeira análise recursal, o que não se viabiliza, porquanto se trata de medida vedada pelos  artigos 4º, § 1º e 115, §§ 1º e 6º, do RICNJ.

 

Rejeito.

 

 

1.3  Indeferimento de repergunta à testemunha

 

Assinalou o requerido que, por ocasião da inquirição da testemunha Cícero Hilário Roza Neto, restou indeferida a indagação relacionada ao inconformismo de outros setores da população, frente às supostas atitudes violentas e autoritárias da Guarda Municipal de Santos por ocasião das suas abordagens (a partir do 20min do vídeo), tratando-se de postura da guarnição que teria justificado a reação do representado. Observou que o questionamento formulado pelo Ilustre patrono guardava “pertinência” com a discussão de fundo, de sorte que “a oitiva da referida testemunha deixou de abordar tema relevante para a defesa”, reforçando que os jornais teriam noticiado a “intervenção ilegítima por parte dos Guardas Municipais”.

Também aqui, merece repúdio sumário o alegado cerceamento de defesa.

Isso porque, os questionamentos relativos às abordagens de transeuntes diversos despiam-se igualmente de qualquer utilidade para o desfecho do presente procedimento administrativo disciplinar. De ser lembrado que o objeto do presente PAD corresponde unicamente às condutas adotadas pelo requerido no momento das abordagens, delimitadas com clareza pelo teor dos vídeos trazidos aos autos, ou seja, atrela-se tão somente à relação estabelecida entre o processado e os guardas municipais, sem guardar qualquer conexão com eventuais ocorrências envolvendo os agentes públicos e terceiros em conjunturas alheias àquelas apuradas neste feito.

Assim, inexistiu qualquer ofensa à ampla defesa, mas tão somente o indeferimento de repergunta inútil ao deslinde da controvérsia, já que vinculada às supostas investidas truculentas dos guardas civis municipais em face de outros cidadãos. Vale repisar que o questionamento formulado pelo Ilustre patrono do requerido na audiência realizada em 12 de abril de 2022 à toda evidência reportava-se a contextos fáticos que não guardam pertinência com a postura do desembargador processado ao tempo das abordagens, refugindo do efetivo escopo do presente feito, qual seja, averiguar a prática de eventual falta pelo requerido no âmbito administrativo-funcional (grifei).

Longe de caracterizar qualquer mácula processual, o indeferimento da repergunta em apreço encontra plena ressonância no comando inserido nos incisos I, IV e VIII, do art. 25, do Regimento Interno deste CNJ, dos quais se depreende que compete ao Relator, no exercício da ampla direção do processo, orientar e conduzir a instrução, indeferindo a realização de atos, diligências e demais provas consideradas desnecessárias ao julgamento do feito.

Igualmente rejeito.

 

2. Mérito

 

De pronto, consoante, aliás, já ressaltado pelo Plenário deste Conselho ao deliberar pela instauração deste PAD, cabe ressaltar a ociosidade da alegada inconstitucionalidade do decreto municipal que disciplinou o uso obrigatório de máscaras protetivas no Município de Santos (Decreto Municipal nº 8.944, de 23 de abril de 2020), pois tal discussão escapa por completo do objeto do presente procedimento de índole disciplinar e à própria competência material deste Conselho Nacional de Justiça, ao qual não incumbe reconhecer a inconstitucionalidade de ato normativo municipal que disciplina regras de conduta voltadas à população em geral.

Dito de outra forma, o debate suscitado pelo representado em sede de reclamação disciplinar, reiterado na defesa ofertada no presente feito, questionando a legitimidade e a validade de ato normativo editado pelo Poder Público Municipal e, pela via oblíqua, a própria competência da guarnição municipal para a lavratura do auto de infração, mereceria ser travado por meio dos remédios jurídicos próprios, e isso perante a esfera competente e, de toda forma, não refletiria fundamento jurídico apto a respaldar a conduta do requerido perante os guardas civis, no intuito de oferecer resistência à utilização da máscara nos momentos em que foi instado a fazê-lo. Na realidade, em última instância, observa-se que a questão já foi decidida pelo Plenário desta Casa na apreciação da reclamação disciplinar da qual se desdobrou o presente PAD, exsurgindo nítido o intento do requerido de revolver discussão superada, ou seja, verdadeira análise recursal, o que não se viabiliza, porquanto se trata de medida vedada pelos artigos 4º, § 1º e 115, §§ 1º e 6º, do RICNJ.

Logo, estando vigente o Decreto Municipal nº 8.944/2020 desde 01º de maio de 2020, cumpria ao Desembargador Eduardo Almeida Prado Rocha de Siqueira - como a qualquer outro cidadão - a sua plena e integral observância (grifei), mas assim não procedeu, na medida em que, ao ensejo das abordagens realizadas pelos agentes municipais, o magistrado adotou comportamento, na vida privada, incompatível com a dignidade, a honra e o decoro das suas funções, infringindo por completo o comando extraído do inciso I, do § 1º, do aludido decreto municipal, em detrimento da obrigatoriedade de utilização de máscaras faciais protetivas nos espaços públicos. Assim estava redigido o citado dispositivo do ato normativo municipal ao tempo da ocorrência (id 4101875):

 

"(...)

 

CONSIDERANDO a Portaria MS nº 188, de 03 de fevereiro de 2020, por meio da qual o Ministro de Estado de Saúde declarou Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), em decorrência da Infecção Humana pelo Novo Coronavírus;

 

CONSIDERANDO a Lei Federal nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2020, que dispõe sobre medidas para o enfrentamento da citada emergência de saúde pública de importância internacional;

 

(...)

 

CONSIDERANDO o Decreto nº 8.896, de 19 de março de 2020, que declara a situação de emergência no Município de Santos; e o Decreto nº 8.898, de 20 de março de 2020, que declara o estado de calamidade pública no Município de Santos,

 

Art. 1º Fica considerado obrigatório o uso da máscara facial não profissional durante o deslocamento de pessoas pelos bens públicos do Município e para o atendimento em estabelecimentos com funcionamento autorizado, em especial para:

 

I - uso de meios de transporte público ou privado de passageiros;

II - desempenho de atividades laborais em ambientes compartilhados, nos setores público e privado.

 

§ 1º Para efeito do "caput" deste artigo, consideram-se bens públicos:

 

I - os de uso comum do povo, tais como estradas, logradouros, ruas, avenidas e praças;

 

II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração pública direta e indireta.

 

(...)”

 

Por seu turno, o art. 4º, do ato normativo municipal - considerada, repise-se, a redação vigente à época dos fatos - estabelecia textualmente que a inobservância da regra inserida no já citado art. 1º sujeitaria o infrator ao pagamento de multa, no valor de R$ 100,00 (cem reais), no caso de pessoa física, passível de aplicação em dobro, no caso de reincidência, como segue:

 

Art. 4º - A inobservância ao disposto no artigo 1º deste decreto sujeita o infrator ao pagamento de multa, no valor de R$ 100,00 (cem reais), no caso de pessoa física, e de R$ 3.000,00 (três mil reais), no caso de pessoa jurídica, por deixar de executar, dificultar ou opor-se à execução de medidas que visem à proteção e manutenção da saúde, da higiene e da vida humana, sem prejuízo das sanções administrativas e penais previstas na legislação em vigor.

 

§ 1º Os valores das multas serão aplicados em dobro, no caso de reincidência.

§ 2º Os valores decorrentes do pagamento das multas serão destinados à aquisição de máscaras para distribuição às pessoas em situação de vulnerabilidade.

 

(...)

 

Mesmo que assim não fosse, apenas a título de argumentação e consoante observado com argúcia pela Subprocuradoria-Geral da República em seu douto opinativo (id 4781411), na abordagem de 18 de julho de 2020 já se encontrava vigente a Lei nº 14.019/2020 (publicada em 03 de julho de 2020), que alterou a Lei nº 13.979/2020, ao dispor, entre outras medidas, quanto à obrigatoriedade do uso de máscaras de proteção individual para circulação em espaços públicos e privados acessíveis ao público, em vias públicas e em transportes públicos, durante a vigência das medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da pandemia da Covid-19.

Nessa perspectiva, cabe ressaltar que a citada Lei nº 14.019/2020 estabelecia que estavam dispensadas da obrigatoriedade alusiva ao uso de máscaras de proteção individual as pessoas com transtorno do espectro autista, com deficiência intelectual, com deficiências sensoriais ou com quaisquer outras deficiências que as impedissem o uso adequado de máscara de proteção facial, conforme declaração médica, que poderia ser obtida por meio digital, bem como as crianças com menos de 03 (três) anos de idade, tratando-se de hipóteses excepcionais nas quais não se enquadrava o representado à época dos incidentes.

Dessa forma, ainda sob tal enfoque, as ponderações e/ou questionamentos atinentes à legitimidade, à validade e à força normativa do ato legislativo editado pelo Município de Santos sob a forma de decreto (o qual, aliás, reportava-se expressamente à Lei 13.979/20, alterada pela suso mencionada Lei nº 14.019/2020), ao estabelecer obrigações aos respectivos cidadãos, estabelecer sanções na hipótese de descumprimento e definir as ações de fiscalização, quando muito, teriam alguma pertinência ao ensejo das primeiras abordagens, ocorridas no primeiro semestre/2020 (abril/2020 e maio/2020) e, de todo modo, eventual discussão jurídica, nesse aspecto, igualmente não se prestaria a respaldar as lamentáveis e desrespeitosas atitudes já naquele momento adotadas pelo desembargador requerido.

Nessa esteira, sob qualquer ângulo de análise, soa totalmente estéril, nesta seara disciplinar, a explanação lançada pelo requerido, fundada na premissa de que a exigência de utilização de máscara facial sem expressa determinação em lei, mas sim por intermédio de decreto – criando obrigações e sanções aos cidadãos – violaria o princípio da reserva legal.

No mais, os vídeos trazidos aos autos - gravados por Agente da Guarda Civil Metropolitana de Santos e divulgados amplamente nas redes sociais e na mídia eletrônica (ids 4413120 e 4413121) - falam por si e demonstram à exaustão a materialidade dos fatos apurados neste processo administrativo disciplinar e a participação do Desembargador Eduardo Almeida Prado Rocha de Siqueira nos incidentes ali reproduzidos.

Pelo exame da ocorrência de 18 de julho de 2020 - a primeira trazida à luz em cadeia nacional - constata-se que o requerido não utilizava a máscara protetiva quando caminhava em um trecho da praia de Santos - SP, pelo que a Guarda Municipal, em procedimento rotineiro, solicitou a colocação do item obrigatório, na forma do mencionado Decreto Municipal nº 8.944/20, editado nos primeiros meses da pandemia do novo coronavírus. Todavia, consoante se extrai das mencionadas imagens, o processado não acatou a solicitação do guarda civil, declinando que "por hábito" não utilizava a máscara, momento em que, advertido quanto à obrigatoriedade envolvendo o uso do aparato, justificou-se sob o pretexto de que "decreto não é lei". Além disso, o requerido declarou que em abordagem análoga anterior já havia rasgado e arremessado a multa que lhe foi aplicada no rosto de outro agente público, de modo que procederia da mesma forma naquela ocasião, indagando o guarda municipal de forma totalmente desrespeitosa, nestes termos:

 

"[...] Você quer que eu jogue na sua cara?

 

Faz aqui uma multa [...].”

 

O agente então afirmou: "Eu vou fazer [a multa] e o senhor joga na minha cara", obtendo a seguinte resposta do desembargador: "e em seguida você fala com o Del Bel [Sérgio Del Bel Júnior - Secretário Municipal de Segurança Pública]. Então, o requerido efetuou uma chamada telefônica para o mencionado Secretário do Município, referindo-se ao agente da guarda civil - e na sua presença - como "analfabeto", nos seguintes moldes:

 

"Fala com o seu Comandante! Fala com ele! [...] Del Bel? Desembargador Eduardo Siqueira. Vou bem e o senhor? Tudo calmo? Eu tô aqui com um analfabeto, PM seu aqui, um rapaz [...]".

 

"Eu falei, vou ligar para ele [o Sr. Secretário de Segurança Pública - Del Bel], porque estou andando sem máscara. Só tô eu na faixa de praia que eu estou. Ele está aqui fazendo uma multa [...] Eu expliquei de novo e eles não conseguem entender. Aí eu falei: [...] Você vai falar com o Del Bel. Ele disse: O Del Bel que fale comigo. Eu não falo com ele. Ele que quiser [...]".

 

Como se verifica da gravação, em tom já alterado, o representado afirmou ao telefone que o guarda municipal havia se recusado a falar com o então Secretário Municipal da Segurança Pública, insistindo que o agente público "falasse" com o Sr. Sérgio Del Bel Junior:

 

 "[...] o senhor não é autoridade, o senhor vai falar, vou passar o telefone Del Bel [...]".

 

Ante a recusa do agente municipal, o desembargador dirigiu-se novamente ao Secretário do Município e, uma vez mais, tecendo comentários desairosos, pontuou em tom ameaçador:

 

"[...] Agora ele não quer falar, Del Bel. Eu vou ter que prender o cara! [...] O que que eu faço, Del Bel? Fico tranquilo como? Ele tá aqui [...] Pera um pouco, não é possível! Você é um coronel da Polícia Militar, aposentado. [...] Seu sogro foi um dos meus melhores amigos, um guardinha falar pro coronel atender o telefone! Onde você já viu isso, Del Bel? Para! [...] Preciso chamar a Polícia Militar para recolhê-los ou não? [...] Ele tá afinando aqui, Del Bel [...] Tá bom, eu vou ficar tranquilo. Tchau. Obrigado. É para fazer [...] o procedimento e rasgar [...] Eu tô explicando que não tem lei, vocês não conseguem entender isso. Decreto não é lei! [...]"

 

E aqui, com referência ao mencionado trecho do vídeo, cumpre salientar que a testemunha arrolada pelo Ministério Público Federal, Ilmo. Sr. Sérgio Del Bel Júnior, que à época dos fatos já atuava como Secretário de Segurança Pública do Município de Santos, confirmou na audiência de instrução deste PAD que recebeu uma rápida ligação do processado durante a ocorrência de julho/2020 (no telefone pessoal do depoente, cujo número foi repassado ao magistrado por um colega da testemunha, então Major Terra, Comandante Interino do 06º Batalhão de Santos). A mencionada testemunha também descreveu de forma contundente a exaltação de ânimo do desembargador e a desqualificação dos guardas civis, afiançando que o magistrado reportou-se a um dos servidores como "analfabeto". Esclareceu, ainda, que tal cenário lhe acarretou preocupação, inclusive quanto à possível divulgação do vídeo (por questões institucionais), com eventual desdobramento negativo e desconforto entre as instituições – Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e Prefeitura de Santos -, tanto que manteve contato imediato com o Comandante da Guarda Municipal, narrou o ocorrido e solicitou que identificasse e prestasse apoio aos agentes, os quais mereceriam ser prestigiados pelas ações fiscalizatórias (id 4680375, a partir de 46min20s do vídeo).

Há mais. Após encerrado o telefonema com o Secretário Municipal de Segurança Pública, foi solicitada a identificação para lavratura da multa e o desembargador afirmou que "não" seria obrigado a "dar" (o nome), de modo que o guarda municipal requereu o respectivo documento. Ao entregar a cédula de identidade, ainda de modo irônico e provocativo, o requerido manifestou-se com o claro objetivo de intimidar o agente público, lançando observações de seguinte teor:

 

 [...] O senhor sabe ler? Então leia bem com quem o senhor está se metendo! [...] O senhor deveria ter lido, hein! [...] exceto o Presidente do Tribunal pode me parar. Olha a fria que o senhor está entrando. O outro eu poupei porque o Del Bel pediu. Eu liguei pra ele na sua frente e o senhor afinou. Que a voz nem saía [...] Eu sou professor de direito da Católica. [...] 36 (trinta e seis) anos que tenho curso de direito [...] Não é uma carreira fácil não [...] não sabe escrever mais rápido? [...] Vocês não trabalham? Para fazer uma multa esse tempo todo? [...] Eu fiquei te interrompendo [...] queria te ensinar, você não aprendeu nada [...]

 

 

Prosseguindo, o requerido diz que seria obrigado a chamar a "PM" para prender os agentes municiais, porque apenas "eles teriam autoridade" e, na sequência, insistiu que o guarda civil teria cometido "usurpação de função pública", pois não estaria revestido de "autoridade" para "fazer nada", mas sim deveria "fiscalizar guarda, criancinha, essas coisas assim ...". Finalizada a lavratura da penalidade, o processado afirmou que não iria assiná-la, mas sim rasgá-la, pelo que foi advertido de que poderia ser autuado por despejo em via pública, o que levaria à aplicação de uma segunda penalidade. Nesse momento, ignorando a advertência do agente municipal, o requerido arrancou a multa da prancheta de preenchimento e, ato contínuo, arremessou o expediente ao solo, deu as costas para a equipe da Guarda Municipal e, por fim, saiu caminhando, distanciando-se do local dos fatos.

Restou indiscutível que, para além de demonstrar total menosprezo ao trabalho dos guardas municipais e da ofensa gratuita desferida a um dos servidores - reportando-se ao agente como "analfabeto" e "guardinha" -, o processado acionou o secretário municipal de segurança pública no intuito de demonstrar influência e tentar descumprir o ato normativo que disciplinava o uso de máscaras de proteção contra a COVID-19 e/ou inibir a ação de ofício envolvendo a aplicação da multa. Além disso, o requerido rasgou a penalidade, a qual foi atirada ao solo na presença da própria autoridade que confeccionou o expediente, tornando-se patente o propósito de intimidar o agente público que tão somente exercia a sua função institucional.

E outra. Após a repercussão nacional dos fatos acima narrados, convém repisar que foi divulgado um segundo vídeo pelos portais de notícias e por outras mídias eletrônicas [4], com o registro de evento anterior, ocasião em que o requerido, também caminhando sem máscara protetiva na orla da praia, manteve conduta agressiva e desrespeitosa semelhante àquela adotada no episódio de julho/2020, valendo-se do cargo de desembargador e invocando a suposta influência  perante autoridades municipais e estaduais diversas, com o objetivo de menosprezar e intimidar os guardas municipais mediante ameaça de punição, na tentativa de se desvencilhar de obrigação imposta a todos os cidadãos.

Com efeito, da dinâmica retratada nos vídeos acostados sob ids 4370840 e 4370841 deflui que o processado, demonstrando nervosismo, afirmou que já havia sido abordado no dia anterior por outra agente, em razão do descumprimento do decreto municipal – em relação à qual teria dado um “enquadro” -  ocasião em que teria sido “chispada” -. Questionou, ainda, a competência da guarnição para atuar em “terreno da marinha” e, com o telefone celular em mãos, sinalizando que faria uma ligação ao Comando Militar de São Paulo, de maneira irônica e ameaçadora, confrontou os guardas civis que atuavam naquele momento, indagando um dos agentes se o referido profissional sabia “ler”, nos seguintes termos:

 

"Fica quieto para não piorar a sua vida! [...] O senhor vai ver. [...] Não percebeu ainda [...] A sua medida é ortodoxa [...] Eu tô fazendo uma caminhada. Vocês não têm poder de polícia. Vocês não podem prender ninguém. Vocês devem saber disso. Eu dei aula no Barro Branco. Sou desembargador de carreira. Tô fazendo uma caminhada, sossegado. É meu direito. Vocês acham que não é. Problema de vocês! [...] O senhor me parece uma pessoa esclarecida. [...] Presumo que o senhor sabe ler. [...] O senhor saber ler? o senhor saber ler? [...] Eu queria que o senhor lesse aqui. As prerrogativas [...] Eu só posso ser preso por ordem do Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo [...]

 

O magistrado representado apontou, ainda, que um dos agentes “acabava” de “perder” o “emprego”, indagando o interlocutor se também gostaria de perdê-lo. Advertiu o guarda civil com o qual interagia diretamente que somente poderia ser preso por ordem escrita do Presidente do Tribunal de Justiça – ao qual atribuiu a conotação de “amigo” -, ao passo que outra “pessoa” (referindo-se ao outro agente) seria “presa – em cumprimento à sua própria “ordem”, observando que um “coronel” não iria “desobedecer” a deliberação de um desembargador, externando nervosismo da seguinte forma:

 

[...] O problema agora é dele! [referindo-se a outro agente que também realizava o patrulhamento]. Ele acabou de perder o emprego! Os outros tão tudo bem! Você quer perder seu emprego, vai perder [...] Posso continuar a minha caminhada? [...] Para eu ser preso, sabe o que precisa? Uma ordem escrita do Presidente do Tribunal de Justiça, que é meu amigo, Ivan Sartori. [...] E tem uma pessoa que vai ser presa. Por ordem minha! Eu não queria fazer isso com o cidadão. Mas se ele insiste. Ele vai ser preso. Fazer o que? Você acha que vai desobedecer? Você acha que vai desobedecer um desembargador? Você acha que um coronel vai desobedecer um desembargador? Você tá maluco? [...]

 

Em determinado momento, um dos guardas civis afirmou que o requerido era "muito mais esclarecido", ao que esse último respondeu positivamente - "é óbvio, é óbvio"dirigindo-se ao agente, logo após, por meio de várias frases em francês, assomando intuitiva a sua intenção de demonstrar a suposta superioridade cultural.

Como se verifica, naquela oportunidade, além de questionar o poder de polícia e a competência da Guarda Municipal de Santos (relativamente à possibilidade de decretação da prisão de um desembargador e à fiscalização em áreas que compreendem terrenos da marinha), o processado sugeriu contato próximo com algumas autoridades (Ex-Governador Márcio França, Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, “Coronel Silvério”, Coronel Álvaro Távora, “Coronel Geralde” - Presidente do Tribunal de Justiça Militar, Coronel Comandante do CPI do interior). Afirmou, ainda, ser irmão do Procurador de Justiça responsável pelos inquéritos policiais militares, bem assim conhecer o Secretário Municipal da Segurança Pública.

Frise-se, ainda, que, tal qual se depreende da abordagem de julho/2020, o requerido se encontrava plenamente ciente de que a ocorrência estava sendo registrada em vídeo e, nada obstante, houve por bem não se conter. Tanto assim que, arvorando-se novamente da função de magistrado, de forma provocativa e intimidativa, declarou que entraria em contato com o Presidente do Tribunal de Justiça Militar, nos seguintes moldes:

 

[…] vocês vão ter um problema, eu não quero, mas se vocês insistem. O senhor vai ficar na minha frente ou eu posso caminhar? […] Eu não vou falar nada contra o senhor. Disca pra mim esse número aqui [mostrando para o Guarda Municipal seu celular]. Presta atenção se eu quiser sacanear o senhor. Olha aqui: os três telefones: do Coronel Comandante do CPI do interior, [...], o senhor acha que eles não vão chegar e dizer: Oh Siqueira, fique calmo! Ou vão mandar vir buscar imediatamente a viatura? Vocês acham que é a primeira vez? Eu fui juiz corregedor do DIPO, dos presídios da capital, amigo. [...] Eu tô dizendo para o senhor que o senhor não está lidando com um imbecil que não sabe o que está fazendo [...]

 

Constata-se, ainda, que depreciando novamente o trabalho realizado pelos agentes municipais, o representado finalizou o diálogo com nova ameaça de prisão, da seguinte forma:

 

[...] Vocês querem confusão? Vocês vão ter! Eu por mim não quero. [...] Segue o seu dia, eu sigo o meu. Vou andar do lado de cá pela beiradinha. Vou para a minha casa que eu moro aqui  [...] Eu vou fazer mais simples [...] Esse é o meu cartão. Aqui tá o número do meu gabinete e aqui tá o da minha casa. É aqui na esquina. Leva para o Del Bel (Secretário Municipal de Segurança). [...] E fala que vocês queriam me prender. Pronto [...] Ele vai lhe dar os parabéns por o senhor ser um homem inteligente! E da próxima vai todo mundo preso! Tá bom! Tchau!  

 

Oportuno acrescentar, em caráter elucidativo, o teor do relato apresentado pelo Comandante Chefe da Guarda Civil Municipal, por intermédio do Ofício 619/2021 - DGM/SESEG, embasado nos levantamentos obtidos junto aos registros daquele comando (informações registradas em Boletins de Ocorrência), no sentido que em 2020 o requerido foi abordado em 04 (quatro) oportunidades - nos dias 06 de abril de 2020, 26 de maio de 2020, 04 de julho de 2020 e 18 de julho de 2020 (ids 4370838 e 4370839) -. O referido informativo também aponta que 09 (nove) agentes mantiveram contato com o magistrado processado, sendo digno de nota que o Ofício 619/2021 - DGM/SESEG veio acompanhado de cópias dos registros de ocorrência, dos autos de infração, bem assim das gravações das abordagens. Tais elementos igualmente evidenciam o padrão de conduta do processado, dirigido à tentativa de intimidação dos guardas civis, invocando a condição de desembargador e enaltecendo o contanto próximo com outras autoridades estaduais e municipais, bem assim questionando a autoridade dos agentes designados para as ações de fiscalização sanitária, com o nítido escopo de não atender às orientações técnicas e outras determinações emanadas dos normativos municipais editados para fins de conter a disseminação da Covid-19, notadamente quanto ao uso da máscara facial (ids 4370838 até 4370843).

De ser salientado que as testemunhas indicadas pelo requerido (ids 4680375 e 4680376) descreveram, em síntese, aspectos isolados e alheios ao contexto acima analisado, isto é, ligados ao trato do magistrado no ambiente doméstico e no âmbito de outros grupos sociais (amizade pessoal, vizinhança no condomínio residencial e círculo profissional). Com efeito, a Sra. Marlene Ferreira de Andrade, em linhas gerais, limitou-se a declinar que atua como trabalhadora doméstica junto à residência do processado há 17 (dezessete) anos. Afirmou, ainda, que o magistrado mantém postura dócil e educada, salvo nas ocasiões de contrariedade, uma vez que se irritaria "facilmente" (id 4680375, a partir de 1h07min do vídeo).

Já a testemunha Eduardo Vargas de Macedo Soares Filho esclareceu que estudou com o requerido no Colégio Santista (na década de 1970) e que mantêm os laços de amizade, embora resida na Capital – SP, de forma que os contatos atuais com o magistrado ocorrem por telefone. Prosseguindo, indagado pelo Ilustre advogado do desembargador processado se tinha ciência de algum fato desabonador envolvendo esse último, a testemunha respondeu negativamente, observando, todavia, que o único "fato" do qual teve conhecimento seria aquele relacionado à abordagem da guarda municipal. No mais, restringiu-se a declarar que não observa no desembargador representado traços de nervosismo excessivo, prepotência ou arrogância, mas sim um lado pessoal muito humano, ressalvando situações excepcionais nas quais, imbuído das suas convicções e da vontade de fazer "justiça", o requerido tornaria-se intransigente (id 4680375, a partir de 1h11min).

Por sua vez, a testemunha Ricardo Firveda Arias afirmou que foi vizinho de prédio do processado por mais de 30 (trinta) anos, que de forma geral o relacionamento e o convívio com o requerido ocorreram sem qualquer problema ou traço anormal de agressividade, a despeito de alguns pontos de vista antagônicos, bem assim que conversavam sobre temas diversificados. Inquirido quanto à possível ocorrência de incidentes envolvendo outros cidadãos frente às ações de fiscalização sanitária da guarda municipal, a testemunha nada elucidou, asseverando que, à época dos fatos (início da pandemia), já havia inclusive mudado de prédio por questões financeiras e mantido o isolamento social, diante do pânico geral instaurado, de modo que teve conhecimento do entrevero entre o processado e a guarda municipal apenas pela mídia (ids 4680375, a partir de 1h16min)

De outro norte, converge em desfavor das tratativas defensivas o teor das declarações da testemunha indicada pelo próprio processado, Exmo. Sr. Desembargador Rogério M. Pereira Cimino, de que o uso de medicamentos para depressão e o próprio cenário da pandemia, na concepção do depoente, não justificariam a reação "despropositada" e "exacerbada" e o notório "exagero" do requerido, bem assim no sentido de reconhecer que houve desrespeito à autoridade do guarda municipal, considerado o adjetivo que lhe foi dirigido pelo desembargador - "analfabeto"- (id 4724701, a partir de 05min51s do mídia).  

Como se vê, a prova testemunhal ofertada pelo requerido mostrou-se absolutamente inócua, porque não se revelou capaz de desconstituir ou contradizer a clareza solar das imagens divulgadas pela mídia e trazidas aos autos, as quais, conforme reiteradamente explicitado, demonstram cabalmente a postura sarcástica, arrogante e descortês do processado, valendo-se do cargo público exercido na tentativa de evitar que os agentes cumprissem seus deveres institucionais, desmerecendo e humilhando os membros da guarnição municipal, sem qualquer indicativo de que tais servidores tenham atuado fora da rotina ou adotado postura agressiva e/ou desequilibrada.

Nesses termos, cai no absoluto vazio a argumentação combativa centrada na anormalidade do patrulhamento na faixa arenosa, sendo certo que, ao que se depreende do contundente relato da testemunha do Parquet, Sr. Sérgio Del Bel Junior (então Secretário Municipal da Segurança Pública), inexistiu qualquer aspecto que tenha comprometido a lisura da abordagem da guarnição municipal. Consoante destacado pela citada testemunha, ao avaliar as abordagens retratadas nas imagens trazidas aos autos, os agentes não perderam a linha, pois em momento algum destrataram o desembargador, mas apenas cumpriram as ordens recebidas desde o início da pandemia em relação ao cumprimento das medidas sanitárias, tratando-se de procedimento irretocável. Ademais, a testemunha reforçou que, diante de alguns casos isolados de resistência exacerbada às operações de fiscalização, com desrespeito aos agentes, a orientação da própria pasta da segurança pública, no âmbito da guarda municipal (emanada do próprio depoente), foi na linha de que efetivassem as filmagens para resguardar (auto-proteção) os próprios agentes (id 4680375, a partir de 55min06s).

Também concorrem na contramão da corrente defensiva os taxativos e uníssonos depoimentos das testemunhas arroladas pelo Parquet, Sr. Cícero Hilário Roza Neto (id 4680375, a partir de 02min35s da mídia) e Sr. Roberto Guilhermino da Silva (id 4680375, a partir de 23min40s), em plena conformidade com o teor das imagens juntadas aos autos. As mencionadas testemunhas, atuando na condição de guardas municipais, presenciaram as atitudes do requerido, emergindo nitidamente do material probatório em referência que o processado desmereceu, humilhou e desqualificou os guardas civis, invocando o cargo público ocupado para intimidar os agentes na tentativa de que não cumprissem as suas obrigações funcionais nas ações de fiscalização do cumprimento das orientações e medidas impostas pelo ato normativo municipal (Decreto nº 8.944/2020).

Depreende-se, ainda, das elucidativas declarações da testemunha Roberto Guilhermino da Silva, endossadas pelo relato apresentado pela testemunha Sérgio Del Bel Junior (Secretário Municipal de Santos), já acima enfocado, que a efetivação de filmagem ocorreu de forma ostensiva – viabilizando, portanto, a plena ciência visual do magistrado – tudo com o escopo de preservar a própria guarnição, levando em conta o histórico do requerido de contestar a obrigatoriedade de uso da máscara e hostilizar os agentes em abordagem anterior. E aqui, releva pontuar que nem mesmo a cautela adotada pelo agente mostrou-se bastante para inibir a postura desrespeitosa do requerido, nem tampouco as ironias externadas frente ao guarda que realizava a gravação. Mas diversamente, conforme já acima explicitado, exsurge nítido das imagens que o processado agiu sem demonstrar qualquer constrangimento, tanto que humilhou e tentou intimidar os guardas civis que exerciam regularmente as suas rotineiras atividades fiscalizatórias, no afã de obter tratamento diferenciando, nada obstante a norma editada pelo Poder Público Municipal, reiteradamente questionada pelo requerido, fosse direcionada a todos os cidadãos. 

Nesse passo, as ponderações externadas em defesa, no sentido de que os guardas civis adotaram tom provocativo e/ou revestido de truculência nas abordagens fiscalizatórias, as quais teriam escapado da "normalidade" com a "capciosa intenção" de causar "aborrecimento" ao representado, bem assim sugestivas de que as gravações foram premeditadas com a "inegável intenção" de "expor" o requerido, efetivamente não encontram eco no teor dos vídeos já anteriormente analisados, nem tampouco ressonância na prova testemunhal produzida, remanescendo isoladas no cenário probatório. Em outras palavras, as considerações defensivas, nesse aspecto, refletem meras conjecturas, as quais, repita-se, não se prestam a infirmar a clareza solar dos fatos extraídos dos vídeos disponibilizados na rede mundial de computadores, nem tampouco justificam a reprovável e lamentável conduta reiterada do processado nos 02 (dois) episódios supra referenciados.

Assim, ainda contrariamente à versão sugerida pelo processado em sua peça combativa, não se pode concluir, a par da detida e criteriosa análise das imagens reproduzidas nos autos e dos depoimentos testemunhais ofertados, tenham os guardas municipais adotado qualquer conduta "imoderada", abusiva, intimidatória, excessiva e/ou capaz de configurar injusta agressão ao requerido.

Não se sustentam juridicamente, portanto, a alusão defensiva ao suposto receio e/ou temor do desembargador, frente à "desproporção física" atribuída aos mencionados servidores, nem tampouco a referência do representado em interrogatório à elevada altura e a detalhes outros envolvendo os corpos dos agentes - supostamente "cobertos de tatuagem" - (id 4724702, 14min15s da mídia), até mesmo em virtude da conotação nitidamente subjetiva de que se revestem tais explanações.

Frise-se, igualmente, a ausência de qualquer suporte probatório à alegada ocorrência de "vários incidentes" entre os cidadãos de Santos e a Guarda Municipal, os quais teriam "descambado" para "atos de violência" contra "pessoas inofensivas". Cuida-se, também aqui, de argumentação totalmente débil, que não ultrapassa o campo da singela retórica e, portanto, a total desconsideração é medida impositiva.

Da mesma forma, os problemas de ordem pessoal enfrentados pelo processado, mencionados pela defesa e indicados em seu interrogatório  - depressão, término de longo namoro e mau humor - (vídeo de id 4724702, a partir de 04min), aos quais todos estamos sujeitos, não podem servir de justificativa para o descumprimento dos deveres funcionais legais pelo magistrado, de sorte que a confiança depositada no Poder Judiciário pelos demais Poderes constituídos, pelos jurisdicionados e por toda a sociedade, não merece ser abalada em razão de uma situação particular do desembargador requerido.

Igual sorte não assiste ao representado no tocante ao propalado “mal psiquiátrico” e à suposta privação da medicação controlada, o que teria levado à descompensação psíquica por ocasião da prática dos atos faltosos que lhe foram atribuídos.

É que, reza o art. 26, caput, do Código Penal:

 

Inimputáveis

 

Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.         (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

 

Com efeito, à luz do dispositivo legal em epígrafe, denota-se que o ordenamento jurídico pátrio adotou o critério biopsicológico ou biopsíquico para o exame da inimputabilidade (ou semi-imputabilidade) - aplicável subsidiariamente, por uma questão de lógica jurídica, na esfera administrativo-disciplinar -, segundo o qual é necessário avaliar se o transtorno mental do processado afetou, em efetivo, a sua compreensão quanto à ilicitude da conduta ou sua capacidade de autodeterminar-se segundo este conhecimento, ao tempo da ação ou omissão.

Nessa esfera, ainda que o agente seja portador de doença mental ou possua desenvolvimento mental incompleto ou retardado, tal fato, isoladamente, não o torna inimputável. A inimputabilidade pressupõe que a enfermidade tenha se manifestado à época da ação e/ou omissão, bem assim que o agente tenha se despido por completo da sua capacidade de entendimento ou autodeterminação.

No particular, os valiosos e elucidativos ensinamentos de ANDRÉ ESTEFAM e DAMÁSIO DE JESUS (In: DIREITO PENAL 1, PARTE GERAL, 37ª edição, São Paulo: Saraiva, 2020, E-book, pág. 1017-1021), são dignos de menção:

 

“(...) Para que seja considerado inimputável, não basta que o agente seja portador de “doença mental, ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado”. É necessário que, em consequência desses estados, seja “inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento” (no momento da conduta). Pode ser apresentado o seguinte quadro, de autoria de Roberto Lyra:

 

Requisitos da inimputabilidade (art. 26, caput) - a) requisito causal (doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado); b) requisito cronológico (ao tempo da ação ou da omissão); c) requisito consequencial (inteira incapacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento)

 

O doente mental pode ser considerado imputável?

 

Depende. Se, no momento da conduta típica e ilícita, por causa de doença mental, era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, deve ser considerado inimputável. Ao contrário, se, embora portador de doença mental, no momento da prática do fato tinha capacidade intelectiva e de autodeterminação, deve ser considerado imputável.

 

 

(...)"

 

No presente caso, o conjunto probatório não evidencia o comprometimento da sanidade mental do requerido ao tempo dos fatos averiguados neste procedimento, isto é, nada converge à conclusão de que, à época, a capacidade intelectiva e de autodeterminação do magistrado estivesse de fato abalada, de modo a atrair a incidência do instituto jurídico da inimputabilidade nesta seara administrativa. Ao revés, o próprio desembargador representado, por ocasião do interrogatório realizado neste PAD, professou que, no lapso contemporâneo às abordagens, estava trabalhando normalmente, que o afastamento sobreveio somente após a instauração deste procedimento disciplinar, bem assim que nunca havia solicitado, até então, qualquer afastamento médico, ao longo de 34 (trinta e quatro) anos de carreira na magistratura (vídeos de id 4724704, a partir de 19min55s e de id 4724703).

Realce-se, ainda, que na mesma direção do relato ofertado pelo representado, foram as declarações da testemunha indicada pela própria defesa, Exmo. Sr. Desembargador Rogério M. Pereira Cimino, apontando que, por ocasião dos incidentes ora apurados, o processado estava no pleno exercício da função judicante, ou seja, na "ativa", desempenhando suas atividades remotamente (id 4724702, a partir de 01h00min).

Aliando-se aos dados extraídos da prova oral acima enfocada, em nada beneficia a defesa o teor do laudo pericial de id 4456399, trazido aos autos pelo próprio representado (grifei), produzido no âmbito da Secretaria de Gestão de Pessoas do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Diretoria de Licenças Médicas, Perícias Médicas, Reinserção de Servidores e de Assistência e Promoção de Saúde), contemporâneo ao incidente de sanidade mental instaurado no procedimento administrativo disciplinar que tramitou junto ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (PAD nº 78.324/2020), deflagrado para apuração de fatos análogos àqueles aqui retratados (id 4360286). Isso porque, ao que se extrai dos elementos dos autos, associados aos dados hospedados no trabalho técnico elaborado pelos peritos da Corte Estadual, a piora do quadro clínico ocorreu após os episódios que constituem objeto de apuração no presente PAD (referentes ao período de abril/2020 até julho/2020), sobrevindo a internação da Clínica de Psicoterapia e Psiquiatria Jequitibá LTDA ME em 19 de março de 2021 (id 4360285), ou seja, quando já transcorridos 08 (oito) meses do último fato aqui tratado (18 de julho de 2020).

Demais disso, ainda consoante registrado em referido laudo, conquanto o desembargador requerido – ao tempo do exame pericial – estivesse incapacitado total e temporariamente para o exercício das atividades laborais habituais, não foram observados na perícia sinais e sintomas que possam acarretar incapacidade para atos da vida civil (grifei). Eis o teor da conclusão exposta no laudo médico em exame, elaborado em julho/2021, relativamente à preservação atual da capacidade civil do requerido (id 4456399, fls. 04/06):

 

“[...]

 

LAUDO MÉDICO PERICIAL – Nº: 3258/2021

 

 (VERIFICAÇÃO DE INCAPACIDADE)

 

[...]

 

B- QUESITOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO (fls. 49/50)

 

1. Está o interessado, EDUARDO ALMEIDA PRADO ROCHA DE SIQUEIRA, acometido de alguma doença mental ou algum tipo de distúrbio mental que poderia interferir no seu desempenho funcional, alterando de forma patológica a sua capacidade de discernimento?

 

O periciando é portador de provável quadro de F 10.8 e F 06.3, segundo o CID-10 e descritos na discussão do laudo pericial.

No momento apresenta-se total e temporariamente incapaz para o exercício de sua atividade laboral habitual e não apresentou nesta avaliação sinais e sintomas que possam gerar incapacidade para atos da vida civil.

Apresentou um quadro de confusão mental grave, como descritos no laudo pericial com dados colhidos em seu prontuário médico, que geraram perturbação de seu juízo crítico na ocasião da internação.

 

[...]

 

5. O interessado faz uso regular de medicamento controlado? Tecnicamente, qual seria o motivo que o levaria a fazer uso regular de medicamento controlado?

 

O periciando faz uso atualmente das medicações descritas no laudo pericial, prescritas em função do quadro clínico psiquiátrico que culminou com a internação em regime fechado e deverá dar continuidade ao tratamento psiquiátrico medicamentoso.

 

[...]

 

8. Qual o estado atual da saúde mental do agente?

 

Na presente avaliação, apresentou-se sem alterações de humor, afeto ou juízo crítico e com déficit de memória de fixação.

 

[...]

 

Conclusão:

 

Concluímos tratar-se de um quadro clínico que gera incapacidade laborativa total e temporária para o exercício das atividades laborais habituais e não foi observado neste exame sinais e sintomas que possam gerar incapacidade para atos da vida civil neste momento.

 

[...]”

 

 

Vê-se, pois, que embora indiscutíveis a perturbação no juízo crítico do requerido no momento da internação e a delicadeza do estado de saúde aferido pela perícia realizada pela Corte de Origem, certo é que tal cenário teve repercussão unicamente no exercício das atividades laborais, restando preservada a sua capacidade de fato. Partindo de tal perspectiva, uma vez que o processado executava normalmente as suas relevantes atividades profissionais por ocasião das condutas tidas por faltosas e averiguadas neste PAD, conforme relatado em seu próprio interrogatório, por uma simples questão de lógica resulta patente que, à época, o requerido também se encontrava no pleno gozo de sua capacidade de entendimento e autodeterminação.

Dito de outro modo, o estado de saúde já outrora apresentado, a utilização pretérita de medicamentos controlados e a pontual descontinuidade em seu uso não desaguaram, contemporaneamente aos incidentes com a guarda municipal, em qualquer incapacidade para o desempenho de elevadas atribuições e tarefas intelectuais ligadas à nobre missão institucional ínsita ao cargo de desembargador. Assim, se eventualmente houve privação no uso da medicação, tal circunstância não abonaria os fatos em apuração e as atitudes do representado, pois não acarretou naquele momento qualquer inaptidão para o exercício da judicatura, tudo levando à conclusão de que o processado poderia conduzir os atos da sua vida privada de forma lúcida, porquanto desfrutava de sua plena capacidade (cognitiva, volitiva e intelectiva).

 

Tal questão, inclusive, já foi objeto de debates e enfrentamento pelo Plenário desta Casa, por ocasião da 94ª Sessão Virtual, no julgamento do recurso administrativo interposto pelo requerido em face do indeferimento parcial das provas almejadas (realização de perícia médica e juntada de cópias integrais dos expedientes disciplinares que tramitaram no Tribunal de Origem), ao qual se negou provimento, desaguando na prolação do v. acórdão acostado no id 4506943. Reporto-me, nesse aspecto, aos robustos fundamentos alinhavados no voto condutor do aresto, de lavra de minha antecessora e então relatora deste feito, eminente Conselheira TANIA REGINA SILVA RECKZIEGEL, ora reproduzidos parcialmente, de seguinte teor:

 

“ [...]

 

Sobre a realização de perícia psiquiátrica para avaliação da instabilidade emocional do desembargador e eventual influência nos fatos apurados, a defesa pretende a produção da prova no intuito de se avaliar se “em função de tratamento a que esta submetido, pode apresentar instabilidade emocional, especialmente quando se vê privado da medicação que lhe foi prescrita” (sic).

 

O indicativo da higidez mental do processado, ao tempo dos fatos, era justamente o exercício regular das funções do cargo de desembargador. Considerando que na época exercia com normalidade seu nobre mister, sem notícias sobre questionamentos quanto à eventual incapacidade laboral, seria um contrassenso compreender que o desembargador estivesse apto a desempenhar suas elevadas atribuições judicantes, mesmo medicado, mas não estaria para os atos da vida civil que desaguaram na ocorrência dos fatos em apuração.

 

Assim como destaca o Ministério Público Federal (MPF), “o ordenamento jurídico pátrio adotou o critério biopsicológico ou biopsíquico para o exame da inimputabilidade (ou semi-imputabilidade), pelo qual se busca avaliar se o transtorno mental do processado afetou sua compreensão acerca do caráter ilícito da conduta ou sua capacidade de autodeterminar-se segundo esse conhecimento, no momento da ação ou omissão” (Id’s 4423393 e 4458908).

 

Contextualiza-se essa importante questão em relação aos fundamentos volvidos pelo TJSP para se deferir a produção da prova e a suspensão do processo: enquanto naquele PAD o magistrado sequer foi citado para tomar conhecimento das imputações que recaem contra si, em razão de sua internação datar de período anterior à determinação, aqui já se tem a completa formação da relação processual, ocorrida antes do possível agravamento da saúde do recorrente.

 

[...]

 

Mesmo diante do que o art. 26 da Resolução CNJ nº 135/2011 autoriza, de se aplicar subsidiariamente as normas e os princípios relativos ao processo administrativo disciplinar previstos nas Leis nº 8.112/90 e nº 9.784/99, não vejo utilidade no deferimento da prova pericial psiquiátrica postulada pelo processado, uma vez que na época dos fatos, era possível verificar que o desembargador estava no exercício pleno de sua faculdade mental.

 

Às vésperas do julgamento deste recurso pelo Plenário, a defesa apresenta laudo pericial com as conclusões alcançadas pelos médicos peritos do TJSP que realizaram o exame no desembargador (Id 4456399):

 

[...]

 

 

Como visto, o laudo é categórico ao afirmar se “tratar de quadro clínico que gera incapacidade laborativa total e temporária para o exercício das atividades laborais habituais e não foi observado nesse exame sinais e sintomas que possam gerar incapacidade para atos da vida civil neste momento”.

 

Inclusive, realço o trecho que faz remissão ao quadro de confusão mental grave que gerou perturbação no juízo crítico do desembargador no momento da internação. Ora, se este enfrenta período delicado em seu atual estado de saúde e mesmo assim essa disfunção não interfere em sua capacidade de fato, mas apenas em relação ao exercício das suas atividades laborais, a conclusão lógica é a de que, no momento dos fatos, o desembargador desfrutava de sua plena capacidade de entendimento e de autodeterminação. 

 

Portanto, o laudo vem em reforço à desnecessidade da produção da prova pericial requestada. Por esse motivo, mantenho a decisão que a indeferiu.

 

[...]”

 

 

Delimitadas tais premissas, ainda que já estivesse acometido de patologias de ordem psiquiátrica, os dados probatórios acima enfatizados são relevantes e fundamentais para a solução da presente matéria, pois suficientemente indicativos de que, à época das abordagens pela guarda municipal, o requerido mantinha a sua higidez mental. Tanto assim que o representado exercia regularmente as funções inerentes ao cargo de desembargador, sem qualquer evidência de que houvesse sido extirpada - ou possuísse diminuída - a capacidade cognitiva, volitiva e intelectiva, ou seja, encontrava-se apto para a prática dos atos da vida civil, inclusive aqueles relacionados aos fatos objeto de apuração do presente PAD.

Logo, o alegado “mal psiquiátrico” e a suposta privação da medicação controlada destinada ao respectivo tratamento isoladamente não têm o condão de justificar as atitudes do processado e desconstituir as imputações delineadas na portaria inaugural do presente feito disciplinar.

Assim, os atos praticados pelo desembargador processado não merecem ser relevados, sobretudo quando confrontados com a conjuntura desafiadora decorrente da grave crise sanitária instaurada em 2020, exigindo de todos os cidadãos o fiel e integral cumprimento das regras e orientações técnicas editadas pelos órgãos competentes no intuito de preservar a saúde de toda a coletividade. Além do tratamento humilhante e ameaçador com que se dirigiu aos agentes públicos, o comportamento desrespeitoso do representado constituiu mau exemplo à comunidade, contrariando amplamente as providências preventivas de contágio adotadas naquela conjuntura.

Vale aqui lembrar que reflete fato notório, dispensando maiores considerações sobre o tema, a dramaticidade da pandemia, assim reconhecida pela Organização Mundial da Saúde-OMS, do novo coronavírus (Covid-19), que acometeu toda a humanidade, e de forma especialmente severa o nosso país. Os efeitos nefastos da pandemia, primariamente no âmbito sanitário e por derivação no campo da economia e das relações sociais em geral, são de conhecimento de todos e povoam ainda, lastimavelmente, nosso cotidiano e horizonte próximo, com seu rastro de pesadas perdas humanas e materiais (as quais já somam mais de 600 mil óbitos em território nacional), apesar das perspectivas mais otimistas suscitadas pelo avanço da imunização e redução do número de mortes e internações, mas ainda sob a ameaça de novas cepas, variantes ou mutações do patógeno.

Milita, ainda, desfavoravelmente ao processado, o histórico funcional retratado pela prova documental encaminhada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, reveladora de que o requerido, no âmbito da Corte de Origem, já sofreu a punição disciplinar de censura em outras 03 (três) oportunidades (26/07/1999, 28/11/2001 e 10/04/2003), bem assim de que lhe foi aplicada recentemente a sanção de disponibilidade, consoante v. acórdão proferido pelo Órgão Especial do Tribunal Bandeirante em julgamento realizado em 27/07/2022. Tais penalidades atrelam-se todas à negligência do magistrado diante dos deveres de urbanidade e serenidade, considerada a adoção de comportamento inadequado, repreensível e incompatível com a dignidade do cargo, o que também constitui dado a ser sopesado por este Conselho Nacional de Justiça (id 4101884, id 4356830, id 4356831, fls. 165/166 e fls. 184/185, e id 4356832, fls. 04/05 e fls. 107/111, dos pdfs, e ids 4808512 e 4850492).

Em conclusão, a reiterada conduta externada nas 02 (duas) abordagens acima analisadas evidencia que o processado não agiu em consonância com o ordenamento jurídico, nem tampouco com os princípios éticos que devem pautar a conduta de todo magistrado, inclusive fora do exercício da judicatura, de modo a dignificar a função e o exercício da atividade jurisdicional, sendo certo que a confiança depositada no Poder Judiciário não está respaldada unicamente na competência e na diligência dos respectivos membros, mas também na sua integridade e correção moral.

 

Nesse sentido, dispõe textualmente o art. 35, inciso VIII, da LOMAN:

 

 Art. 35 - São deveres do magistrado:

 

(...)

 

 VIII - manter conduta irrepreensível na vida pública e particular

 

Rezam, ainda, os artigos 1º, 15, 16 e 37, do Código de Ética da Magistratura:

 

Art. 1º O exercício da magistratura exige conduta compatível com os preceitos deste Código e do Estatuto da Magistratura, norteando-se pelos princípios da independência, da imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do segredo profissional, da prudência, da diligência, da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro.

 

(...)

 

Art. 15. A integridade de conduta do magistrado fora do âmbito estrito da atividade jurisdicional contribui para uma fundada confiança dos cidadãos na judicatura.

 

Art. 16. O magistrado deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral.

 

(...)

 

Art. 37. Ao magistrado é vedado procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções.

 

 

Ademais, não se olvide que as circunstâncias retratadas nos vídeos colacionados ao presente procedimento poderão repercutir, inclusive, na esfera criminal, considerados, em tese, os tipos penais insculpidos no art. 33, parágrafo único, da Lei nº 13.869/2019 (Lei de Abuso de Autoridade) – [5], e no art. 331 do Código Penal [6], tanto que os fatos aqui averiguados também constituem objeto do inquérito que tramita no Superior Tribunal de Justiça sob nº 1.442/DF, e tal particularidade igualmente não pode ser desconsiderada por este Conselho, pois revela a elevada gravidade e a amplitude do potencial lesivo de que se revestem os atos praticados pelo representado.

 

De outro lado, por amor ao debate, não é demais realçar que o próprio Código de Ética da Magistratura pontua como essencial o incremento da confiança da sociedade na autoridade moral dos juízes, assim como o compromisso institucional como excelência na prestação do serviço público de distribuir a justiça, na condição de verdadeiro mecanismo para fortalecer a legitimidade do Poder Judiciário, exortando toda a magistratura brasileira à sua fiel observância. Sob tal prisma, o magistrado não está apenas vinculado aos ideais de justiça e verdade – pilares do Estado Democrático de Direito – mas igualmente compromissado à sua efetiva incorporação, de sorte que as qualidades pessoais projetadas pelo juiz, abarcando a própria imagem e conduta, afeta todo o sistema judicial e, portanto, a confiança e a credibilidade depositadas pelos cidadãos na instituição, a desafiar do magistrado – até em razão do significativo poder decisório que lhe foi atribuído - um padrão elevado de conduta e correção, concretamente irrepreensíveis, tanto dentro, quanto fora da jurisdição.

 

Cuida-se, aqui, da denominada “integridade judicial”, principiologia que não é nova para a magistratura, refletindo o conceito-chave que resume a diretriz perfilhada pelos “Princípios de Bangalore de Conduta Judicial”, os quais há muito já alertavam à necessidade imposta ao magistrado, no sentido de manter padrões de conduta “acima de reprimenda do ponto de vista de um observador sensato”. Desse modo, o juiz deve não apenas agir corretamente, como também deve parecer fazê-lo, no intuito de que dúvida alguma transpareça quanto a tal desiderato e, para tanto, não devem ser adotados padrões de conduta dissociados na vida pública e privada. Tal exigência, abarcando igualmente a integridade e a coerência, resulta imperiosa para que sejam preservadas a confiança e a credibilidade de todos os jurisdicionados no Poder Judiciário, valendo a transcrição:

 

“ (...)

3.1 Um juiz assegurar-se-á de que sua conduta esteja acima de reprimenda do ponto de vista de um observador sensato.

(...)

Alto padrão requerido tanto na vida privada quanto na pública

103. Um juiz deve manter altos padrões de conduta tanto na vida privada quanto na vida pública. A razão para isso se funda na larga variedade de experiência e condutas humanas com base nas quais deverá proferir as sentenças. Se ele próprio condena publicamente o que faz na vida privada, será considerado hipócrita. Isso inevitavelmente conduzirá a uma perda da confiança do público com relação ao referido juiz, o que pode se transferir para o Judiciário em geral.

Os padrões da comunidade devem ser ordinariamente respeitados na vida privada

104. Um juiz não deve violar os padrões da comunidade universalmente aceitos ou se afiliar a atividades que claramente tragam má-reputação às cortes ou ao sistema legal. Ao tentar atingir o equilíbrio exato, o juiz deve considerar se, aos olhos de um membro da comunidade razoável, justo e informado, a conduta proposta será capaz de colocar sua integridade em questão ou de diminuir o respeito por ele. Se positivo, o curso da conduta proposta deve ser evitado. 101. A integridade é o atributo da correção e da virtude. Os componentes da integridade são honestidade e moralidade judicial. Um juiz deve sempre agir dignamente e de uma maneira apropriada ao ofício judicial, livre de fraude, trapaça e mentira, não apenas no cumprimento de seus deveres oficiais, sendo bom e virtuoso em comportamento e caráter. Não há graus de integridade assim definida. A integridade é absoluta. No Judiciário, a integridade é mais que uma virtude; é uma necessidade.

(...)

109. A confiança no Judiciário é fundada não somente na competência e diligência de seus membros, mas também na sua integridade e correção moral. Ele não se deve somente ser um ‘bom juiz’, mas também uma boa pessoa, embora variem os pontos de vista sobre o significado disso, em diferentes áreas da sociedade. Da perspectiva do público, um juiz não só prometeu servir aos ideais de justiça e verdade, em que se constituem os pilares de estado de Direito e da democracia, mas prometeu também incorporá-los. Desse modo, as qualidades pessoais, conduta e imagem que um juiz projeta afetam todo o sistema judicial e, conseqüentemente, a confiança que o público nele coloca. O público demanda uma conduta do juiz em patamar mais elevado do que a que é demandada de seus concidadãos, padrões de conduta muito mais altos do que aqueles da sociedade como um todo; de fato, uma conduta virtualmente irrepreensível. É como se a função judicial, que é julgar outros, tivesse imposto uma exigência de que o juiz permaneça além do julgamento razoável de outros nas matérias que podem, de um modo razoável, usurpar o papel e ofício judicial.

(...) 

115. Exige-se que um juiz viva uma vida exemplar também fora da corte. Um juiz deve-se comportar em público com a sensibilidade e autocontrole demandados pelo ofício judicial, porque uma exposição de temperamento pouco judicioso é humilhante aos processos de justiça e incompatível com a dignidade do cargo judicial.

(...)”

(In: Comentários aos PRINCÍPIOS DE BANGALORE DE CONDUTA JUDICIAL, inserido no portal do CJF em 25/6/2008, Tradução de Marlon S. Maia e Ariane E. Kloth. Brasília: Conselho da Justiça Federal, 2008. 179p, https://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/publicacoes-1/outras-publicacoes)

 

Nessa mesma direção, oportuno salientar os dizeres de JOSÉ RENATO NALINI, citado com propriedade por FÁBIO NATALI COSTA e AMANDA BARBOSA (In: Magistratura e Formação Humanística, São Paulo, LTR, 2012, pág. 48): “A sociedade precisa confiar em seus Juízes. Na era dos direitos, em que a universalidade dos bens da vida é dogma inquestionável, o magistrado é provido de poderes para concretizar a restauração do patrimônio lesado. Esse complexo de bens não se resume àquilo que é economicamente mensurável, mas inclui valores espirituais e morais. O jurisdicionado aspira que o responsável para apreciar suas demandas, ou aquelas contra ele propostas, seja detentor de igual escala de valores. Como confiar a tutela de qualidades que representam o que é legítimo, válido, prestigiado, a quem não detenha tais atributos?”

Diante de todo o contexto acima narrado, resulta a inafastável a conclusão de que os atos praticados pelo requerido consubstanciaram grave falta funcional, a receber a reprovação por parte deste Conselho Nacional de Justiça, porquanto violadores dos deveres insculpidos no inciso VIII, do art. 35, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional e nos artigos 1º, 15, 16 e 37 do Código de Ética da Magistratura Nacional. Assim, uma vez configuradas a materialidade e a culpabilidade do representado, assoma imperativa a aplicação da necessária, adequada e proporcional penalidade no âmbito administrativo.

 

Passo, portanto, à análise da dosimetria da pena.

 

3. Dosimetria da pena

 

De partida, imperioso destacar que, nos termos do artigo 42, caput, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN, bem assim do artigo 3º, da Resolução CNJ nº 135/2011, podem ser aplicadas aos magistrados as seguintes sanções na seara disciplinar: advertência, censura, remoção compulsória, disponibilidade, aposentadoria compulsória e demissão (juízes não vitalícios).  

Entretanto, o parágrafo único, do citado art. 42, da LOMAN, é taxativo ao estabelecer que as penas de advertência e censura somente são aplicáveis aos juízes de primeiro grau. Nesse passo, a teor da interpretação sistemática do art. 95, I, da Carta Magna, da LOMAN (arts. artigos 42, 45, 46, 47, 56, 57 e 58) e da Resolução CNJ nº 135/2011 (arts. 3º, 5º, 6º e 7º), bem assim considerando que o requerido ocupa o cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a penalidade aplicável restringir-se-á às hipóteses de remoção compulsória, disponibilidade e aposentadoria compulsória.

 

Os precedentes deste Conselho são exatamente nessa direção, como seguem:

 

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – DESEMBARGADOR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO TJRJ - VIOLAÇÃO AOS DEVERES DE CUMPRIR E FAZER CUMPRIR, COM INDEPENDÊNCIA, SERENIDADE E EXATIDÃO, AS DISPOSIÇÕES LEGAIS E OS ATOS DE OFÍCIO - OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA INDEPENDÊNCIA E PRUDÊNCIA – PROCEDÊNCIA DAS IMPUTAÇÕES - PENA DE CENSURA (ART. 42, II, DA LOMAN), QUE DEIXA DE SER APLICADA POR FORÇA DE DISPOSITIVO LEGAL EXPRESSO (ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO DA LOMAN).

 
1 – São deveres do magistrado “Cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício” (art. 35, I, da LOMAN).
2 – Comprovação de que o magistrado, Desembargador do TJRJ, durante diferentes plantões judiciários de 2º grau, conheceu e deferiu liminares em habeas corpus, mandado de segurança e medida cautelar inominada, sem que as matérias estivessem listadas dentre aquelas urgentes e passíveis de apreciação durante o plantão judiciário. Afronta ao disposto no artigo 35, I, da LOMAN, e nos artigos 4º, 24 e 25 do Código de Ética da Magistratura Nacional.
3 – PAD julgado procedente, ante a demonstração de afronta aos termos da Resolução CNJ nº 71/2009 e Resolução TJ/OE/RJ nº 33/2014, que disciplinam as matérias que podem ser objeto de apreciação durante os plantões judiciários.
4 – Penalidade disciplinar de censura, com base no artigo 42, II, c/c 44, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, que deixa de ser aplicada por se tratar de Desembargador, nos termos estabelecidos pelo artigo 42, parágrafo único, do mesmo diploma legislativo. (Processo Administrativo Disciplinar 0000046-18.2020.2.00.0000, Relator ANDRÉ LUIZ GUIMARÃES GODINHO, julgamento: 340ª Sessão Ordinária, 19.10.2021)



RECURSO ADMINISTRATIVO. RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. AUSÊNCIA DE IRREGULARIDADE ADMINISTRATIVA OU DISCIPLINAR. NÃO CABIMENTO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. INTEGRANTES DE CÂMARA CÍVEL. IMPEDIMENTO DO PRESIDENTE DO ÓRGÃO FRACIONÁRIO. AUTOR DA AÇÃO. RECURSO JULGADO EM CONFORMIDADE COM O REGIMENTO INTERNO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A INSTAURAÇÃO DE PAD CONTRA DESEMBARGADOR APOSENTADO VOLUNTARIAMENTE. DECISÃO DE INCLUSÃO DE RECURSO EM PAUTA EM CASO DE IMPEDIMENTO. ATO ISOLADO CARACTERIZADOR DE SUPOSTA DESÍDIA. NÃO APLICAÇÃO DE PENAS PREVISTAS NA LOMAN.



1. Ausentes indícios de conduta caracterizadora de infração dos deveres funcionais da magistratura, é incabível, por ausência de justa causa, a instauração de procedimento administrativo disciplinar para a apuração da conduta de integrantes de câmara cível que julgam recurso em conformidade com o regimento interno do tribunal e com o livre convencimento motivado.

 

2. Caso isolado de ato ordinatório de desembargador que, na qualidade de autor de ação atacada por recurso, declarou seu impedimento e determinou a inclusão do feito em pauta sem participar do julgamento poderia, em tese, dar ensejo ao reconhecimento de desídia e caracterizar desvio de conduta sujeita às sanções de "advertência" ou "censura", não aplicáveis a magistrados de segunda instância, inexistindo justa causa para a instauração de PAD. (Recurso administrativo conhecido e improvido. (Reclamação Disciplinar 0007554-20.2017.2.00.0000, Relator HUMBERTO MARTINS, Julgamento: 48ª Sessão Virtual, 14.06.2019)

 

 

Pois bem. Como se depreende da atenta leitura dos dispositivos legais e normativos acima referenciados, a pena de disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço será aplicada apenas residualmente, quando não for aplicável a remoção compulsória ou a conduta não justificar a aplicação de penalidade mais grave – aposentadoria e/ou demissão (na hipótese de magistrado não vitalício) –.

 

No caso concreto, não se cogita da remoção compulsória, pois a aplicação da citada sanção deve ser contextualizada às hipóteses em que a falta funcional guarda estreito liame com o local de exercício da jurisdição do representado – de sorte que o deslocamento do magistrado para outra unidade judiciária tem por escopo coibir a reiteração do ilícito, para além de afastar o descrédito do Poder Jurisdicional naquela jurisdição – . A finalidade da norma, portanto, não se coaduna com a situação vertente nos autos, mesmo porque o representado, no exercício do cargo de desembargador, exerce a jurisdição sobre a integralidade do Estado de São Paulo. Ainda que assim não fosse, o proceder adotado pelo requerido, totalmente incompatível com a dignidade, a honra e o decoro da função judicante, reflete a sua própria condição pessoal, ou seja, configuraria traço indesejável em qualquer localidade onde viesse a exercer a jurisdição, de modo que eventual recomeço da atuação profissional em local diverso não se revestiria de qualquer utilidade.

 

Por outro lado, cumpre reiterar que o magistrado representado já foi apenado recentemente (em julgamento ocorrido em 27 de julho de 2022) com a sanção administrativa de disponibilidade, nos termos do v. acórdão exarado pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, com relatoria da Exma. Sra. Desembargadora LUCIANA ALMEIDA PRADO BRESCIANI, em sede de procedimento administrativo disciplinar que averiguava fatos ocorridos em setembro/2015 (PAD nº 78.324/2020).  Ao que se depreende dos fundamentos lançados naquele aresto, a penalidade ali aplicada resultou de transgressão disciplinar análoga àquela patenteada nestes autos (ofensa ao artigo 35, inciso VIII, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional e aos artigos 15, 16 e 37 do Código de Ética da Magistratura Nacional), diante da intimidação e do comportamento ofensivo, humilhante e ríspido dispensado a uma policial militar, ocasião em que, tal qual na situação exposta neste procedimento, o processado valeu-se do cargo ocupado e de supostas relações de amizade para buscar tratamento diferenciado em detrimento dos protocolos e trâmites padronizados de atendimento aos cidadãos (ids 4808512 e 4850492).

 

A aplicação da penalidade de disponibilidade pelo Órgão Especial da Corte Bandeirante no PAD nº 78.324/2020 apenas reforça a gravidade do reiterado padrão de comportamento perpetrado pelo representado, o que reflete a total desconsideração aos preceitos legais já suso enfatizados e aos princípios basilares que devem pautar a conduta do magistrado tanto no exercício da judicatura, quanto na vida privada, tudo a desaconselhar a permanência do requerido nos quadros da magistratura, afastando derradeiramente a possibilidade de incidência da aludida modalidade de sanção administrativa na hipótese destes autos.

 

Restou assentado, pelas razões já anteriormente amplamente enfatizadas, o desrespeito do requerido pelas regras de conduta exigidas da magistratura e por princípios valiosos ao Estado Democrático de Direito, daí emergindo a sua efetiva incompatibilidade para o exercício da jurisdição de forma permanente. 

 

Nesse trilhar, sopesados o grau de reprovabilidade da conduta, os resultados e prejuízos daí advindos, a carga coativa da pena, o caráter pedagógico e a eficácia da medida punitiva, bem assim os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, não se vislumbra a possibilidade de aplicar pena diversa da aposentadoria compulsória ao desembargador processado, porquanto seu comportamento à toda evidência ressoou incompatível com a dignidade, a honra e o decoro das suas funções, o que vale dizer que o representado não reúne condições para continuar no exercício da magistratura, pois a sua permanência na jurisdição contribuiria ao enorme descrédito à instituição do Poder Judiciário.

 

A aplicação da aposentadoria compulsória na hipótese de incompatibilidade permanente do juiz para o exercício da magistratura, diante da latente infração ao art. 35, VIII, da LOMAM, com consequente abalo à imagem do Poder Judiciário, já foi reconhecida como necessária e adequada à espécie por este Conselho, consoante se denota do seguinte precedente:

 

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. MAGISTRADO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO. PRELIMINAR DE PREVENÇÃO. ARGUIÇÃO DE NECESSIDADE DE REUNIÃO DE PROCESSOS POR RISCO DE DECISÕES CONFLITANTES. PRECLUSÃO. CISÃO REALIZADA POR ACOLHIMENTO DE TESE DEFENSIVA DO PRÓPRIO MAGISTRADO REQUERIDO. ALEGAÇÃO DE ILEGALIDADE DE DECISÃO PLENÁRIA DE AVOCAÇÃO DAS SINDICÂNCIAS. IMPOSSIBILIDADE DE REDISCUSSÃO DA MATÉRIA NA SEARA ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO IN ABSTRATO. COMPETÊNCIA CONCORRENTE PARA INSTAURAÇÃO DE PAD. TERMO INICIAL. DATA EM QUE A PRIMEIRA DAS AUTORIDADES COMPETENTES TOMOU CIÊNCIA DO FATO. NULIDADE DO ACÓRDÃO DE INSTAURAÇÃO DO PAD EM RELAÇÃO AOS FATOS NÃO PRESCRITOS. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO DE INTERDEPENDÊNCIA ENTRE OS FATOS E DE PREJUÍZO PARA A DEFESA. CONTROLE DE CUMPRIMENTO DOS DEVERES FUNCIONAIS NA ATIVIDADE JUDICANTE. ÓBICE DO ARTIGO 41 DA LOMAN. INAPLICABILIDADE. POSSIBILIDADE DE SANCIONAMENTO ADMINISTRATIVO EM CASO DE INFRAÇÃO DOS VALORES PRIMORDIAIS DA ORDEM JURÍDICA E DOS DEVERES DE CONDUTA FUNCIONAL. COMPROVAÇÃO DE TENTATIVA DE DIRECIONAMENTO DA DISTRIBUIÇÃO DE PROCESSOS E DE EXPEDIÇÃO DE AUTORIZAÇÃO PARA LEVANTAMENTO DE VALORES DEPOSITADOS EM CONTA JUDICIAL VINCULADA A PROCESSO DE VARA SOBRE A QUAL NÃO POSSUÍA JURISDIÇÃO. PARCIAL PROCEDÊNCIA DAS IMPUTAÇÕES.  VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO JUIZ NATURAL E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. ABALO À IMAGEM DO PODER JUDICIÁRIO E À SEGURANÇA JURÍDICA. INFRAÇÃO AOS ARTIGOS 35, I E VIII, DA LEI COMPLEMENTAR 35/19791º, 2º, 4º, 5º, 8º, 10 E 25 DA RESOLUÇÃO CNJ 60/2008. EXISTÊNCIA DE CONDENAÇÕES A SANÇÕES DE CENSURA E DISPONIBILIDADE PELA PRÁTICA DE OUTRAS INFRAÇÕES FUNCIONAIS. INCOMPATIBILIDADE PERMANENTE PARA O EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO. APLICAÇÃO DE SANÇÃO DISCIPLINAR DE APOSENTADORIA COMPULSÓRIA COM VENCIMENTOS PROPORCIONAIS AO TEMPO DE SERVIÇO. (PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM FACE DE MAGISTRADO - 0006920-87.2018.2.00.0000, Relator Conselheiro MÁRIO GUERREIRO, Julgamento: 28.09.2021) 

 

 

Destarte, considerando a incompatibilidade permanente do representado para o exercício da magistratura, impõe-se a aplicação da pena de APOSENTADORIA COMPULSÓRIA, prevista no art. 56, inciso II, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN, c.c o art. 7º, inciso II, da Resolução CNJ nº 135/2011.

 

4. Conclusão

 

Ante todo o exposto, REJEITO as preliminares suscitadas pelo requerido e, no mérito, JULGO PROCEDENTE o presente Processo Administrativo Disciplinar para condenar o magistrado requerido, Excelentíssimo Senhor Desembargador EDUARDO ALMEIDA PRADO ROCHA DE SIQUEIRA à pena de APOSENTADORIA COMPULSÓRIA, prevista no art. 56, inciso II, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN, c.c o art. 7º, inciso II, da Resolução CNJ nº 135/2011, por violação ao art. 35, inciso VIII, da LOMAN, e aos artigos 1º, 15, 16 e 37 do Código de Ética da Magistratura Nacional.

 

Determino seja comunicada a aplicação da presente sanção ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para que sejam adotadas as providências cabíveis.

 

Expeçam-se ofícios à Procuradoria-Geral da República, ao Ministério Público Estadual e  à Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo (art. 22, parágrafo único, Resolução CNJ nº 135/2011).

 

Deverá, ainda, a Secretaria Processual deste Conselho Nacional de Justiça, providenciar a inserção, via Sistema PJE, de todo o conteúdo da gravação da audiência de instrução realizada em 12/04/2022 ao presente feito disciplinar, consoante mídias disponibilizadas no link acostado no id 4680375.

Intimem-se.

É como voto.

 

Brasília, data registrada no sistema.

 

 

  JANE GRANZOTO

 Conselheira Relatora

 

 

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[1] - https://www.google.com.br/amp/s/g1.globo.com/google/amp/sp/santos-regiao/noticia/2020/07/19/desembargador-humilha-guarda-apos-multa-por-nao-usar-mascara-em-sp-analfabeto.ghtml;

 

https://www.facebook.com/948346681889432/posts/3204489672941777/?vh=e&d=n 

 

 https://www.youtube.com/watch?v=MWtzF6aHbrU 

 

[2] - http://www.tjsp.jus.br/Noticias/Noticia?codigoNoticia=61652

 

[3] - (https://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2020/07/19/desembargador-que-humilhouguarda-em-sp-por-conta-de-mascara-ja-havia-ameacado-inspetor-video.ghtml) e (https://www.youtube.com/watch?v=4yOBLxcDvK8

 

[4] - https://www.youtube.com/watch?v=4yOBLxcDvK8

 

[5] - Lei nº 13.869/2019.

Art. 33.  Exigir informação ou cumprimento de obrigação, inclusive o dever de fazer ou de não fazer, sem expresso amparo legal:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único.  Incorre na mesma pena quem se utiliza de cargo ou função pública ou invoca a condição de agente público para se eximir de obrigação legal ou para obter vantagem ou privilégio indevido.

 

[6] - Código Penal -  Desacato

Art. 331 - Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.