Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0005797-15.2022.2.00.0000
Requerente: ANDRE AUGUSTO DUARTE MONCAO
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE PERNAMBUCO - TJPE

 


EMENTA

 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. OFICIAL DE JUSTIÇA DO TJPE. FILHO COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. RESOLUÇÃO Nº 343/2020. REGIME ESPECIAL DE TRABALHO MEDIANTE REDUÇÃO DO NÚMERO DE MANDADOS DISTRIBUÍDOS. COMPATIBILIDADE. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 

1. O cerne da controvérsia reside em saber se o meirinho faz jus ou não ao exercício da atividade em regime especial de teletrabalho (home office) ou redução de jornada de trabalho, na forma de redução do número de mandados distribuídos. 

2. Interesse ou direito que, embora materializado no caso concreto, estende-se, conforme reconhecido pelo Conselheiro Mário Goulart Maia, no PCA nº 0005447-27.2022.2.00.0000, a outras hipóteses difusas, em razão da sua natureza indivisível e titularidade de pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato individual e social (transindividualidade). 

3. Nos termos do artigo 2º, III, da Resolução nº 343/2020, é possível definir horário especial ao servidor cujo filho é portador Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). 

4. Interpretação sistemática da política pública mediante a qual se oferece condições de efetivação do direito social ao desenvolvimento sadio, harmonioso e em condições dignas de existência da criança portadora de deficiência a quem se dirige toda a política afirmativa de inclusão social (Lei nº 8.069/1990, art. 7º). 

5. O tratamento da criança portadora de TEA é obviamente permanente e a presença dos pais é fundamental, especialmente quando se conectam com os profissionais responsáveis, estabelecem diálogo positivo para entender melhor o que acontece com o filho e aprendem a lidar com sintomas da síndrome, dificuldades do tratamento e adaptações necessárias à rotina da família.

6. Cuidando-se de oficial de justiça que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência, necessidades especiais ou doença grave, a diminuição de horário de trabalho se traduz em redução do número de mandados distribuídos, de modo a que a carga de trabalho permita maior dedicação ao dependente. “Se faz jus à redução de quatro horas de trabalho, basta que tenha distribuída carga correspondente à metade do que recebem os seus colegas”(TRF4, Processo SEI nº 0004043-82.2017.4.04.8003).

7. Concessão de regime especial de trabalho ao requerente, mediante a redução da distribuição de mandados, mantida essa relação até que o tribunal realize avaliação de perícia técnica ou de equipe multidisciplinar que justifique o aumento proporcional da carga de trabalho para além do mínimo legal de 4 (quatro) horas diárias ou 20 (vinte) horas semanais, ou o restabelecimento do regime normal de trabalho, desde que, em qualquer hipótese, não se comprometam as condições dignas de existência da criança com necessidades especiais ou do seu núcleo familiar.

 8. Procedência do pedido.

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, julgou procedente o pedido, confirmando a liminar do Id 4914916, de modo que, independentemente de compensação e sem comprometimento da remuneração, seja concedido regime especial de trabalho ao requerente, mediante a redução da distribuição de mandados a ele distribuídos em proporção equivalente à metade do que recebem os demais oficiais de justiça, mantida essa relação até que o TJPE realize avaliação de perícia técnica ou de equipe multidisciplinar que justifique o aumento proporcional da carga de trabalho para além do mínimo legal de 4 (quatro) horas diárias ou 20 (vinte) horas semanais, ou o restabelecimento do regime normal de trabalho, desde que, em qualquer hipótese, não se comprometam as condições dignas de existência da criança com necessidades especiais ou do seu núcleo familiar, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário Virtual, 24 de fevereiro de 2023. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0005797-15.2022.2.00.0000
Requerente: ANDRE AUGUSTO DUARTE MONCAO
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE PERNAMBUCO - TJPE


 

RELATÓRIO 

  

Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo (PCA), com pedido de liminar, formulado por ANDRÉ AUGUSTO DUARTE MONÇÃO, em face do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE PERNAMBUCO (TJPE), em que aponta suposta violação do art. 2º, inciso IV, da Resolução CNJ nº 343/2020 c/c art. 2º, inciso IV, da Resolução TJPE n° 442/2020.

O requerente alega que protocolou pedido administrativo perante a Presidência do TJPE, a fim de exercer as suas atividades funcionais de oficial de justiça em regime de teletrabalho ou com a redução da jornada de trabalho (jornada especial), uma vez que é pai de uma criança - atualmente com 3 (três) anos e (três) meses de idade - diagnosticada, em janeiro de 2021, com Transtorno de Espectro do Autismo (TEA).

Relata que, conforme atestado por laudo médico, a criança é submetida a terapias e na maior parte é acompanhada pelo requerente, atual servidor do TJPE.

Aduz que a sua jornada de trabalho é incompatível com o tratamento médico do filho, prejudicando a sua vida pessoal e profissional e a sua saúde física e mental.

Registra que o filho fora submetido a exame médico pericial e que a Junta Médica Oficial do TJPE emitiu laudo/parecer favorável à inclusão do requerente em regime de teletrabalho.

Pontua, ainda, que a assessoria jurídica do TJPE confirmou o entendimento da Junta Médica do Tribunal, opinando pelo deferimento da inclusão imediata em regime de teletrabalho, pelo prazo de 1 (um) ano.

Apesar disso, informa que o então Presidente do TJPE, em 12/07/2021, indeferiu o pedido, sustentando que os oficiais de justiça possuem sistemática diferente de trabalho, razão pela qual o teletrabalho seria incompatível com a atividade desempenhada por esses servidores.

Posteriormente, com a mudança da Presidência do TJPE, apresentou novo pleito administrativo mais uma vez indeferido, em razão da alegada coisa jugada administrativa.

Apresenta decisões administrativas proferidas por outros tribunais e pelo próprio TJPE em que o teletrabalho ou a redução de jornada teriam sido deferidos a servidores e oficiais de justiça.

Ao final, requerente pede, (a) em caráter LIMINAR, que seja concedido ao Requerente, imediatamente, o direito de poder exercer suas atividades em regime de TELETRABALHO (HOME OFFICE), com fulcro no art. 2º, inciso IV, da Resolução do CNJ n.º 343/2020, c/c inciso IV do art. 2º da Resolução do TJPE n.º 442/2020; (b) na hipótese de indeferimento do pedido supra, mas ainda em sede de liminar, que seja deferida a REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO, de acordo com o art. 2º, inciso III, da Resolução do CNJ n.º 343/2020, c/c o art. 2º, inciso III, da Resolução do TJPE n.º 442/2020, e o art. 174-A, caput, e § 1º, da Lei estadual n.º 6.123/1968, em forma de redução do número de mandados distribuídos, correspondente à metade do que recebem seus colegas, assim como ocorreu no caso paradigma acima apresentado, envolvendo Oficial de Justiça do TRF da 4ª Região (Processo SEI n.º 0004043- 82.2017.4.04.8003); e (c) no mérito, depois de cumpridas as formalidades legais do artigo 94 e ss. do RICNJ, que seja revisado o ato/decisão administrativa do TJPE ora descrito, a fim de reconhecer o direito do requerente de exercer suas atividades em regime de TELETRABALHO (HOME OFFICE), pelo prazo mínimo de 1 (um) ano, renovável, conforme parecer médico emitido pela Junta Médica Oficial do TJPE ou a REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO, na forma de redução do número de mandados distribuídos, correspondente à metade do que recebem os demais oficiais de justiça, sem redução da sua remuneração. 

O TJPE foi devidamente intimado, no Id 4887746, para se manifestar sobre os fatos e pedidos apresentados na inicial destes autos, em especial no que diz respeito às alegadas contrariedades à Resolução CNJ nº 343/2020, que institui condições especiais de trabalho para servidores que sejam pais ou responsáveis por dependentes com deficiência, necessidades especiais ou doença grave.

Em resposta, no Id 4904070, o TJPE informa que o requerente apresentou quatro pedidos idênticos de adesão ao teletrabalho, sendo todos indeferidos.

Relata que o TJPE regulamentou o regime de teletrabalho pela Instrução Normativa nº 27 de 3/11/2017 e editou a Resolução n. 442 de 01/12/2020 (Dje. 04/12/2020) em relação às condições especiais de trabalho para magistrados, magistradas, servidores e servidoras com deficiência, necessidades especiais ou doença grave ou que sejam pais ou responsáveis por dependentes nessa mesma condição.

Alega que é necessário que se faça um estudo prévio de compatibilidade entre a atividade exercida pelo servidor e a necessidade de afastamento das atividades presenciais, sendo certo que, no caso, o exercício do cargo de oficial de justiça não prejudicaria o acompanhamento do menor nas atividades multidisciplinares, e, por essa razão, a Presidência do TJPE indeferiu o pleito de adesão de teletrabalho ou redução de carga horária (redução de distribuição de mandados) demandado pelo requerente.

Rechaça a alegação de tratamento discriminatório e nega que exista outros oficiais de justiça em regime de teletrabalho, no âmbito daquela Corte de Justiça, pois os casos relacionados pelo requerente diziam respeito a casos de trabalho remoto em contexto de pandemia da COVID-19, sendo que, atualmente, com o retorno integral das atividades do TJPE, “não existe Oficial de Justiça em Regime Diferenciado de Trabalho Remoto”.

Sugere que o requerente teria prestado informações inverídicas e que, por isso, estaria respondendo a processo administrativo disciplinar instaurado para averiguar as informações apresentadas nos procedimentos administrativos, nos autos do NPU 0000664-63.2022.2.00.0817 PJECOR.

Argumenta que “o cargo de Oficial de Justiça possui uma sistemática diferente de trabalho, ou seja, é necessário o comparecimento nos Núcleos de Distribuição de Mandados apenas 02 (duas) vezes por semana, em dias alternados, para recepção e devolução dos mandados que lhes forem distribuídos, conforme dispõe o art. 9º da Instrução Normativa nº 09/2006”.

Sustenta que o pedido de trabalho remoto, na modalidade integral e com redução na distribuição de mandados, não se justifica, em razão da compatibilidade de horário, visto que o acompanhamento do menor se dá no período da manhã e não haveria qualquer impedimento para o servidor exercer o cargo de oficial de justiça no período vespertino, pois não há qualquer atividade terapêutica nesse turno.

Observa que o oficial tem garantida a flexibilidade de horário, adaptando-o como lhe aprouver para o acompanhamento do filho nas terapias necessárias ao seu desenvolvimento, não se podendo comparar, por exemplo, a carga horária despendida no serviço público por um ocupante de cargo de Analista, que não detém essa flexibilidade, com a sistemática imposta para aqueles que ocupam cargo de Oficial de Justiça

Por fim, pondera que a posição do TJPE não acarretaria qualquer prejuízo ou dela não decorreria qualquer inconstitucionalidade, tratando-se, apenas, do cumprimento do que foi recomendado por este CNJ, na Resolução nº 343/2020, ao que requer o indeferimento do pedido.

No Id 4904633, o requerente junta novos documentos e informa que não procede a notícia trazida pelo Tribunal requerido de que estaria respondendo a processo administrativo disciplinar, e sim a um pedido de providências, mas que “a Juíza Corregedora Auxiliar responsável pela análise do Pedido de Providências (PP), de forma categórica, opinara pelo ARQUIVAMENTO do procedimento, por entender que não ficou caracterizado nos autos qualquer desvio ou cometimento de infração disciplinar por parte do servidor, na contramão do que insinuou Assessoria Especial da Presidência do TJPE na petição supra referida (id 4904071)”.

No dito parecer da Corregedora-Auxiliar do TJPE, o requerente destaca que se consignou, como reconhecido pelo servidor em sua exposição defensiva, que “os dados utilizados contemplam somente mandados distribuídos perante o sistema PJe, ou seja, os mandados oriundos do sistema Judwin não foram considerados nas tabelas apresentadas, o que por si só revela a inconsistência do argumento utilizado para a obtenção da condição especial de trabalho pleiteada”, de modo que se recomendou “ao servidor André Augusto Duarte Monção que se abstenha de utilizar dados incompletos ou imprecisos com vistas ao atingimento de pleitos formulados perante a Administração Pública, sendo certo que incumbe à coordenação da CEMANDO, conforme inteligência do art. 56 da Instrução Normativa nº 09/2006, o controle sobre a produtividade de cada Oficial de Justiça e, por conseguinte, a supervisão dos dados referentes ao recebimento de mandados pelos integrantes daquela Central”.

O requerente apresenta, ainda, no Id 4906264, réplica às informações prestadas pelo requerido, ao argumento, em suma, de que (a) o requisito de estudo de compatibilidade entre a atividade exercida e o afastamento das atividades presenciais não consta da Resolução TJPE nº 442/2020 e da Resolução CNJ nº 343/2020; (b) quem deveria aferir, na prática, se a carga horária e rotina de trabalho do Oficial de Justiça prejudica ou não o acompanhamento do menor nas terapias de saúde seria a equipe psicossocial do próprio Tribunal, auxiliar da Junta Médica Oficial; (c) o comparecimento do oficial de justiça “duas vezes por semana, em dias alternados” na CEMANDO (art. 9º da IN do TJPE n.º 09/2006) não significa que o servidor “somente trabalhe duas vezes por semana”; e (d) a informação de que existem colegas oficiais de justiça em regime integral de teletrabalho seria verídica, já que haveria pelo menos 02 oficiais de justiça sob esse regime, em especial o oficial de justiça André Antônio Martins Brasil.

Na movimentação de Id 4914916, deferi parcialmente o pedido liminar para determinar a redução, pela metade, da distribuição de mandados ao requerente, por aplicação sistemática do artigo 2º, inciso III, da Resolução CNJ nº 343/2020, c/c o artigo 2º, inciso III, da Resolução do TJPE nº 442/2020, e o artigo 174-A, caput e § 1º, da Lei estadual nº 6.123/1968, sem prejuízo de seus vencimentos, direitos e vantagens funcionais, ficando o requerido autorizado a verificar a possibilidade de calibragem da carga de trabalho do requerente para além do equivalente ao mínimo de 4 horas permitido pela lei estadual, mediante avaliação de perícia técnica ou de equipe multidisciplinar designada pelo tribunal, na forma do § 2º do artigo 4º da Resolução CNJ nº 343/2020.

Liminar ratificada, no Id 4968352, nos termos da seguinte ementa:

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. OFICIAL DE JUSTIÇA DO TJPE. FILHO COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. REGIME ESPECIAL DE TELETRABALHO OU REDUÇÃO DE JORNADA. RESOLUÇÃO Nº 343/2020. CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS HUMANOS. LEI 12.764/2012. LEI 13.146/2015. TRANSINDIVIDUALIDADE. REDUÇÃO DE NÚMERO DE MANDADO DISTRIBUÍDO. POSSIBILIDADE. PRESENTES OS PRESSUPOSTOS PARA DEFERIMENTO DE TUTELA DE URGÊNCIA PELO RELATOR. CONCESSÃO DA LIMINAR EM DECISÃO MONOCRÁTICA. RATIFICAÇÃO DE LIMINAR PELO PLENÁRIO (RICNJ, ART. 25, XI). 

1. O cerne da controvérsia reside em saber se o meirinho faz jus ou não ao exercício da atividade em regime especial de teletrabalho (home office) ou redução de jornada de trabalho, em forma de redução do número de mandados distribuídos.

2. Está-se diante de interesse ou direito que, embora materializado em caso concreto, estende-se, conforme reconhecido pelo Conselheiro Mário Goulart Maia, no PCA nº 0005447-27.2022.2.00.0000, a outras hipóteses difusas, em razão da sua natureza indivisível e titularidade de pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato individual e social (transindividualidade).

3. Nos termos do artigo 2º, III, da Resolução nº 343/2020, permite-se, neste momento, reconhecer a possibilidade de, pelo menos, definir horário especial ao servidor cujo filho é portador Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), uma vez que se antecipa a dificuldade de avançarmos na análise de compatibilidade do exercício do cargo de oficial de justiça com o teletrabalho.

4. Dessa maneira, permite-se interpretação sistemática da política pública mediante a qual se oferece condições de efetivação do direito social ao desenvolvimento sadio, harmonioso e em condições dignas de existência da criança portadora de deficiência a quem se dirige toda a política afirmativa de inclusão social (Lei nº 8.069/1990, art. 7º).

5. O perigo da demora também está caracterizado, porque o tratamento da criança portadora de TEA é obviamente permanente e a presença dos pais é fundamental, especialmente quando se conectam com os profissionais responsáveis, estabelecem diálogo positivo para entender melhor o que acontece com o filho e aprendem a lidar com sintomas da síndrome, dificuldades do tratamento e adaptações necessárias à rotina da família.

 6. Pressupostos da cautelar atendidos. Pedido liminar concedido. Decisão Ratificada pelo Plenário do CNJ.

 

Por meio do Ofício nº 1851540 - ASSESSORIA ESPECIAL DA PRESIDÊNCIA (Id 4937033), o requerido apresentou informações complementares, em que repisou as alegações apresentadas quando da análise do pedido de liminar.

É o relatório. Decido.

 

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0005797-15.2022.2.00.0000
Requerente: ANDRE AUGUSTO DUARTE MONCAO
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE PERNAMBUCO - TJPE

 


 

VOTO

 

Considerando que o requerido não trouxe, nas suas informações complementares, fatos novos com o condão de modificar os fundamentos da decisão concessiva da liminar, mantenho-lhes as razões integralmente neste voto:

(...)

Evidencia-se, aqui, que o requerente é, além de ocupante do cargo efetivo de oficial de justiça do TJPE, pai de uma criança de pouco mais de 3 (três) anos de idade diagnosticada, em janeiro de 2021, com Transtorno de Espectro do Autismo (TEA).

Nesse contexto, o cerne da controvérsia reside em saber se o meirinho faz jus ou não ao exercício da atividade em regime especial de teletrabalho (home office) ou redução de jornada de trabalho, em forma de redução do número de mandados distribuídos.

Trata-se, pois, de exame de legalidade de ato de tribunal voltado a verificar os fundamentos e os limites da decisão, em cotejo com as normas balizadoras das condições especiais de trabalho para servidores pais ou responsáveis por dependentes portadores de deficiência, necessidades especiais ou doença grave, em conformidade, na sua dimensão primária, com a Resolução CNJ 343/2020, fundada na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, instrumento assinado no estado americano de Nova Iorque em 30 de março de 2007 e promulgado pelo Brasil em 25 de agosto de 2009, com status de norma constitucional, à luz do artigo 5º, § 3º, da CRFB, para incorporar (a) o respeito à dignidade inerente à autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência da pessoa; (b) a não discriminação; (c) a plena e efetiva participação e inclusão na sociedade; (d) o respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade; (e) a igualdade de oportunidades; (f) a acessibilidade; (g) a igualdade entre homem e mulher; e (h) o respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito das crianças com deficiência de preservar sua identidade.

Esses atos normativos foram intercalados pela Lei nº 12.764/2012, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e passou a considerar as pessoas portadoras de TEA como pessoas portadoras de deficiência, para todos os efeitos legais; e pela Lei nº 13.146/2015, que lhes assegurou a inclusão social e a cidadania através da promoção do exercício de direitos e das liberdades fundamentais em condições de igualdade com as demais pessoas, impondo como dever do Estado, da sociedade e da família a garantia da efetivação dos seus direitos ao bem-estar pessoal, social e econômico, na forma da CRFB, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo e das leis e outras normas relativas ao tema (art. 8º).

Assim materializados esses princípios por ato normativo deste CNJ, está-se diante de interesse ou direito que, embora materializado em caso concreto, estende-se, conforme reconhecido pelo Conselheiro Mário Goulart Maia, no PCA nº 0005447-27.2022.2.00.0000, a outras hipóteses difusas, em razão da sua natureza indivisível e titularidade de pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato individual e social (transindividualidade)[1].

Por isso, nos termos do artigo 2º, III, da Resolução nº 343/2020, permite-se, neste momento, reconhecer a possibilidade de, pelo menos, definir horário especial ao servidor cujo filho é portador Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), uma vez que se antecipa a dificuldade de avançarmos na análise de compatibilidade do exercício do cargo de oficial de justiça com o teletrabalho, como bem pontuado pelo tribunal pernambucano. 

Com efeito, na linha do citado entendimento do Conselho de Administração do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, lançado no acórdão proferido no Processo SEI nº 0004043-82.2017.4.04.8003, necessitando o dependente de cuidados especiais, a diminuição da jornada do oficial de justiça se traduz naturalmente na redução do número de mandados distribuídos, de modo que a sua carga de trabalho permita maior dedicação ao dependente[2].

Se há, v.g., redução de quatro horas de trabalho, a carga de trabalho correspondente equivalerá à metade do que recebem normalmente os colegas do requerente, considerando as especificidades das atribuições do cargo de oficial de justiça.

Dessa maneira, permite-se interpretação sistemática da política pública mediante a qual se oferece condições de efetivação do direito social ao desenvolvimento sadio, harmonioso e em condições dignas de existência da criança portadora de deficiência a quem se dirige toda a política afirmativa de inclusão social (Lei nº 8.069/1990, art. 7º).

No aspecto da juridicidade, esse entendimento é perfeitamente adequado à interpretação do Regime Jurídico dos Servidores do Estado de Pernambuco, visto que o artigo 174-A da Lei estadual nº 6.123/1968 disciplina o seguinte:

Art. 174-A. Ao servidor público estadual que tenha filho com deficiência ou detenha a tutela, curatela ou guarda judicial de pessoa com deficiência, será concedido horário especial de trabalho, independentemente de compensação, sem prejuízo de seus vencimentos, direitos e vantagens, desde que comprovada a necessidade pelo Serviço de Perícias Médicas e Segurança do Trabalho do Estado. (Acrescido pelo art. 1° da Lei Complementar n° 371, de 26 de setembro de 2017.) (Regulamentado pelo Decreto n° 45.185, de 26 de outubro de 2017.)

§ 1º O horário especial poderá ser concedido sob a forma de jornada reduzida em dias consecutivos ou intercalados, ou ausência ao trabalho em dia específico por semana, conforme necessidade ou programa de atendimento da pessoa com deficiência, desde que seja cumprida a jornada de trabalho mínima de 4 (quatro) horas diárias ou 20 (vinte) horas semanais. (Acrescido pelo art. 1° da Lei Complementar n° 371, de 26 de setembro de 2017.)

§ 2º A jornada reduzida ou a ausência, nos termos do § 1º, será considerada como efetivo exercício para todos os fins e efeitos legais. (Acrescido pelo art. 1° da Lei Complementar n° 371, de 26 de setembro de 2017.)

§ 3º O servidor ocupante de dois cargos ou empregos públicos constitucionalmente acumuláveis, somente poderá requerer a concessão de horário especial de um dos dois vínculos. (Acrescido pelo art. 1° da Lei Complementar n° 371, de 26 de setembro de 2017.)

§ 4º O estágio probatório não impede a fruição do direito previsto no caput. (Acrescido pelo art. 1° da Lei Complementar n° 371, de 26 de setembro de 2017.)  

O perigo da demora também está caracterizado, porque o tratamento da criança portadora de TEA é obviamente permanente e a presença dos pais é fundamental, especialmente quando se conectam com os profissionais responsáveis, estabelecem diálogo positivo para entender melhor o que acontece com o filho e aprendem a lidar com sintomas da síndrome, dificuldades do tratamento e adaptações necessárias à rotina da família.

A falta de acompanhamento adequado e a sobrecarga de trabalho dos pais, portanto, pode causar prejuízos ao desenvolvimento do pequeno infante e desequilibrar emocionalmente todo o núcleo familiar.

Lado outro, não há qualquer perigo de prejuízo ao TJPE, uma vez que a redução da distribuição de mandados de forma proporcional ou equivalente à metade da carga horária, no caso de julgamento de mérito desfavorável ao requerente, poderá ser compensada oportunamente.

Pelo exposto, DEFIRO O PEDIDO LIMINAR FORMULADO, para determinar a redução pela metade da distribuição de mandados ao requerente, por aplicação sistemática do artigo 2º, inciso III, da Resolução CNJ nº 343/2020, c/c o artigo 2º, inciso III, da Resolução do TJPE nº 442/2020, e o artigo 174-A, caput e § 1º, da Lei estadual nº 6.123/1968, sem prejuízo de seus vencimentos, direitos e vantagens funcionais.

O requerido fica autorizado a verificar a possibilidade de calibragem da carga de trabalho do requerente para além do equivalente ao mínimo de 4 horas permitido pela lei estadual, mediante avaliação de perícia técnica ou de equipe multidisciplinar designada pelo tribunal, na forma do § 2º do artigo 4º da Resolução CNJ nº 343/2020.

Em tempo e com urgência, intime-se o Presidente do TJPE para ciência e cumprimento desta decisão e, no prazo regimental, preste informações adicionais ou apresente defesa acerca do alegado pelo requerente.

Determino a notificação do TRF4, para informar sobre os parâmetros adotados e o impacto da diminuição do número de mandados distribuídos aos oficiais de justiça para maior dedicação aos dependentes portadores de TEA, conforme o noticiado sobre o acórdão proferido no Processo SEI nº 0004043- 82.2017.4.04.8003.

Nos termos do artigo 25, XI, do Regimento Interno do CNJ, inclua-se o presente feito em pauta, na primeira oportunidade, para submissão desta decisão ao referendo do Plenário.

À Secretaria Processual do CNJ para as providências que lhe competem.

Ciência às partes.

Ao fim, nova conclusão.

Brasília/DF, data registrada no sistema.

 

Conselheiro Marcello Terto

Relator

 

Como se percebe, o tratamento da criança portadora de TEA demanda a presença permanente dos pais, para que se conectem com os profissionais responsáveis pelo tratamento, estabeleçam diálogo positivo para entender melhor o que acontece com o filho e aprendam a lidar com sintomas da síndrome, dificuldades do tratamento e adaptações necessárias à rotina da família.

A defesa do TJPE se sustenta basicamente em que a concessão do regime especial de trabalho ao servidor dependeria de estudo prévio de compatibilidade entre a atividade do oficial de justiça e o afastamento das atividades presenciais.

Nada obstante, essa posição é superada pelo fato de que a diminuição de horário de trabalho do oficial de justiça se traduz na redução do número de mandados distribuídos, de modo a que a carga de trabalho permita maior dedicação ao dependente, em cumprimento da Resolução nº 343/2020.

Então, se é incumbência do TJPE avaliar medidas de ajuste para a calibragem da carga de trabalho, a sua omissão em relação a essa medida não deve dar sustentação à simples negativa do pedido do servidor em razão das atribuições especiais do seu cargo.

A maneira de levar a efeito a política de assistência aos dependentes com deficiência, necessidades especiais ou doença grave é, portanto, considerar o Laudo da Junta Médica Oficial, que, embora tenha recomendado indevidamente um regime de teletrabalho, naturalmente incompatível com as atividades ou atribuições do cargo de oficial de justiça, deve ser aproveitado para estabelecer as condições especiais de trabalho, no caso, mediante a redução proporcional do número de mandados distribuídos ao oficial de justiça. 

 

                                                                                                        DISPOSITIVO

 

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido, confirmando a liminar do Id 4914916, de modo que, independentemente de compensação e sem comprometimento da remuneração,  seja concedido regime especial de trabalho ao requerente, mediante a redução da distribuição de mandados a ele distribuídos em proporção equivalente à metade do que recebem os demais oficiais de justiça, mantida essa relação até que o TJPE realize avaliação de perícia técnica ou de equipe multidisciplinar que justifique o aumento proporcional da carga de trabalho para além do mínimo legal de 4 (quatro) horas diárias ou 20 (vinte) horas semanais, ou o restabelecimento do regime normal de trabalho, desde que, em qualquer hipótese, não se comprometam as condições dignas de existência da criança com necessidades especiais ou do seu núcleo familiar.

 



[1] PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO. CONDIÇÃO ESPECIAL DE TRABALHO. MAGISTRADO COM FILHO MENOR. RESOLUÇÃO 343/2020. RESOLUÇÃO TJMA 91/2020. PRESSUPOSTOS. DIREITOS FUNDAMENTAIS. INTERESSE PÚBLICO. PRINCÍPIOS DA UNIDADE FAMILIAR E DA PRIORIDADE ABSOLUTA DA CRIANÇA. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

[2] HORÁRIO ESPECIAL. ARTIGO 98 DA LEI 8.112, DE 1990. LEI 13.370, DE 2016. RESOLUÇÃO CNJ Nº 453/2017. CASO EM QUE A DOENÇA DO FILHO EXIGE MAIOR DEDICAÇÃO DO SERVIDOR, OFICIAL DE JUSTIÇA. Nos termos do artigo 98 da Lei 8.112, de 1990, com as alterações constantes da Lei nº 13.370, de 2016, deve ser deferido horário especial ao servidor que tenha deficiência comprovada por laudo realizado por junta médica oficial ou ao servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência. Caso em que o dependente do servidor é portador de deficiência grave com necessidade de cuidados especiais. A diminuição de horário de trabalho se traduz, para o oficial de justiça, em redução do número de mandados distribuídos, de modo a que a carga de trabalho permita maior dedicação ao dependente. Se faz jus à redução de quatro horas de trabalho, basta que tenha distribuída carga correspondente à metade do que recebem seus colegas. Conforme a regulamentação realizada no CNJ, a avaliação médica deve ser anual. ACÓRDÃO. Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide o Conselho de Administração do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, dar parcial, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre/RS, 24 de abril de 2018. Desa. Maria de Fátima Freitas Labarrère.