Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0005401-09.2020.2.00.0000
Requerente: ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS DA JUSTIÇA DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO - AMATRA3
Requerido: TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3 REGIAO

 


PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO. PUBLICAÇÃO DE NOVO REGIMENTO INTERNO. LIMITAÇÃO DA LICENÇA DECORRENTE DE FALECIMENTO À MORTE DOS PARENTES DE PRIMEIRO GRAU. AUSENCIA DE LIMITAÇÃO NO ART. 72 DA LOMAN. EXORBITÂNCIA DO PODER REGULAMENTAR. ATRIBUIÇÕES DA CORREGEDORIA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE.

1. O art. 72, II, da LOMAN, ao prever licença no caso de “falecimento de cônjuge, ascendente, descendente ou irmão”, não faz restrição do grau de parentesco em relação aos ascendentes e descendentes.

2. Extrapola o poder regulamentar o art. 93, VI, do Regimento Interno do TRT3 (instituído pela Resolução Administrativa n. 51/2020), o qual que prevê aos magistrados a licença de 8 dias nos casos de “falecimento do cônjuge ou companheiro, pais, madrasta ou padrasto, irmãos, filhos, enteados, menor sob guarda ou tutela ou dependente que viva às suas expensas e conste de seu assentamento funcional”.

3. A possibilidade de a Corregedoria apurar e ordenar a realização de audiências todos os dias da semana, se necessário, nos casos em que se vislumbrar atrasos, não retira dos magistrados a liberdade de direção do processo prevista no art. 765 da CLT e é inerente à atividade correcional e de gestão da atividade jurisdicional.

4. Também não é ilegal e é inerente à atividade correcional a possibilidade de controle, realizado pela Corregedoria do Tribunal, do exercício abusivo da faculdade prevista no § 1º do art. 145 do Código de Processo Civil.

 

5. Parcial procedência dos pedidos. 

 

 

 

 

 ACÓRDÃO

Após o voto do Conselheiro Vistor, o Conselho, por maioria, julgou parcialmente procedente o pedido para declarar a invalidade do art. 93, VI, do Regimento Interno do TRT3, nos termos do voto do então Relator. Vencidos, parcialmente, os Conselheiros Mário Guerreiro, Luiz Fux, Flávia Pessoa, Sidney Madruga e Mário Goulart Maia, que julgavam procedentes os pedidos e declaravam a nulidade do inciso V, d, e inciso XVIII do art. 29, bem como do inciso VI do art. 93 do Regimento Interno do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 8 de outubro de 2021. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura, Luiz Fernando Tomasi Keppen, Rubens Canuto (então Relator), Tânia Regina Silva Reckziegel, Mário Guerreiro, Flávia Pessoa, Sidney Madruga, Ivana Farina Navarrete Pena, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, André Godinho, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votaram, em razão das vacâncias dos cargos, os representantes do Tribunal Superior do Trabalho e da Justiça Federal.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0005401-09.2020.2.00.0000
Requerente: ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS DA JUSTIÇA DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO - AMATRA3
Requerido: TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3 REGIAO


RELATÓRIO

 Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo (PCA), com pedido liminar, proposto pela Associação dos Magistrados do Trabalho da 3ª Região – AMATRA3 no qual requer a anulação de dispositivos do Regimento Interno do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT3).

Alega que o novo Regimento Interno do TRT3, instituído por meio da Resolução Administrativa n. 51, de 4 de junho de 2020, contém 3 normas ilegais, quais sejam: inciso V, “d”, e inciso XVIII do art. 29 e inciso VI do art. 93.

Informa que a alínea “d” do inciso V e o inciso XVIII do artigo 29 atribuem as seguintes competências ao Corregedor:

 

Art. 29. Compete ao corregedor:

V - apurar, de ofício ou mediante representação, e ordenar, se necessário:

(...)

d) a realização de audiências em todos os dias úteis da semana, quando constatar que o prazo de designação das audiências iniciais supera 2 (dois) meses, contados da data da distribuição da ação, ou que o prazo de designação das audiências de instrução supera 6 (seis) meses, contados da data da audiência inicial;

(...)

XVIII - adotar, fundamentadamente, medidas para coibir o uso abusivo, pelo juiz, da faculdade prevista no § 1º do art. 145 do Código de Processo Civil;

 

Sustenta que a regra prevista na alínea “d” viola a autonomia funcional dos magistrados, bem como contraria o dever de independência previsto no art. 35, I, da LOMAN.

Acrescenta que a referida regra desrespeita o art. 765 da Consolidação das Leis do Trabalho, o qual prevê ampla liberdade ao magistrado na direção do processo.

Defende que “além da liberdade decisória no julgamento das causas a ele submetidas, o magistrado também deve ter plena liberdade para organizar sua prestação jurisdicional”, dentro da qual “está inserida a organização/disposição de sua pauta de audiências”, donde se conclui que a norma regimental é ilegal, por violar a autonomia e independência do magistrado.

Em relação ao inciso XVIII, que diz respeito à declaração de suspeição por foro íntimo sem necessidade de declarar as razões, defende a ilegalidade do controle dessa faculdade por parte da Corregedoria, na medida em que esse controle viola a independência funcional dos magistrados.

Além disso, sustenta que a previsão regimental é “genérica [e] que contribui para a formação de um movediço terreno de insegurança judicante e dá ao corregedor um poder ilegal”.

Argumenta que a norma processual dá ao magistrado a garantia de que não será compelido a revelar as razões da declaração de suspeição, e que não há que se cogitar a possibilidade de “abuso de direito” de quem apenas faz uso de uma faculdade garantida por lei.

Quanto ao art. 93, VI, que prevê aos magistrados a licença de 8 dias nos casos de “falecimento do cônjuge ou companheiro, pais, madrasta ou padrasto, irmãos, filhos, enteados, menor sob guarda ou tutela ou dependente que viva às suas expensas e conste de seu assentamento funcional”, sustenta sua ilegalidade por fazer restrição não prevista na LOMAN.

Argumenta que o art. 72, II, da LOMAN, prevê essa licença no caso de “falecimento de cônjuge, ascendente, descendente ou irmão”, sem restrição do grau de parentesco em relação aos ascendentes e descendentes, de forma que o TRT3 não poderia restringir a licença aos casos de falecimentos de filhos e pais ou madrasta e padrasto.

Pede a suspensão cautelar dos dispositivos impugnados e sua declaração de nulidade ao final.

Instado à manifestação, O TRT3 defendeu as normas impugnadas e esclareceu que o Regimento Interno instituído pela Resolução Administrativa n. 51/2020 foi fruto de dois anos de discussão no tribunal e reflete o entendimento predominante daquela corte (id 4067480).

A Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho - ANAMATRA pede o ingresso no feito como terceira interessada (id 4056546).

Por decisão proferida em 13/8/2020, suspendeu-se liminarmente o art. 93, VI, do Regimento Interno do TRT3, a qual foi posteriormente ratificada pelo Plenário (acórdão id 4133338).

É o relatório.

Brasília, 21 de outubro de 2020.

Conselheiro RUBENS CANUTO

                    Relator

 

                                                                                                     VOTO

Não se vislumbra ilegalidade na atribuição, à Corregedoria, das competências de apuração e ordenação da realização de audiências em todos os dias da semana prevista na alínea “d” do inciso V do art. 29, consoante a qual:

Art. 29. Compete ao corregedor:

V - apurar, de ofício ou mediante representação, e ordenar, se necessário:

(...)

d) a realização de audiências em todos os dias úteis da semana, quando constatar que o prazo de designação das audiências iniciais supera 2 (dois) meses, contados da data da distribuição da ação, ou que o prazo de designação das audiências de instrução supera 6 (seis) meses, contados da data da audiência inicial;

 

Conforme previsão no dispositivo impugnado, a competência da Corregedoria se dá nos casos em que “o prazo de designação das audiências iniciais supera 2 (dois) meses, contados da data da distribuição da ação, ou que o prazo de designação das audiências de instrução supera 6 (seis) meses, contados da data da audiência inicial”.

Trata-se de questão de organização da prestação jurisdicional no respectivo âmbito de jurisdição, para cuja disciplina os tribunais têm autonomia constitucional.

Não se trata, como defendeu a requerente, de gestão da pauta de audiências pela Corregedoria, mas intervenção desta nos casos em que se vislumbrar atrasos na sua realização desses atos. A norma regimental busca, em suma, a celeridade da prestação jurisdicional, atendendo ao princípio da razoável duração do processo.

Como se vê das informações prestadas pelo TRT3, a norma teve origem em proposição justificada da seguinte forma:

 

Evitar que os magistrados que não residem na jurisdição da Vara realizem audiências apenas alguns dias na semana, geralmente às terças, quartas e quintas-feiras, como se tem observado atualmente. É notório que a realização de audiência em apenas alguns dias da semana resulta, indubitavelmente, em pautas com elevado número de processos, além do agendamento de instruções em inobservância ao princípio constitucional da duração razoável do processo

O dispositivo impugnado revela preocupação do TRT com a boa gestão e das pautas de audiências, e tem como objetivo zelar pela celeridade na sua realização, queixa muito recorrente entre advogados e jurisdicionados. Trata-se de medida de gestão da prestação jurisdicional a fim de garantir mais eficiência e celeridade, .

Ampla liberdade na direção do processo, como garantido pelo art. 765 da CLT, está relacionada à boa condução do processo, especialmente no que diz respeito à instrução probatória, e o andamento rápido das causas. Não tem nada que ver com a possibilidade ou não de intervenção da Corregedoria quando constatado atraso na realização das audiências em geral.

Não se vislumbra, assim, desrespeito ao poder diretivo conferido ao juiz do trabalho pelo art. 765 da CLT, de organizar as suas pautas de audiências, na medida em que a atuação da corregedoria será excepcional e nos casos de atraso na realização das audiências.

Também não se vislumbra ilegalidade no inciso XVIII do art. 29, segundo o qual atribui ao Corregedor a competência para “adotar, fundamentadamente, medidas para coibir o uso abusivo, pelo juiz, da faculdade prevista no § 1º do art. 145 do Código de Processo Civil”.

A norma processual diz respeito à declaração de suspeição do juiz por motivo de foro íntimo, caso em que é legal e expressamente dispensada a declaração das razões.

O que a norma prevê, na minha visão, é a possibilidade de controle em casos de abusos do exercício da faculdade prevista no dispositivo processual, casos em que sempre será legítima a intervenção da Corregedoria, atuação essa que – penso - sequer necessitaria de constar de previsão expressa no regimento.

A simples previsão da possibilidade de controle não é ilegal, pois se trata de atividade inerente ao poder correcional e disciplinar das corregedorias.

Importante registrar que não se extrai da norma impugnada nenhuma interpretação que compila o juiz a declarar as razões pelas quais se declara sua suspeição, o que em princípio seria vedado (como ocorreu com a revogada Resolução CNJ n. 82/2009, suspensa pelo STF com fundamento em inconstitucionalidade).

O uso regular da faculdade prevista na norma Processual – assim como ocorre com a atividade judicante como um todo – não haverá nenhum prejuízo e estará indene de intervenções pela corregedoria.

Com efeito, a atividade judicante – não obstante norteadas pelos princípios da independência e autonomia funcional – não está imune a controle, e sempre que houver abuso no seu exercício, haverá possibilidade, pelo menos em tese, de atuação das corregedorias, o que se revela instrumento de fortalecimento do Estado Democrático de Direito e da preservação da higidez da prestação jurisdicional.

Dessa forma, não se vislumbra ilegalidade na referida previsão regimental.

O mesmo não se afirma, entretanto, em relação ao art. 93, VI, do Regimento, o qual possui a seguinte redação:

 

Art. 93.  O magistrado poderá afastar-se de suas funções, mediante licença, sem prejuízo dos subsídios integrais, direitos ou vantagem legal, em razão de:

(...)

VI - falecimento do cônjuge ou companheiro, pais, madrasta ou padrasto, irmãos, filhos, enteados, menor sob guarda ou tutela ou dependente que viva às suas expensas e conste de seu assentamento funcional, por 8 (oito) dias consecutivos.

 

Ao restringir a licença por falecimento a filhos e pais, a norma impõe restrição não prevista na LOMAN, diploma que regulamente suficientemente a questão (no aspecto discutido nos autos).

Com efeito, o art. 72 da LOMAN dispõe que o magistrado poderá afastar-se de suas funções até oito dias consecutivos por motivo de “falecimento de cônjuge, ascendente, descendente ou irmão”, não havendo limitação quanto ao grau de parentesco na linha reta.

Assim, tem-se que o Regimento Interno extrapolou o poder regulamentar, nessa parte, na medida em que restringiu direito cuja regulamentação está suficientemente clara na LOMAN, o que torna a restrição ilegal.

Diante do exposto JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido para declarar a invalidade do art. 93, VI, do Regimento Interno do TRT3 (instituído pela Resolução Administrativa n. 51/2020).

É como voto.

 

 

Acórdão assinado pela substituta regimental em razão do término do mandato do então Conselheiro Rubens Canuto, nos termos do inciso I do art. 24 do RICNJ.

Brasília, data registrada em sistema.

 

Conselheira Tânia Regina Silva Reckziegel

Relatora em substituição

(art. 24, I, do RICNJ)

 

VOTO-VISTA PARCIALMENTE DIVERGENTE 

 

 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO. REGIMENTO INTERNO. INSTITUIÇÃO DE REGRAS QUE AFRONTAM A INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL DOS MAGISTRADOS. INCOMPATIBILIDADE COM O ARCABOUÇO CONSTITUCIONAL, LEGAL E JURISPRUDENCIAL QUE REGE A MATÉRIA. PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS.

 

 

 

Trata-se de procedimento de controle administrativo proposto pela Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 3ª Região (AMATRA 3) contra dispositivos do Regimento Interno do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (inciso V, “d”, e inciso XVIII do art. 29 e inciso VI do art. 93), que teriam imposto restrição à licença por falecimento, bem como atribuído à corregedoria local o poder de ordenar a realização de audiências e de adotar medidas para coibir o uso abusivo da declaração de suspeição por motivo de foro íntimo. Eis a redação dos dispositivos impugnados (grifei):

 

“Art. 29. Compete ao corregedor:

[...]

V - apurar, de ofício ou mediante representação, e ordenar, se necessário:

[...]

d) a realização de audiências em todos os dias úteis da semana, quando constatar que o prazo de designação das audiências iniciais supera 2 (dois) meses, contados da data da distribuição da ação, ou que o prazo de designação das audiências de instrução supera 6 (seis) meses, contados da data da audiência inicial;

[...]

XVIII - adotar, fundamentadamente, medidas para coibir o uso abusivo, pelo juiz, da faculdade prevista no § 1º do art. 145 do Código de Processo Civil;

[...]

Art. 93.  O magistrado poderá afastar-se de suas funções, mediante licença, sem prejuízo dos subsídios integrais, direitos ou vantagem legal, em razão de:

(...)

VI - falecimento do cônjuge ou companheiro, pais, madrasta ou padrasto, irmãos, filhos, enteados, menor sob guarda ou tutela ou dependente que viva às suas expensas e conste de seu assentamento funcional, por 8 (oito) dias consecutivos.”

 

Após apreciar o caso, o relator julgou ser necessário acolher o pedido da requerente relativo ao art. 93, VI, do RITRT3, para declarar a nulidade do dispositivo, porquanto o tribunal teria exorbitado de seu “poder regulamentar, quando restringiu direito cuja regulamentação está suficientemente clara na LOMAN, o que torna a restrição feita à licença por falecimento ilegal”.

Considerou, entretanto, que não há ilegalidade na alínea “d” do inciso V do art. 29 do RITRT3, uma vez que não haveria desrespeito ao poder diretivo conferido ao juiz do trabalho, já que a atuação da corregedoria seria excepcional e nos casos de atraso na realização das audiências.

Entendeu, outrossim, que não existe irregularidade no inciso VIII do art. 29 do RITRT3, visto que o regramento da norma seria direcionado à possibilidade de controle nas hipóteses de abusos da declaração de suspeição, “casos em que sempre será legítima a intervenção da Corregedoria”.

 

É o breve relato.

 

Assim como consignou o relator, reputo ser imperiosa a declaração de nulidade do inciso VI do art. 93 do Regimento Interno do TRT 3 (licença por falecimento), já que não há como manter em vigor regra que restringe direito dos magistrados, em clara afronta à Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LC 35/1979 - LOMAN).

Não posso comungar, contudo, do entendimento perfilhado pelo conselheiro sobre os demais dispositivos atacados pela requerente, porquanto considero que se está diante de caso em que, a pretexto de assegurar a boa gestão da prestação jurisdicional e de evitar supostos abusos, intenta-se verdadeira limitação da independência funcional dos magistrados.

Com efeito, ao ratificar a liminar concedida nestes autos, ressaltei que a intervenção deste conselho naquele momento seria precipitada, uma vez que poderia haver outros elementos relevantes a serem considerados in casu.

E assim o fiz, porque, embora se trate de garantia de inarredável relevância, a independência funcional dos magistrados não pode representar obstáculo para o regular desenvolvimento da prestação jurisdicional, com qualidade e em prazo razoável.

Ocorre que, em uma análise mais detida do feito, não se verifica a existência de elementos capazes de justificar a ingerência tencionada pelo TRT 3 em relação à gestão das pautas de audiências e à faculdade de que dispõe o juiz para se declarar suspeito.

Ainda que o tribunal tenha identificado situações concretas de indiscutível descompasso entre a atuação do magistrado e a garantia do efetivo acesso à justiça, há que se reconhecer que tal desvirtuamento deve dar ensejo à atividade censória dos órgãos de correição, incluindo a do CNJ, seja para adoção de medidas em prol da eficiência dos serviços judiciários, seja para o exercício do poder disciplinar.

O que não se admite, todavia, é que o juízo a ser exercido pelo magistrado, legítimo dirigente dos autos à luz de cada caso concreto, seja suprimido de forma genérica e com caráter geral, como pretende a corte requerida.

Impor regras que obstem a liberdade que o magistrado tem de organizar os trabalhos e estabelecer as rotinas de sua unidade judiciária, bem como que inibam a autonomia de avaliar situação motivadora de suspeição é desconsiderar a existência de todo o arcabouço legal que ampara o exercício pleno da jurisdição (art. 41[1] da LOMAN; art. 765[2] da CLT e art. 145, § 1º[3], do CPC).

Mais que isso, prever a interferência com medidas de natureza correcional, que têm o intuito de “corrigir” a conduta dos magistrados, por meio de um temor disciplinar, é ignorar a própria razão de ser das prerrogativas constitucionais (art. 95, I, II e III, da CRFB) e violar um dos pressupostos do Estado Democrático de Direito: a independência do juiz.

Não por outro motivo, a própria resolução deste conselho (Resolução CNJ 82/2009) que exigia que fossem expostas as razões de suspeição por motivo de foro íntimo foi revogada.

Sendo assim, não vejo outro caminho para o presente caso, senão o de seguir os firmes precedentes do CNJ, que assentam a impossibilidade ingerência na atividade jurisdicional do magistrado, e reconhecer a ilegalidade dos incisos V, “d”, e XVIII do art. 29 do RITRT3 (grifei):

 

“PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. ATO CONJUNTO TST/CSJT/CGJT 1/2019. SEGURO GARANTIA JUDICIAL E FIANÇA BANCÁRIA. SUBSTITUIÇÃO DA PENHORA OU DEPÓSITO RECURSAL EM DINHEIRO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E À INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL DA MAGISTRATURA. [...] PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

[...] Fica claro, portanto, que a redação do § 2º do art. 835 do CPC equipara a fiança bancária e o seguro garantia judicial ao dinheiro na ordem de preferência à penhora, autorizando expressamente a substituição de montante eventualmente penhorado no processo de execução por essas outras garantias.

[...] Ora, trata-se aqui de juízo fático-probatório a ser exercido pelo magistrado condutor da execução à luz de circunstâncias de cada caso concreto, circunscrito à reserva de jurisdição, não podendo ser suprimido de forma geral e irrestrita por órgão com atribuições exclusivamente administrativas. [...]

Verifica-se, desse modo, outro vício no art. 7o do ato normativo em discussão, qual seja, a exorbitância da atribuição administrativa dos órgãos superiores da Justiça do Trabalho para matéria submetida à reserva de jurisdição, em prejuízo da independência funcional da magistratura. [...]” 

(Procedimento de Controle Administrativo 0009820-09.2019.2.00.0000, Rel. Mário Guerreiro, 6ª Sessão Virtual Extraordinária, julgado em 27/03/2020)

 

 

“PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. EXERCÍCIO DA JUDICATURA. INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL DO MAGISTRADO. DECISÕES JUDICIAIS. IMPUGNAÇÃO. EXISTÊNCIA DE MEIOS PRÓPRIOS. MOROSIDADE INJUSTIFICADA. INOCORRÊNCIA. INAUGURAÇÃO DE OBRAS PÚBLICAS. FALTA FUNCIONAL NÃO CONFIGURADA.
1. A fim de garantir o exercício da função jurisdicional, a Constituição da República Federativa do Brasil estabelece em favor da Magistratura a garantia de independência,
como reflexo da vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídios (Art. 95, I, II e III), possibilitando que o juiz decida a causa livre de pressões externas e ingerências.
2. O sistema jurídico brasileiro dispõe de diversos meios de impugnação de decisões judiciais, não
sendo o juízo correicional a sede adequada para rever uma decisão judicial.
3. A morosidade que enseja a aplicação de penalidade administrativa é aquela injustificada, decorrente de dolo ou culpa grave por parte do juiz.
4. O comparecimento de magistrado em inaugurações de obras públicas e o seu empenho em angariar verbas para obras sociais não caracteriza conduta imprópria, quando ausente qualquer finalidade de obter dividendos políticos.
5. Arquivamento do processo administrativo disciplinar ante a improcedência do pedido.”
(Processo Administrativo Disciplinar 0006025-05.2013.2.00.0000, Rel. Ana Maria Duarte Amarante Brito, 214ª Sessão Ordinária, julgado em 25/08/2015).

 

 

“RECURSO ADMINISTRATIVO NO PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DE SÃO PAULO. PENHORA ON LINE. BACENJUD. SUGESTÕES NÃO ACATADAS. IMPOSSIBILIDADE DE INGERÊNCIA NA ATIVIDADE JURISDICIONAL DO MAGISTRADO. INVIABILIDADE DE ALTERAÇÃO DO
REGULAMENTO DO BACENJUD. RECURSO CONHECIDO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1 – O sistema BACENJUD é um poderoso instrumento apto à efetivação do princípio constitucional da celeridade processual, e deve ser utilizado de forma razoável pelos magistrados brasileiros, contudo é inviável recomendação a magistrados quanto a teses jurídicas ou que lhes seja retirada a faculdade de decidir pela utilização ou não do sistema.
2 – Recurso conhecido a que se nega provimento, mantida a decisão monocrática do Relator.”

(Recurso Administrativo no Pedido de Providências 0007074-86.2010.2.00.0000, Rel. Felipe Locke Cavalcanti, 129ª Sessão Ordinária, julgado em 21/06/2011)

 

Ante o exposto, DIVIRJO PARCIALMENTE DO RELATOR, PARA JULGAR PROCEDENTES OS PEDIDOS E DECLARAR A NULIDADE do inciso V, “d”, e inciso XVIII do art. 29, bem como do inciso VI do art. 93 do Regimento Interno do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região.

É como voto.

 

Conselheiro MÁRIO GUERREIRO.




[1] Art. 41 - Salvo os casos de impropriedade ou excesso de linguagem o magistrado não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir.

[2] Art. 765 - Os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas.

[3] Art. 145. [...]

§ 1º Poderá o juiz declarar-se suspeito por motivo de foro íntimo, sem necessidade de declarar suas razões.