ACÓRDÃO

Após o voto do Conselheiro Ministro Luiz Fux (vistor), o Conselho, por maioria, deu provimento ao recurso. Vencidos a então Corregedora Nacional de Justiça, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, e os Conselheiros Vieira de Mello Filho, Salise Sanchotene, Jane Granzoto e Giovanni Olsson. Lavrará o acórdão o Conselheiro Mário Goulart Maia. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário, 30 de agosto de 2022. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Luiz Fux, Luis Felipe Salomão (Relator), Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0004727-65.2019.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA
Requerido: MARIA OFÉLIA SILVA CAVALCANTI RODRIGUES

 

RELATÓRIO 

A EXMA. DRA. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA (Relatora): 

Trata-se de recurso administrativo interposto por Maria Ofélia Silva Cavalcanti Rodrigues contra r. decisão monocrática proferida pelo Ministro Aloysio Côrrea da Veiga, então Corregedor Nacional de Justiça Substituto, que, após apreciar os termos do Ofício CC n° 17/2019, instruído pelo Presidente da Comissão de Concursos para Outorga de Delegação de Notas e Registros do Estado de Alagoas, declarou a vacância do 2º Cartório do Tabelionato de Notas e Protestos de Rio Largo/AL, firmando entendimento pela existência de vício insanável na investidura da serventia, pela expressa violação das normas constitucionais aplicáveis aos serviços notariais e de registros.

A recorrente sustenta, em síntese, que a decisão administrativa viola os princípios constitucionais da segurança jurídica, uma vez que o provimento se deu regularmente, por meio de aprovação em concurso específico para o cargo de oficial do 2º Tabelionato de Notas e Protestos de Rio Largo, realizado anteriormente à vigência da Constituição Federal de 1988. Argumenta, ainda, na linha da decadência para revisão do ato administrativo, nos termos da Lei n° 9.784/99, da legalidade e regularidade da nomeação com base no edital n° 01/1988, sendo o caso apenas de mudança do regime da serventia, bem como da inaplicabilidade dos requisitos específicos para o ingresso, o que se daria somente após a edição da Lei Federal n° 8.935/94.

Recebido o recurso e concedido efeito suspensivo (Id. 3749242), foi julgado monocraticamente (Id. 3827757), decisão que foi, posteriormente, tornada sem efeito em sede de questão de ordem, mantendo-se o reconhecimento da vacância da serventia extrajudicial e sua manutenção na lista geral, até apreciação definitiva, pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça, do recurso administrativo interposto.

No Id. 3852417, o Instituto Brasileiro de Estudos Políticos, Administrativos e Constitucionais - IBEPAC, pleiteia seu ingresso no feito na condição de terceiro interessado.

Em petição acostada no Id. 4092275, a recorrente alega matéria de ordem pública, asseverando que “se o ato que privatizou a serventia extrajudicial do 2º Cartório do Tabelionato de Notas e Protestos de Rio Largo/AL possui origem no Poder Executivo, tendo sido praticado pelo Governador do Estado, é evidente que o C. Conselho Nacional de Justiça não tem competência para julgá-lo, já que suas atribuições estão adstritas às condutas administrativas originárias do Poder Judiciário, de acordo com o art. 103-B, § 4º, I ut VII, da CF/88”. No mesmo petitório, requer que “este caso seja julgado na mesma sessão que for deliberado o recurso administrativo interposto no Pedido de Providências nº 0004732-87.2019.2.00.0000”.

Em nova petição juntada no Id. 4195240, a recorrente requer “seja suspensa a tramitação deste e as dos Recursos Administrativos ns. 0004725-95.2019.2.00.0000, 0004733-72.2019.2.00.0000 e 0004721-58.2019.2.00.0000, até que seja concluído o julgamento do Recurso Administrativo nº 0004732-87.2019.2.00.0000, cuja solução jurídica deverá ser estendida aos demais”, ou, caso assim não se entenda, “que sejam os Recursos Administrativos mencionados incluídos na mesma pauta, para que sejam julgados de forma simultânea”.

Por fim, a Confederação Nacional de Notários e Registradores - CNR -, pleiteia sua admissão como terceira interessada, nos termos do artigo 9º, inciso III, da Lei nº 9.784/1999. (Id. 4503219)

É, no essencial, o relatório.

 

IV/A17/Z05

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

(VOTO VISTA DIVERGENTE)

O EXMO. SR. CONSELHEIRO MÁRIO GOULART MAIA: Trata-se de recurso administrativo interposto por Maria Ofélia Silva Cavalcanti Rodrigues, contra decisão monocrática proferida pelo Ministro Aloysio Côrrea da Veiga, então Corregedor Nacional de Justiça Substituto, que, após apreciar os termos do Ofício CC n° 17/2019 (Id 3682290), instruído pelo Presidente da Comissão de Concursos para Outorga de Delegação de Notas e Registros do Estado de Alagoas, declarou a vacância do 2º Cartório do Tabelionato de Notas e Protestos de Rio Largo/AL, por vício de investidura na titularidade da serventia.

Preambularmente, a douta Corregedora rejeita “o pedido de ingresso, como terceiro interessado, do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos, Administrativos e Constitucionais - IBEPAC, por ausência de pertinência temática da matéria versada nos autos, com sua finalidade institucional, nos termos do artigo 9º da Lei nº 9.784/1999. De igual sorte, indefer[e] o pedido de ingresso da Confederação Nacional de Notários e Registradores – CNR, com base no inciso III do artigo 9º da Lei nº 9.784/99, uma vez que não há interesse da coletividade a ser tutelado, mas sim, questão individual, que circunda os interesses particulares unicamente da recorrente”.

Neste ponto, acompanho a eminente Corregedora.

Em relação ao mérito, a ilustre Relatora propõe ao Plenário o improvimento do recurso, pelos seguintes fundamentos:

a)     a nomeação da recorrente para o cargo de Tabelião e Escrivão do 2º Cartório do Tabelionato da Comarca de Rio Largo/AL, após habilitação em concurso público de provas e títulos, deu-se com base no artigo 96, inciso I, alínea “e”, da Constituição Federal, por ato do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, subscrito em 25 de outubro de 1988. O certame, concretizado nos termos do Edital 001/88, possuía regras e condições distintas e foi destinado para provimento de cargo público (Id. 3707519); 

b)    a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, há muito tempo, é firme acerca da natureza diversa do regime jurídico aplicado às serventias extrajudiciais em comparação com o regime jurídico dos servidores públicos; 

c)      ao tempo da nomeação da recorrente, após a vigência da Constituição Federal de 1988, não mais subsistia o regime de cargo público a possibilitar sua nomeação, nos termos do artigo 96, inciso I, alínea “e”, da Constituição Federal; 

d)    incabível a ponderação de valores a sustentar a convalidação no tempo de ato irregular ou nulo, tendo em vista não se tratar de mera irregularidade ou ilegalidade, mas sim de inconstitucionalidade de ato administrativo, que não admite qualquer espécie de convalidação. 

                   Defende, assim, a inconstitucionalidade no provimento da serventia, pois inobservado o mandamento constitucional de realização de concurso público de provas e títulos específico para outorga de delegação (art. 236, §3º, CF/1988). 

Oportunamente, destaca que “inobstante este Conselho Nacional de Justiça ter prolatado decisões sobre a regularidade da citada serventia extrajudicial, não há óbice para a revisão do entendimento anterior. Isso porque, o Princípio da Autotutela Administrativa, previsto no artigo 53 da Lei nº 9.784/99, confere ao administrador público a prerrogativa de anular ou revogar seus próprios atos quando inquinados de nulidade ou por razões de conveniência ou oportunidade”.

I – BREVES CONSIDERAÇÕES:

Consoante destacado pela própria relatora, o caso sob exame foi detidamente analisado pelo Conselho Nacional de Justiça em meados de 2012, por meio do PP 0001578-42.2011.2.00.0000.

Eis o retrato das decisões que constam do Sistema Justiça Aberta[1]: 

 

Não compartilho, in totum, dos fundamentos expostos pela nobre Relatora de que inexiste óbice à revisão de entendimento anterior, por aplicação do princípio da autotutela administrativa.

Com efeito, a coisa julgada administrativa possui implicações distintas da coisa julgada judicial, dada a possibilidade de o Poder Público rever seus próprios atos (art. 53 da Lei 9.784/99).

Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos. 

Entretanto, penso que esse poder não é irrestrito. Tampouco constitui espécie de salvo-conduto para que a Administração substitua uma decisão por outra, alterando relações, ad aeternum.

No caso em espécie, é indene de dúvidas que a situação jurídica de Maria Ofélia Silva Cavalcanti Rodrigues foi devidamente examinada pelo CNJ, no Pedido de Providências 0001578-42.2011.2.00.0000, em abril de 2012. Ou seja, há quase 10 (dez) anos!

Não me parece razoável ou legal admitir a rediscussão da matéria quando inexistem fatos novos ou flagrante inconstitucionalidade. A meu sentir, é incabível, à exceção destas hipóteses, nova atuação do CNJ para substituir decisão própria, em homenagem à coisa julgada administrativa e à segurança jurídica. Trata-se de entendimento consolidado desta Casa, confira-se: 

RECURSO ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. MAGISTRATURA. IMPUGNAÇÃO. EDITAL. PRAZO. APRECIAÇÃO PELO CNJ. POSSIBILIDADE. DECISÃO NÃO RECORRIDA. CNJ. COISA JULGADA ADMINISTRATIVA. COMISSÃO DE CONCURSO. COMISSÃO EXAMINADORA. SIMULTANEIDADE. FACULDADE DOS TRIBUNAIS. VINCULAÇÃO AO EDITAL. RESOLUÇÃO Nº 75, DO CNJ. RENOVAÇÃO DA COMISSÃO. DECISÃO DO CNJ. LEGALIDADE. IMPROVIMENTO.

[...]

2. Ainda que não se opere com a mesma definitividade própria da prestação jurisdicional, as decisões proferidas em processo administrativo, depois de observado o devido processo legal, têm pretensão de perenidade, razão pela qual se reconhece a existência da chamada coisa julgada administrativa que impede a Administração de substituir decisões sem que haja razões para o exercício da autotutela, de modo que a decisão proferida por um Conselheiro em determinada matéria, que não foi objeto do recurso regimentalmente cabível, torna desaconselhável a sua reapreciação por outro, mormente quando ausentes fatos novos que ensejem a mudança de entendimento.

[...]

7. Recurso conhecido e improvido. (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0001794-32.2013.2.00.0000 - Rel. Gisela Gondin Ramos - 175ª Sessão Ordinária - julgado em 23/09/2013, grifo nosso).

 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. GRATIFICAÇÃO POR EXERCÍCIO CUMULATIVO DE JURISDIÇÃO. PEDIDO DE REVISÃO DE PARÂMETRO UTILIZADO PARA O CÁLCULO. MATÉRIA JÁ APRECIADA PELO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. COISA JULGADA ADMINISTRATIVA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

1. A firme jurisprudência do CNJ consigna que a revisão dos cálculos de gratificações, bem como o pagamento de eventuais diferenças advindas com a correção do parâmetro a servidores e membros do Poder Judiciário, não se inserem dentre as competências estabelecidas como próprias deste Conselho pela Constituição da República.

2.A existência da coisa julgada administrativa impede a substituição das decisões, sobretudo quando ausentes fatos novos que ensejem a mudança do entendimento adotado. Precedentes.

3.Recurso conhecido e não provido.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0010055-44.2017.2.00.0000 - Rel. LUIZ FERNANDO BANDEIRA DE MELLO - 89ª Sessão Virtual - julgado em 25/06/2021, grifo nosso).

 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. ARQUIVAMENTO. MESMOS FATOS JÁ APRECIADOS PELO PLENÁRIO DO CNJ EM PROCEDIMENTO DIVERSO. TRÂNSITO EM JULGADO ADMINISTRATIVO. COISA JULGADA. LITISPENDÊNCIA. ARQUIVAMENTO SEM ANÁLISE DO MÉRITO.

1. É entendimento pacificado neste Conselho que, em respeito à coisa julgada administrativa, não se admite, sem fatos novos, a rediscussão de matéria já apreciada e decidida.

2. No caso, o recorrente apresentou anteriormente outros dois procedimentos neste Conselho, com objeto idêntico ao do presente pedido de providências. Em ambos procedimentos, o pedido foi julgado improcedente, em razão da pretensão de preferência na designação como interino na serventia ser descabida.

3. Este pedido de providências deve ser arquivado sem o julgamento do mérito em razão de litispendência e do trânsito em julgado administrativo da matéria.

Recurso administrativo improvido. (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Corregedoria - 0006284-87.2019.2.00.0000 - Rel. HUMBERTO MARTINS - 62ª Sessão Virtual - julgado em 27/03/2020).

Acrescente-se aos referidos julgados, recente decisão do Plenário do CNJ (12.02.2021) que, em situação análoga a do presente feito, rechaçou a possibilidade de se declarar a vacância de cartório cuja regularidade fora examinada no ano de 2010 pelo Conselho. Os fundamentos para tal decisão: ausência de fato novo e estabilização do provimento da serventia há mais de uma década.

RECURSO ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. 3º OFÍCIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS E PROTESTO DE LETRAS DE MANAUS (CNS 00494-5). DECLARAÇÃO DE REGULAR PROVIMENTO NO PP n. 0000384-41.2010.2.00.0000. POSTERIOR DECLARAÇÃO DE VACÂNCIA EM 2018. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE FATO NOVO. MANUTENÇÃO DO STATUS DE PROVIDO. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

1. A situação do 3º Registro de Imóveis e Protesto de Letras de Manaus foi analisada, neste CNJ, que consolidou seu status de “provido”, no ano de 2010.

2. É possível, de outro lado, a revisão de atos do Conselho, desde que haja justo motivo ou fato novo o que não ocorre no caso em tela.

3. Precedentes pela manutenção do status de serventia, quando inexistente fato novo: “RECURSO ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. REGULARIDADE DA INVESTIDURA NA TITULARIDADE DE SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. COISA JULGADA JUDICIAL E PRECLUSÃO ADMINISTRATIVA. [...] (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Corregedoria - 0003020-33.2017.2.00.0000 - Rel. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA - 267ª Sessão Ordinária - julgado em 06/03/2018)” e “RECURSO ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO. MODIFICAÇÃO DE DECISÃO PLENÁRIA PROLATADA HÁ 10 ANOS. AUSÊNCIA DE FATOS NOVOS. IMPOSSIBILIDADE. SEGURANÇA JURÍDICA A SER OBSERVADA. [...] (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Corregedoria - 0008723- 42.2017.2.00.0000 - Rel. HUMBERTO MARTINS - julgado em 17/07/2020).

5. Recurso Administrativo de que se conhece e a que se concede provimento, mantendo-se o status de “PROVIDO” ao Cartório do 3º Registro de Imóveis e Protesto de Letras de Manaus/AM. (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Corregedoria - 0004563-71.2017.2.00.0000 - Rel. MARCOS VINÍCIUS JARDIM RODRIGUES - 80ª Sessão Virtual - julgado em 12/02/2021, grifo nosso).

Como se nota, a Administração possui limites para a reapreciação de casos concretos por ela já examinados. Entender de modo diverso, é admitir que o próprio decisum que ora se põe possa ser revisto pela próxima composição do Conselho Nacional de Justiça, caso trazida a Plenário, o que, com a máxima vênia, não me parece ser a inteligência do ordenamento jurídico.

Defender a reapreciação de todo e qualquer Pedido de Providências é o mesmo que sustentar a possibilidade de reexame de todas as vacâncias declaradas pelo CNJ à época da edição da Resolução CNJ 80/2009, sob o pálio da autotutela administrativa. Pior, é admitir também a rediscussão de todos os cartórios declarados providos. Poderia o CNJ reanalisar o Pedido de Providências - Corregedoria - 0004563-71.2017.2.00.0000, julgado em 12.2.2021? A resposta, a meu sentir, é negativa, dada a irrecorribilidade das decisões do Plenário.

A segurança jurídica é princípio regente das relações em um Estado Democrático de Direito. Certo ou errado, a regularidade do provimento da serventia foi apreciada por autoridade competente (CNJ) e em um momento contemporâneo às declarações de vacância determinadas pelo Conselho (2009/2012). Refoge ao Plenário do CNJ, assim, desconstituir provimento de serventia declarado regular há mais de uma década, salvo quando identificado fato novo ou flagrante inconstitucionalidade. 

A título ilustrativo da preocupação do legislador com a segurança jurídica, cite-se o artigo 5º, XXXVI[2], da CF, segundo o qual a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; as regras atinentes à prescrição, decadência e preclusão, etc. Há de se conferir estabilidade e confiança legítima aos atos do Poder Público.

A própria modulação dos efeitos é exemplo disso, que permite ao Supremo Tribunal Federal (STF) restringir os efeitos daquela declaração (ADI/ADC) ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado, por razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social (art. 27[3] da Lei 9.868, de 10.11.1999).

A pergunta que se coloca, portanto, é: pode o CNJ revisitar uma situação jurídica (de mais de trinta anos de investidura), por ele atestada há 10 anos, para desconstituir e modificar seu decisum em sentido completamente oposto, quando inexistente fato novo ou flagrante inconstitucionalidade?

Com a devida vênia aos que possam compreender de modo diverso, não é essa a interpretação que faço do ordenamento jurídico vigente. Cada caso tem de ser avaliado sopesadamente, sob pena de serem desconsideradas ou mesmo inobservadas as peculiaridades de cada qual.

Nesse sentido, Luigi Ferrajoli (2015, p. 131-132), no livro A Democracia através dos Direitos – O constitucionalismo garantista como modelo teórico e como projeto político, esclarece:

Coisa diversa é a solução dos conflitos que se verificam em concreto, isto é, do segundo tipo de conflitos que eu distingui mais acima. Aquele gerado pela singularidade dos casos submetidos ao juízo. Trata-se, nestes casos da ponderação normalmente concebida por seus defensores, por vezes também quando se trata de conflitos configuráveis e solucionáveis em abstrato, como “especificação” ou “concretização” dos princípios. Aqui estamos na presença de uma confusão entre fatos e normas. Em concreto, de fato, o que mudam não são as normas, que são sempre iguais, mas os casos julgados, que são sempre irrepetivelmente distintos uns dos outros, mesmo que subsumíveis às mesmas normas. A chamada ponderação incide, portanto, nestes casos não sobre as normas que serão aplicadas, mas sobre as características singulares e irrepetíveis dos fatos submetidos a julgamento.

Conforme expus no julgamento do Ato Normativo nº 0000291-58.2022.2.00.0000, que aprovou a novel Resolução CNJ 444[4], de 25.2.2022, todos os julgamentos devem ensejar que o julgador  realize a avaliação do caso sob exame e o decida segundo a sua percepção, as suas singularidades de tempo, lugar e modo, mesmo que doutos julgadores do passado, examinando casos assemelhados, mas em outro tempo e outras circunstâncias, tenham legado compreensões válidas.

A própria Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro[5] (LINDB) estabelece em seu art. 24 o dever de respeito às orientações gerais da época em que produzido determinado ato administrativo, “sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas”.

Art. 24.  A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas.

Parágrafo único.  Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público.   

Observe-se que essa redação fora incluída à LINDB pela Lei 13.655, de 25.4.2018, justamente pela preocupação do Congresso Nacional com a segurança jurídica e a eficiência na criação e aplicação do direito público.

Referido dispositivo foi posteriormente regulamentado pelo Decreto n. 9.830/2019, que disciplinou a questão relacionada à revisão de ato administrativo quanto à validade por mudança de orientação geral. Veja-se:

Art. 5º A decisão que determinar a revisão quanto à validade de atos, contratos, ajustes, processos ou normas administrativos cuja produção de efeitos esteja em curso ou que tenha sido concluída levará em consideração as orientações gerais da época.

§ 1º É vedado declarar inválida situação plenamente constituída devido à mudança posterior de orientação geral.

§ 2º O disposto no § 1º não exclui a possibilidade de suspensão de efeitos futuros de relação em curso.

§ 3º Para fins do disposto neste artigo, consideram-se orientações gerais as interpretações e as especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária e as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público.

§ 4º A decisão a que se refere o caput será motivada na forma do disposto nos art. 2º, art. 3º ou art. 4º.

Nesse contexto, penso que somente após a análise detida do caso concreto é que se poderá avaliar se existe justa causa (fato novo ou flagrante inconstitucionalidade) para o reexame da questão.

Aliás, esse tema foi tratado com maestria por Benjamin N. Cardozo, na obra A Natureza do processo e a evolução do Direito (1956, 1ª Conferência, p. 2-3):

Tomo a construção do direito pelo Juiz como uma das penalidades da vida. Ali, diante de nós está o preparado. Nenhum magistrado, porém, colaborou na sua feitura. Os elementos não se juntaram por acaso. Algum princípio, embora, indeclarado, inarticulado e subconsciente, regulou a infusão. Pode não ter sido o mesmo princípio para todos os juízes, em todos os tempos. Mas houve escolha, não submissão às determinações do Destino; e as considerações e motivos que a determinaram, apesar de muitas vezes obscuros, não resistem, absolutamente, à análise.

[...]

Há, em cada um de nós, uma torrente de tendências, quer se queira chamá-la de filosofia ou não, que dá coerência e direção ao pensamento e à ação. Os Juízes não podem escapar a essa corrente mais do que outros mortais. Durante suas vidas, forças que não reconhecem e não podem nomear os estiveram impulsionando continuamente – instintos herdados, crenças tradicionais, convicções adquiridas; e a resultante é uma visão da vida, uma concepção das necessidades sociais, um sentido – na frase de James – da “impulsão total e da pressão do cosmos”, que pode determinar, quando as razões são acudaramente balanceadas onde deverá recair a escolha. Neste fundo mental, todos os problemas se acham situados. Podemos tentar ver as coisas tão objetivamente quanto desejamos. Não obstante, nunca podemos vê-las com os outros olhos exceto os nossos próprios.

Com essas considerações, passo à análise do caso concreto. 

II – O CASO CONCRETO: 2º CARTÓRIO DO TABELIONATO DE NOTAS E PROTESTOS DE RIO LARGO/AL. RESPONSÁVEL. MARIA OFÉLIA SILVA CAVALCANTI RODRIGUES.

O recurso merece ser provido.

Preambularmente, destaco que o caso em tela não configura superação de jurisprudência consolidada do Conselho Nacional de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual a investidura para o exercício dos serviços notariais e de registro, após o advento da Constituição de 1988 (art. 236), depende de prévia habilitação em concurso público.

Nesse ponto específico, antes de adentrar à situação concreta analisada, cito a passagem do livro do Ministro Napoleão Maia Filho, no livro Garantismo Processual Penal no Juízo de Ilícitos Administrativos (2021, p. 153-154), o qual nos faz refletir sobre o peso do formalismo na análise dos casos específicos levados a julgamento:

[...] No entanto, ainda nos dias de hoje quando se quer reivindicar liberdades e direitos, as ideias daqueles iluministas vêm à tona, justamente porque os seus fundamentos filosóficos colocam o homem no centro das preocupações.

No que diz respeito ao Direito e aos julgamentos jurídico-judiciais, sejam administrativos ou de outra natureza, a questão mais urgente nem é a de definir os seus propósitos e as suas finalidades, mas tornar efetivas as promessas de garantias contidas nos documentos essenciais. O problema passa a ser, portanto, de realizar as promessas, coisa que se acha nas mãos dos julgadores. Contudo, se os juízes não se desaferrarem do legalismo, todas as esperanças de justiça irão por água abaixo, na enxurrada dos formalismos.

A recorrente, conforme documentos coligidos ao feito, foi nomeada pelo TJAL para serventia extrajudicial após aprovação em concurso público de provas e títulos. Logo, inaplicável a jurisprudência do STF citada pela Relatora, pois relacionadas à destituição de cartorários que não se submeteram ao crivo do concurso público.

O concurso, de fato, foi realizado antes da vigência da CF/1988 e a nomeação, após a promulgação da Constituição. Todavia, realizado em conformidade com o texto constitucional de 1988, em tempos em que sequer existia a Lei 8.935/1994 (Lei dos cartórios). Ou seja, objetivamente cumpriu o art. 236, §, 3º: aprovação em concurso. Rememore-se, provimento de serventia extrajudicial (art. 236, caput, CF/88) em nada se confunde com provimento de serventia judicial oficializada/não oficializada (arts. 31[6] e 32[7] ADCT).

Aqui, é digno de nota que a conformação dos certames para a outorga das delegações de notas e de registro sofreu oscilações ao longo do tempo, por força de alterações legislativas promovidas em 1994, 2002 e 2009. O próprio CNJ reconheceu tais circunstâncias, por ocasião da Resolução CNJ 81/2009[8]. Confira-se alguns dos “considerandos” ali previstos:

CONSIDERANDO que os concursos públicos para outorga de delegação de serviços notariais e de registro não têm observado um padrão uniforme e são objeto de inúmeros procedimentos administrativos junto a este Conselho Nacional de Justiça e de inúmeras medidas judiciais junto ao C. Supremo Tribunal Federal e ao C. Superior Tribunal de Justiça [...]

[...]

CONSIDERANDO a existência de grande número de unidades de serviço extrajudiciais, a natureza multitudinária das controvérsias sobre o tema e o interesse público de que o entendimento amplamente predominante seja aplicável de maneira uniforme para todas as questões envolvendo a mesma matéria, dando-se ao tema a natureza de processo objetivo e evitando-se contradições geradoras de insegurança jurídica; 

Consequentemente, não se pode querer aplicar as regras e o olhar de hoje ao concurso de provas e títulos realizado por Maria Ofélia Silva Cavalcanti Rodrigues, em 1988.

Os requisitos constantes dos Códigos de Organização e Divisão Judiciária no período de vacatio legis (05.10.1988 a 21.11.1994) eram os únicos que serviam de base para os concursos, ante a sua vigência e a inexistência da norma geral federal, editada apenas em 18.11.1994 (Lei 8.935/1994). A única questão inadmissível, por certo, seria a dispensa do concurso por imposição do novo texto constitucional, o que não é a hipótese dos autos. 

Os quadros a seguir sintetizam a trajetória da cartorária até a sua efetivação na serventia do 2º Cartório do Tabelionato de Notas e Protestos de Rio Largo/AL, assim como as decisões emanadas pelo CNJ ao longo do tempo:

 

Data

Registro

06.07.1984

Criação do 2º Tabelionato de Notas e Protestos de Rio Largo/AL.

16.4.1988

Abertas as inscrições para provimento de cargos de serventuários da justiça, observadas as categorias funcionais, ofícios e Comarcas relacionadas no Anexo II do Edital (Id 3707519).

20.9.1988

Resultado Final do Concurso: 2º Cartório do Tabelionato / Comarca Rio Largo/AL (Id 3707518, fl. 2). Maria Ofélia Silva Cavalcanti Rodrigues (1º lugar)

05.10.1988

Promulgação CF/88.

25.10.1988

Designação de Maria Ofélia Silva Cavalcanti Rodrigues para o cargo de Tabeliã do 2º Cartório do Tabelionato / Comarca Rio Largo/AL (Portaria 188/1988, Id 3682291, fl. 3), após aprovação no certame (provas e títulos).

08.11.1988

Publicação do ato de designação de Maria Ofélia Silva Cavalcanti Rodrigues para o cargo de Tabeliã do 2º Cartório do Tabelionato / Comarca Rio Largo/AL (Id 3682291, fl. 3).

21.11.1994

Publicação da Lei 8.935/1994.

24.01.2010

CNJ: reconhecimento da titularização de Maria Ofélia Silva Cavalcanti Rodrigues na serventia (Min. Gilson Dipp, Id 3707363).

12.07.2010

CNJ: confirmação da titularização de Maria Ofélia Silva Cavalcanti Rodrigues na serventia (Min. Gilson Dipp, Id 3707363).

28.10.2011

CNJ: Declaração de vacância da serventia. Min. Eliana Calmon (Id 3707365)

21.04.2012

CNJ: Reconsideração da decisão de declaração de vacância da serventia. Manutenção da titularização de Maria Ofélia Silva Cavalcanti Rodrigues no 2º Tabelionato de Notas e Protestos de Rio Largo/AL. Min. Eliana Calmon (Id 3707516).

Edital 01, de 16.4.1988: abertura do concurso de provas e títulos (Id 3707519, fl. 2):

 

[...]

Anexo II - Edital do Concurso (Id 3707518, fl. 1).

 

 

Resultado Final do Concurso: 2º Cartório do Tabelionato / Comarca Rio Largo/AL (Id 3707518, fl. 2). Lista dos candidatos aprovados.


Designação de Maria Ofélia Silva Cavalcanti Rodrigues para o cargo de Tabeliã do 2º Cartório do Tabelionato / Comarca Rio Largo/AL (Id 3682291, fl. 3).


Assentamento individual de Maria Ofélia Silva Cavalcanti Rodrigues (CGJ/AL, Id 3235642, fl. 16).

 

 

Como se observa, embora realizado sob a égide da Constituição anterior, o concurso no qual Maria Ofélia Silva Cavalcanti Rodrigues restou aprovada, por ser de provas e títulos, assim como para cargo específico de tabeliã no cartório em que foi e ainda está lotada, atendeu aos requisitos definidos pela nova ordem constitucional.

A condição de privatizado ou não, tampouco importa para o deslinde do presente feito. A análise deve ser objetiva: o ingresso na serventia se deu através de concurso público de provas e títulos? Sim!

Neste particular, tenho por oportuno transcrever os fundamentos da decisão proferida em 2012 pela então Corregedora Nacional, Eliana Calmon, que declarou provida a serventia, em definitivo. Os fundamentos, a meu ver, permanecem hígidos e irretocáveis, razão pela qual os adoto como razões de decidir:

 

Pedido de Providências 0001578-42.2011.2.00.0000

Requerente: Conselho Nacional de Justiça

Interessado: Associação dos Notários e Registradores de Alagoas - Anoreg/AL

Requerido: Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas

[...]

PARECER _____________________/2012

 

Excelentíssima Ministra Corregedora Nacional de Justiça,

 

Maria Ofélia Silva Cavalcanti Rodrigues apresentou requerimento no evento 512 contra decisão de vacância do 2º Tabelionato de Notas e Protesto de Rio Largo, CNS 00.187-5, proferida pela Corregedoria Nacional de Justiça.

Fundamentou-se a decisão impugnada (evento 173) no fato de que a interessada estaria recebendo subsídios como servidora do TJ/AL, o que caracterizaria opção tácita pelo serviço judicial oficializado, em detrimento do exercício da delegação extrajudicial em regime privado.

No evento 374, esta Corregedoria Nacional de Justiça consignou que consta, do DOC 425, ato do TJ/AL, datado de 25 de outubro de 1988, pelo qual a interessada teria sido nomeada para os cargos de tabeliã e escrivã do serviço em questão. Pela leitura do DOC 426, consta também existir outro ato do TJ/AL, de mesma data, em que se nomeia a interessada apenas para o cargo de tabeliã.

Considerando esse contexto, determinou-se que fosse oficiado à corregedoria local para que juntasse aos autos extratos de pagamentos feitos à servidora a título de remuneração, oriunda dos cofres públicos, pelos serviços prestados como escrivã, bem como para que esclarecesse o motivo de haver dois atos assinados pelo presidente do TJ/AL datados de 25/10/1988 e, aparentemente, divergentes.

Em resposta, no evento 613, afirma a corregedoria local que efetivamente existem duas publicações de nomeações da Sra. Maria Ofélia Silva Cavalcanti Rodrigues, com conteúdos divergentes, realizadas pelo presidente do TJ/AL. A primeira, para o cargo de tabelião do 2º Cartório do Tabelionato da Comarca de Rio Largo, com data de 25/10/1988 e publicada no dia 27/10/1988, e a segunda (também datada de 25/10/1988 e "publicada, por incorreção, no dia 8/11/1988"), para o cargo de tabelião-escrivão, não havendo em sua ficha funcional nenhum ato ou decisão que especifique o motivo da segunda publicação, mas somente a cópia do DOE, em que se observa a "reprodução, por incorreção, do ato de nomeação".

Diante dessa situação inusitada, comunica a CGJAL que o Departamento Central de Recursos Humanos do TJ/AL foi instado a se pronunciar sobre a questão e informou que não existe em seus arquivos documentação que esclareça o motivo da duplicidade de atos mencionada acima, o que foi ratificado pela diretoria de pessoal da corregedoria local.

Por outro motivo (apuração de possíveis irregularidades praticadas pela interessada no exercício da função), foi aberto o Processo Administrativo Disciplinar 02023-8.2011.002, que está com andamento suspenso, em virtude de decisão liminar exarada no Mandado de Segurança 2011.009220-3 (DOC571).

É o relatório.

Passo a opinar.

No presente caso, existem circunstâncias específicas e peculiares que o tornam, por suas particularidades, completamente diferente de outros já analisados por esta Corregedoria Nacional no que tange às serventias notariais e de registro de Alagoas.

Percebe-se, com efeito, que a interessada foi aprovada em concurso público para "cargo" criado pela Lei Estadual nº 4.543, de 06/06/84, publicada no DO de 07/07/84, cuja cópia se encontra juntada aos autos (INF567, fls. 5 e segs.). Assim, como se verá, sua aprovação no certame foi para cargo de tabeliã exclusivamente (não de escrivã judicial) de unidade extrajudicial oficializada.

É o que dimana do teor dos seguintes artigos da aludida lei:

"Art. 1º - Ficam oficializadas as serventias do Foro Judicial e Extrajudicial mediante remuneração de seus servidores exclusivamente pelos cofres públicos, ressalvada a situação dos atuais titulares, vitalícios ou nomeados em caráter efetivo ou que tenham sido revertidos a titulares" (INF567, fl. 5).

"Art. 12 - Ficam criados o Terceiro Cartório de Tabelionato da Comarca de Penedo, o Segundo Cartório de Tabelionato da Comarca de Rio Largo e o Segundo Cartório de Tabelionato e Escrivania da Comarca de Delmiro Gouveia" (INF567, fl. 6). Grifei.

Percebe-se, portanto, que a unidade criada em Rio Largo (para a qual depois a interessada foi aprovada em concurso) foi um tabelionato puro (apenas serviço extrajudicial), ao contrário, por exemplo, da unidade criada para a Comarca de Delmiro Gouveia, de caráter misto ("Tabelionato e Escrivania").

Nessa esteira, no Edital nº 01/88, pelo qual aberto o concurso público que a requerente prestou, foi oferecido, entre outras unidades, o expressamente denominado "2º Cartório do Tabelionato" da Sede da Comarca de Rio Largo. Apenas tabelionato (sem escrivania). Confiram-se as respectivas publicações no Diário Oficial cujas cópias estão nos autos (DOC568, fl. 3, e DOC569, fl. 3).

Da mesma forma, no Edital nº 07/88, publicou-se o resultado final daquele certame, com indicação dos candidatos aprovados e dos respectivos "cargos" (DOC569, fl. 4). E, como se verifica, o nome da interessada consta como candidata aprovada para o "2º Cartório do Tabelionato - Sede" da Comarca de Rio Largo (DOC569, fl.7). Mais uma vez, existe menção, apenas, a tabelionato (sem escrivania).

Consta-se, igualmente, pela publicação feita no D.O. de 05/10/88, que ela foi aprovada somente para a função de tabeliã (DOC570, fl. 1), sendo que do respectivo ato de nomeação, editado pelo Presidente do Tribunal de Justiça e publicado no D.O. de 27/10/88 (DOC570, fl. 2), constou ter sido, por consequência, nomeada apenas como tabeliã (e não, também, como escrivã judicial).

O fato, noticiado no relatório supra, de posterior publicação haver mencionado que seu "cargo" seria de escrivã e tabeliã só pode ser considerado, portanto, como decorrente de claro erro material.

Isso porque o "cargo" foi criado como tabelionato puro (apenas extrajudicial, sem escrivania judicial) e assim foi disponibilizado no concurso que a interessada prestou, em que foi aprovada. E foi o que constou do ato de nomeação publicado em 27/10/88 (DOC570, fl. 2). Evidentemente, não poderia ser nomeada para cargo diferente do criado e colocado em concurso.

Por outro lado, verifica-se que, embora a serventia por ela titularizada seja exclusivamente extrajudicial, a Lei Estadual nº 4.543/84, que a criou, lhe atribuiu a natureza de oficializada. Basta conferir o teor de seus artigos 1º e 12, acima transcritos.

Tanto assim, que a própria CGJAL, em manifestação administrativa, já afirmou que a ora requerente é "responsável por um serviço extrajudicial oficializado" (DOC571, fls. 5).

Isso explica o fato de que, desde que assumiu, em 1988, vem sendo remunerada pelos cofres públicos. Deveras, a CGJAL juntou aos autos (DOC572) diversas fichas financeiras da interessada, que datam de 1988 a 2011. Conforme se constata pela leitura dessas fichas anexadas aos autos (DOC572, evento 613), a Sra. Maria Ofélia Silva Cavancanti Rodrigues tem recebido vencimentos do TJ/AL desde dezembro de 1988.

De se destacar, porém, que neste caso concreto (completamente diferente de outros já analisados), não se pode concluir que o fato de receber vencimentos dos cofres públicos implique opção pelo serviço judicial, em detrimento do extrajudicial, simplesmente porque a requerente não detinha escrivania judicial. Sua serventia não era "mista" (com atribuições judiciais e extrajudiciais), mas tabelionato puro, desde sua criação.

Note-se que, por existirem "serventias mistas" no Estado de Alagoas, desempenhando simultaneamente atribuições judiciais e extrajudiciais (o que não ocorria, como já se viu, no presente caso), sobreveio a Lei Estadual nº 5.627, de 23 de junho de 1994, que, em seu art. 8º, determinou o desmembramento ("Art. 8º - Os Cartórios Registrais e Notariais ficam desmembrados das Serventias do Foro Judicial").

Note-se, também, que no parágrafo único do aludido art. 8º da Lei Estadual nº 5.627/94 ficou garantido aos titulares de serventias mistas o direito de optarem, ante o desmembramento, pelo serviço extrajudicial em regime privado. Mas, como no caso da requerente, nada havia a desmembrar, pois sua serventia já era exclusivamente extrajudicial (tabelionato puro, sem escrivania judicial), é óbvio que não cabia opção entre a atividade extrajudicial e o serviço judicial (simplesmente porque não tinha a alternativa de continuar exercendo a escrivania judicial, que não detinha). Ela já era titular de uma serventia exclusivamente extrajudicial.

Logo, quanto a ela, a opção prevista no parágrafo único do art. 8º possibilitava, apenas, migrar do regime oficializado para o privado ("Parágrafo único - Aos titulares dos serviços registrais e notariais ainda não privatizados é assegurado direito de opção para que o sejam, a ser manifestada dentro do prazo improrrogável de 60 dias, contado da data da publicação desta Lei).

Se não exerceu tal opção e continuou a receber dos cofres públicos, tal não implica, portanto, que tenha renunciado tacitamente à titularidade do tabelionato (nem que tenha feito escolha tácita pela escrivania judicial, pois, como já repetido, não havia possibilidade desta escolha, visto que sua serventia não era "mista" e não era detentora de serviço judicial). Ou seja, mesmo que não tenha havido opção pelo regime privado (se houve, ou não, isto é uma outra discussão que não cabe aqui, pois agora se discute apenas a titularidade da serventia), perdura a condição de titular da interessada, aprovada que foi em concurso público.

É entendimento que se coaduna com o art. 32 do ADCT da Constituição Federal de 1988: "O disposto no art. 236 não se aplica aos serviços notariais e de registro que já tenham sido oficializados pelo Poder Público, respeitando-se o direito de seus servidores".

Vale destacar que as últimas informações prestadas pela CGJAL (INF567, fls. 2/7) confirmam integralmente as premissas fáticas acima enunciadas, de modo que descabe interpretação jurídica diferente da ora apresentada.

Daí a necessidade de, em face desses novos elementos de convicção, ser reconsiderada a decisão anteriormente proferida por esta Corregedoria Nacional no evento 173.

Diante do exposto, o parecer que submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência, mui respeitosamente, é pela reconsideração da decisão anterior, com a inclusão do 2º Tabelionato de Notas e Protesto de Rio Largo, CNS 00.187-5, na lista de serventias providas.

Fica consignado, contudo, que isso em nada impedirá o prosseguimento do Processo Administrativo Disciplinar 02023-8.2011.002 (instaurado pela CGJAL por outro motivo, ou seja, para apuração de possíveis irregularidades praticadas pela interessada no exercício da função), ressalvando-se que este se encontra, atualmente, com seu andamento suspenso, por força de medida liminar concedida no Mandado de Segurança 2011.009220-3 (DOC571).

Caso seja acolhido o parecer, sugiro, ainda, a expedição de ofício à corregedoria local, para conhecimento, a intimação da responsável pelo cartório e o envio da decisão ao Setor de Informática, para atualização do Sistema Justiça Aberta.

Sub censura.

Encaminhe-se o presente parecer à consideração da Excelentíssima Ministra Corregedora Nacional de Justiça.

JOSÉ ANTONIO DE PAULA SANTOS NETO

Juiz Auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça

Esse Documento foi Assinado Eletronicamente por JOSÉ ANTONIO DE PAULA SANTOS NETO em 19 de Abril de 2012 às 15:49:11

O Original deste Documento pode ser consultado no site do E-CNJ. Hash: 115b3ad9c523473133959b912d496a53

 

Aprovado o Parecer.

 

Min. ELIANA CALMON ALVES

Corregedor Nacional de Justiça

 

Esse Documento foi Assinado Eletronicamente por Min. ELIANA CALMON ALVES em 21 de Abril de 2012 às 19:27:06

 

O Original deste Documento pode ser consultado no site do E-CNJ. Hash: 7bc8a7bb89d0a38b16453785df390b8e

 

Isto posto, é de rigor reconhecer que a designação de Maria Ofélia Silva Cavalcanti Rodrigues para o 2º Cartório do Tabelionato de Notas e Protestos de Rio Largo/AL deve ser mantida.

Os princípios constitucionais que informam a atuação do Poder Público e o fato de o provimento do cartório ter sido precedido de concurso público de provas e títulos impõem a procedência do pedido formulado pela recorrente.

O entendimento perfilhado por este Conselheiro não destoa da compreensão realizada pelo então Corregedor Nacional de Justiça Substituto, Ministro Emmanoel Campelo, conforme se verifica da decisão cadastrada sob a Id 3827757.

Por todo exposto, considerando-se as específicas e excepcionais circunstâncias do caso, em especial a aprovação da Recorrente em concurso público de provas e títulos, e sopesando-se o princípio da legalidade estrita com os princípios da segurança jurídica e da proteção à confiança, aliados à boa-fé, sobretudo em razão do decurso de mais de 30 (trinta) anos de investidura da Recorrente na unidade extrajudicial cuja declaração de vacância é objeto de revisão por esta Corregedoria, por delegação do Plenário deste Conselho Nacional de Justiça, dou provimento ao Recurso Administrativo interposto por MARIA OFÉLIA SILVA CAVALCANTI RODRIGUES para, tornando insubsistente a decisão impugnada, declarar provido o 2º Cartório do Tabelionato de Notas e Protestos de Rio Largo/AL.

Não obstante, por força da necessidade de o recurso ser examinado pelo Plenário do CNJ, a decisão prolatada foi tornada sem efeito pelo então Presidente do CNJ, Ministro Dias Toffoli, mantendo-se a vacância anteriormente declarada (Id 3839471).

Com essas considerações, RESOLVO A QUESTÃO DE ORDEM no sentido de afirmar a competência do Plenário do Conselho Nacional de Justiça para decidir os Recursos Administrativos interpostos nos Pedidos de Providências n° 0004721-58.2019.2.00.0000, 0004725-95.2019.2.00.0000, 0004727.65.2019.2.00.0000, 0004732-87.2019.2.00.0000 e 0004733-72.2019.2.00.0000, tornando sem efeito as decisões monocráticas proferidas nos Recursos Administrativos em questão pelo Corregedor Nacional de Justiça Substituto, Conselheiro Ministro Emmanoel Pereira.

Por via de consequência, mantenho o reconhecimento da vacância das serventias extrajudiciais e sua manutenção na lista geral de vacâncias, até a apreciação definitiva, pelo Plenário do CNJ, dos recursos administrativos interpostos nos referidos procedimentos.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso para declarar provido o 2º Cartório do Tabelionato de Notas e Protestos de Rio Largo/AL, nos exatos termos da decisão proferida pela Corregedoria Nacional de Justiça em 21.04.2012.

III – CONCLUSÃO

Em suma, pelo que tudo dos autos constam e, nos termos da fundamentação antecedente, voto pelo provimento ao recurso, para declarar provido o 2º Cartório do Tabelionato de Notas e Protestos de Rio Largo/AL, por Maria Ofélia Silva Cavalcanti Rodrigues, com a consequente exclusão da unidade da lista geral de serventias vagas do I Concurso Público de Provas e Títulos para Outorga de Delegações de Notas e Registros do Estado de Alagoas. 

Inexiste justa causa (fato novo ou flagrante inconstitucionalidade) a autorizar a reabertura da instância controladora do CNJ.

É como voto.

Intimem-se.

Publique-se nos termos do artigo 140 do RICNJ. Em seguida, arquivem-se, independentemente de nova conclusão.

 

Mário Goulart Maia

Conselheiro



[1] Cadastro de informações dos serviços extrajudiciais.

[2] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

[3] Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

[4] Institui o Banco Nacional de Precedentes (BNP) para consulta e divulgação por órgãos e pelo público em geral de precedentes judiciais, com ênfase nos pronunciamentos judiciais listados no art. 927 do Código de Processo Civil em todas as suas fases processuais.

[5] Decreto-Lei 4.657, de 4 de setembro de 1942.

[6] Art. 31. Serão estatizadas as serventias do foro judicial, assim definidas em lei, respeitados os direitos dos atuais titulares.

[7] Art. 32. O disposto no art. 236 não se aplica aos serviços notariais e de registro que já tenham sido oficializados pelo Poder Público, respeitando-se o direito de seus servidores.

[8] Dispõe sobre os concursos públicos de provas e títulos, para a outorga das Delegações de Notas e de Registro, e minuta de edital.

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0004727-65.2019.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA
Requerido: MARIA OFÉLIA SILVA CAVALCANTI RODRIGUES

 

VOTO  

A EXMA. SRA. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA (Relatora): 

Preambularmente, cabe rejeitar o pedido de ingresso, como terceiro interessado, do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos, Administrativos e Constitucionais - IBEPAC, por ausência de pertinência temática da matéria versada nos autos, com sua finalidade institucional, nos termos do artigo 9º da Lei nº 9.784/1999. De igual sorte, indefere-se o pedido de ingresso da Confederação Nacional de Notários e Registradores - CNR, com base no inciso III do artigo 9º da Lei nº 9.784/99, uma vez que não há interesse da coletividade a ser tutelado, mas sim, questão individual, que circunda os interesses particulares unicamente da recorrente.

Salienta-se, outrossim, que na hipótese vertente, o Ministro Emmanoel Pereira, no exercício da função de Corregedor Nacional de Justiça Substituto, exarou decisão monocrática, dando provimento ao recurso administrativo interposto nestes autos (decisão Id. 3827757), assim como nos autos dos Pedidos de Providências n° 0004721-58.2019.2.00.0000, 0004725-95.2019.2.00.0000, 0004732-87.2019.2.00.0000 e 0004733-72.2019.2.00.0000, de modo a subtrair, à época, a apreciação dos inconformismos manifestados, em cada qual dos referidos processos, da apreciação pelo órgão colegiado.

Sobreveio, no entanto, nos autos do PCA nº 0003242-06.2014.2.00.0000, o manejo de questão de ordem, que foi resolvida pelo Ministro Dias Toffoli, Presidente à época (decisão Id. 3839472), e posteriormente ratificada pelo Plenário, para o fim de tornar sem efeito as decisões monocráticas proferidas nos recursos administrativos em questão pelo Corregedor Nacional de Justiça Substituto, mantendo, por conseguinte, o reconhecimento da vacância das serventias extrajudiciais relativas aos casos mencionados, até a apreciação definitiva, pelo Plenário do CNJ, dos recursos administrativos interpostos nos autos dos referidos procedimentos.  

Fixadas tais premissas, no que diz respeito, especificamente, ao caso concreto, alguns esclarecimentos se impõem nesta oportunidade. Vejamos.  

Acolhida a Questão de Ordem para determinar a submissão do recurso administrativo interposto no Id. 3738468 ao órgão colegiado, o processo foi incluído na pauta da sessão ordinária designada para o dia 15 de dezembro de 2020 (Id. 4199513). Na oportunidade, exarei voto, negando provimento ao recurso, tendo havido pedido de vista regimental pelo Conselheiro Emmanoel Pereira (Id. 4208633).  

Posteriormente, o feito foi incluído, por duas vezes, em pauta virtual (Id. 4229801), tendo sido dela retirado, a pedido do Ministro Presidente, nos termos do art. 118-A, § 5º, II, do RICNJ (Id. 4257196) e desta Corregedora (Id. 4387731), agora retornando para julgamento presencial.  

Neste contexto, notadamente à luz do que se discutiu, em caráter superveniente à primeira sessão ordinária em que este feito foi pautado, tanto no âmbito deste Conselho, quanto na Suprema Corte, acerca da temática em epígrafe, peço venia para acrescer aos fundamentos vertidos no voto originariamente apresentado, elementos adicionais, ao propósito de viabilizar aos eminentes Conselheiros o exame mais detido da matéria.

E, nesse particular, reitero que, consoante originariamente assinalado, a pretensão recursal não prospera, devendo ser mantida a decisão recorrida em todos os seus termos.

Com efeito, a questão trata da vacância do 2º Cartório do Tabelionato de Notas e Protestos de Rio Largo/AL, sob responsabilidade de MARIA OFÉLIA SILVA CAVALCANTI RODRIGUES, por vício de investidura na titularidade dessa serventia, conforme comunicado por meio do Ofício CC n° 17/2019. (Id. 3682290)

Na hipótese dos autos, verifica-se que a nomeação da recorrente para a cargo público de Tabelião e Escrivão do 2º Cartório do Tabelionato da Comarca de Rio Largo/AL, após habilitação em concurso público de provas e títulos, deu-se com base no artigo 96, inciso I, alínea “e”, da Constituição Federal, por ato do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, subscrito em 25 de outubro de 1988. (Id. 3682291, fl. 3)

Inobstante tenha realizado concurso destinado ao provimento de cargo antes da Constituição Federal de 1988, o fato é que o certame, concretizado nos termos do Edital 001/88, possuía regras e condições distintas e foi destinado para provimento de cargo público (Id. 3707519), regime totalmente diverso da delegação exercida em caráter privado, como previsto na nova ordem constitucional que se estabeleceu a partir de 5 de outubro de 1988.

Importante frisar que a atividade notarial e registral, nos moldes do previsto no artigo 236 da atual Constituição e Lei nº 8.935/94, está sujeita a regime jurídico de caráter privado e é essencialmente diversa daquela exercida pelos servidores públicos, cujos cargos não se confundem. A delegação é modo de investidura direta do particular, para exercício do serviço público, notarial ou registral, que não é nomeado para cargo público, mas habilitado em curso público de provas e títulos. A delegação é outorgada à pessoa natural, reconhecida como “profissional do direito dotado de fé pública”. (artigo 3º da Lei nº 8.935/94)

O edital do certame deverá, necessariamente, oferecer a vaga, indicando se está disponível pelo critério de provimento (investidura originária), ou se por remoção, destinada aos que já exercem a delegação há pelo menos dois anos (provimento derivado). (artigos 16 e 17, ambos da Lei nº 8.935/94)

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, há muito tempo, é firme acerca da natureza diversa do regime jurídico aplicado às serventias extrajudiciais em comparação com o regime jurídico dos servidores públicos. A título de exemplo, os seguintes precedentes:

CONSTITUCIONAL. SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. PROVIMENTO, MEDIANTE REMOÇÃO, SEM CONCURSO PÚBLICO DE PROVAS E TÍTULOS. ILEGITIMIDADE. ARTIGO 236 E PARÁGRAFOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: NORMAS AUTOAPLICÁVEIS, COM EFEITOS IMEDIATOS, MESMO ANTES DA LEI 9.835/1994. INAPLICABILIDADE DO PRAZO DECADENCIAL DO ARTIGO 54 DA LEI 9.784/1999. PRECEDENTES DO PLENÁRIO.

(...)

2. É igualmente firme a jurisprudência do STF no sentido de que a atividade notarial e de registro, sujeita a regime jurídico de caráter privado, é essencialmente distinta da exercida por servidores públicos, cujos cargos não se confundem (ADI 4140, Min. ELLEN GRACIE, Plenário, DJe de 20.09.2011; ADI 2.891-MC, Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Plenário, DJ de 27.06.2003; e ADI 865-MC, Min. CELSO DE MELLO, Plenário, DJ de 08.04.1994).

(...)

5. Agravo regimental desprovido.

(MS 29698 AgR, Rel. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, PUBLIC 21-08-2014) (grifos nossos)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PROVIMENTO N. 055/2001 DO CORREGEDOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. NOTÁRIOS E REGISTRADORES. REGIME JURÍDICO DOS SERVIDORES PÚBLICOS. INAPLICABILIDADE. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 20/98. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE EM CARÁTER PRIVADO POR DELEGAÇÃO DO PODER PÚBLICO. INAPLICABILIDADE DA APOSENTADORIA COMPULSÓRIA AOS SETENTA ANOS. INCONSTITUCIONALIDADE.

(...)

2. Os serviços de registros públicos, cartorários e notariais são exercidos em caráter privado por delegação do Poder Público - serviço público não-privativo.

3. Os notários e os registradores exercem atividade estatal, entretanto não são titulares de cargo público efetivo, tampouco ocupam cargo público. Não são servidores públicos, não lhes alcançando a compulsoriedade imposta pelo mencionado artigo 40 da CB/88 - aposentadoria compulsória aos setenta anos de idade.

4. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.

(ADI 2602, Rel. JOAQUIM BARBOSA, Rel. p/ Acórdão: EROS GRAU, Tribunal Pleno, DJ 31-03-2006) (grifos nossos)

Assim, ao tempo da nomeação da recorrente, após a vigência da Constituição Federal de 1988, não mais subsistia o regime de cargo público a possibilitar sua nomeação, nos termos do artigo 96, inciso I, alínea “e”, da Constituição Federal, consoante termo de nomeação de Id. 3682291, fl. 3. Em verdade, o cargo público para o qual foi nomeada não mais existia a partir de 5 de outubro de 1988, de maneira que seria impossível a nomeação de alguém para cargo público inexistente.

Com efeito, não se afigura possível a investidura de titular de serventia extrajudicial, já na vigência da atual Constituição Federal, com base em certame público que não observou o mandamento constitucional previsto no artigo 236, § 3º, da Constituição Federal, litteris:

Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

(...)

§ 3º O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.

A esse respeito, nota-se que o concurso realizado pela recorrente não observou nenhum dos requisitos constitucionais para o provimento da serventia extrajudicial: ausente natureza específica da prova para serventia extrajudicial, regime de cargo público diverso do regime de delegação do Poder Público, inobservância da regra de provimento ou remoção, bem como ausência de garantia ao princípio da universalidade do concurso.

Por oportuno, cabe salientar que, desde a entrada em vigor do novo regime constitucional, ainda não foi realizado concurso para provimento de serventias extrajudiciais, na forma prevista no artigo 236, § 3º, da Constituição Federal, sendo o certame previsto no Edital nº 001/2019, deste Conselho Nacional de Justiça, o primeiro concurso para outorga de delegação de notas e registros do Estado de Alagoas. Insustentável, portanto, a alegação da recorrente de que se submeteu regularmente a concurso público específico para a área extrajudicial, nos termos da Constituição vigente.

Afrontou-se, desse modo, o princípio do concurso público, informado pela igualdade que deve ser assegurada a todos quantos pretendem concorrer.  

Neste sentido, observa-se que o § 3º do artigo 236 é norma autoaplicável, com efeitos imediatos, mesmo antes da entrada em vigor da Lei nº 8.935/94, espraiando seus reflexos desde a vigência da Constituição Federal em 05 de outubro de 1988. Referido entendimento, inclusive, está consolidado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, conforme se observa, a título de exemplo, dos seguintes precedentes:

AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA AÇÃO ORIGINÁRIA. SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. RESOLUÇÃO DO CNJ INCLUINDO A SERVENTIA INDEVIDAMENTE OCUPADA NA LISTA DE VACÂNCIAS. REMOÇÃO DE SERVENTIA SEM CONCURSO PÚBLICO APÓS 1988. ARTIGO 236 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: NORMAS AUTOAPLICÁVEIS, COM EFEITOS IMEDIATOS, MESMO ANTES DA LEI 9.835/1994. PACÍFICA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DESTA SUPREMA CORTE. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA. INAPLICABILIDADE. AGRAVO INTERNO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. A orientação jurisprudencial desta SUPREMA CORTE firmou-se no sentido de que o disposto no art. 236, § 3º, da CF é norma autoaplicável mesmo antes da Lei 8.935/1994, e, portanto, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, é inconstitucional tanto o acesso, quanto a remoção nos serviços notarial e de registro sem prévia aprovação em concurso público. Precedentes.

(...)

 3. Recurso de agravo a que se nega provimento.

(AO 2551 ED-ED-AgR, Rel. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, PUBLIC 27-08-2021) (grifos nossos)

CONSTITUCIONAL. SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. PROVIMENTO, MEDIANTE REMOÇÃO, SEM CONCURSO PÚBLICO. ILEGITIMIDADE. ART. 236, E PARÁGRAFOS, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: NORMAS AUTOAPLICÁVEIS, COM EFEITOS IMEDIATOS, MESMO ANTES DA LEI 9.835/1994. INAPLICABILIDADE DO PRAZO DECADENCIAL DO ART. 54 DA LEI 9.784/1999. PRECEDENTES DO PLENÁRIO. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. A jurisprudência do STF é no sentido de que o art. 236, caput, e o seu § 3º da CF/88 são normas autoaplicáveis, que incidiram imediatamente desde a sua vigência, produzindo efeitos, portanto, mesmo antes do advento da Lei 8.935/1994. Assim, a partir de 5/10/1988, o concurso público é pressuposto inafastável para a delegação de serventias extrajudiciais, inclusive em se tratando de remoção, observado, relativamente a essa última hipótese, o disposto no art. 16 da referida lei, com a redação que lhe deu a Lei 10.506/2002. As normas estaduais editadas anteriormente, que admitem a remoção na atividade notarial e de registro independentemente de prévio concurso público, são incompatíveis com o art. 236, § 3º, da Constituição, razão pela qual não foram por essa recepcionadas.

(...)  

5. Agravo regimental a que se nega provimento.

(MS 29500 AgR, Rel. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, PUBLIC 16-02-2016) (grifos nossos)

Assim, não há falar em hipótese de provimento da serventia extrajudicial de forma distinta, especialmente por intermédio de certame público anterior, sem respeito e observância dos requisitos constitucionais.

A cronologia dos fatos e as violações aos dispositivos constitucionais podem ser resumidas, para melhor compreensão, na forma do quadro abaixo:

Pedido de Providências n° 0004727-65.2019.2.00.0000

2º Cartório do Tabelionato de Protestos de Rio Largo – Maria Ofélia Silva Cavalcanti Rodrigues.

Nomeada para o cargo de Tabelião em 25.10.1988, na forma do art. 96, alínea “e” da Constituição Federal, após aprovação em concurso público realizado sob a égide da Constituição anterior.

- Inconstitucionalidade no provimento caracterizado por ter sido realizado sem observar os requisitos, a realização de concurso público de provas e títulos específico para outorga de delegação, nos termos do art. 236, §3º, da Constituição Federal de 1988.

 

Frise-se, que isso ocorreu em afronta direta à Constituição Federal de 1988 e em manifesta violação do regime constitucional de delegação que, de há muito, estava vigente.

Ainda sobre o ponto, mostra-se incabível a ponderação de valores a sustentar a convalidação no tempo de ato irregular ou nulo, tendo em vista não se tratar de mera irregularidade ou ilegalidade, mas sim de inconstitucionalidade de ato administrativo, que não admite qualquer espécie de convalidação. Note-se que, na ótica da Suprema Corte, “situações inconstitucionais não se consolidam pelo transcurso do tempo”. (ARE 943787 AgR, Rel. GILMAR MENDES, Segunda Turma, PUBLIC 23-11-2018)

Além do mais, como já assentado pelo Supremo Tribunal Federal em inúmeros julgados, não se admite o chamado “usucapião de constitucionalidade”, não possuindo o decurso do tempo força deletéria às disposições constitucionais, seja por omissão ou comissão dos agentes públicos. Nesse aspecto, calha salientar a manifesta incompatibilidade entre o exercício da atividade notarial ou registral de boa-fé por muitos anos e a inconstitucionalidade do provimento da serventia sem o devido concurso público, na medida em que há nítida violação aos princípios republicanos da igualdade, moralidade e impessoalidade que norteiam o acesso às funções públicas. Nessa linha de pensamento:

(...)

Entendo, por conseguinte, ilegítimo invocar os princípios da confiança e da boa-fé para amparar a presente impetração, uma vez que a matéria em questão está inserida na ordem constitucional, a todos imposta de forma equânime. Sou francamente partidário da necessidade de concurso público como elemento nuclear da formação de vínculos efetivos com a Administração, em quaisquer níveis. Eventuais situações de excepcionalidade reconhecidas pelo STF, como no caso INFRAERO (MS nº 22.357, Relator Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJ de 5/11/04), não podem ser dilatadas para toda e qualquer hipótese de fato. A regra é o concurso público, isonômico e universal. Ademais, no que se refere ao problema da boa-fé e da eficácia continuativa das relações jurídicas, entendo que não pode haver usucapião de constitucionalidade. A obrigatoriedade da Constituição deriva de sua vigência. Não é possível entender que o tempo derrogue a força obrigatória de seus preceitos por causa de ações omissivas ou comissivas de autoridades públicas.

(MS 29522 ED, Rel. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, PUBLIC 21-08-2015) (grifos nossos)

(...)

A efetivação do autor da ação originária na titularidade do cartório com base na invocação dos princípios da confiança e da boa-fé não se sustenta diante da manifesta inconstitucionalidade da situação.

3. Recurso de agravo a que se nega provimento.

(AO 2551 ED-ED-AgR, Rel. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, PUBLIC 27-08-2021) (grifos nossos)

(...) já que é imprescindível a prévia aprovação em concurso público específico para acesso a cada serventia. Se assim não fosse, a pretensão dos interessados ultrapassaria, em termos de anacronismo, até mesmo a figura da usucapião de função pública, uma vez que a falta de concurso público tornaria viável, por exemplo, a sucessão hereditária ou negocial nas serventias, o que seria inadmissível à luz dos princípios constitucionais que densificam a pulsão democrática desta nação. Em desabono à argumentação do impetrante, esta Corte tem sistematicamente reconhecido a plena aplicabilidade da exigência de prévia aprovação em concurso público de provas como condição para a outorga de serventia extrajudicial. A redação do art. 236, § 3º da Constituição vincula expressamente o ingresso na atividade notarial e de registro à aprovação em concurso público de provas e títulos.

(MS 28371, Rel. JOAQUIM BARBOSA, PUBLIC 24-03-2011)

Por oportuno, vale transcrever a seguinte passagem do voto da relatora, Ministra ELLEN GRACIE, por ocasião do julgamento paradigmático pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, no MS 28.279 (publicação em 29/04/2011), em que se firmou a jurisprudência daquela Excelsa Corte acerca da impossibilidade da consolidação de titulares de serventias extrajudiciais, providas em flagrante violação ao ordenamento constitucional:

“Imbuídos de espírito genuinamente republicano, nossos Constituintes romperam com a tradição política feudal de atribuições de titulações de cartórios.

A Constituição de 1988 instaurou a legitimidade em relação ao provimento das serventias notariais e de registro em nosso país.

É que vivíamos até a promulgação da atual Constituição como se estivéssemos ainda no Império. As titularidades de cartórios equivaliam, na prática, a algo parecido às extintas concessões de baronato, criando-se uma espécie de classe aristocrático-notarial, atualmente inadmissível.

Hoje um jovem de origem modesta também pode sonhar em ingressar em tão importante atividade, sem depender de favores de autoridades, bastando para tal desiderato vocação e dedicação aos estudos jurídicos.

A esta Suprema Corte foi legada a maior de todas as missões: ser a guardiã da Constituição da República Federativa do Brasil. Como juízes da mais alta Corte de Justiça deste País, não podemos e não devemos transformar a Constituição em refém de leis e de interpretações contrárias ao espírito da própria Lei Maior.

Os princípios republicanos da igualdade, da moralidade e da impessoalidade devem nortear a ascensão às funções públicas. Os milhões de brasileiros e brasileiras que se debruçam diariamente sobre livros durante horas a fio a estudar em busca de um futuro melhor não merecem desta Suprema Corte resposta que não seja o repúdio mais veemente contra esses atos de designação ilegítimos.

A tese defendida pelo impetrante faz letra morta do art. 236, § 3º, da Constituição Federal, que estabelece a exigência de prévia aprovação em concurso público para o ingresso na atividade notarial e de registro, razão por que não deve ser acolhida pela Corte.

O que se busca no presente writ é, em verdade, o reconhecimento de uma espécie de usucapião da função pública de notário ou registrador, pretensão inadmissível”.

Também acerca do tema, importa registrar a recente manifestação do Ministro ALEXANDRE DE MORAES nos autos da Reclamação nº 51.692/TO (publicada em 10/02/2022), em que faz menção a decisão pretérita do Ministro TEORI ZAVASCKI, na qual se afasta expressamente a aplicação dos princípios da proteção da confiança e da segurança jurídica, em casos de exercício precário e irregular de serventias, ocupadas em desacordo com a Constituição Federal atual ou anterior:

O Min. TEORI ZAVASCKI, ao apreciar o mandado de segurança, por decisão monocrática, revogou a liminar deferida e negou seguimento ao pedido, afastando de forma expressa a aplicação dos princípios da confiança e da segurança, conforme se pode verificar no seguinte trecho da decisão que denegou a ordem:

“3. Está consolidada a jurisprudência do STF sobre o regime jurídico-constitucional dos serviços notariais e de registro, fixado no art. 236 e seus parágrafos da Constituição, normas consideradas autoaplicáveis. Cuida-se de serviço exercido em caráter privado e por delegação do poder público, para cujo ingresso ou remoção exige-se concurso público de provas e títulos.

Ou seja, a partir de 05.10.1988, a atividade notarial e de registro é essencialmente distinta da atividade exercida pelos poderes de Estado, e, assim, embora prestado como serviço público, o titular da serventia extrajudicial não é servidor e com este não se confunde (ADI 865-MC, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Plenário, DJ de 08.04.1994; ADI 2602, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, Plenário, DJ de 31.03.2006; e ADI 4140, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Plenário, DJe de 20.09.2011).

[...]

Acrescenta-se que, a partir da Emenda Constitucional 22/82, promulgada em 29.06.1982 e publicada em 05.07.1982, que é exigida a realização de concurso público, por força da alteração dos arts. 206 e 207 na Constituição então vigente:

[...]

A eventual persistência de serventias judiciais privatizadas, como ainda ocorre em alguns Estados da Federação, ademais de incompatível com o preceito do art. 31 do ADCT e do art. 96, I, da CF, pelo qual ficou assentado serem organizadas as carreiras e cargos dos tribunais e serviços auxiliares seus e dos juízos a eles vinculados, não serve como referência para igualar os serviços judiciais com os das serventias notariais e de registro.

De outra parte, a legislação estadual que os equipare ou assemelhe para qualquer finalidade, seja legislação de iniciativa do Poder Judiciário ou não, anterior à Constituição de 1988, deixou de ser compatível com a superveniente ordem normativa constitucional, o que, ressalvadas apenas as situações previstas no art. 32 do ADCT, importou sua não-recepção e, portanto, sua revogação.

À base desse pressuposto, tem-se como certo que, a partir da vigência da Constituição de 1988, o ingresso ou a movimentação dos titulares de serviço notarial e de registro, devem sempre estrita observância ao novo regime, ficando dependentes de prévio concurso de provas e títulos.

A superveniência da Lei 8.935/94 (de 18.11.1994), que regulamentou o art. 236 da Constituição, manteve a exigência de concurso de provas e títulos, tanto para o provimento originário quanto para o de remoção. Eis a redação originária do art. 16:

[...]

Com a nova redação dada ao art. 16 pela Lei 10.506/02 (de 9.7.2002), a exigência de provas e títulos permaneceu apenas para o provimento inicial. A partir de então, impõe-se, para remoção, apenas o concurso de títulos:

[...]

4. Esse entendimento foi cristalizado no Plenário desta Corte, no julgamento do MS 28.279 (Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJe de 29.04.2011). Na ocasião, a Corte afirmou expressamente: que (a) o art. 236, caput e § 3º, da CF contêm normas de natureza autoaplicável, produzindo efeitos que independem da Lei 8.935/94; (b) a decadência (art. 54 da Lei 9.784/99, e art. 91, parágrafo único, do RICNJ) não se aplica a situações inconstitucionais; e (c) não há direito adquirido à titularidade de serventias que tenham sido efetivadas sem a observância das exigências do art. 236, quando o ato tiver ocorrido após a vigência da CF/88.

Quanto à prevalência do regime constitucional novo e suas regras, não há dúvida de que a exigência de concurso de provas e títulos, específico para o ingresso na atividade e remoção dentro do serviço (sendo, nesse último caso, depois de 2002, apenas de títulos), não poderia ser dispensada qualquer que fosse a legislação local anterior.

5. Sustenta-se, com invocação dos princípios da proteção da confiança, da segurança jurídica, da boa-fé e do ato jurídico perfeito, que o exercício precário e ilegítimo das serventias, mesmo não ocupadas de acordo com a Constituição anterior ou atual, não pode ser desconsiderado, devendo-se garantir aos ocupantes o direito de nelas se manterem, estando exaurido o poder de revisão dos atos administrativos correspondentes por força da decadência estabelecida pelo art. 54 da Lei 9.784/99.

A questão não é nova. É certo que a norma invocada estabelece limites ao poder de revisão dos atos do Poder público de que decorram efeitos favoráveis ao administrado, uma vez corrido o prazo de 5 anos da vigência da lei, ou a partir do ato respectivo, já que a Administração, ao cabo dele, perde o poder de revê-los, exceto quando verificada a má-fé do beneficiário. Essa espécie de autolimitação instituída pelo legislador tem por razão a proteção da segurança jurídica do administrado e significa que a Administração, de ordinário, depois desse prazo, decai do direito de revisão.

No entanto, a situação em exame tem outra conformação. A Constituição ordena a sujeição ao concurso público a quem não ostente essa condição de acesso à serventia ocupada, ordem essa que não está sujeita a prazo de qualquer natureza, não podendo cogitar de convalidação dos atos ou fatos que persistem em descumpri-la. Não há sentido algum, portanto, em se debater a respeito da decadência, nessas hipóteses.

Em suma, o prazo decadencial de 5 anos para revisão de atos administrativos (art. 54 da Lei 9.784/1999, e art. 91, parágrafo único, do RICNJ) não se aplica a situações inconstitucionais, como a dos autos, em que houve a delegação de serventia extrajudicial sem a prévia realização do devido concurso público. Essa foi a tese adotada no julgamento do MS 28.273 (Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Plenário, DJe de 21.02.2013), ocasião em que a Corte decidiu, por unanimidade, que o exame da investidura na titularidade de cartório sem concurso público não está sujeito ao prazo previsto no art. 54 da Lei 9.784/1999.

[...]

Com efeito, a partir de 05.10.1988, o requisito constitucional do concurso público é inafastável em ambas as hipóteses de delegação de serventias extrajudiciais e sem a incidência de prazo decadencial: no ingresso, exige-se o concurso público de provas e títulos; na remoção (a partir da redação dada pela Lei 10.506/2002 à Lei 9.835/1994), concurso de títulos.

6. No caso da impetração, os documentos demonstram que a parte impetrante ingressou, precariamente, no cargo de Escrevente e Suboficial, pelo Cartório de Registro de Imóveis, Pessoas Jurídicas, Títulos, Documentos, Protestos e Tabelionato de Notas do Distrito Judiciário de Taquarussu do Porto/TO (Portaria 38/1989 – doc. 6). Após a transferência da Comarca de Taquarassu do Porto para Palmas, em 24/1/1991, a parte impetrante foi efetivada na titularidade do Registro de Imóveis e Tabelionato 1º de Notas da Comarca de Palmas. Conforme o despacho 29/1991 do TJTO (doc. 8), a efetivação baseou-se no extinto art. 19 do ADCT, da Constituição do Estado de Tocantins (Emenda Constitucional 3, de 25/1/1991). Em 7/6/1993, optou pelo Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Palmas/TO (Despacho 669/1993). Essa investidura foi considerada ilegítima pelo CNJ, por ausência de concurso público.

É evidente, portanto, que os documentos corroboram a pertinência fática apresentada na petição inicial, tornando incontroverso que a titularidade em questão formalizou-se sem o prévio concurso público, o que não atende às exigências do art. 236, § 3º, da Constituição”. (grifos nossos)

Ainda nessa linha de discussão, a Corte Suprema tem reafirmado o papel fundamental do concurso público como garantia da concretização do princípio da igualdade, pilar do Estado Democrático de Direito, como se extrai das seguintes manifestações do Ministro CELSO DE MELLO em trecho do voto proferido no Agravo Regimental interposto no MS 30014, julgado pelo Tribunal Pleno, e publicado em 18/02/2014:

“O respeito efetivo à exigência de prévia aprovação em concurso público qualifica-se, constitucionalmente, como paradigma de legitimação ético-jurídica da investidura de qualquer cidadão em cargos, funções ou empregos públicos, ressalvadas as hipóteses de nomeação para cargos em comissão (CF, art. 37, II). A razão subjacente ao postulado do concurso público traduz-se na necessidade essencial de o Estado conferir efetividade ao princípio constitucional de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, vedando-se, desse modo, a prática inaceitável de o Poder Público conceder privilégios a alguns ou de dispensar tratamento discriminatório e arbitrário a outros. Precedentes. Doutrina (RTJ 181/555, Rel. Min. Celso de Mello)

O postulado constitucional do concurso público, enquanto cláusula integralizadora dos princípios da isonomia e da impessoalidade, traduz-se na exigência inafastável de prévia aprovação em concurso público de provas, ou de provas e títulos, para efeito de investidura em cargo público.

Essa imposição jurídico-constitucional passou a estender-se, genericamente, com a promulgação da Constituição de 1988, à investidura em cargo ou emprego público, ressalvadas, unicamente, as exceções previstas no próprio texto constitucional. (RTJ 152/762, Rel. Min. Celso de Mello)”.

Insta pontuar que também é inaplicável à espécie a hipótese do artigo 32 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (o disposto no art. 236 não se aplica aos serviços notariais e de registro que já tenham sido oficializados pelo Poder Público, respeitando-se o direito de seus servidores) da atual Carta Magna, na medida em que a recorrente somente foi nomeada no cargo após ter entrado em vigência a Constituição Federal de 1988 e, portanto, inexistente direito de servidor a ser resguardado pela regra de transição constitucional.

Ademais, releva salientar que, inobstante este Conselho Nacional de Justiça ter prolatado decisões sobre a regularidade da citada serventia extrajudicial, não há óbice para a revisão do entendimento anterior. Isso porque, o Princípio da Autotutela Administrativa, previsto no artigo 53 da Lei nº 9.784/99, confere ao administrador público a prerrogativa de anular ou revogar seus próprios atos quando inquinados de nulidade ou por razões de conveniência ou oportunidade. Tal entendimento encontra-se, também, consolidado no enunciado 573 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, verbis:

A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.

Rememore-se, ainda, que nos termos do entendimento da Suprema Corte, “inexiste direito adquirido a amparar situação flagrantemente inconstitucional”. (RE 1245783 AgR, Rel. EDSON FACHIN, Segunda Turma, PUBLIC 15-06-2021) Ou seja, assim como no caso dos autos, não há direito adquirido à titularidade de serventias extrajudiciais que tenham sido efetivadas sem a observância dos regramentos do artigo 236, quanto o ato tiver ocorrido após a vigência da Constituição Federal de 1988.

Além do mais, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em reiterados julgamentos, tem asseverado que o prazo decadencial de cinco anos previsto no artigo 54 da Lei nº 9.784/99 não se aplica à revisão de atos de delegação de serventias extrajudiciais editados após a Constituição de 1988, sem o atendimento das exigências prescritas no seu artigo 236. A propósito:

AÇÃO RESCISÓRIA. DECISÃO RESCINDENDA PROFERIDA NOS AUTOS DO MS 29.263, REL. MIN. TEORI ZAVASCK. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO MANIFESTA À NORMA JURÍDICA. SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. EFETIVAÇÃO, APÓS 1988, SEM CONCURSO PÚBLICO. ARTIGO 236 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NORMA AUTOAPLICÁVEL, COM EFEITOS IMEDIATOS. PACÍFICA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DESTA SUPREMA CORTE. AÇÃO RESCISÓRIA JULGADA IMPROCEDENTE. (...)

2. A orientação jurisprudencial desta SUPREMA CORTE firmou-se no sentido de que o prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei 9.784/99 não alcança situações flagrantemente inconstitucionais, sob pena de subversão das determinações insertas na Constituição Federal.

3. Ação Rescisória julgada IMPROCEDENTE. Honorários sucumbenciais arbitrados em R$ 2.000,00 (dois mil reais), nos termos do artigo 85, § 3º, I, do CPC de 2015.

(AR 2567, Rel. MARCO AURÉLIO, Rel. p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, PUBLIC 23-03-2021) (grifos nossos)

De igual sorte, vislumbra-se que o parágrafo único do artigo 91 do Regimento Interno do CNJ não socorre as pretensões da recorrente, uma vez que a própria norma ressalva que não será admitido o controle de atos administrativos praticados há mais de cinco anos, salvo quando houver afronta direta à Constituição, assim como na hipótese, que implicou em vulneração direta ao texto do artigo 236, § 3º, da Constituição Federal.

Desse modo, uma vez reconhecida a manifesta violação aos preceitos constitucionais, pela inobservância da obrigatoriedade de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos, nos moldes do estabelecido no artigo 236 da Constituição Federal, observa-se que deve ser mantida a declaração da vacância do 2º Cartório do Tabelionato de Notas e Protestos da Comarca de Rio Largo/AL, não subsistindo razões para a reforma da decisão monocrática de Id. 3721989.

Além do mais, deve ser mantida a inclusão da citada unidade na lista das serventias vagas, conforme constou no Edital nº 001/2019, do I Concurso Público de Provas e Títulos para Outorga de Delegações de Notas e Registros do Estado de Alagoas, dirigido por este Conselho Nacional de Justiça. 

Por fim, por consubstanciarem inovação subsequente à interposição do recurso, não há como se conhecer das alegações da recorrente vertidas no bojo das petições de Ids. 4092275 e 4195240.

Ante o exposto, indefiro os pleitos de ingresso de terceiros, e nego provimento ao recurso administrativo interposto nestes autos, mantendo-se, integralmente, a respeitável decisão recorrida, para os fins acima.   

É como voto.

 

Conselho Nacional de Justiça

 

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS 0004721-58.2019.2.00.0000

Relator:

Corregedoria Nacional de Justiça

Requerente:

Corregedoria Nacional de Justiça

Requerido:

Denisson Mastrianni Lima

 

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS 0004727-65.2019.2.00.0000

Relator:

Corregedoria Nacional de Justiça

Requerente:

Corregedoria Nacional de Justiça

Requerido:

Maria Ofélia Silva Cavalcanti Rodrigues

 

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS 0004725-95.2019.2.00.0000

Relator:

Corregedoria Nacional de Justiça

Requerente:

Corregedoria Nacional de Justiça

Requerido:

Rainey Barbosa Alves Marinho

 

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS 0004732-87.2019.2.00.0000

Relator:

Corregedoria Nacional de Justiça

Requerente:

Corregedoria Nacional de Justiça

Requerido:

Sérgio Toledo De Albuquerque

 

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS 0004733-72.2019.2.00.0000

Relator:

Corregedoria Nacional de Justiça

Requerente:

Corregedoria Nacional de Justiça

Requerido:

Maria Lúcia Sampaio Falcão


VOTO DIVERGENTE


Cuidam os autos de Pedidos de Providências instaurados de ofício pela Corregedoria Nacional de Justiça para averiguar a situação dos seguintes serviços de notas e de registros públicos do Estado de Alagoas:

a) Registro Civil das Pessoas Naturais de Rio Largo (CNS 00.352-5), pelo qual responde Denisson Mastrianni Lima, nos autos de n. 4721-58.2019;

b) 2º Tabelionato de Notas e Protestos de Rio Largo (CNS 00.187-5), pelo qual responde Maria Ofélia Silva Cavalcanti Rodrigues, nos autos de n. 4727-65.2019;

c) 2º Cartório de Títulos e Documentos e Notas de Maceió (CNS 00.179-2), pelo qual responde Rainey Barbosa Alves Marinho, nos autos de n. 4725-95.2019;

d) 3º Registro de Imóveis e Distribuição de Títulos para Protesto de Maceió (CNS 00.189-1), pelo qual responde Sérgio Toledo de Albuquerque, nos autos de n. 4732-87.2019; e

e) Cartório do Registro Civil e Notas do 2º Distrito da comarca de Maceió (CNS 00.294-9), pelo qual responde Maria Lúcia Sampaio Falcão, nos autos de n. 4733-72.2019.

Verifica-se dos autos que os requeridos foram aprovados em concurso público de provas e títulos realizado sob a regência do Edital n. 1, publicado no Diário Oficial do Estado de Alagoas em 18 de abril de 1988, para “cargos” relativo ao exercício de atividades típicas de notários e de registradores.

Concorreram os candidatos, respectivamente, aos ditos “cargos” de “Oficial do Registro Civil” e “2º Cartório do Tabelionato” do distrito-sede da comarca de Rio Largo (2ª entrância) e de “Oficial do Registro de Títulos e Documentos (2º Cartório)”, “Oficial do Registro de Imóveis e Hipotecas (3º Cartório)” e “Oficial do Registro Civil - Jaraguá” do distrito-sede da comarca de Maceió (3ª entrância).

Embora o resultado final do concurso tenha sido homologado ainda sob a vigência do regime jurídico-constitucional anterior, todos os candidatos foram nomeados pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas (TJAL) para o exercício dos “cargos” para os quais foram aprovados, tomando posse e entrando em exercício em data posterior à de entrada em vigor da Constituição da República.

Em 24 de janeiro de 2010 e em 12 de julho de 2010, a Corregedoria Nacional de Justiça, à época coordenada pelo Ministro Gilson Dipp, no âmbito da relação geral de vacâncias feita publicar por determinação da Resolução n. 80, de 9 de junho de 2009, deste Conselho Nacional, considerou todas as serventias sob discussão nesses autos como regularmente providas. Fê-lo considerando que os titulares dos serviços notariais e de registros foram aprovados “por meio de Concurso de provas e títulos para concurso exclusivo do serviço extrajudicial” [sic].

Destaca-se uma peculiaridade.

A decisão de considerar Maria Ofélia Silva Cavalcanti Rodrigues como titular do 2º Tabelionato de Notas e Protestos de Rio Largo (CNS 00.187-5) foi revisitada em 28 de outubro de 2011. Na ocasião, considerou-se ter havido uma “opção tácita” da titular pelo exercício da escrivania judicial em detrimento do tabelionato, o que se refletiria na percepção de remuneração paga pelo Estado e não de emolumentos. Por essa razão, a Ministra Eliana Calmon, então Corregedora Nacional de Justiça, declarou vago o serviço notarial.[1]

Todavia, em 21 de abril de 2012, pouco menos de seis meses após a prolação da decisão anterior, a Conselheira Eliana Calmon refluiu ao anterior posicionamento. Uma vez mais, a serventia fora considerada como regularmente provida[2].

O fundamento que amparou a decisão de abril de 2012 é de fácil compreensão: embora nomeada para o cargo de tabeliã [de serventia extrajudicial] e de escrivã [de serventia judicial], a vaga para a qual prestara concurso público era, exclusivamente, a de tabeliã.

Por esta razão, ainda que o regime jurídico vigente quando da publicação do edital do concurso tenha sido alterado pela promulgação da Constituição da República de 1988, os requisitos impostos pela nova ordem constitucional para a delegação de serviços de notas e de registros foram integralmente observados.

Essa mesma situação se repete em todos os serviços de notas e de registros ora tratados. Todos os recorrentes foram nomeados para o exercício de atividades típicas de notas e de registros públicos.

A situação jurídica das serventias, analisadas por este Conselho Nacional em pelo menos duas oportunidades e tornadas estáveis em 2010, sofre abalo quase uma década depois por conta de ofícios, subscritos pelo presidente da Comissão de Concurso para a outorga de delegações de notas e registros do Estado de Alagoas, que noticiaram eventuais irregularidades no provimento nos serviços delegados aos requeridos, ora recorrentes.

Por decisão do Ministro Aloysio Corrêa da Veiga, então Corregedor Nacional de Justiça em substituição, todos os serviços tiveram seu estado revisto, revertendo dois pronunciamentos do Ministro Gilson Dipp pela legalidade do provimento.

Contra as decisões foram interpostos recursos administrativos, monocraticamente acolhidos pelo agora Corregedor Nacional de Justiça substituto, o Ministro Emmanoel Pereira. Novamente as serventias foram consideradas providas.

Finalmente, em 17 de dezembro de 2019, o Ministro Dias Toffoli, presidente deste Conselho, afirmou a competência do Colegiado para a apreciação dos recursos administrativos, tornando sem efeito as decisões monocráticas que deram provimento, de modo singular, aos reclamos interpostos.

É essa a quadra dos fatos.

A exigência de aprovação em concurso público de provas e títulos para o provimento de serventias extrajudiciais não é inaugurada pela ordem constitucional de 1988. Desde a promulgação da emenda nº  22 à Constituição Federal de 1967, que deu nova redação ao art. 208 do texto constitucional, o ordenamento jurídico brasileiro demandava requisito qualificado para a assunção de atribuições notariais e registrais.

Como já decidido pelo Supremo Tribunal Federal[3] e reiteradamente afirmado pelo Conselho Nacional de Justiça, a norma contida no art. 236 da Constituição da República possui eficácia plena. Assim, mesmo que antes do advento de norma regulamentadora — a Lei n. 8.934, de 18 de novembro de 1994 –, o provimento da atividade do foro extrajudicial dependia de aprovação em concurso público de provas e títulos.

A redação comparada entre os dispositivos constitucionais evidencia os pontos de convergência entre a anterior e a nova ordem constitucional:

[CF/1967] Art. 207 - As serventias extrajudiciais, respeitada a ressalva prevista no artigo anterior, serão providas na forma da legislação dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, observado o critério da nomeação segundo a ordem de classificação obtida em concurso público de provas e títulos.

E:

[CF/1988] Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

(...)

§ 3º  O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.

Salvo em caso de patente não recepção pela nova ordem constitucional, não há razão para que se despreze o ato jurídico decorrente de concurso público: a) realizado nos termos da legislação de regência que vigia quando da publicação do edital e do resultado do processo seletivo; b) que observou o requisito de prévia aprovação em concurso público, exigido tanto antes quanto depois da promulgação do texto constitucional; c) para o exercício de um determinado feixe de atribuições que, mesmo com a alteração no regime jurídico, foi preservado.

O que se verifica da intenção do constituinte originário era o prestígio ao concurso público, com complexidade que se coaduna à natureza das delicadas atribuições de notas e de registros.

Ocorre que, a despeito de respeitável posicionamento em sentido diverso, não me parece adequada a afirmação de que o ingresso na atividade notarial e de registro dependa sempre de “concurso público de provas e títulos específico reservado a bacharéis em Direito ou profissional que tenha exercido, por dez anos, completados antes da publicação do primeiro edital, função em serviços notariais ou de registros”, conforme afirmado pelo então Corregedor Nacional Substituto, Min. Aloysio Corrêa da Veiga.

Tampouco, ao contrário do que consta do voto relator, se pode afirmar que o provimento derivado de serventia (por remoção) demande, sempre, o exercício de dois anos de delegação.

Estes requisitos passam a qualificar o art. 236, § 3º, da Constituição da República apenas após a promulgação da Lei n. 8.935, de 1994, e da Resolução CNJ n. 81, de 2009.

Ao analisarmos atos administrativos aperfeiçoados entre os anos de 1988 e 1990, é com base na legislação em vigor naquela data que a juridicidade dos documentos deve ser aferida. E, nestes casos concretos de que estamos tratando, parece-me haver, ainda que de modo subliminar, a tentativa de aplicação retroativa de normas e de entendimentos que, embora hoje sejam absolutamente sedimentados e incontroversos, não encontravam amparo na legislação ou na jurisprudência então vigente.

O fato de não haver confusão entre a atividade notarial e de registro e a atividade exercida por servidores públicos não ilide o fato de que, para o exercício do feixe de atribuições de registros públicos, de notas e do cartório extrajudicial, o único requisito previsto em 25 de outubro de 1988 pela legislação federal era a aprovação em concurso público de provas e títulos.

À guisa de exemplo, verifico que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo patrocinou, a partir da promulgação da Constituição e antes da superveniência da Lei de Cartórios, com espeque na Lei Complementar Estadual n. 539, de 23 de maio de 1988[4] e regulamento na Resolução n. 27, de 4 de agosto de 1989, concursos públicos de provas e títulos para o provimento “dos cargos de Serventuários dos Cartórios de Registro de Imóveis”.

Embora os atos regulamentares façam referência à existência de “cargos de serventuários”, não se pode considerar que São Paulo (ou Alagoas) estava a cogitar de concurso para o provimento de “cargos” públicos propriamente ditos.

Cito o edital do 3º concurso de provas e títulos para provimento dos cargos de serventuários dos cartórios de Registro Civil da comarca da Capital e das sedes de comarcas do Interior no Estado de São Paulo, publicado no Diário Oficial do Estado n. 61, de 18 de abril de 1991, Caderno 1 do Poder Judiciário, p. 30-31.

Na oportunidade, foram oferecidas serventias nos grupos de 1ª ,2ª e 3ª classes e de classe especial, demandando-se do candidato domínio, demonstrado em prova escrita, “com parte prática, questões e dissertação.

No concurso de Alagoas, para o exercício dos cargos” de tabelião e escrivão, oficial do registro civil, avaliador e distribuidor [destaco que, aqui, também se lançou mão da equivocada denominação “cargo”], foram exigidos, além de conhecimentos teóricos relativos às atribuições do cargo, a “redação de um ato próprio das atribuições do cargo a que concorre o candidato”.

Ao encaminhar-me para a conclusão do voto, reitero manifestação já transcrita, de lavra da e. Ministra Eliana Calmon, na decisão em que reconsidera a decisão de vacância do serviço titularizado pela recorrente Maria Ofélia, mas que a todos os demais também se aplica.

Havendo os candidatos, ora recorrentes, se submetido a concurso público para o exercício de atribuições extrajudiciais, sem que se cogite tratar de cargo público, o afastamento dos interessados da serventia resultará em um limbo jurídico que desconsidera o resultado de um concurso público regular a que se submeteram.

Em outras palavras: os candidatos concorreram ao provimento de um feixe de atribuições típicos da atividade notarial e registral. Não são servidores públicos porque não se submeteram a concurso público com esta finalidade. Se reconhecida a vacância, não há cargo no quadro de servidores do Poder Judiciário que os contemplem.

Por tais razões, tenho que, observadas as peculiaridades do caso, a realização de concurso público de provas e títulos é condição (necessária e) suficiente para conferir àqueles aprovados no processo seletivo regido pelo Edital n. 1, de 1988, do TJAL, a qualificação de titulares das serventias extrajudiciais ocupadas desde então.

Anoto, por fim, que não se está a cogitar da concessão de irregular privilégio a alguém que não se submeteu a concurso público, ou que se submeteu a concurso com exigências distintas daquelas que são impostas aos que almejam exercer atividade notarial ou registral. Os ora recorrentes foram submetidos a concurso público de provas e de títulos para se verem habilitados à prestação do serviço do foro extrajudicial, sem qualquer atalho ou subterfúgio. Apenas, evidentemente, regido pela legislação da época, como não poderia ser diferente.

Em outras situações também relacionadas à vacância de cartórios no Estado de Alagoas, foram declaradas vagas serventias cujos titulares não haviam sido selecionados por competente concurso público. A declaração de vacância, tomada pelo voto unânime do Plenário, soma-se ao reiterado repositório de decisões deste Conselho Nacional no sentido de não admitir burla ao princípio do concurso público para a delegação de serviços de notas e registros.

Afinal, a jurisprudência do Supremo Tribunal é unívoca em estabelecer como marco suficiente para a aferição da regularidade do provimento de serventia a submissão pretérita a concurso público, independentemente do transcurso do prazo decadencial administrativo: “a regra de decadência é inaplicável ao controle administrativo feito pelo Conselho Nacional de Justiça nos casos em que a delegação notarial ocorreu após a promulgação da Constituição de 1988, sem anterior aprovação em concurso público de provas[5]. (g. n.)

Há mais.

A análise da situação das serventias extrajudiciais do Estado de Alagoas foi analisada por este Conselho Nacional no Pedido de Providências de autos n. 0001578-42.2011.2.00.0000. Em pelo menos duas oportunidades, nos Pedidos de Providências de autos n. 0006665-95.2019.2.00.000 e 0009213-30.2018.2.00.0000, a Corregedoria Nacional de Justiça utilizou como fundamento para negar provimento a recursos interpostos por delegatários cujas serventias foram declaradas vagas, justamente por conta da apreciação anterior da matéria e da inexistência de fatos novos a ensejar sua rediscussão:

EXTRAJUDICIAL. RECURSO ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. EXCLUSÃO DO CARTÓRIO DO 1º OFÍCIO DA COMARCA DE CAPELA – AL. LISTA DE VACÂNCIA DOS SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTO DO ESTADO DE ALAGOAS. PRECLUSÃO ADMINISTRATIVA. INVIABILIDADE DE RENOVAÇÃO DE PEDIDO DEFINITIVAMENTE JULGADO PELO CNJ.

1. É entendimento consolidado no CNJ que não se admite a rediscussão de matéria julgada sem que existam fatos novos.

2. A pretensão de exclusão do Cartório do 1º Ofício da Comarca de Capela – AL da lista de vacâncias dos serviços notariais e de registro do Estado de Alagoas, já fora devidamente tratada na decisão proferida pela Ministra Eliana Calmon no PP nº 0001578-42.2011.2.00.0000 e mantida pela Ministra Nancy Andrighi no PP nº 0001735-44.2013.2.00.0000.

3. A peça recursal não apresentou arcabouço fático novo idôneo de ensejar nova discussão acerca da matéria, destaca-se, já analisada.

4. Recurso a que se nega provimento. (CNJ. RA no PP 0006665-95.2019.2.00.0000. Rel.ª Cons.ª MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA. j. em 10 set. 2021). (g. n.)

Se é verdade que fatos novos autorizam a desconstituição da coisa julgada administrativa, não se pode dizer o mesmo a respeito de interpretações novas sobre fatos já cristalizados no tempo, analisados em atenção a entendimento jurídico vigente e plenamente compatível com a ordem constitucional das coisas.

Trata-se de consectário da regra deontológica contida no art. 24 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que afasta a possibilidade de reconhecimento de invalidade de situação constituída decorrente da sedimentação de entendimento distinto daquele que, à época, orientou o administrador-controlador.

Nesse sentido, afigura-se adequado recorrer ao entendimento firmado pelo Ministro Ayres Britto em situação também relativa à outorga de serviços de notas e de registros públicos decorrentes de “acumulação, desacumulação, extinção e criação de unidades” por ato normativo que infringiu o princípio da reserva legal. Reconheceu-se a aplicação da tese da norma jurídica “ainda constitucional”[6]. Lá, como aqui, a inexistência de norma regulamentadora específica e a impossibilidade de migração automática de regime jurídico sem a incidência de regras de direito intertemporal permitiria a validação de outorgas de serviços notariais e de registros desde que não violado o cerne da regra constitucional regente: a aprovação em concurso público.

Ante o exposto, perfilo-me ao entendimento alinhavado pelo eminente conselheiro Mário Maia em profundo e detalhado voto, a que acresço as singelas considerações constantes desta declaração, a fim de registrar minha respeitosa divergência do judicioso posicionamento da eminente Corregedora Nacional de Justiça.

Portanto, dou provimento aos recursos administrativos interpostos por Denisson Mastrianni Lima, Maria Ofélia Silva Cavalcanti Rodrigues, Rainey Barbosa Alves Marinho, Sérgio Toledo de Albuquerque e Maria Lúcia Sampaio Falcão para declarar providos: a) o Registro Civil das Pessoas Naturais de Rio Largo (CNS 00.352-5); b) o 2º Tabelionato de Notas e Protestos de Rio Largo (CNS 00.187-5); c) o 2º Cartório de Títulos e Documentos e Notas de Maceió (CNS 00.179-2); d) o 3º Registro de Imóveis e Distribuição de Títulos para Protesto de Maceió (CNS 00.189-1); e e) Cartório do Registro Civil e Notas do 2º Distrito da comarca de Maceió (CNS 00.294-9).

Por consequência, determino a exclusão das serventias acima mencionadas da lista geral de vacâncias e do rol de serviços oferecidos no 1º concurso público de provas e títulos para a delegação de atividades de notas e de registros públicos no Estado de Alagoas.

É o voto.

Luiz Fernando BANDEIRA de Mello
Conselheiro Nacional de Justiça

 

 

 



[1] Sistema Justiça Aberta: “Em parecer proferido pela referida comissão [instituída localmente pela Portaria n. 717, de 2008], opinou-se pela declaração de vacância dessa serventia, em decorrência de opção tácita da interessada pela serventia judicial. Destacou-se que a Sra. Maria Ofélia Silva Cavalcanti Rodrigues recebe subsídios como servidora do Tribunal de Justiça do Estado no cargo de escrivã, fato que justifica a vacância do cartório, pelo qual vem respondendo precariamente, sem designação. Junta aos autos parecer, ficha funcional da servidora e ato de nomeação datado de 1988. Considerando o contexto apresentado, o parecer que respeitosamente submeto à apreciação de Vossa Excelência é pela declaração de vacância do 2º Tabelionato de Notas e Protesto de Rio Largo, CNS 00.187-5. Caso seja acolhido o parecer, sugere-se também a intimação das partes interessadas e encaminhamento de ofício ao TJ/AL para conhecimento da decisão.”

[2] Sistema Justiça Aberta”: No presente caso, existem circunstâncias específicas e peculiares que o tornam, por suas particularidades, completamente diferente de outros já analisados por esta Corregedoria Nacional no que tange às serventias notariais e de registro de Alagoas. Percebe-se, com efeito, que a interessada foi aprovada em concurso público para "cargo" criado pela Lei Estadual nº 4.543, de 06/06/84, publicada no DO de 07/07/84, cuja cópia se encontra juntada aos autos (INF567, fls. 5 e segs.). Assim, como se verá, sua aprovação no certame foi para cargo de tabeliã exclusivamente (não de escrivã judicial) de unidade extrajudicial oficializada. É o que dimana do teor dos seguintes artigos da aludida lei: (...) Percebe-se, portanto, que a unidade criada em Rio Largo (para a qual depois a interessada foi aprovada em concurso) foi um tabelionato puro (apenas serviço extrajudicial), ao contrário, por exemplo, da unidade criada para a Comarca de Delmiro Gouveia, de caráter misto ("Tabelionato e Escrivania"). Nessa esteira, no Edital nº 01/88, pelo qual aberto o concurso público que a requerente prestou, foi oferecido, entre outras unidades, o expressamente denominado "2º Cartório do Tabelionato" da Sede da Comarca de Rio Largo. Apenas tabelionato (sem escrivania). (...) O fato, noticiado no relatório supra, de posterior publicação haver mencionado que seu "cargo" seria de escrivã e tabeliã só pode ser considerado, portanto, como decorrente de claro erro material. Isso porque o "cargo" foi criado como tabelionato puro (apenas extrajudicial, sem escrivania judicial) e assim foi disponibilizado no concurso que a interessada prestou, em que foi aprovada. E foi o que constou do ato de nomeação publicado em 27/10/88 (DOC570, fl. 2). Evidentemente, não poderia ser nomeada para cargo diferente do criado e colocado em concurso. Por outro lado, verifica-se que, embora a serventia por ela titularizada seja exclusivamente extrajudicial, a Lei Estadual nº 4.543/84, que a criou, lhe atribuiu a natureza de oficializada. Basta conferir o teor de seus artigos 1º e 12, acima transcritos. (...) De se destacar, porém, que neste caso concreto (completamente diferente de outros já analisados), não se pode concluir que o fato de receber vencimentos dos cofres públicos implique opção pelo serviço judicial, em detrimento do extrajudicial, simplesmente porque a requerente não detinha escrivania judicial. Sua serventia não era "mista" (com atribuições judiciais e extrajudiciais), mas tabelionato puro, desde sua criação. (...) Diante do exposto, o parecer que submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência, mui respeitosamente, é pela reconsideração da decisão anterior, com a inclusão do 2º Tabelionato de Notas e Protesto de Rio Largo, CNS 00.187-5, na lista de serventias providas.”

[3] STF, RE 182.641/SP, Rel. Min. LUIZ GALLOTTI, 1ª T., j. em 22 ago. 1995.

[4] Parcialmente recepcionada pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. (STF, ADPF 305, Min. GILMAR MENDES, j. 28 jun. 2021.)

[5] STF, MS 28.371-AgRg. Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA. j. em 13 dez. 2012.

[6] STF. ADI 2.415. Rel. Min. AYRES BRITTO. j. em 2 set. 2011.

Autos: 

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0004721-58.2019.2.00.0000 

Requerente: 

CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA 

Requerido: 

DENISSON MASTRIANNI LIMA 

 

 

Autos: 

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0004725-95.2019.2.00.0000 

Requerente: 

CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA 

Requerido: 

RAINEY BARBOSA ALVES MARINHO 

 

 

Autos: 

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0004733-72.2019.2.00.0000 

Requerente:

CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA 

Requerido:

MARIA LÚCIA SAMPAIO FALCÃO 

 

 

Autos:

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0004727-65.2019.2.00.0000 

Requerente:

CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA 

Requerido:

MARIA OFÉLIA SILVA CAVALCANTI RODRIGUES 

 

 

Autos:

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0004732-87.2019.2.00.0000 

Requerente:

CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA 

Requerido:

SÉRGIO TOLEDO DE ALBUQUERQUE 

 

 

 

VOTO DIVERGENTE

 

Cuida-se de diversos Pedidos de Providências (PP) instaurados pela Corregedoria Nacional de Justiça com o objetivo de avaliar possível situação de vacância de algumas serventias extrajudiciais do Estado de Alagoas, que constaram no Edital de Abertura de Inscrições do Concurso Público de Provas e Títulos para Outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Alagoas nº 01/2019. De forma mais específica, analisa-se a situação dos seguintes serviços de notas e registros públicos e dos recorrentes, que respondem pelas respectivas serventias extrajudiciais:

- Registro Civil das Pessoas Naturais de Rio Largo (CNS 00.352-5) -Denisson Mastrianni Lima, PP 4721-58.2019;

- 2º Tabelionato de Notas e Protestos de Rio Largo (CNS 00.187-5) - Maria Ofélia Silva Cavalcanti Rodrigues, PP. 4727-65.2019;

- 2º Cartório de Títulos e Documentos e Notas de Maceió (CNS 00.179-2) - Rainey Barbosa Alves Marinho, PP 4725-95.2019;

- 3º Registro de Imóveis e Distribuição de Títulos para Protesto de Maceió (CNS 00.189-1) - Sérgio Toledo de Albuquerque, PP 4732-87.2019; e

- Cartório do Registro Civil e Notas do 2º Distrito da comarca de Maceió (CNS 00.294-9) - Maria Lúcia Sampaio Falcão, PP 4733-72.2019.

Na inicial avaliação dos autos, o Excelentíssimo Ministro ALOYSIO CORRÊA DA VEIGA, então Corregedor Nacional de Justiça Substituto, proferiu decisão monocrática na qual declarou a vacância das serventias questionadas nestes procedimentos, por considerar que o seu provimento foi realizado em contrariedade ao que dispõe o art. 236, § 3º, da Constituição Federal, a Resolução CNJ nº 80/2009 e precedentes do Supremo Tribunal Federal.

Os atuais responsáveis pelas serventias apresentaram os recursos administrativos ora em julgamento.

No seu voto, a e. Corregedora Nacional de Justiça sustenta que, em nenhuma hipótese, o decurso do tempo tem força deletéria ao ponto de impedir a revisão de atos de delegação de serventias extrajudiciais editados depois da promulgação da Constituição de 1988, em virtude da necessidade do atendimento das exigências prescritas no seu artigo 236, § 3º, e sintetiza as razões para o desprovimento dos recursos relacionados nos seguintes termos:

1. Em que pese a realização de concurso destinado ao provimento de cargo antes da Constituição Federal de 1988, o fato é que o certame, concretizado nos termos do Edital nº 001/88, possuía regras e condições distintas e foi destinado para provimento de cargo público, regime totalmente diverso da delegação exercida em caráter privado, como previsto na nova ordem constitucional que se estabeleceu a partir de 5 de outubro de 1988.

 

2. Não se afigura possível a investidura de titular de serventia extrajudicial, já na vigência da atual Constituição Federal, com base em certame público que não observou o mandamento constitucional previsto no artigo 236, § 3º, da Constituição Federal.

 

3. O § 3º do artigo 236 é norma autoaplicável, com efeitos imediatos, mesmo antes da entrada em vigor da Lei nº 8.935/94, espraiando seus reflexos desde a vigência da Constituição Federal em 05 de outubro de 1988, consoante entendimento consolidado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

 

4. Mostra-se incabível a ponderação de valores a sustentar a convalidação no tempo de ato irregular ou nulo, tendo em vista não se tratar de mera irregularidade ou ilegalidade, mas sim de inconstitucionalidade de ato administrativo, que não admite qualquer espécie de convalidação.

 

5. Como já assentado pelo Supremo Tribunal Federal em inúmeros julgados, não se admite a chamada “usucapião de constitucionalidade”, não possuindo o decurso do tempo força deletéria às disposições constitucionais, seja por omissão ou comissão dos agentes públicos.

 

6. O Princípio da Autotutela Administrativa, previsto no artigo 53 da Lei nº 9.784/99, confere ao administrador público a prerrogativa de anular ou revogar seus próprios atos, quando inquinados de nulidade ou por razões de conveniência ou oportunidade. Súmula 573 [diga-se 473] do STF.

 

7. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, em reiterados julgamentos, tem asseverado que o prazo decadencial de cinco anos previsto no artigo 54 da Lei nº 9.784/99 não se aplica à revisão de atos de delegação de serventias extrajudiciais editados após a Constituição de 1988, sem o atendimento das exigências prescritas no seu artigo 236.

 

E, ao final, conclui que, “uma vez reconhecida a manifesta violação aos preceitos constitucionais, pela inobservância da obrigatoriedade de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos, nos moldes do estabelecido no artigo 236 da Constituição Federal, observa-se que deve ser mantida a declaração da vacância” do Cartório de Registro Civil da Comarca de Rio Largo/AL, do 2º Cartório de Títulos e Documentos da Comarca de Maceió/AL, do Ofício do Registro Civil do 2º Distrito de Jaraguá da Comarca de Maceió/AL, do 2º Cartório do Tabelionato de Notas e Protestos da Comarca de Rio Largo/AL e do 3º Cartório de Registro de Imóveis e Hipotecas da Comarca de Maceió/AL.

Pedindo respeitosas vênias, acompanho as divergências inicialmente lançadas pelos e. Conselheiros Mario Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, com acréscimo dos fundamentos que ora passo a expor.

Penso que o ponto central a ser analisado por este Plenário diz respeito à possibilidade de decisão administrativa definitiva deste Conselho ser objeto de rediscussão, especialmente à luz do princípio da segurança, confiança e estabilidade das relações jurídicas.

Como bem ressaltado nos votos divergentes, a situação dos autos já foi objeto de debate no âmbito deste Conselho por ocasião de julgamento do Pedido de Providências nº 0000384-41.2010.2.000, nas datas de 24/01/2010 (decisão inicial) e 12/07/2010 (decisão do recurso administrativo), tendo sido considerado válido, para efeito de provimento das referidas serventias, o concurso público de provas e títulos a que se submeteram os ora recorrentes.

Na ocasião, o então Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Gilson Dipp fez divulgar a relação de serventias extrajudiciais consideradas providas em cada Unidade da Federação, que incluiu as serventias ora relacionadas, considerando a realização de concurso público de provas e títulos específico, nos termos do Edital nº 001/1988 (Id 3707357 e 3707358) a seguir transcrito:

Concurso Público

EDITAL Nº 001/88

 

1. PREÂMBULO

O Corregedor Geral de Justiça, no uso da atribuição que lhe confere o art. 358 da Lei nº 4.804, de 09 de setembro de 1986, faz saber que se encontra abertas as inscrições ao Concurso Público para provimento de cargos de Serventuários da Justiça, observadas as categorias funcionais, ofícios e Comarcas relacionados no ANEXO II a este Edital.

(...)

4. AS PROVAS

4.1 – O Concurso compreenderá:

a) Prova de Títulos

b) Prova escrita, incluindo uma parte teórica e outra prática.

(...)

ANEXO II

 

COMARCA E ENTRÂNCIA

DISTRITOS E MUNICÍPIOS

CARGOS

LOCAL DA INSCRIÇÃO

MACEIÓ – 3ª entrância

- Sede -

- Escrivão – 3ª, 14ª, 16ª e 21ª Varas

 

- Oficial do Registro de Imóveis e Hipotecas (3º Cartório)

 

- Oficial do Registro de Títulos e Documentos (2º Cartório)

 

- Oficial de Justiça

 

- Oficial de Registro Civil – Jaraguá

- Escrevente Juramentado

Corregedoria Geral de Justiça (Praça Deodoro 319)

RIO LARGO – 2ª entrância

- Sede -

- 2º Cartório do Tabelionato

 

- Oficial do Registro Civil

 

- Escrevente Juramentado

Cartório do 1º Ofício da Sede da Comarca

(...)

 

 

 

 

 

Constata-se dos autos que os recorrentes se submeteram ao referido concurso antes da promulgação da Constituição de 1988, mas as respectivas nomeações para responder pelas serventias judiciais se deram somente depois da entrada em vigor da Constituição de 1988 e antes da edição da Lei nº 8.935/1994, que regulamentou o art. 236 da Carta Magna, dispondo sobre os serviços notariais e de registro.

É importante lembrar, assim, que a definição de critérios e modos de aplicação da lei no tempo para resolver conflitos aparentes entre atos normativos sucessivos se resolve pela análise dos princípios e regras de intertemporalidade das leis.

A intertemporalidade possui dois aspectos elementares: (i) a intertemporalidade não-conflitual, ou legislativa, quando o próprio legislador cuida de criar regras que fixam um regime transitório da incidência da lei velha para a nova, numa autêntica mescla de regimes jurídicos; e (ii) a intertemporalidade conflitual, ou doutrinária e judiciária, quando a lei nova só especifica o início e o fim da vigência e o intérprete se socorre de regras e princípios gerais de intertemporalidade, para solucionar o problema originado de pretensões de aplicabilidade de leis anteriores e preceitos subsequentes, no caso, de envergadura constitucional.

E é necessário registrar, ao lado da inexistência de previsão do tratamento daqueles que prestaram concurso antes da promulgação da Carta de 1988 nos artigos 31 e 32 Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT)[1], que, nas datas das outorgas das delegações pelo então Presidente do TJAL, havia um cenário de incertezas sobre o impacto do regime jurídico a ser aplicado aos responsáveis pelas serventias extrajudiciais, antes mesmo da promulgação da Lei nº 8.935, de 18 de novembro 1994.

Por esse motivo, passadas mais de três décadas, tal situação não deve alterar de modo substancial a situação dos recorrentes, sendo certo que se submeteram a concurso público de provas e títulos para responder por serventias extrajudiciais antes da Constituição de 1988 e, em razão dos prazos para finalização do certame e efetivação do resultado por parte da Administração, situação para a qual não concorreram, passaram a atuar à frente dos serviços notariais e de registro em seguida a sua vigência.

Fato é que a atual norma inserta no art. 236, § 3º, da Constituição de 1988 exige que os titulares de serviços de notas e registro sejam habilitados em concurso público de provas e títulos, o que efetivamente ocorreu nos casos em questão, como já registrado, passando os recorrentes a responder pelas respectivas serventias cujas delegações estão sendo questionadas nos pedidos de providências ora analisados.   

Dessa maneira, o que está em discussão não é bem a violação à regra do concurso público, mas, sim, a mudança de regime jurídico estatutário para o regime jurídico de direito privado da mesma serventia extrajudicial em que os recorrentes foram originariamente investidos.

Desde então, frise-se a inocorrência de qualquer alteração da situação fática relacionada às respectivas serventias apta a justificar a reanálise dos casos, a bem do princípio da segurança jurídica.

Como bem salientado pelo e. Conselheiro Bandeira de Mello Filho, no seu robusto voto, há uma peculiaridade, p. e., em relação à decisão que considerou Maria Ofélia Silva Cavalcanti Rodrigues como titular do 2º Tabelionato de Notas e Protestos de Rio Largo (CNS 00.187-5). Peço licença para transcrever trecho do voto que esclarece a particularidade em relação a tal serventia:

A decisão de considerar Maria Ofélia Silva Cavalcanti Rodrigues como titular do 2º Tabelionato de Notas e Protestos de Rio Largo (CNS 00.187-5) foi revisitada em 28 de outubro de 2011. Na ocasião, considerou-se ter havido uma “opção tácita” da titular pelo exercício da escrivania judicial em detrimento do tabelionato, o que se refletiria na percepção de remuneração paga pelo Estado e não de emolumentos. Por essa razão, a Ministra Eliana Calmon, então Corregedora Nacional de Justiça, declarou vago o serviço notarial.[1] 

 

Todavia, em 21 de abril de 2012, pouco menos de seis meses após a prolação da decisão anterior, a Conselheira Eliana Calmon refluiu ao anterior posicionamento. Uma vez mais, a serventia fora considerada como regularmente provida[2].

 

O fundamento que amparou a decisão de abril de 2012 é de fácil compreensão: embora nomeada para o cargo de tabeliã [de serventia extrajudicial] e de escrivã [de serventia judicial], a vaga para a qual prestara concurso público era, exclusivamente, a de tabeliã.

 

Assim, é importante considerar, nos casos concretos, que não apenas todas as serventias ora analisadas foram providas originariamente depois de os autores se submeterem a concurso público de provas e títulos como também os respectivos provimentos foram considerados válidos em reiteradas decisões do plenário deste Conselho Nacional de Justiça entre os anos de 2010 e 2012.

Registre-se que os precedentes do e. STF mencionados pela eminente relatora nos seus votos (AO 2551 ED-ED-AgR, Rel. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, PUBLIC 27-08-2021 e MS 29500 AgR, Rel. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, PUBLIC 16-02-2016) tratam da incompatibilidade de normas estaduais editadas antes da Constituição de 1988 prevendo a possibilidade de provimento na atividade notarial e/ou registral mediante remoção, sem prévia aprovação em concurso público.

Tal situação é diversa da ora enfrentada nestes autos em que, como registrado, os recorrentes foram aprovados em concurso público de provas e títulos para o provimento inicial das serventias e onde permaneceram desde então, não tendo se submetido a posteriores concursos de remoção.

Como registrado, entre a promulgação da Constituição de 1988 e a promulgação da Lei nº 8.935/1994, havia incertezas sobre o regime jurídico dos responsáveis pelas serventias extrajudiciais. Algo natural em momentos de transição, sobretudo quando uma ordem jurídica democrática se sobrepõe a outra autoritária e os costumes precisam se amoldar aos novos valores constitucionais.

Não é razoável que os ora recorrentes, tendo agido de boa-fé, segundo as regras dispostas pela Administração ao tempo em que se submeteram ao concurso e passaram a responder pelos serviços notariais e de registro, sejam, agora, mais de 30 anos à frente dos tabelionatos e ofícios de registro e com idades avançadas, afastados das respectivas unidades extrajudiciais consideradas vagas.

Nesse aspecto, oportuno lembrar posicionamentos do e. Supremo Tribunal Federal - STF, em situação que guarda relação analógica com aquelas aqui consideradas, considerando o período de amadurecimento da nova ordem constitucional, entre 1987 e 1993, nos quais se reconheceu a subsistência de atos administrativos de provimento derivado de cargos públicos aperfeiçoados antes da pacificação da matéria, em homenagem ao princípio da segurança jurídica:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO: PROVIMENTO DERIVADO: INCONSTITUCIONALIDADE: EFEITO EX NUNC. PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ E DA SEGURANÇA JURÍDICA. I. - A Constituição de 1988 instituiu o concurso público como forma de acesso aos cargos públicos. CF, art. 37, II. Pedido de desconstituição de ato administrativo que deferiu, mediante concurso interno, a progressão de servidores públicos. Acontece que, à época dos fatos 1987 a 1992, o entendimento a respeito do tema não era pacífico, certo que, apenas em 17.02.1993, é que o Supremo Tribunal Federal suspendeu, com efeito ex nunc, a eficácia do art. 8º, III; art. 10, parágrafo único; art. 13, § 4º; art. 17 e art. 33, IV, da Lei 8.112, de 1990, dispositivos esses que foram declarados inconstitucionais em 27.8.1998: ADI 837/DF, Relator o Ministro Moreira Alves, "DJ" de 25.6.1999. II. - Os princípios da boa-fé e da segurança jurídica autorizam a adoção do efeito ex nunc para a decisão que decreta a inconstitucionalidade. Ademais, os prejuízos que adviriam para a Administração seriam maiores que eventuais vantagens do desfazimento dos atos administrativos. III. - Precedentes do Supremo Tribunal Federal. IV. - RE conhecido, mas não provido.

(RE 442683, Relator(a): CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 13/12/2005, DJ 24-03-2006  PP-00055      EMENT VOL-02226-04 PP-00814 LEXSTF v. 28, n. 330, 2006, p. 282-299)

 

Agravo regimental no mandado de segurança. 2. Direito Administrativo. 3. Concurso público. Prazo de validade. Suspensão do curso do prazo de validade dos certames por ato administrativo do TJ/MT. Retomada do curso do prazo após mais de dois anos, com a consequente nomeação dos aprovados no certame. 4. Decisão do CNJ que declarou a nulidade do ato e determinou a exoneração dos servidores nomeados em período posterior àquele previsto no art. 37, III, da CF. 5. Situação excepcional. Exercício das funções públicas por mais de dez anos. 6. Presunção de legitimidade dos atos da Administração Pública. Demora na tramitação dos feitos administrativos e judiciais relacionados aos fatos. Princípio da razoável duração do processo, da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima. 7. Agravo regimental a que se nega provimento.

(MS 30662 AgR, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 25/08/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-202 DIVULG 05-09-2017 PUBLIC 06-09-2017)

 

EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROVIMENTO DERIVADO. SUBSISTÊNCIA DO ATO ADMINISTRATIVO. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA. 1. O Supremo Tribunal Federal, em algumas oportunidades, e sempre ponderando as particularidades de cada caso, já reconheceu a subsistência dos atos administrativos de provimento derivado de cargos públicos aperfeiçoados antes da pacificação da matéria neste Tribunal, em homenagem ao princípio da segurança jurídica. Precedentes. 2. O princípio da segurança jurídica, em um enfoque objetivo, veda a retroação da lei, tutelando o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Em sua perspectiva subjetiva, a segurança jurídica protege a confiança legítima, procurando preservar fatos pretéritos de eventuais modificações na interpretação jurídica, bem como resguardando efeitos jurídicos de atos considerados inválidos por qualquer razão. Em última análise, o princípio da confiança legítima destina-se precipuamente a proteger expectativas legitimamente criadas em indivíduos por atos estatais. 3. Inaplicável o art. 85, § 11, do CPC/2015, uma vez que não é cabível, na hipótese, condenação em honorários advocatícios (art. 25 da Lei nº 12.016/2009 e Súmula 512/STF) 4. Agravo interno a que se nega provimento.

(ARE 861595 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 27/04/2018, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-099  DIVULG 21-05-2018  PUBLIC 22-05-2018)

 

Tal qual no presente caso, os julgados supra tratam de eventual violação a uma regra constitucional objetiva, cuja interpretação era - quando praticados os atos administrativos questionados - controvertida e imprecisa. E o e. STF, naquelas oportunidades, prestigiou, com razão, a segurança jurídica, a proteção à confiança e a boa-fé objetiva daqueles que foram afetados pelos atos praticados pela Administração Pública.

Registre-se que, no julgamento do ARE 861595 AgR, a Suprema Corte confirmou a situação de servidora que ingressou no serviço público sem se submeter a concurso, tendo sido utilizado como principal fundamento justamente os princípios da segurança jurídica e da confiança - dado que o reconhecimento administrativo da ascensão funcional e provimento derivado ao cargo público ocorreu em período em que era controvertido o entendimento acerca da constitucionalidade de tais situações.

Tal qual no presente caso, “devem ser preservados os fatos pretéritos de eventuais modificações na interpretação jurídica, (...) protegendo expectativas legitimamente criadas em indivíduos por atos estatais[2].

O princípio da confiança legítima, desdobramento da segurança jurídica, que decorre diretamente do Estado Constitucional de Direito, norma de superlativo valor, cumpre esse papel de proteger os indivíduos de eventuais modificações na interpretação das normas com o passar do tempo, como registra Carlos Alexandre de Azevedo Campos:

Os atos estatais geram diretrizes para os indivíduos que, acreditando na validade e correção dessas, pautam condutas no sentido indicado. Vigente verdadeiro Estado de Direito, essas condutas devem ser tuteladas em face de atos contraditórios do Poder Público que ‘traiam’ as expectativas criadas pelas orientações anteriores. Esta tarefa imunizante é cumprida pelo princípio da proteção da confiança legítima.[3]

 

Pertinente, também, a lição de Almiro do Couto e Silva, para quem o princípio da proteção à confiança legítima, subprincípio da segurança jurídica que deriva do Estado de Direito:

(a) impõe ao Estado limitações na liberdade de alterar sua conduta e de modificar atos que produziriam vantagens para os destinatários, mesmo quando ilegais; ou (b) atribuir-lhe consequências patrimoniais por essas alterações, sempre em virtude da crença gerada nos beneficiários, nos administrados ou na sociedade em geral de que aqueles atos eram legítimos, tudo fazendo razoavelmente supor que seriam mantidos.[4]

 

É quase que uma reprovável heurística analisar e julgar casos, como o presente, sob o ângulo, tão-só, da literalidade do texto constitucional.

A estrita legalidade ou constitucionalidade aqui não basta, já que produzem resultados concretos injustos e injurídicos, cedendo espaço, pois, a uma noção mais ampla de juridicidade, atenta a critérios inarredáveis de justiça, segurança e boa-fé extraídas da ordem jurídica constituída.

Do contrário, a prevalecer a tese da impossibilidade absoluta da denominada usucapião de constitucionalidade, tronar-se-iam questionáveis instrumentos reconhecidos de segurança jurídica como a modulação dos efeitos das decisões proferidas em controle concentrado de constitucionalidade[5], em casos de overruling[6] ou mesmo de vedação de invalidação de situações plenamente constituídas com base em nova jurisprudência administrativa[7].

O caso – e a situação das pessoas por trás dele – é muito mais complexo do que a simples generalização da impossibilidade de convalescência de atos inconstitucionais.

Com efeito, há, em jogo, pessoas, suas histórias, seus projetos de uma vida inteira, sua previdência e subsistência, tudo irreversivelmente consolidado pela fluência implacável do tempo.

Data vênia, como o e. Conselheiro Mário Maia, penso mais que, inexistindo qualquer fato novo apto a modificar o entendimento sedimento pelo CNJ nas citadas decisões proferidas em 2010 pelo então Corregedor Nacional de Justiça - e cujos efeitos estão vigentes há mais de uma década - a discussão está coberta pela coisa julgada administrativa, na esteira de diversos precedentes consolidados por este Conselho:

RECURSO ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. MAGISTRATURA. IMPUGNAÇÃO. EDITAL. PRAZO. APRECIAÇÃO PELO CNJ. POSSIBILIDADE. DECISÃO NÃO RECORRIDA. CNJ. COISA JULGADA ADMINISTRATIVA. COMISSÃO DE CONCURSO. COMISSÃO EXAMINADORA. SIMULTANEIDADE. FACULDADE DOS TRIBUNAIS. VINCULAÇÃO AO EDITAL. RESOLUÇÃO Nº 75, DO CNJ. RENOVAÇÃO DA COMISSÃO. DECISÃO DO CNJ. LEGALIDADE. IMPROVIMENTO.

[...]

2. Ainda que não se opere com a mesma definitividade própria da prestação jurisdicional, as decisões proferidas em processo administrativo, depois de observado o devido processo legal, têm pretensão de perenidade, razão pela qual se reconhece a existência da chamada coisa julgada administrativa que impede a Administração de substituir decisões sem que haja razões para o exercício da autotutela, de modo que a decisão proferida por um Conselheiro em determinada matéria, que não foi objeto do recurso regimentalmente cabível, torna desaconselhável a sua reapreciação por outro, mormente quando ausentes fatos novos que ensejem a mudança de entendimento.

[...]

7. Recurso conhecido e improvido. (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0001794-32.2013.2.00.0000 - Rel. Gisela Gondin Ramos - 175ª Sessão Ordinária - julgado em 23/09/2013, grifo nosso).

 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. GRATIFICAÇÃO POR EXERCÍCIO CUMULATIVO DE JURISDIÇÃO. PEDIDO DE REVISÃO DE PARÂMETRO UTILIZADO PARA O CÁLCULO. MATÉRIA JÁ APRECIADA PELO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. COISA JULGADA ADMINISTRATIVA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

1. A firme jurisprudência do CNJ consigna que a revisão dos cálculos de gratificações, bem como o pagamento de eventuais diferenças advindas com a correção do parâmetro a servidores e membros do Poder Judiciário, não se inserem dentre as competências estabelecidas como próprias deste Conselho pela Constituição da República.

2.A existência da coisa julgada administrativa impede a substituição das decisões, sobretudo quando ausentes fatos novos que ensejem a mudança do entendimento adotado. Precedentes.

3.Recurso conhecido e não provido.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0010055-44.2017.2.00.0000 - Rel. LUIZ FERNANDO BANDEIRA DE MELLO - 89ª Sessão Virtual - julgado em 25/06/2021, grifo nosso).

 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. ARQUIVAMENTO. MESMOS FATOS JÁ APRECIADOS PELO PLENÁRIO DO CNJ EM PROCEDIMENTO DIVERSO. TRÂNSITO EM JULGADO ADMINISTRATIVO. COISA JULGADA. LITISPENDÊNCIA. ARQUIVAMENTO SEM ANÁLISE DO MÉRITO.

1. É entendimento pacificado neste Conselho que, em respeito à coisa julgada administrativa, não se admite, sem fatos novos, a rediscussão de matéria já apreciada e decidida.

2. No caso, o recorrente apresentou anteriormente outros dois procedimentos neste Conselho, com objeto idêntico ao do presente pedido de providências. Em ambos procedimentos, o pedido foi julgado improcedente, em razão da pretensão de preferência na designação como interino na serventia ser descabida.

3. Este pedido de providências deve ser arquivado sem o julgamento do mérito em razão de litispendência e do trânsito em julgado administrativo da matéria.

Recurso administrativo improvido. (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Corregedoria - 0006284-87.2019.2.00.0000 - Rel. HUMBERTO MARTINS - 62ª Sessão Virtual - julgado em 27/03/2020).

 

Em relação a esse ponto, de proteção das situações consolidadas e, de modo específico no que diz respeito ao provimento de serviço notariais e registrais como nos procedimentos ora analisados, oportuna, por sua clareza, a transcrição de trecho do voto do e. Ministro Humberto Martins, então Corregedor Nacional de Justiça, no julgamento do PP 0008723-42.2017.2.00.0000, chancelando situação de provimento de serventia extrajudicial analisada por este Conselho Nacional:

O Pleno do Conselho Nacional de Justiça, ao julgar o Pedido de Providências n. 0000384-41.2010, maior processo, em volume, que já tramitou neste órgão, com mais de 25.800 páginas, analisou a regularidade do provimento de todas as serventias extrajudiciais do território nacional (...)

 

O presente pedido de providências, ao rediscutir a matéria já decidida há 10 anos pelo Conselho Nacional de Justiça, sem a apresentação de qualquer fato novo a justificar essa revisão, abre o precedente para se reanalisar as mais de 6.070 serventias que foram consideradas vagas por este Conselho.

 

O Conselho Nacional de Justiça não é instância revisora de suas próprias decisões e isso pode ser facilmente verificado diante do não cabimento de recurso de suas decisões plenárias, conforme dicção do art. 4o, § 1°, do Regimento Interno.

 

As decisões plenárias do CNJ, como a proferida nos autos do PP n. 0000384-41.2010, devem ser atacadas judicialmente pela parte interessada e não quando do transcurso do tempo ou da modificação de composição plenária.

 

Se o Conselho Nacional de Justiça pudesse rever suas decisões plenárias seria permitido o manejo de recursos contra elas, o que não é possível.

 

O que se pretende evitar é que decisões do Conselho Nacional de Justiça, prolatadas há uma década, dentro de processos sabidamente bem instruídos pelo então Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Gilson Dipp, possam ser modificadas sem que qualquer fato novo justifique a mudança de entendimento, em absoluta afronta ao princípio da segurança jurídica. 

 

Permitir a mudança de entendimento da decisão plenária do Conselho Nacional de Justiça, prolatada há uma década, e sem fatos novos justificadores, é causa de grave insegurança jurídica, pois o vencedor de uma causa no CNJ sempre ficará sob a ameaça de ver seu direito retirado no futuro pelo próprio Conselho, a depender de sua composição. 

 

O Conselho Nacional de Justiça é um órgão administrativo de cúpula do Poder Judiciário e suas decisões devem obediência aos postulados inerentes à observância da segurança jurídica para garantir a estabilidade das relações jurídicas que lhes são postas.

 

A modificação das decisões plenárias do CNJ, diante da inexistência de qualquer fato novo que a autorize, fulmina a segurança jurídica inerente a todo ato praticado pelo Poder Público.

 

Tal linha de argumentação, inclusive, foi acolhida pelo e. STF, em decisão da lavra do Eminente Ministro Gilmar Mendes, no MS nº 35785 – DF, publicada em 11 de outubro de 2021, na qual se concedeu a ordem para validar o provimento de serventias no Estado do Amazonas, em situação bastante similar à do presente caso, vale dizer, tendo o concurso público ocorrido anteriormente à Constituição Federal de 1988.

Assim como na hipótese destes autos, havia manifestações anteriores deste CNJ considerando válidos os provimentos de serventias extrajudiciais, ainda que realizados sob a vigência da Carta Cidadã.

No entanto, sem, necessariamente e por coerência, esvaziar quaisquer dos parâmetros da moldura de precedentes do e. STF a respeito da autoaplicabilidade da regra do concurso público inserta no artigo 236, 3º, da Constituição de 1988; do corolário lógico-sistêmico que estabelece que o prazo decadencial de 5 (cinco) anos, de que trata o art. 54 da Lei 9.784/1999, não se aplica à revisão de atos de delegação de serventias extrajudiciais editados após a Constituição de 1988; e da validade da Resolução 80/2009, deste CNJ, no que declarou vagas as serventias extrajudiciais cujo provimento não observou a regra constitucional do concurso público e instituiu, em seu artigo 8º, regime de transição sem o atendimento das exigências prescritas no art. 236 da Constituição de 1988, Sua Excelência chegou à conclusão de que a pretensão do CNJ de revisar os seus próprios atos plenários se tratava de hipótese inadmissível à luz do princípio da segurança jurídica:

Especificamente em relação às regras de transição, a alínea “b” do artigo 8º da Resolução 80/2009 exclui da declaração de vacância “as unidades do serviço de notas e de registro cuja declaração de vacância, desconstituição de delegação, inserção ou manutenção em concurso público seja objeto, na data da publicação desta Resolução em sessão plenária pública, de decisão definitiva em sentido diverso junto ao CNJ ou de procedimento administrativo em curso perante este Conselho, desde que já notificado o responsável atual da respectiva unidade”.    

 

Como se vê, a Resolução estabeleceu que pronunciamentos definitivos do Poder Judiciário e do próprio Conselho constituem limites à declaração de vacância.    

 

Perceba, portanto, que o cerne da discussão travada neste processo desloca-se para outro campo argumentativo: não se trata de definir se os provimentos que não observaram a regra do concurso público são sindicáveis à luz da Lei 9.784/1999, mas, sim, se as decisões judiciais ou administrativas definitivas sobre o tema podem ser revisitadas.

 

É dizer, a incidência dos princípios da confiança e da segurança jurídica decorre de pronunciamentos definitivos de órgãos de controle e não dos provimentos alegadamente irregulares em si. 

 

E nesse contexto específico, penso que assiste razão ao impetrante. Há, nestes autos, uma sucessão de atos do Conselho Nacional de Justiça que conferiu definitividade à situação jurídica do autor.

 

Por todo exposto, pedindo uma vez mais vênias à Eminente Relatora, alinho-me integralmente à DIVERGÊNCIA apresentada pelos e. Conselheiros Mário Maia e Bandeira de Mello Filho, para DAR PROVIMENTO aos recursos administrativos e declarar, por conseguinte, providos o Registro Civil das Pessoas Naturais de Rio Largo (CNS 00.352-5), o 2º Tabelionato de Notas e Protestos de Rio Largo (CNS 00.187-5), o 2º Cartório de Títulos e Documentos e Notas de Maceió (CNS 00.179-2), o 3º Registro de Imóveis e Distribuição de Títulos para Protesto de Maceió (CNS 00.189-1) e o Cartório do Registro Civil e Notas do 2º Distrito da comarca de Maceió (CNS 00.294-9), devendo essas serventias serem excluídas da lista geral de serventias vagas do I Concurso Público de Provas e Títulos para Outorga de Delegações de Notas e Registros do Estado de Alagoas.  

É como VOTO.

 

Conselheiro Marcello Terto

Conselheiro Vistor

 

 

 

 



[1] Art. 31. Serão estatizadas as serventias do foro judicial, assim definidas em lei, respeitados os direitos dos atuais titulares.

 Art. 32. O disposto no art. 236 não se aplica aos serviços notariais e de registro que já tenham sido oficializados pelo Poder Público, respeitando-se o direito de seus servidores.

[2] Trecho do voto do Ministro Roberto Barroso no julgamento do ARE 861595, Primeira Turma, julgado em 27/04/2018, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-099  DIVULG 21-05-2018  PUBLIC 22-05-2018

[3] CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Proteção da confiança legítima na jurisprudência so Supremo Tribunal Federal. In Revista de Direito Administrativo Contemporâneo. Ano 2. Vol. 7. Abr./2014. Revista dos Tribunais.

[4] COUTO e SILVA, Almiro. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no direito público brasileiro e o direito da administração pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da Lei do Processo Administrativo da União (Lei 9.784/1999). Revista Eletrônica de Direito do Estado – ReDE. N. 2. 2005.

[5] Lei nº 9.868/1999. Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

[6] Art. 927. ... § 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

[7] Art. 24.  A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

Parágrafo único.  Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

 

Autos: Pedidos de Providências 4721-58, 4727-65, 4725-95, 4732-87, 4733-72

Requerente: Corregedoria Nacional de Justiça

Requerido: Maria Ofélia Silva Cavalcanti Rodrigues e outros

 

JULGAMENTO CONJUNTO

 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. CONCURSO PÚBLICO DE PROVAS E TÍTULOS ANTERIOR À CONSTITUIÇÃO DE 1988 E NOMEAÇÃO A ELA POSTERIOR. FLAGRANTE INCONSTITUCIONALIDADE. INOCORRÊNCIA. EXISTÊNCIA DE COISA JULGADA ADMINISTRATIVA. PRECEDENTES. RECURSO ADMINISTRATIVO A QUE SE DÁ PROVIMENTO.

1) Recursos administrativos interpostos contra decisões da Corregedoria Nacional de Justiça que declaram vagas serventias extrajudiciais, sob a alegação de ausência de prestação de concurso público nos termos do art. 236, §3º, da Constituição da República de 1988.

2) Muito embora não tenha um caráter absoluto, em razão do dever de autotutela da Administração Pública diante de fatos supervenientes que possam modificar a compreensão da situação fática previamente sob julgamento, é certo que a coisa julgada administrativa adentra o campo da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima, que nos remonta às possibilidades e limites do Estado Constitucional de Direito.

3) In casu, as decisões do CNJ, proferidas entre 2010 e 2012 e que reconheceram o provimento das serventias, em razão da realização do concurso público, geraram a confiança de que elas seriam observadas, no mínimo, pelo próprio Conselho Nacional de Justiça.

4) A jurisprudência do Conselho Nacional de Justiça rechaça a possibilidade de revisão dos seus julgamentos sem a existência de fatos novos que justifiquem o reexame da matéria.

5) Nesse mesmo sentido, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) veda, em seu artigo 24, a declaração de invalidade, decorrente de mudança de orientação jurisprudencial administrativa, de situações plenamente constituídas.

6) Todos os recorrentes efetivamente prestaram concurso público, que se iniciou antes da promulgação da Constituição da República de 1988 e foi homologado ainda sob a vigência dos parâmetros constitucionais pretéritos.

7) Voto no sentido de acompanhar a divergência e julgar procedentes os recursos administrativos.

 


 

RELATÓRIO O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX, PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (RELATOR):

 

Trata-se de recursos administrativos interpostos contra decisões da Corregedoria Nacional de Justiça, nos autos dos Pedidos de Providências acima informados, que declararam a vacância i) do Cartório de Registro Civil da Comarca de Rio Largo/AL (PP 4721-58), ii) do 2º Cartório do Tabelionato de Notas e Protesto de Rio Largo/AL (PP 4727-65), iii) do 2º Cartório de Títulos e Documentos da Comarca de Maceió/AL (PP 4725-95), do iv) 3º Cartório de Registro de Imóveis e Hipotecas da Comarca de Maceió/AL (PP 4732-87) e v) do Ofício do Registro Civil do 2º Distrito de Jaraguá de Maceió/AL (PP 4733-72).

Os processos tiveram início com um ofício do presidente da comissão de concurso para outorga de delegações de notas e registros do Estado de Alagoas, com a alegação de que o provimento das aludidas unidades extrajudiciais passaria ao largo das normas constitucionais, uma vez que, em todos os casos sob análise, a titularidade das unidades não teriam sido providas de acordo com o previsto no art. 236, § 3º, da Constituição da República de 1988, que preconiza que o ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos.

O, então, Corregedor Nacional de Justiça substituto, Conselheiro Ministro Aloysio Corrêa da Veiga, acolheu a manifestação do presidente da comissão de concurso para declarar a vacância das referidas serventias extrajudiciais.

Contra as decisões foram interpostos recursos administrativos, que foram recebidos com efeito suspensivo pela Corregedoria Nacional de Justiça.

O presidente da comissão de concurso impugnou os recursos administrativos interpostos. Afirmou, em síntese, a possibilidade de revisão da coisa julgada administrativa decorrente do poder de autotutela da Administração Pública.

O, então, Corregedor Nacional de Justiça substituto, Conselheiro Ministro Emmanoel Pereira, reconsiderou as decisões impugnadas e deu provimento aos recursos administrativos, sob o fundamento de que decisões do Conselho Nacional de Justiça já teriam atestado a regularidade das titularidades das unidades extrajudiciais, razão pela qual incidiriam o princípio da segurança jurídica e a regra da preclusão administrativa; além disso, considerou que os aludidos titulares das unidades extrajudiciais prestaram concurso público de provas e títulos.

Contudo, o, então, Presidente do Conselho Nacional de Justiça, Ministro Dias Toffoli, nos autos do PCA 3242-06, ao resolver “A QUESTÃO DE ORDEM no sentido de afirmar a competência do Plenário do Conselho Nacional de Justiça para decidir os Recursos Administrativos interpostos nos Pedidos de Providências n° 0004721-58.2019.2.00.0000, 0004725-95.2019.2.00.0000, 0004727.65.2019.2.00.0000, 0004732-87.2019.2.00.0000 e 0004733-72.2019.2.00.0000, tornando sem efeito as decisões monocráticas proferidas nos Recursos Administrativos em questão pelo Corregedor Nacional de Justiça Substituto, Conselheiro Ministro Emmanoel Pereira”.

Por fim, relato que esse julgamento conjunto teve início na 345ª Sessão Ordinária, ocasião em que a relatora, Cons. Maria Thereza de Assis Moura, ao votar pela negativa de provimento aos recursos, foi acompanhada pelos Conselheiros Vieira de Mello Filho, Salise Sanchotene, Jane Granzoto e Sidney Madruga, sendo o julgamento interrompido pelo pedido de vista regimental do Conselheiro Mário Goulart Maia.

Retomado o julgamento na 348ª Sessão Ordinária, o vistor, Conselheiro Mário Goulart Maria votou pelo provimento aos recursos, havendo posterior interrupção do julgamento, em razão do pedido de vista do Conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Na 350ª Sessão Ordinária, após “os votos dos Conselheiros Luiz Fernando Bandeira de Mello, Mauro Pereira Martins, Marcio Luiz Freitas e Marcos Vinicius Jardim Rodrigues, que davam provimento ao recurso; e dos votos dos Conselheiros Richard Pae Kim e Giovanni Olsson, acompanhando a Relatora, pediu vista regimental o Conselheiro Marcello Terto e Silva”.

 

É o relatório.

 

Passo a votar.

 


 

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX, PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA:

 

Antes de adentramos a questão de fundo, algumas considerações precisam ser feitas em relação à coisa julgada administrativa.

 

DA COISA JULGADA ADMINISTRATIVA.

 

A leitura detida dos autos permite concluir, sem maiores dificuldades, que o Conselho Nacional de Justiça já declarou a regularidade do provimento das referidas serventias extrajudiciais, pelo menos desde 2010: 1) Cartório de Registro Civil da Comarca de Rio Largo/AL (Sistema Justiça Aberta[1], Código CNS 00.352-5, informações de 2010); 2) 2º Cartório do Tabelionato de Notas e Protesto de Rio Largo/AL (Sistema Justiça Aberta, Código CNS 00.187-5, informações de 2010 e de 2012); 3) 2º Cartório de Títulos e Documentos da Comarca de Maceió/AL (Sistema Justiça Aberta, Código CNS 00.179-2, informações de 2010); 4) 3º Cartório de Registro de Imóveis e Hipotecas da Comarca de Maceió/AL (Sistema Justiça Aberta, Código CNS 00.189-1, informações de 2010); 5) do Ofício do Registro Civil do 2º Distrito de Jaraguá de Maceió/AL (Sistema Justiça Aberta, Código CNS 00.294-9, informações de 2010).

Com efeito, decorridos mais de cinco anos desde a sua edição, as decisões que declaram válidos os provimentos encontram-se preclusas, na medida em que foram atingidas pela coisa julgada administrativa. Conforme definição de José de Santos Carvalho Filho, a coisa julgada administrativa consiste em “situação jurídica pela qual determinada decisão firmada pela Administração não mais pode ser modificada pela via administrativa” (Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2016, 30ª Edição, p. 1019).

Embora não tenha caráter absoluto, em razão do dever de autotutela da Administração Pública diante de fatos novos que possam modificar a compreensão da situação fática previamente sob julgamento, é certo que a coisa julgada administrativa adentra o campo da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima, que nos remonta às possibilidades e limites do Estado Constitucional de Direito.

O constitucionalista português J.J. Gomes Canotilho (Direito constitucional e teoria da constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999, p. 257), ao tratar do princípio geral da segurança jurídica, afirma que:

O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideram os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança como elementos constitutivos do Estado de direito.

(...)

A segurança e a protecção da confiança exigem, no fundo: (1) fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos actos do poder; (2) de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios actos. Deduz-se já que os postulados da segurança jurídica e da proteção da confiança são exigíveis perante qualquer acto de qualquer poder – legislativo, executivo e judicial. O princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo, pois, a ideia de protecção da confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo tem do direito poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçados em normas jurídicas vigentes e válidas por esses actos jurídicos deixados pelas autoridades e prescritos no ordenamento jurídico. (destaques no original)

No caso dos autos, as decisões do CNJ, proferidas entre 2010 e 2012, que reconheceram o provimento das serventias, em razão da realização do concurso público, geraram a confiança de que elas seriam observadas, no mínimo, pelo próprio Conselho Nacional de Justiça. Vale dizer, criaram expectativas legítimas nos delegatários quanto à validação do concurso público que fizeram.

A proteção da confiança legítima, no caso, é a própria validação das funções institucionais do Conselho Nacional de Justiça, na medida em que este órgão deve atuar com o fim de gerir administrativamente o Poder Judiciário sem ser o foco de distúrbios funcionais, pois compete-lhe essa função a partir de requisitos de coerência, previsibilidade e estabilidade, sob pena de ampliação de forma ilegítima de litigiosidade.

Com isso, a reanálise desses casos, sem fatos novos e depois de mais de dez anos da data em que foram definitivamente decididos pelo CNJ, se afasta do que o texto constitucional permite e pode produzir severas injustiças nos casos concretos. É, em suma, o desfazimento de projetos de vida legitimamente assegurados pela institucionalidade de diversos atos administrativos pretéritos e proferidos ao longo de mais de 30 anos. Não pode o CNJ, depois de mais de dez anos de ter se pronunciado sobre o tema, mudar seu entendimento de maneira a esvaziar direitos anteriormente reconhecidos.

Em suma, a própria jurisprudência do Conselho Nacional de Justiça rechaça a possibilidade de revisão dos seus julgamentos sem a existência de fatos novos que justifiquem o reexame da matéria, verbis:

 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS NOVOS, APTOS À ALTERAÇÃO DO ENTENDIMENTO ADOTADO NA DECISÃO RECORRIDA. TENTATIVA DE REDISCUSSÃO DE MATÉRIA COBERTA PELO MANTO DA COISA JULGADA ADMINISTRATIVA. IMPOSSIBILIDADE.

1. Inexistindo, nas razões recursais, elementos novos e dotados de carga suficiente à alteração do entendimento adotado na decisão recorrida, esta deve ser mantida tal qual lançada.

2. É entendimento consolidado no CNJ que não se admite a rediscussão de matéria julgada sem que existam fatos novos. (Precedentes: PP 0001487-49.2011.2.00.0000. Conselheiro Milton Nobre. 130ª Sessão. PP 2956 – Rel. Cons. Felipe Locke Cavalcanti – 62ª Sessão) 

3. Recurso conhecido e improvido.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0001361-52.2018.2.00.0000 - Rel. ANDRÉ LUIZ GUIMARÃES GODINHO - 46ª Sessão Virtual - julgado em 03/05/2019).

 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. ARQUIVAMENTO. MESMOS FATOS JÁ APRECIADOS PELO PLENÁRIO DO CNJ EM PROCEDIMENTO DIVERSO. TRÂNSITO EM JULGADO ADMINISTRATIVO. COISA JULGADA. LITISPENDÊNCIA. ARQUIVAMENTO SEM ANÁLISE DO MÉRITO.

1. É entendimento pacificado neste Conselho que, em respeito à coisa julgada administrativa, não se admite, sem fatos novos, a rediscussão de matéria já apreciada e decidida.

2. No caso, o recorrente apresentou anteriormente outros dois procedimentos neste Conselho, com objeto idêntico ao do presente pedido de providências. Em ambos procedimentos, o pedido foi julgado improcedente, em razão da pretensão de preferência na designação como interino na serventia ser descabida.

3. Este pedido de providências deve ser arquivado sem o julgamento do mérito em razão de litispendência e do trânsito em julgado administrativo da matéria.

Recurso administrativo improvido. (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Corregedoria - 0006284-87.2019.2.00.0000 - Rel. HUMBERTO MARTINS - 62ª Sessão Virtual - julgado em 27/03/2020).

 

 

Demais disso, no julgamento do MS 35.785/DF, o relator Ministro Gilmar Mendes, em decisão proferida em 07.10.2021, enfrentou caso análogo aos ora apreciados.

O caso acima enfrentado pelo Supremo se tratava do Pedido de Providências 0004562-86.2017.2.00.0000, em que o Plenário do Conselho Nacional de Justiça desconsiderou decisões do próprio Plenário (2008) e da Corregedoria Nacional de Justiça (2010) que consideraram provido o 1º Ofício de Registro de Imóveis e Protestos de Letras de Manaus/AM, justamente com base na ausência de realização de concurso público, nos moldes previstos na Constituição de 1988.

Na ocasião, o Ministro Gilmar Mendes considerou que:

Especificamente em relação às regras de transição, a alínea “b” do artigo 8º da Resolução 80/2009 exclui da declaração de vacância “as unidades do serviço de notas e de registro cuja declaração de vacância, desconstituição de delegação, inserção ou manutenção em concurso público seja objeto, na data da publicação desta Resolução em sessão plenária pública, de decisão definitiva em sentido diverso junto ao CNJ ou de procedimento administrativo em curso perante este Conselho, desde que já notificado o responsável atual da respectiva unidade”.

Como se vê, a Resolução estabeleceu que pronunciamentos definitivos do Poder Judiciário e do próprio Conselho constituem limites à declaração de vacância.

Perceba, portanto, que o cerne da discussão travada neste processo desloca-se para outro campo argumentativo: não se trata de definir se os provimentos que não observaram a regra do concurso público são sindicáveis à luz da Lei 9.784/1999, mas, sim, se decisões judiciais ou administrativas definitivas sobre o tema podem ser revisitadas.

É dizer, a incidência dos princípios da confiança e da segurança jurídica decorre de pronunciamentos definitivos de órgãos de controle e não dos provimentos alegadamente irregulares em si.

E nesse contexto específico, penso que assiste razão ao impetrante. Há, nestes autos, uma sucessão de atos do Conselho Nacional de Justiça que conferiu definitividade à situação jurídica do autor.

(...)

Portanto, há um conjunto de decisões do Conselho Nacional de Justiça que respalda a situação jurídica do impetrante no 1º Registro de Imóveis e Protesto de Letras de Manaus/AM, enquadrando-o na exceção prevista na alínea “b” do art. 8º da Resolução 80/2009.

E quanto a esse aspecto, dois aspectos devem ser ressaltados, no que tange à existência de decisão definitiva do Conselho Nacional de Justiça sobre o tema anterior à edição da Resolução 80/2009.

O primeiro é que no Pedido de Providências nº 200810000009665 efetivamente foram analisados os atos de provimento que conduziram o impetrante ao 1º Registro de Imóveis e Protesto de Letras de Manaus/AM.

O Conselheiro João Antônio Maurique consignou que “os atos administrativos ora impugnados são datados de 30.10.2000 (Ato n. 58/00...) e 22.02.2002 (ato nº 154/02...), por conseguinte, praticados há mais de cinco anos, não sendo passíveis de qualquer revisão deste Conselho, nos termos do art. 95, parágrafo único, do Regimento interno”.

E o conteúdo da decisão tampouco pode ser reconhecido como meramente formal. Reconheceu-se a decadência do direito de o Conselho Nacional de Justiça rever o ato. A teor do Código de Processo Civil, há inclusive resolução de mérito quando assentada a ocorrência de decadência (CPC, artigo 487, inciso II).

A definitividade do pronunciamento em tela decorre, por sua vez, do exaurimento das instâncias administrativas. Mesmo quando proposta a revisão do que então decidido, ainda em 2010, novamente a Corregedoria Nacional de Justiça validou a situação do impetrante.

O argumento de que o então Corregedor foi “induzido à erro” não justifica a possibilidade de revisão do tema a qualquer tempo, assim como não se sustenta em face dos sucessivos atos do Conselho que mantiveram e respaldaram o posicionamento da Corregedoria Nacional de Justiça.

Não há como, portanto, à luz das balizas editadas pelo próprio Conselho e legitimadas por este Tribunal, admitir que mais de uma década após a primeira chancela da situação pelos órgãos de controle o posicionamento seja revertido. (grifei)

 

Como se não bastasse, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), em seu artigo 24, veda a declaração de invalidade, decorrente de mudança de orientação jurisprudencial administrativa, de situações plenamente constituídas. Eis o texto da norma:

Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas

Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público.

 

É importante destacar que a Corregedoria Nacional de Justiça já havia dado provimento aos Recursos Administrativos ora em julgamento. Ocorre que o presidente da comissão de concurso suscitou questão de ordem, acolhida pelo, então, Presidente do CNJ, Ministro Dias Toffoli, anulando as decisões proferidas pelo Conselheiro Emmanoel Pereira.

Tal decisão (do Ministro Dias Toffoli) foi proferida no PCA 3242-06.2014, em 17/12/2019, relação processual em que não figuram como partes os recorrentes e, portanto, não puderam efetivar de forma satisfatória o contraditório administrativo.

Nesse ponto, importante ressaltar o comando decorrente do art. 30 da LINDB:

Art. 30. As autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas

Parágrafo único. Os instrumentos previstos no caput deste artigo terão caráter vinculante em relação ao órgão ou entidade a que se destinam, até ulterior revisão.

Como se não bastassem os argumentos alusivos à segurança jurídica, proteção da confiança e à coisa julgada administrativa, cumpre-nos agora avançarmos em relação ao mérito do litígio.

 

 

DA REALIZAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO DE PROVAS E TÍTULOS

 

Em relação às espécies em julgamento, é de se ressaltar que todos os recorrentes foram efetivamente aprovados em um concurso público, que se iniciou antes da promulgação da Constituição da República de 1988. Tais circunstâncias foram, aliás, apreciadas pelo Conselho Nacional de Justiça, entre 2010 e 2012, como é incontroverso nos autos e nos votos dos Conselheiros até agora proferidos e pode ser constatado a partir dos seguintes documentos: PP 4721-58 – Id 3707358; PP 4727-65 – Id 3707518; PP 4725-95 – Id 3707351; PP 4732-87 – Id 3706953; PP 4733-72 – Id 3706953).

Nesse contexto, os recorrentes foram aprovados em concurso público de provas e títulos que se iniciou antes da vigência da Constituição da República de 1988. Trata-se do Edital nº 001/88, publicado no Diário Oficial do Estado de Alagoas em 18 de abril de 1988.

Como bem destacado pelo vistor Conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello, o Edital em testilha estava de acordo com a ordem constitucional da Constituição Federal de 1967:

Art. 207 - As serventias extrajudiciais, respeitada a ressalva prevista no artigo anterior, serão providas na forma da legislação dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, observado o critério da nomeação segundo a ordem de classificação obtida em concurso público de provas e títulos.

 

Fato jurídico relevante é que o concurso público prestado pelos recorrentes foi homologado anteriormente à promulgação da Constituição da República de 1988 (20.09.1988). Contudo, por questão meramente temporal, tomaram posse nos cargos após a promulgação da Constituição de 1988.

É cediço que é a homologação do resultado final da classificação dos candidatos que marca a estabilização da relação jurídica entre a Administração Pública e os candidatos aprovados, assim como entre eles próprios. Após essa homologação, a Administração se encarrega de dar concretude fática correspondente à classificação, seja nomeando e dando posse aos servidores, nos concursos em geral, seja designando audiência de escolha e entregando as outorgas das serventias, no caso dos concursos para tabeliães e notários. Superada a homologação, não seria viável desconstituir os procedimentos realizados até então, mormente porquanto compatíveis com a ordem jurídica daquela época, para se impor novas exigências de maneira a desconstituir a relação jurídica consolidada.

Com isso, a posse, nada obstante produzir efeitos jurídicos de verdadeira monta, é apenas o mero desdobramento fático-jurídico da finalização do concurso público.

Seria totalmente irracional pretender que o administrador judiciário, poucos dias após a promulgação da Constituição da República de 1988, anulasse/revogasse um concurso público, realizado e homologado de acordo com as normas constitucionais vigentes à época, para fins de suposta adequação ao novo texto constitucional.

Assim, apesar de não estar em debate a natureza da nomeação, resta certo que inexiste flagrante inconstitucionalidade a justificar, mais de 30 anos depois, a anulação de atos administrativos, proferidos pelo próprio Conselho Nacional de Justiça, que, entre 2010 e 2012, declararam legítimos os provimentos nas supramencionadas serventias extrajudiciais.

Por fim, mas não menos importante, cabe elucidar que a exceção dos casos ora analisados confirma a regra de que a Constituição de 1988, durante a sua vigência, não permite a convalidação do exercício na atividade notarial e de registro sem a realização de concurso público, como tenho decidido há anos no Supremo Tribunal Federal. Aliás, tal magistério jurisprudencial é pacífico na Corte Suprema.

 

Ementa: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. INGRESSO NA SERVENTIA DE ORIGEM POR CONCURSO PÚBLICO. EFETIVAÇÃO COMO TITULAR DE SERVENTIA POR MEIO DE PERMUTA APÓS A PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE. CONCURSO PÚBLICO. EXIGÊNCIA. ARTIGO 236, § 3º, DA CRFB/88. NORMA AUTOAPLICÁVEL. DECADÊNCIA PREVISTA NO ARTIGO 54 DA LEI 9.784/1999. INAPLICABILIDADE. OFENSA DIRETA À CARTA MAGNA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

(MS 28276 ED, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 05/08/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-162  DIVULG 21-08-2014  PUBLIC 22-08-2014)

 

Ementa: MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. PERMUTAS E REMOÇÕES ENVOLVENDO TITULARES DE SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS. NECESSIDADE DE CONCURSO PÚBLICO. AUTOAPLICABILIDADE DO TEXTO CONSTITUCIONAL. TITULAR QUE INGRESSOU ORIGINARIAMENTE MEDIANTE APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO. NECESSIDADE DE EQUACIONALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DA SITUAÇÃO DA IMPETRANTE PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL. SEGURANÇA DENEGADA. 1. O concurso público é providência necessária tanto para o ingresso nas serventias extrajudiciais quanto para a remoção e para a permuta (art. 236, § 3º, do CRFB/88). 2. O prazo decadencial quinquenal do art. 54 da Lei nº 9.784/1999 é inaplicável à revisão de atos de delegação de serventia extrajudicial realizados após a Constituição de 1988 sem a observância da realização de concurso público. 3. Determinação de expedição de ofício ao Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, para que equacione administrativamente a situação indicada, vedada a manutenção, ainda que temporariamente, da impetrante no cargo para o qual se viu removida em desacordo com a Constituição/1988. 4. Segurança denegada.

(MS 29415, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 15/12/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-086  DIVULG 25-04-2017  PUBLIC 26-04-2017)

 

Ementa: AGRAVO INTERNO NA AÇÃO RESCISÓRIA. ALEGAÇÃO DE ERRO MATERIAL E VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE NORMA JURÍDICA. AÇÃO QUE PRETENDE RESCINDIR DECISÃO PROFERIDA EM MANDADO DE SEGURANÇA QUE MANTEVE ATO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA QUE CONSIDEROU A INVALIDADE DE REALIZAÇÃO DE PERMUTA DE SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS SEM PRÉVIO CONCURSO PÚBLICO. ARGUMENTOS JÁ ANALISADOS E AFASTADOS PELA PRÓPRIA DECISÃO RESCINDENDA. PRECEDENTES. MERA REDISCUSSÃO DE MATÉRIA JÁ APRECIADA POR ESTE TRIBUNAL. IMPOSSIBILIDADE. INADEQUAÇÃO DESTA VIA PROCESSUAL PARA TAL FIM. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O concurso público é providência necessária tanto para o ingresso nas serventias extrajudiciais quanto para a remoção e para a permuta (art. 236, § 3º, do CRFB/88). 2. O prazo decadencial quinquenal do art. 54 da Lei nº 9.784/1999 é inaplicável à revisão de atos de delegação de serventia extrajudicial realizados após a Constituição de 1988 sem a observância da realização de concurso público. 3. In casu, a alegação de que o acórdão rescindendo incorreu em erro material e manifesta violação a dispositivo de norma jurídica (art. 966, V, do CPC/2015) não restou demonstrada, notadamente em razão de alinhar-se ao entendimento jurisprudencial desta Corte. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AR 2671 AgR, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 07/05/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-091  DIVULG 10-05-2018  PUBLIC 11-05-2018)

 

A rigor, no Conselho, está-se diante de casos que provocam notável distinguishing, tendo por resultado o afastamento dos procedentes acima colacionados, em razão da constatação de que, in casu, houve a realização de concurso público por parte dos recorrentes durante a vigência da ordem constitucional anterior à da Constituição de 1988.

 

Ante o exposto, peço vênia aos que entendem em sentido contrário, para acompanhar a divergência inaugurada pelo Conselheiro Mário Goulart Maria, e julgo procedentes os recursos administrativos.

É como voto.

 

Ministro LUIZ FUX

 



[1] O Justiça Aberta é um sistema que permite a consulta em “Serventias Extrajudiciais” de dados sobre a produtividade dos cartórios, subdistritos e ofícios de notas, protestos e registros, que reconhecem, atestam e certificam atos particulares e públicos, como nascimentos, óbitos, imóveis, notas e processos jurídicos. É possível encontrar uma dessas serventias informando seu código no campo à direita do mapa ou selecionando o município desejado. O Justiça Aberta Judicial, que fornece os dados das serventias de 1º e 2º graus, foi migrado para o módulo de produtividade mensal após a edição do Provimento n. 49/2015 e incluído como Anexo II da Resolução CNJ n. 76/2009. Fonte: https://www.cnj.jus.br/corregedoriacnj/justica-aberta/