Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0003791-98.2023.2.00.0000
Requerente: ALBERT DANAN
Requerido: CONSELHO DA MAGISTRATURA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

 


EMENTA:

RECURSO ADMINISTRATIVO. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM FACE DE TITULAR DE SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. APLICAÇÃO DE PERDA DE DELEGAÇÃO. CARÁTER REVISIONAL. INTERESSE INDIVIDUAL. INEXISTÊNCIA DE IRREGULARIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE ATUAÇÃO DESTE CONSELHO. RECURSO DESPROVIDO. 

1. A competência do CNJ para a análise de questões disciplinares com caráter revisional está circunscrita à verificação da conduta de juízes e membros de Tribunais. Inexistindo ilegalidade ou teratologia na decisão impugnada, é incabível a revisão de decisão proferida pelo tribunal que decretou a perda de delegação do requerente, sob o fundamento de ausência de provas. 

2. Não cabe ao CNJ o exame de pretensões de natureza individual, desprovidas de interesse geral para o Poder Judiciário, conforme dispõe o Enunciado Administrativo n. 17/2018. 

3. Recurso administrativo a que se nega provimento. 

 

 

 

 ACÓRDÃO

Retomado o julgamento, o Conselho, por maioria, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Vencidos os Conselheiros Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Caputo Bastos, Monica Autran, Daniela Madeira, Marcello Terto, Daiane Nogueira e Luiz Fernando Bandeira de Mello, que davam provimento ao recurso. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário Virtual, 26 de abril de 2024. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luís Roberto Barroso, Luis Felipe Salomão, Caputo Bastos, José Rotondano, Mônica Autran, Alexandre Teixeira, Renata Gil, Daniela Madeira, Giovanni Olsson, Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Daiane Nogueira e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0003791-98.2023.2.00.0000
Requerente: ALBERT DANAN
Requerido: CONSELHO DA MAGISTRATURA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO


RELATÓRIO

 

Trata-se de Recurso Administrativo (Id 5248336) interposto por Albert Danan em face da Decisão de Id 5240154, que julgou improcedente o pedido formulado no presente Procedimento de Controle Administrativo (PCA), por considerar que a competência do CNJ para a análise de questões disciplinares com caráter revisional está circunscrita à verificação da conduta de juízes e membros de Tribunais.

Na petição inicial, o requerente, ora recorrente, visou a intervenção do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em alegada “decisão teratológica e ilegal que o condenou à perda de sua delegação do Ofício Único de Armação dos Búzios”, sem nenhuma prova concreta do cometimento da infração imputada.

Informou que os fatos imputados foram noticiados em 29.11.2019, quando a Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (CGR/RJ) instaurara a Sindicância n.º 2019-0232526 para apurar possíveis embaraços criados pelo requerente “para registro de títulos, a fim de possibilitar a intermediação de terceiro no serviço, com cobrança de valores muito acima da tabela de emolumentos; bem como, de que seus empregados negam o acesso às notas de exigências anteriores, apesar de o solicitante portar procuração para tal fim”.

Contudo, argumentou que a única prova considerada pela CGJ/RJ para deflagração do procedimento fora um print de mensagens trocadas com o despachante Antônio Marcos sobre supostas conversas havidas com o advogado Allan Vinícius Almeida Queiroz e o delegatário, ora recorrente. Sustentou que, apesar da total ausência de provas dos fatos imputados, fora determinada a abertura de processo administrativo disciplinar para apuração da suposta infração ao disposto nos arts. 30, II, VIII, XII e XIV, e 31, I, III e V, da Lei n.º 8.935/94 (Lei dos Cartórios).

Advertiu que o Juiz Corregedor Auxiliar apresentou parecer opinando pela aplicação da sanção de perda da delegação por vislumbrar a existência de “provas contundentes e cabais” do ato infracional imputado ao delegatário, que teria agido em conluio com terceiros para “obrigar o usuário denunciante a pagar quantia indevida para realização do registro desejado”. O referido parecer foi acolhido pela CGJ/RJ, que concluiu pela procedência dos fatos para a consequente aplicação da sanção de perda da delegação. O recorrente sustentou, porém, que a decisão ora questionada estava fundada em “uma instrução processual pífia conduzida pela Corregedoria”, que nada apurou para a comprovação da conduta infracional imputada

Assim, solicitou que fosse atribuído efeito suspensivo à decisão impugnada para impedir (i) que a interventora levante a totalidade da renda líquida do cartório e (ii) que seja realizada a nomeação de um novo delegatário titular para a serventia, até decisão final por este Conselho. No mérito, pediu que o CNJ “desconstitua a decisão teratológica e ilegal que o condenou à perda de sua delegação do Ofício Único de Armação dos Búzios sem nenhuma prova concreta do cometimento da infração imutada”.

Já no presente recurso, o recorrente alega que: (i) sua pretensão não é de natureza meramente revisional, mas visa o controle de legalidade da atuação do Plenário do TJRJ; (II) não há conteúdo probatório mínimo para formação do convencimento do juiz acerca da prática do ato infracional; (III) meros indícios e deduções foram utilizados como provas cabais da prática ato infracional; (IV) foram violadas garantias constitucionais que asseguram a sua presunção de inocência; (V) existe nulidade do acórdão que desproveu seu recurso administrativo. 

Assim, o recorrente pugna pela reconsideração da decisão recorrida e, caso não seja esse o entendimento, pleiteia que o PCA seja submetido ao Plenário do CNJ, para que seja julgado e provido, com vistas a desconstituir o ato administrativo para absolvê-lo, integralmente, das imputações infracionais 

Requer, alternativamente, que o CNJ promova a revisão do mencionado acórdão para, adotando a solução estabelecida no voto vencido do Des. Paulo Baldez, fixar penalidade de suspensão do ora recorrente por 60 (sessenta) dias ou mesmo, repreensão ou multa. Ademais, na eventualidade de não serem acolhidos os pedidos anteriores, o ora recorrente pede a anulação do julgamento do seu recurso administrativo por afronta aos arts. 33 e 38, do RI CM-TJRJ. 

Intimado para apresentar contrarrazões, o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, o Desembargador Ricardo Rodrigues Cardozo, por meio do Ofício GABPRES-ASCNJ n.º 144/2023, defendeu a ausência de irregularidades ou violação das regras procedimentais que justifique a anulação do PAD ou a intervenção corretiva do CNJ, sob pena de convertê-lo em instância recursal voltada à tutela de interesses meramente individuais (Id 5279932).  

Por fim, o recorrente apresentou memoriais no Id 5367593. 

É o relatório. Decido. 


 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0003791-98.2023.2.00.0000
Requerente: ALBERT DANAN
Requerido: CONSELHO DA MAGISTRATURA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

 


VOTO

Presentes os requisitos, conheço do recurso. 

Quanto ao mérito, destaco que não trouxe o recorrente quaisquer argumentos ou elementos novos capazes de justificar a modificação da decisão monocrática proferida no Id 5240154. 

Sendo assim, cumpre reiterar e expor suas razões à apreciação do Plenário: 

(...)

Conforme relatado, o requerente solicita a intervenção do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com o objetivo de reverter a sanção de perda da delegação de serventia extrajudicial, aplicada em regular procedimento disciplinar a que foi submetido junto ao Tribunal de origem. Para tanto, defende que a conclusão externada não está embasada em “provas contundentes e cabais” do ato infracional imputado.

A despeito dos fundamentos apresentados, impende registrar que o procedimento sob exame tem por objetivo precípuo a obtenção de revisão da decisão proferida pelo Tribunal censor.

Ressalte-se, porém, que a competência do CNJ para a análise de questões disciplinares com caráter revisional, como no presente caso, está circunscrita à verificação da conduta de juízes e membros de Tribunais, conforme dispõe o artigo 103-B, § 4º, inciso V[1], da Constituição Federal. De acordo com reiterados precedentes do Plenário deste Conselho, é descabida sua atuação para revisão de decisão disciplinar contra titular de serventia extrajudicial:

 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE. PROCEDIMENTO DISCIPLINAR EM FACE DE TITULAR DE SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. SUPOSTAS ILEGALIDADES NA CONDUÇÃO DO PROCESSO. CARÁTER REVISIONAL. TEMA DE CARÁTER PARTICULAR E DE INTERESSE EXCLUSIVO DO REQUERENTE. INCOMPETÊNCIA DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

1. Não compete ao CNJ a análise dos processos administrativos disciplinares instaurados em face de delegatário de serviço notarial, tampouco a revisão da penalidade que lhe seja imposta.

2. A competência para a análise de questões disciplinares está circunscrita à verificação da conduta de juízes e membros de Tribunais, conforme dispõe o artigo 103-B, § 4º, inciso V, da Constituição Federal. 

3. Ao CNJ cabe emitir juízo em demandas cujos interesses repercutam no âmbito de todo o Poder Judiciário, e não em controvérsias de viés notadamente individual.

4. Ausência, nas razões recursais, de argumentos capazes de abalar os fundamentos da decisão combatida.

5. Recurso conhecido e, no mérito, não provido[2].

 

RECURSO ADMINISTRATIVO. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO.  TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO (TJSP). REVISÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR CONTRA DELEGATÁRIO DE SERVIÇO NOTARIAL E DE REGISTRO. PEDIDO NÃO CONHECIDO. INCOMPETÊNCIA DO CNJ. AUSÊNCIA DE INTERESSE GERAL.

1. Irresignação contra decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) que, ao julgar Processo Administrativo Disciplinar (PAD) instaurado em desfavor de delegatário de serviço extrajudicial, determinou a reversão ao Estado da renda líquida da unidade que excedesse 90,25% dos subsídios dos Ministros do STF durante o cumprimento da pena de suspensão.

2. Pretensão que encerra interesse meramente individual.

3. Ausência do interesse geral necessário a legitimar o conhecimento do pedido pelo CNJ.

4. O CNJ tem entendimento firmado de não lhe competir revisar procedimentos disciplinares instaurados em desfavor de delegatários de serviço extrajudicial de notas e de registro.

5. A inexistência de argumentos novos e suficientes a alterar a decisão monocrática impede o provimento do recurso administrativo.

6. Recurso administrativo conhecido e improvido[3].

 

Muito embora a pretensão esteja travestida de Procedimento de Controle Administrativo (PCA), está configurado nítido viés revisional da pretensão aviada, o que, de plano, obsta o seu conhecimento.

Em acréscimo, destaque-se que a atuação deste Conselho está constitucionalmente reservada para as questões que ultrapassam os interesses privados e subjetivos das partes, não lhe competindo intervir no exame de pretensões de natureza meramente individual, desprovidas da necessária repercussão geral para o Poder Judiciário. Confira-se:

 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. DELEGATÁRIO DE SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. PROCESSO DISCIPLINAR INSTAURADO NA ORIGEM. AUSÊNCIA DE REPERCUSÃO GERAL. PRETENSÃO DE NATUREZA INDIVIDUAL. PEDIDO NÃO CONHECIDO. INCOMPETÊNCIA DO CNJ.

1.O requerente pretende obstar o regular curso do processo disciplinar, sob a alegação de este se encontrar despido de elementos mínimos para caracterização das faltas disciplinares a ele imputadas. Se insurge, ainda, contra a designação de interventora para responder provisoriamente pela serventia.

2.Os requerimentos apresentados neste PCA possuem evidente viés individual, desprovidos da necessária repercussão geral para legitimar a atuação do Conselho Nacional de Justiça.

3.Pedidos julgados improcedentes[4].

 

Pelo exposto, com base no art. 25, X[5], do Regimento Interno do CNJ, não conheço dos pedidos formulados no presente Procedimento de Controle Administrativo e determino o seu imediato arquivamento. Prejudicado o exame do pedido de medida liminar.

Intimem-se.

À Secretaria Processual para as providências cabíveis.

Brasília/DF, data registrada no sistema.

 

Conselheiro João Paulo Schoucair

Relator 

Por essas razões, conheço do Recurso Administrativo interposto para negar-lhe provimento, nos termos da fundamentação supra, mantendo a decisão atacada por seus próprios e jurídicos fundamentos.

É como voto. 

Brasília, data registrada no sistema.

 

Conselheiro João Paulo Schoucair

Relator



[1] § 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: [...] V - rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano;

[2] PCA 0009619-51.2018.2.00.0000, Rel. Conselheiro Luciano Frota, Plenário Virtual, 14 de junho de 2019.

[3] CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0007690-12.2020.2.00.0000 - Rel. RUBENS CANUTO - 80ª Sessão Virtual - julgado em 12/02/2021.

[4] CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0002620-77.2021.2.00.0000 - Rel. ANDRÉ LUIZ GUIMARÃES GODINHO - 89ª Sessão Virtual - julgado em 25/06/2021.

[5] Art. 25 (...) X - determinar o arquivamento liminar do processo quando a matéria for flagrantemente estranha às finalidades do CNJ, bem como a pretensão for manifestamente improcedente, despida de elementos mínimos para sua compreensão ou quando ausente interesse geral.

 

 

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0003791-98.2023.2.00.0000
Requerente: ALBERT DANAN
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VOTO DIVERGENTE

 

Fundamentação

Adoto o relatório apresentado pelo eminente relator, Conselheiro João Paulo Santos Schoucair, em sua manifestação, porém, a despeito do respeitável fundamento jurídico constante do voto do relator, apresento minha respeitosa divergência das conclusões propostas.

Conforme bem relatado, no Processo Administrativo Disciplinar n. 0000168-60.2021.8.19.0810, foi proferida decisão pelo Exmo. Corregedor-Geral da Justiça à época (Id. 5176408 - Pág. 159), na sequência do parecer de (Id. 5176408 - Pág. 125/148), concluindo pela configuração das infrações imputadas e pela perda da delegação do notário.

Na sessão de julgamento do E. Conselho da Magistratura realizada no dia 26/05/2022, por maioria, negou-se provimento ao recurso hierárquico, mantendo-se a decisão que determinou a perda da delegação, nos termos expostos no acórdão. Eis o teor da ementa do julgado (Id. 5176409 - Pág. 416/455):

RECURSO ADMINISTRATIVO HIERÁRQUICO EM FACE DA DECISÃO QUE APLICOU PENALIDADE DE PERDA DE DELEGAÇÃO A DELEGATÁRIO. IMPUTAÇÃO DE DIVERSAS IRREGULARIDADES NA SERVENTIA DO OFÍCIO ÚNICO DA COMARCA DE ARMAÇÃO DE BÚZIOS QUE INCLUEM, REDAÇÃO OBSCURA E IMPRECISA NA REALIZAÇÃO DE EXIGÊNCIAS REGISTRAIS, CRIAÇÃO DE BARREIRAS PARA ACESSO DOS INTERESSADOS A ESCLARECIMENTOS DE SEUS PROCESSOS, MESMO MUNIDOS COM PROCURAÇÃO E COBRANÇA, ATRAVÉS DE DESPACHANTE E ADVOGADO, DE VALORES INDEVIDOS MUITO SUPERIORES A EMOLUMENTOS PREVISTOS NA LEGISLAÇÃO. REJEIÇÃO DA PRELIMINAR SUSCITADA. PEDIDO DE SOBRESTAMENTO DO FEITO PARA AGUARDAR O TRÂNSITO EM JULGADO DA AÇÃO CRIMINAL. DESNECESSIDADE. CABE À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, AO EXAMINAR O CASO CONCRETO, AVERIGUAR SE HÁ NECESSIDADE OU NÃO DE SUSPENSÃO DO FEITO, COM DISCRICIONARIEDADE. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS ESFERAS CRIMINAL E ADMINISTRATIVA. JURISPRUDÊNCIA SEDIMENTADA NO STJ. TRÂMITE DO PRESENTE FEITO OBSERVOU TODAS AS FORMALIDADES LEGAIS. CONDUTAS DE NATUREZA GRAVÍSSIMA. DESCUMPRIMENTO DE DEVERES INERENTES À DELEGAÇÃO DE MODO CONTÍNUO COM PREJUÍZOS À IMAGEM E À DIGNIDADE DA JUSTIÇA. CONDUTAS GRAVES IMPUTADAS AO RECORRENTE QUE FICARAM COMPROVADAS E HISTÓRICO DE PENALIDADES DO RECORRENTE QUE JUSTIFICAM A PENALIDADE DE PERDA DE DELEGAÇÃO QUE LHE FOI APLICADA. INFRINGÊNCIA DOS ARTIGOS 433 DO CNCGJ-PE, E 30, INCISOS V, VIII E XII, E 31, INCISOS I, II E V, DA LEI Nº 8.935/1994. RECURSO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. DECISÃO NÃO UNÂNIME.

 

Contudo, em que pese a jurisprudência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) seja no sentido da impossibilidade de análise de processos administrativos disciplinares instaurados em face de delegatário de serviço notarial, tampouco a revisão de penalidade que lhe seja imposta, verifico que, no caso concreto, a decisão que aplicou a pena de perda da delegação ao requerente se reveste de flagrante ilegalidade, circunstância que autoriza a manifestação deste Conselho. Explico.

Inicialmente, os fatos imputados foram noticiados em 29/11/2019 pelo denunciante João Luiz Fuster Bernardis, quando a Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (CGR/RJ) instaurou a Sindicância n. 2019-0232526 para apurar possíveis embaraços criados pelo delegatário “para registro de títulos, a fim de possibilitar a intermediação de terceiro no serviço, com cobrança de valores muito acima da tabela de emolumentos; bem como, de que seus empregados negam o acesso às notas de exigências anteriores, apesar de o solicitante portar procuração para tal fim”.

Com efeito, o cerne da imputação atribuída ao delegatário se refere a prática de cobranças indevida de emolumentos com uma metodologia que abrangia a criação de entraves para o registro imobiliário com fins de obter vantagem ilícita, com a intermediação do advogado Allan Vinícius Almeida Queiroz e do despachante Antônio Marcos Santana, que no caso denunciado teria sido de R$ 70.000,00 (setenta mil reais).

Entretanto, o laudo de perícia criminal em mídia de armazenamento computacional (Id. 5176407 - Pág. 25/40), realizado no aparelho celular do denunciante João Luiz Fuster Bernardis, não deixa clara qualquer participação do delegatário em relação ao esquema de cobranças indevidas de vantagem para a prática de ato registral.

No caso, observo que na referida perícia consta apenas conversas travadas entre o despachante Antônio Marcos Santana e o denunciante João Juiz Fuster Bernardis. Para melhor elucidação, colaciono os referidos "prints" das conversas obtidas no aplicativo de mensagens “Whatsapp” (id. 5176401 - Pág. 41/42):

 

 

 

 

Nesse prisma, não diviso qualquer comprovação do envolvimento do requerente na suposta prática criminosa, uma vez que não se evidenciou o liame subjetivo entre o delegatário do Ofício Único de Armação dos Búzios/RJ e o suposto despachante.

Pelo contrário, o teor das conversas esclarece que Antônio Marcos Santana, então despachante, solicita vantagem indevida ao denunciante João Luiz Fuster Bernardis, com a promessa de influir no comportamento do delegatário, contudo, sem qualquer prova da comunhão de desígnios com o requerente.

Entendo que tal prova se mostra inábil para a comprovação cabal da participação do delegatário nas condutas mencionadas pelo denunciante, sendo incapaz de fundamentar, por si só, uma penalidade grave como a de perda de delegação.

Por outro lado, é um dado da experiência que alguns despachantes, com o fim pérfido de angariar vantagens na prestação de seus serviços, insinuam possuir proximidade com agentes públicos, de modo a prospectar possíveis clientes interessados em obter maior agilidade em suas demandas.

Portanto, longe de vislumbrar-se a prova robusta mencionada pela decisão que aplicou a penalidade, ainda que de fato tenha sido formulada tal exigência de valores por um despachante, não é tampouco certo inferir que seria de fato destinada tal quantia para o delegatário, que poderia evidentemente sequer ter ciência sobre tais exigências feitas por terceiro em seu nome.

Ademais, o laudo de perícia criminal em mídia de armazenamento computacional deixa claro que “Antônio Marcos” era apenas o nome que constava nos contatos telefônicos do denunciante, não se podendo aferir peremptoriamente que tal contato telefônico de fato é do despachante Antônio Marcos Santana, ou qual seria o telefone verdadeiro desta pessoa.

Como ressaltou o próprio perito (id. 5176407 - Pág. 33/34), “Em uma conversa do aplicativo WhatsApp, o nome visível na parte superior da interface da aplicação (AppBar) é aquele atribuído a um contato telefônico na agenda eletrônica do aparelho celular. Ou seja, pode-se atribuir um mesmo nome para linhas telefônicas distintas e no aplicativo WhatsApp simular a conversa exibindo o nome de um interlocutor no AppBar da aplicação.”

Outrossim, o próprio denunciante não apresenta relatos consistentes quanto à indicação do despachante, ora alegando que foi indicado pela serventia, ora pelo proprietário anterior do imóvel, circunstância que seria o cerne da denúncia e corroboraria a versão de conluio entre as partes. Eis o teor das declarações do denunciante (Id. 5176401 - Pág. 10/11):

Declara há cerca de 1 (um) ano tenta regularizar o registro da Escritura de Instituição e Convenção de Condomínio e Divisão Amigável do terreno onde se situam os imóveis adquiridos, junto ao Serviço Notarial e registral de Armação de Búzios, cujo delegatário é o senhor Albert Danan. Declara que foram feitas diversas exigências para o proprietário anterior e para o declarante, sendo certo que não conseguem jamais regularizar a documentação. Declara que no Serviço Notarial foi indicado o despachante Antonio Marcos, celular (022) 99972-8696 para tratar da regularização da documentação; que o declarante tentou ter acesso às exigências anteriores, comparecendo no serviço notarial acompanhado da Advogada Dra. Fernanda Muniz, munidos de instrumento de procuração do anterior proprietário do imóvel para esta, sendo certo que ao comparecerem no Serviço Notarial não foi permitido o acesso às exigências, não sendo franqueado o acesso a nenhuma documentação, alegando os funcionários que somente o despachante Antonio Marcos poderia ter acesso; (Grifou-se)

 

Entretanto, nos depoimentos colhidos ao longo da sindicância, em 27/01/2020, o próprio denunciante desmentiu sua versão ao afirmar que quem lhe fez a indicação do despachante Antônio Marcos Santana e passou o seu contato “foi o proprietário antigo ao qual eu comprei a casa” (Id. 5176403 – Pág. 38).

Ante o exposto, à míngua de provas minimamente sólidas da imputação formulada, entendo que a decisão que condenou a parte requerente em uma pena de perda de delegação se mostra desproporcional e flagrantemente ilegal, que não poderia passar ao largo da percuciência deste Conselho.

 

Dispositivo

Por essas razões, pedindo vênia ao ilustre relator, a partir do cotejo de todos os elementos apresentados, apresento minha divergência, julgando procedente o recurso administrativo, para determinar a desconstituição do ato administrativo que aplicou a penalidade de perda da delegação, em razão da flagrante ilegalidade da decisão, no Processo Administrativo Disciplinar n. 0000168-60.2021.8.19.0810, e para absolver, integralmente, o requerente Albert Danan, titular do Ofício Único da Comarca de Armação dos Búzios/RJ, das imputações do art. 30, V, VIII e XII, e do art. 31, I, II e V, ambos da Lei n. 8.935/1994.

É como voto.

Conselheiro Marcos Vinícius Jardim

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO CONVERGENTE

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR CONSELHEIRO CAPUTO BASTOS:

Adoto o relatório lançado pelo eminente Conselheiro João Paulo dos Santos Schoucair, pedindo vênia, todavia, para manifestar respeitosa divergência, por entender que inexiste prova cabal apta a caracterizar a efetiva prática da infração funcional por parte do delegatário, ora recorrente.

Cuida-se de Procedimento de Controle Administrativo (PCA) em que se questiona eventuais decisões teratológicas proferidas pela Presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, nos autos do Procedimento Administrativo Disciplinar SEI nº 2020-0625007 (Id 5176408, fl. 159) e pelo Conselho da Magistratura, no Recurso Hierárquico nº 000168-60.2021.8.19.0810 (Id 5176409, fls. 416-521), que culminaram na imposição da perda da delegação do requerente do Ofício Único de Armação de Búzios/RJ.

No presente PCA, o Conselheiro Relator, em decisão monocrática, não conheceu do pedido, por considerar descabida a atuação do Conselho para revisão de decisão disciplinar proferida contra titular de serventia extrajudicial (Id 5240154). Inconformado, o autor interpôs recurso administrativo (Id 5248336). Incluídos os autos na 2ª Sessão Virtual Extraordinária, o e. Relator apresentou voto no sentido de negar provimento ao recurso.

Ouso, contudo, divergir de Sua Excelência.

O Processo Administrativo Disciplinar (PAD) em questão envolve denúncia formulada por João Luiz Fuster Bernardis que noticiou suposto conluio entre o delegatário do Ofício Único de Armação de Búzios, o despachante Antônio Marcos Santana de Souza e o advogado Allan Vinícius Almeida Queiroz.

As supostas faltas disciplinares consubstanciaram-se no fato de o delegatário criar embaraços para o registro de títulos e barreiras para acesso dos interessados para os devidos esclarecimentos, mesmo tendo procuração específica, para possibilitar a intermediação de terceiros no respectivo procedimento registral, com cobrança de valores para tal mister.

Em primeiro lugar, cumpre registrar que não se desconhece o entendimento deste Conselho quanto à excepcionalidade de sua intervenção em processos administrativos disciplinares instaurados contra titulares de serventias (PP 5916-10.2021 e PP 7861-32.2021). Verifica-se, contudo, manifesta teratologia no acórdão que condenou o recorrente à perda de sua delegação, por entender inexistirem provas robustas que a justifique, a autorizar, na presente hipótese, a atuação do CNJ, como fazem ver os seguintes precedentes:

RECURSO ADMINISTRATIVO NO PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. PROCESSO DE VERIFICAÇÃO DE INVALIDEZ DE DELEGATÁRIO. SUPLANTADA A NATUREZA INDIVIDUAL DO PEDIDO DIANTE DAS ILEGALIDADES VERIFICADAS NO CURSO DO PROCESSO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA DECISÃO QUE DECLAROU A INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE DO OFICIAL DE REGISTRO. MODIFICAÇÃO DO RITO DURANTE O TRÂMITE PROCESSUAL. RESTABELECIMENTO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

1. Recurso contra decisão monocrática que não conheceu do pedido por entender que o pleito se tratava de direito individual do delegatário quando questionou a existência de supostas ilegalidades em processo administrativo de verificação de sua invalidez.

2.  Suplanta-se o entendimento quanto à ausência de repercussão geral diante das ilegalidades verificadas no curso do processo.

3. A ausência de intimação do oficial registrador para ciência de pronunciamento da juíza diretora do foro que declarou sua incapacidade total e permanente para o exercício da função constitui nulidade processual, porquanto a comunicação do ato é medida processual cogente, por ter resultado em imposição de ônus e restrição ao exercício de direito pelo delegatário, assim como dispõe o art. 40 da Lei Estadual nº 14.184/2002.

4. A decisão do Presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) que, monocraticamente, extinguiu a delegação do recorrente, bem como ordenou a retificação da autuação do feito em virtude de o procedimento não ostentar natureza disciplinar, acarretou prejuízos ao delegatário ao criar neste a expectativa sobre a existência de previsão legal para a apresentação de recurso. Deve-se registrar que a própria Administração Pública, representada pelo Órgão Especial do TJMG, não conheceu do apelo por ela mesma ter modificado as regras incidentes no curso do procedimento, malferindo prerrogativas processuais do recorrente.

5. A procedência do recurso é medida salutar para o restabelecimento da segurança jurídica do procedimento administrativo e para assegurar ao recorrente o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, inciso LV, CF).

6. Recurso conhecido e, no mérito, provido (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0008822-70.2021.2.00.0000 - Rel. JANE GRANZOTO - 359ª Sessão Ordinária - julgado em 08/11/2022).

 

 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO. PAD. TITULAR SERVENTIAL EXTRAJUDICIAL. PRAZO PRESCRICIONAL PENAL. NÃO CABIMENTO NO CASO CONCRETO. FLAGRANTE ILEGALIDADE CONFIGURADA. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE.

1 - A admissibilidade de um PCA que tenha como objeto procedimento disciplinar contra titulares de serventias extrajudiciais é bastante restrita, posto que este Conselho não pode ser utilizado como instância recursal das decisões administrativas proferidas pelos tribunais, na qual seria possível apreciar-se toda a matéria devolvida. Em tais casos, somente é admissível o PCA em casos de flagrante ilegalidade ou teratologia.

2 (...) (CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0007403-78.2022.2.00.0000 - Rel.  MARCIO LUIZ FREITAS - 1ª Sessão Ordinária de 2023 - julgado em 14/02/2023).

 

Demonstrada a possibilidade de intervenção do CNJ no presente caso, cumpre transcrever ementa do acórdão questionado, para melhor compreensão das condutas apuradas:

RECURSO ADMINISTRATIVO HIERÁRQUICO EM
FACE DA DECISÃO QUE APLICOU PENALIDADE DE PERDA DE DELEGAÇÃO A DELEGATÁRIO. IMPUTAÇÃO DE DIVERSAS IRREGULARIDADES NA SERVENTIA DO OFÍCIO ÚNICO DA COMARCA DE ARMAÇÃO DE BÚZIOS QUE INCLUEM, REDAÇÃO OBSCURA E IMPRECISA NA
REALIZAÇÃO DE EXIGÊNCIAS REGISTRAIS, CRIAÇÃO DE BARREIRAS PARA ACESSO DOS INTERESSADOS A ESCLARECIMENTOS DE SEUS PROCESSOS, MESMO MUNIDOS COM PROCURAÇÃO E COBRANÇA, ATRAVÉS DE DESPACHANTE E ADVOGADO, DE VALORES
INDEVIDOS MUITO SUPERIORES A EMOLUMENTOS PREVISTOS NA LEGISLAÇÃO.
REJEIÇÃO DA PRELIMINAR SUSCITADA. PEDIDO DE SOBRESTAMENTO DO FEITO PARA AGUARDAR O TRÂNSITO EM JULGADO DA AÇÃO CRIMINAL. DESNECESSIDADE. CABE À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, AO EXAMINAR O CASO CONCRETO, AVERIGUAR SE HÁ NECESSIDADE OU NÃO DE SUSPENSÃO DO FEITO, COM DISCRICIONARIEDADE.
INDEPENDÊNCIA ENTRE AS ESFERAS CRIMINAL E ADMINISTRATIVA. JURISPRUDÊNCIA SEDIMENTADA NO STJ. TRÂMITE DO PRESENTE FEITO OBSERVOU TODAS AS FORMALIDADES LEGAIS. CONDUTAS DE NATUREZA
GRAVÍSSIMA. DESCUMPRIMENTO DE DEVERES
INERENTES À DELEGAÇÃO DE MODO CONTÍNUO
COM PREJUÍZOS À IMAGEM E À DIGNIDADE DA
JUSTIÇA. CONDUTAS GRAVES IMPUTADAS AO
RECORRENTE QUE FICARAM COMPROVADAS E
HISTÓRICO DE PENALIDADES DO RECORRENTE QUE JUSTIFICAM A PENALIDADE DE PERDA DE
DELEGAÇÃO QUE LHE FOI APLICADA.
INFRINGÊNCIA DOS ARTIGOS 433 DO CNCGJ-PE,
E 30, INCISOS V, VIII E XII, E 31, INCISOS I, II E V,
DA LEI Nº 8.935/1994. RECURSO AO QUAL SE
NEGA PROVIMENTO. DECISÃO NÃO UNÂNIME.

 

Conforme extrai-se da respectiva ementa, a condenação pautou-se nas seguintes supostas irregularidades: “redação obscura e imprecisa na realização de exigências registrais, criação de barreiras para acesso dos interessados a esclarecimentos de seus processos, mesmo munidos com procuração e cobrança, através de despachante e advogado, de valores indevidos muito superiores a emolumentos previstos na legislação”.

O foco do PAD em questão refere-se à conduta do delegatário e é, precisamente, nessa perspectiva, que deve ser apurada, para tanto, deve-se ater, de forma restrita, diante dos elementos produzidos no âmbito do mencionado procedimento e juntados nestes autos, às provas que efetivamente comprovam a prática de conduta violadora dos deveres funcionais por parte do requerente.

Não há dúvidas de que foram formuladas exigências registrais no âmbito do mencionado procedimento registral (técnica comum utilizada no âmbito das serventias para regularização de registros imobiliários). Diferentemente do entendimento do Tribunal, penso inexistir ilegalidade passível de punição tão drástica. Nesse ponto, a interventora designada para o referido Cartório, Sra. Cristina de Lourdes Losada Ribeiro, em seu depoimento prestado perante Juiz de Direito Auxiliar da Corregedoria Regional, afirmou categoricamente “que as duas páginas de exigências intituladas “Instituição de Condomínio Residencial Oceanic Búzios I – Protocolo 45.228 – 04/10/2019” foram as que prevaleceram ao final, cujas cópias estão sendo juntadas nesta data” (Id 517640, fl. 56).

Conforme consignado pelo recorrente, a interventora também declarou que “no período em que está respondendo pelo Cartório de Búzios, não achou alguma exigência do Delegatário que foi formulada sem a devida fundamentação, pois, para ela, ‘ele sempre se baseou em artigos de lei’ (Id 5176403, fl. 106) e que a linguagem utilizada para o caso em concreto era rebuscada e pouco clara” (Id 5176403, fl. 105).

Não é demais lembrar que o Município de Armação dos Búzios foi desmembrado do Município de Cabo Frio apenas em 28.12.1995, pela Lei Estadual nº 2.498, e a instalação do referido Cartório efetivada apenas em 26.05.2000[1], o que evidentemente, em razão de sua recente instituição, poderia gerar dúvidas a respeito dos registros imobiliários locais, a ocasionar possíveis exigências “não usuais” para conferir maior segurança jurídica aos atos notarias praticados.

Não se pode julgar procedente o PAD instaurado contra o delegatário apenas pela metodologia de produção das exigências adotadas no âmbito do Cartório, uma vez competir ao titular o gerenciamento administrativo dos serviços notariais e de registro, “cabendo-lhe estabelecer normas, condições e obrigações relativas à atribuição de funções”, nos termos do artigo 21 da Lei 8.935/1994, até porque poderia caracterizar eventual responsabilidade civil do delegatário.

Ainda que a interventora tenha adotado mudanças que, no entender do tribunal, tiveram o condão de melhorar a prestação dos serviços cartorários (Id 5176404, fls. 76-80), isto não conduz, por si só, à procedência do PAD.

Caso o denunciante tivesse dúvidas acerca das exigências formuladas pelo cartorário, poderia este ter se valido dos instrumentos aptos para tanto, quais sejam, a suscitação de dúvida registral e/ou o ajuizamento de ação própria nas vias ordinárias.

Ressalte-se, porém, não competir a este Conselho fazer qualquer ingerência ou juízo de valor em relação às exigências “não usuais” quanto à sua clareza ou não. Cabe, tão-somente, avaliá-la, para aferir sua regularidade.

Quanto a suposta criação de barreira desmedidas, também não se verificou qualquer prova nesse sentido. Os funcionários do referido Cartório, questionados sobre a indicação de possível despachante no desenvolvimento de suas atividades, responderam negativamente (Id 5176403, fls. 115-121).

Por último, relativamente à cobrança dos valores indevidos, vê-se que apenas há um conteúdo de mensagem de aplicativo de WhatsApp, em que o despachante Antônio Marcos declara que a proposta de pagamento no valor de R$ 70.000,00 teria sido acordada entre o advogado Alan Vinicius Almeida Queiroz e o delegatário, nos seguintes termos: “falei com o Dr. Alan ele falou com o Dr. Danan e liberou estes valores...”.

Não restou provado, de forma cabal, que a cobrança dos mencionados valores partiu do delegatário, como também a ocorrência do efetivo recebimento de valores por parte deste.

Conforme afirmado pelo recorrente, o próprio denunciante consignou, em seu depoimento, “que não conhece e não manteve qualquer contato com o Delegatário ou com o advogado Dr. Allan” (Id 5176403, fl. 96).

Assim, a fundamentação utilizada na origem para fundamentar a cominação da pena de perda da delegação mostra-se frágil, pois inexistem elementos probatórios outros que deem maior densidade na valoração da alegada conduta.

Verifica-se, nesse sentido, que os fatos narrados advêm de meras alegações desprovidas de comprovação. O celular da pessoa – denominada despachante - que supostamente estaria a mando do delegatário sequer foi periciado e o conteúdo da mensagem de WhatsApp não revela qualquer interferência, por parte do delegatário, para a regularização do procedimento registral.

Não há nos autos, também, qualquer notícia de perícia realizada no aparelho celular do despachante, apenas no do denunciante, o que, a princípio, poderia até indicar, minimamente, indícios de um possível liame entre eles, mas, ressalte-se, ainda assim, sem a presença do delegatário.

O que restou demonstrada pela perícia é que o número 5521987272209 referia-se ao denunciante, porém, ele enviou a mensagem para o número 5522999728696 (e que deu base para a condenação no presente PAD) em que apenas constava no aparelho do denunciante como contato ‘Antonio Marcos Despachante”, não quer dizer, todavia, que efetivamente seja o despachante (Id 5176407, fl. 27).

E mais. A referida mensagem sequer foi enviada pelo delegatário, o que confirmaria a tese exposta no acórdão questionado. Vê-se, entretanto, que é apenas uma mensagem trocada entre o denunciante e o suposto despachante. Não há, pois, elementos constantes dos autos que o delegatário efetivamente estaria envolvido no suposto esquema e que teria recebido o valor noticiado.

Verifica-se que o Conselho da Magistratura, na sessão de julgamento, ocorrida em 26.05.2022, negou provimento ao Recurso Hierárquico, mantendo-se, por consequência, a decisão que decretou a perda da delegação. Ocorre, todavia, que o acórdão não foi unânime e, nesse aspecto, cumpre colacionar trechos do voto vencido do e. Desembargador Paulo Baldez, que reforça a tese aqui exposta:

(...)

Com efeito, o cerne da imputação mais gravosa referente à cobrança de setenta mil reais para efetuar-se o registro pretendido pelo denunciante está fulcrada em mensagens travadas entre este e terceira pessoa, supostamente o despachante Antônio Marcos. Entretanto, o laudo de perícia criminal em mídia de armazenamento computacional (e-doc. 001214) deixa claro que Antônio Marcos era apenas o nome que constava nos contatos telefônicos do denunciante consoante perícia realizada no aparelho deste, sem sequer afirmar-se que tal contato telefônico de fato é o de Antônio Marcos, ou qual seria o telefone verdadeiro desta pessoa, o que poderia perfeitamente ser esclarecido mediante ofícios às operadoras de telefonia, jamais enviados. Como ressaltou o perito às fls. 1223, “Em uma conversa do aplicativo WhatsApp, o nome visível na parte superior da interface da aplicação (AppBar) é aquele atribuído a um contato telefônico na agenda eletrônica do aparelho celular. Ou seja, pode-se atribuir um mesmo nome para linhas telefônicas distintas e no aplicativo WhatsApp simular a conversa exibindo o nome de um interlocutor no AppBar da aplicação.”

Não há dúvida de que tal prova mostra-se extremamente frágil para a comprovação da participação do recorrente e do advogado Allan em tal negociata, imprestável, por si só, à imposição de qualquer penalidade. Longe de vislumbrar-se a prova cabal mencionada na decisão recorrida, temos que ainda que de fato tenha sido formulada tal exigência de valores por um despachante, o que não restou comprovado, não é tampouco certo que seria de fato destinada tal quantia para o recorrente, que poderia evidentemente sequer ter ciência sobre tais exigências feitas por terceiro em seu nome, incidindo o princípio in dubio pro reo, à míngua de provas minimamente sólidas da imputação formulada.

O próprio denunciante não apresenta relatos consistentes quanto à indicação do despachante, ora alegando que foi indicado pela serventia, ora pelo proprietário anterior, a par de não restar explicada a aquisição de imóvel de altíssimo valor por modesto inspetor penitenciário.

Quanto à imputação de criar embaraços para o registro de títulos por meio de exigências infundadas lavradas em termos pouco claros, de se ver que por definição legal cabe ao Juiz da Vara de Registros Públicos a avaliação da pertinência ou não das exigências a que o interessado não atender, não podendo obviamente a avaliação do magistrado ser substituída pela dos interessados ou mesmo pela da equipe de fiscalização da CGJ.

Ademais, a própria interventora confirmou que formulou exigências ao interessado em essência idênticas, com diferenças na redação, sendo que poucas estariam cumpridas, pelo que as repetiu, ressaltando que o ora recorrente não formulou exigências totalmente incabíveis. Tais exigências, 2010 ademais, vêm sendo formuladas de longa data, o que mostra ausência de empecilho específico ao denunciante e tampouco permite a conclusão de que refletiria modelo de embaraço a todos dirigido para fins ilícitos, eis que corriqueiramente confirmadas nos procedimentos de dúvida suscitados.

Irrelevante, portanto, a opinião dos interessados sobre a impertinência de alguma exigência, devendo-se valerem do procedimento legalmente previsto para a impugnação das exigências que tiverem por infundadas. Aliás, o Juiz da Vara de Registros Públicos certamente atenderia ao disposto no art. 40 do Código de Processo Penal caso vislumbrasse a ocorrência de crime de ação pública nos procedimentos de dúvida oriundos do Serviço do Ofício Único de Armação de Búzios ou oficiaria à Corregedoria Geral da Justiça caso verificasse a prática de outras ilicitudes, do que não se tem notícia.

A participação do advogado Alan Vinicius nos fatos em decorrência das barreiras supostamente criadas pelo delegatário, da mesma forma, não restou comprovada, da mesma forma como semelhante imputação não foi acolhida em outros feitos que tramitaram por este Conselho da Magistratura, não se prestando eventual voz corrente no local dos fatos à comprovação de qualquer acusação por subtrair do imputado a possibilidade de contraditar tal tese pela simples razão de desconhecer a fonte de onde emanou, da mesma forma como a ação penal em andamento não se presta ao reforço da prova em desfavor do recorrente, por decorrência do princípio constitucional da presunção de inocência (Id 5176409, fls. 453 e 454).

 

Ressalte-se, por oportuno, que a condenação em processo administrativo disciplinar deve ser precedida de rigoroso exame das provas nele produzidas. Havendo dúvidas quanto às imputações formuladas, milita em favor do delegatário, no presente caso, a presunção da inocência, a impor a sua absolvição. Nesse sentido, o seguinte precedente do Conselho Nacional de Justiça:

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR INSTAURADO EM DESFAVOR DE DESEMBARGADORA. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO AMAPÁ. SUPOSTA VIOLAÇÃO DOS DEVERES IMPOSTOS PELOS ARTS. 35, I E II, DA LOMAN, BEM COMO PELOS ARTS. 1º E 37 DO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL. ALEGADO RECEBIMENTO INDEVIDO DE DIÁRIAS. MERAS INFERÊNCIAS. IMPOSSIBILIDADE. PREVALÊNCIA DO POSTULADO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA. ELEMENTOS PROBATÓRIOS QUE CONFIRMAM A TESE DEFENSIVA. IMPROCEDÊNCIA DAS IMPUTAÇÕES.

1. Processo administrativo disciplinar instaurado em desfavor de Desembargadora aposentada do TJAP, por suposto recebimento indevido de diárias durante sua atuação como Corregedora eleitoral.

2. (...)

7. No entanto, embora seja incontroversa a presença da magistrada em Macapá, a narrativa acusatória decorre de meras ilações sobre datas e horários aparentemente conflitantes para afirmar que a requerida não esteve presente nas cidades do interior, nem pernoitou naqueles municípios.

8. Como se sabe, porém, a persecução administrativa, tal como a penal, repele suposições ou juízos presuntivos de culpabilidade em reverência ao imperativo constitucional da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF/1988), que só pode ser ilidido por meio de provas robustas e induvidosas em contrário.

9. Ciente, portanto, de que a Lei Maior não admite meras conjecturas, o que se colhe dos autos são substratos probatórios que corroboram a tese de que a magistrada teria conciliado o trabalho correcional no interior com os encargos institucionais assumidos em Macapá. Manifestação do TCU no mesmo sentido. Improcedência das imputações.

10. Prazo de conclusão do feito prorrogado retroativamente por mais dois períodos de 140 dias.(CNJ - PAD - Processo Administrativo Disciplinar - 0006548-36.2021.2.00.0000 - Rel. MAURO PEREIRA MARTINS - 17ª Sessão Ordinária de 2023 - julgado em 14/11/2023 ).

 

Destaca-se, por fim, que o entendimento aqui exposto restringe-se unicamente à presente hipótese. Deve, portanto, o CNJ debruçar-se novamente sobre eventuais novos casos concretos surgidos após este julgamento.

                    Não vislumbro, com o máximo respeito ao voto do eminente Conselheiro, a partir do conjunto probatório produzido, porquanto, no meu entendimento, são meras ilações, que não autorizam a procedência do processo administrativo disciplinar instaurado contra o delegatário. 

Inexistentes provas concretas das imputações, voto pelo provimento do Recurso Administrativo, para absolver o delegatário Albert Danan e anular o acórdão questionado e a consequente imposição da penalidade de perda de delegação.

  

Conselheiro CAPUTO BASTOS



[1] https://www.cnj.jus.br/corregedoria/justica_aberta/?