Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0003642-39.2022.2.00.0000
Requerente: ALEX BRUNO PINTO MATTOS
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS - TJGO

 

 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS (TJGO). 57º CONCURSO PÚBLICO PARA JUIZ SUBSTITUTO. NULIDADE DA PRIMEIRA FASE DO CERTAME. QUESTÃO JÁ SUPERADA EM PROCEDIMENTOS ANTERIORES. ALEGAÇÕES DE IRREGULARIDADES NA SEGUNDA FASE DO CERTAME. NÃO CONHECIMENTO DE QUANTIDADE SUBSTANCIAL DE RECURSOS INTERPOSTOS POR CANDIDATOS CONTRA O RESULTADO PRELIMINAR DE PROVAS DISCURSIVAS. ERRO IMPUTÁVEL À ADMINISTRAÇÃO DO TRIBUNAL. CORREÇÃO DO VÍCIO PELO TRIBUNAL MEDIANTE ANULAÇÃO DAS FASES DE INTERPOSIÇÃO E JULGAMENTO DOS RECURSOS. AUTOTUTELA. MEDIDA QUE CONCRETIZA SATISFATORIAMENTE O PRINCÍPIO DA ISONOMIA. DESNECESSIDADE DE ANULAÇÃO DA SEGUNDA FASE. ALEGAÇÃO DE INSUFICIÊNCIA DO CONTEÚDO DOS ESPELHOS DE CORREÇÃO DAS PROVAS.  CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO DESVIRTUA A AMPLA CONCORRÊNCIA E O PRINCÍPIO DA ISONOMIA.


 ACÓRDÃO

O Conselho, decidiu, por unanimidade: (i) homologar a desistência da demanda em relação aos peticionários relacionados na petição de Id 4887862 (PCA n. 0003533-25.2022.2.00.0000); (ii) julgar improcedentes os PCAs n. 0003533-25.2022.2.00.0000, n. 0003869-29.2022.2.00.0000, n. 0003642-39.2022.2.00.0000 e n. 0004140-38.2022.2.00.0000; e (iii) determinar o encaminhamento de cópia do acórdão à presidência da Comissão Permanente de Eficiência Operacional, Infraestrutura e Gestão de Pessoas, para avaliação, nos termos do voto da Relatora. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário Virtual, 18 de novembro de 2022. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0003642-39.2022.2.00.0000
Requerente: ALEX BRUNO PINTO MATTOS
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS - TJGO


RELATÓRIO

 

Trata-se de Procedimentos de Controle Administrativo (PCA), com pedido liminar, propostos por DANILO FERRAZ DAHER DE ORNELLAS e outros (PCA n. 0003533-25.2022.2.00.0000), GLEYSON DA SILVA FRANCA (PCA n. 0003869-29.2022.2.00.0000), ALEX BRUNO PINTO MATTOS (PCA n. 0003642-39.2022.2.00.0000) e ANTONIO TADEU FRANCA COSTA FILHO e outros (PCA n. 0004140-38.2022.2.00.0000) em desfavor do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS (TJGO), no qual questionam aspectos relacionados ao 57º Concurso para Juiz Substituto do Estado de Goiás (Edital n. 1/2021).

Nos autos do PCA n. 0003533-25.2022.2.00.0000, os requerentes afirmam que são candidatos do referido certame e que foram aprovados para a sua segunda fase, composta por uma prova escrita discursiva contendo 10 (dez) questões e por provas de sentença cível e criminal.

Apontam uma série de irregularidades ocorridas entre a publicação do espelho de respostas da prova escrita discursiva e a fase de interposição e julgamento de recursos.

Alegam que a banca examinadora disponibilizou aos candidatos o espelho de respostas, com a abordagem esperada de cada questão da prova discursiva, sem assinalar, contudo, os critérios de pontuação de forma individualizada e sem detalhar a pontuação atribuída a cada tópico. Suscitam precedentes do STJ que reconheceram a necessidade de publicação dos espelhos das provas escritas e definiram seu conteúdo mínimo.

Afirmam que a divulgação do espelho sem esses elementos viola a Lei Estadual n. 19.587/2017, que estabelece normas gerais para a realização de concursos públicos na Administração Pública direta e indireta do Estado de Goiás.

Mencionam decisão deste Conselho (PCA n. 0006497-25.2021.2.00.0000) que reconheceu a aplicabilidade de lei do Estado do Rio de Janeiro (Lei Estadual n. 1.919/1991), segundo a qual é obrigatória a divulgação dos critérios de correção de prova.

Prosseguem afirmando que, em 27/5/2021, a Banca Examinadora alterou a forma de interposição dos recursos que, pela redação original do edital, deveriam ser apresentados em meio físico e em duas peças: uma com a petição de interposição, na qual candidato deveria se identificar, e outra com as razões do recurso, esta última sem qualquer dado identificador.

Esclarecem que, com a alteração, os candidatos foram orientados a digitalizar os recursos e encaminhá-los por e-mail para o endereço div.atend.judicial@tjgoias.jus.br.

Aduzem que, mais tarde, em 4/5/2022, dia imediatamente anterior à abertura do prazo recursal, foi publicado comunicado indicando que os recursos deveriam ser enviados ao e-mail “constando o número de inscrição do(a) candidato(a)”, sendo expressamente vedada a inclusão de “identificação pessoal por nome, documento etc”.

Salientam que a alteração sobre o modo de interposição dos recursos gerou dúvidas objetivas entre os candidatos, pois não foi acompanhada de diretrizes claras, específicas e pormenorizadas sobre como o recurso deveria ser encaminhado.

Informam que, diante das dúvidas, vários candidatos enviaram e-mails ao endereço institucional indicado no edital de retificação (div.atend.judicial@tjgo.jus.br), tendo obtido como resposta da Comissão Examinadora orientação expressa no sentido de que o número de inscrição deveria ser obrigatoriamente informado tanto na peça de interposição quanto nas razões recursais, informação que, segundo afirmam, foi posteriormente confirmada em contato telefônico por servidora de nome Marilza.

Esclarecem que a referida diretriz foi repassada em grupos de Whatsapp nos quais os candidatos se organizaram para troca de informações sobre o certame.

Sinalizam que, em seguida, do total de 1.352 recursos interpostos, 531 não foram conhecidos em virtude da inclusão do número de inscrição nas razões recursais, o que representa 39,27% do total de recursos.

Ponderam que que os candidatos, ao anotarem seus números de inscrição também nas razões recursais, agiram acreditando que jamais lhes seria repassada uma diretriz equivocada pelos servidores que falavam em nome da comissão do concurso.

Nesse ponto, tecem considerações acerca da teoria da imputação volitiva, da boa-fé objetiva e da proibição de comportamentos contraditórios.

Alegam ainda outras irregularidades, resumidas da seguinte forma na petição inicial:

(i) A existência de recursos que tiveram a indicação do número de inscrição nas razões recursais e que foram conhecidos e providos, em clara violação ao princípio da impessoalidade;

(ii) A existência de recursos protocolados pela Banca Examinadora, mas não confirmados aos candidatos para seu acompanhamento, em clara violação da impessoalidade;

(iii) A existência de recursos que tiveram a peça de interposição desentranhada apenas após o recebimento do processo no gabinete do examinador, em clara violação ao princípio da impessoalidade, em razão da identificação dos candidatos por falha da Secretaria do Concurso;

(iv) A existência de recursos protocolados e não analisados em gabinete antes da divulgação da decisão, o que demonstra a quebra de isonomia, bem como de efetiva análise dos recursos e motivação das decisões;

(v) O julgamento subjetivo feito pela Banca Examinadora, com a utilização de padrões genéricos de decisão, em violação ao dever de motivação das decisões;

(vi) A ampliação ilegítima do espelho de correção no momento de julgamento dos recursos, em clara violação ao princípio da isonomia.

 

Em razão desse cenário, postulam a concessão de medida liminar para suspender a continuidade do concurso público, até que seja proferida decisão definitiva neste PCA.

No mérito, pedem a decretação da nulidade da segunda fase do certame, com a consequente reaplicação das provas discursivas e de sentença.

Subsidiariamente, pleiteiam a determinação de nova análise dos recursos não conhecidos ou, em último caso, que seja ordenada a publicação de novo espelho de respostas, desta feita com pontuações individualizadas para cada subitem questionado, a ser seguida da realização de nova correção de todas as provas.

Informações preliminares do TJGO sob o Id 4746944.

Em 17/6/2022, por reputar presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, deferi o pedido liminar para suspender o concurso (Id 4752784).

Mais tarde, em 7/7/2022, os requerentes vieram aos autos para informar suposto descumprimento da decisão liminar pelo TJGO (Id 4774617) Na petição, esclarecem que a Comissão de Seleção e Treinamento do TJGO deliberou pela invalidação, de ofício, dos atos relacionados à interposição e julgamento dos recursos ao resultado das provas escritas (discursivas e sentenças).

Em nova decisão, reiterei a suspensão do concurso e esclareci que o TJGO deveria se abster de praticar qualquer ato que caracterizasse impulsionamento do certame.

As candidatas Elaine Cristina Pereira (Id 4779657), Gabriela Fagundes Rockenbach e outros (Id 4780429) postularam o ingresso neste PCA como assistentes litisconsorciais dos requerentes.

Sob o Id 4790562, Marcella Sampaio Santos e outros candidatos aprovados nas provas discursiva e de sentença requereram a habilitação no feito como terceiros interessados, ocasião em que, contrapondo-se aos requerentes, defenderam a lisura do certame.

Em seguida, encampando as alegações formuladas pelos requerentes, o candidato João Paulo Bispo de Abreu e outros requereram o ingresso no feito como terceiros interessados (Id 4792770).

O TJGO prestou informações complementares no Ids 4797660 e 4802010.

No PCA n. 0003869-29.2022.2.00.0000, o requerente alega que, em certas localidades, candidatos realizaram as provas objetivas em horários diverso e com o uso de aparelhos celulares, devido à falta de energia elétrica em alguns locais de prova. 

 Impugna também a correção das provas discursivas. Alega que, quando da divulgação das notas das provas, não foi disponibilizado qualquer critério jurídico de correção utilizado pela banca examinadora, nem de proporcionalidade de pontuação atribuída à cada quesito da questão, limitando-se a comissão a mencionar a pontuação atribuída à questão da prova de forma genérica e abstrata.

Informações do TJGO no Id 4812650.

Candidatos aprovados nas provas discursiva e de sentenças solicitaram ingresso no feito como terceiros interessados (Id 4827416).

No PCA n. 0003642-39.2022.2.00.0000, por sua vez, o requerente questiona: (i) a ausência de disponibilização do padrão de resposta esperado das provas de sentença, o que impossibilitaria eventual recurso e (ii) a criação de distinção entre candidatos, ao se exigir a apresentação de recurso exclusivamente pela via presencial ou mediante procurador, o que privilegiaria os candidatos domiciliados na cidade de Goiânia/GO.   

Informações do TJGO no Id 4812732.

Por fim, no PCA n. 0004140-38.2022.2.00.0000, os requerentes alegam que, também nas provas de sentença cível e criminal, o TJGO não teria disponibilizado os critérios de correção. Aduzem que a banca veio a disponibilizar um padrão de respostas somente na noite anterior ao início do prazo de interposição dos recursos, sendo tal padrão genérico e sem a respectiva nota para cada item das sentenças.

Informações do TJGO no Id 4809145.

No dia 4/8/2022, proferi decisão reconsiderando a medida de urgência (PCA n. 0003533-25.2022.2.00.0000, Id 4808721) a fim de revogar a ordem de suspensão do 57º Concurso para Juiz Substituto do Estado de Goiás (Edital n. 1/2021); por consequência, autorizou-se que TJGO retomasse o certame, com a reabertura do prazo para apresentar recurso contra o resultado provisório das provas discursiva e de sentenças.

Contra essa decisão, os requerentes do PCA n. 0004140-38.2022.2.00.0000 interpuseram recurso administrativo (Id 4824159), com pedido liminar, no qual pretendiam fosse determinado ao TJGO a elaboração de novo padrão de respostas com a indicação dos critérios jurídicos objetivos de avaliação e respectiva pontuação a ser obtida em cada um deles.

O recurso não foi conhecido (Id 4874384), uma vez que, nos termos do art. 115, § 2º, do RICNJ, somente são passíveis de recurso as decisões terminativas, assim entendidas aquelas que põe fim ao processo.

O ingresso dos terceiros interessados foi deferido.

Os requerentes Gabriela Fagundes Rockenbach, Francisco, Gonçalves Saboia Neto, Deivisson Manoel de Lima e Bárbara Fernandes Barbalho informaram não possuir interesse em prosseguirem na condição de autores no presente feito, razão pela qual pugnaram pela homologação da desistência, com a respectiva exclusão dos seus nomes do feito (PCA n. 0003533-25.2022.2.00.0000, Id 4887862). 

 É o relatório.

 

 

Brasília, 21 de outubro de 2022.

 

 

Conselheira Salise Sanchotene

Relatora 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0003642-39.2022.2.00.0000
Requerente: ALEX BRUNO PINTO MATTOS
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS - TJGO

 


VOTO

  

Dada a identidade da matéria, passo a analisar em conjunto os PCAs n. 0003533-25.2022.2.00.0000, n. 0003869-29.2022.2.00.0000, n. 0003642-39.2022.2.00.0000 e n. 0004140-38.2022.2.00.0000.

Conforme relatado, no dia 17/6/2022, deferi medida liminar para suspender o 57º Concurso Público para Juiz Substituto do Estado de Goiás (PCA n. 0003533-25.2022.2.00.0000I, Id 4752784).

A ordem de suspensão do certame se baseou, sobretudo, na aparente vulneração aos princípios da isonomia e da proteção da confiança legítima, uma vez que aproximadamente 40% dos recursos interpostos contra o resultado preliminar das provas discursivas não havia sido conhecido em razão de erro imputável à própria administração do TJGO. Confira-se trecho da decisão:


Quanto à plausibilidade do direito, dentre as várias irregularidades narradas pelos requerentes, uma em particular chama a atenção: inúmeros recursos interpostos contra o resultado provisório das provas discursivas não foram sequer conhecidos em razão da inclusão do número de inscrição no corpo das razões recursais.

Ocorre que os candidatos foram expressamente orientados a assim proceder por servidores do próprio Tribunal. Confira-se, nesse ponto, o conteúdo de mensagem subscrita pela Secretaria da Comissão Examinadora do Concurso (Id 4742363 - Pág. 21) e enviada a partir de e-mail institucional do TJGO (concursos@tjgo.jus.br):

QUESTIONAMENTO DO CANDIDATO

RESPOSTA DO TJGO

  

  

Em outro e-mail, foi dito que “o número de inscrição deve constar no arquivo com a fundamentação do recurso para o relator poder ter acesso a prova pelo número”.

Ao que tudo indica, esse cenário, aliado à aparente falta de clareza nos atos que trataram da alteração na forma de interposição dos recursos, provocou inusitada situação em que quase 40% dos recursos interpostos contra o resultado preliminar das provas discursivas não foi conhecido pelo Tribunal em razão de alegada identificação dos candidatos.

O caso, de fato, parece ser de vulneração dos princípios que regem os concursos públicos, em especial do princípio da isonomia e da proteção da confiança legítima, já que parcela significativa dos candidatos não teve seus recursos apreciados em razão de erro imputável à própria administração do Tribunal.

 

Após essa decisão, consoante noticiado pelos requerentes do PCA n. 0003533-25.2022.2.00.0000 (Id 4774617), o TJGO, por iniciativa própria e no legítimo exercício da autotutela administrativa, entendeu por bem decretar a nulidade dos atos relacionados à interposição e julgamento dos recursos ao resultado das provas escritas (discursiva e de sentenças). Nas informações de Id 4776906, o tribunal indicou a intenção de reabrir os prazos para vista das provas e interposição de recursos, o que efetivamente foi feito com a publicação do documento de n. 41 (Comunicado - Retomada do Concurso) na página de acompanhamento do certame.[1]

Nesse contexto, considerada a substancial alteração no quadro fático-processual, entendi que o caso era de revogação da decisão liminar que ordenou a suspensão do certame. 

De fato, os candidatos antes prejudicados pelo não conhecimento de seus recursos tiveram, com a anulação das fases de interposição e julgamento dos recursos, plena possibilidade de se insurgirem novamente.

Essa nova possiblidade, a meu juízo, concretizou satisfatoriamente o princípio da isonomia, corrigindo o vício identificado na decisão liminar de modo proporcional e equânime. Por essa razão, me parece que a anulação de toda a segunda fase, com a reaplicação das provas discursivas e de sentença, é medida demasiado excessiva, sobretudo porque não existem evidências de desvio de finalidade ou indevido favorecimento de candidatos.  

Quanto à alegação de que os espelhos de correção fornecidos pelo TJGO seriam demasiadamente genéricos, não se pode ignorar que o CNJ, até pouco tempo, possuía jurisprudência pacífica e iterativa no sentido de que não seria sequer necessária a divulgação de espelhos de correção nos concursos para a magistratura.

Após análise pormenorizada do histórico da jurisprudência desta Casa, verificou-se serem inúmeros os precedentes que, ao menos desde o ano de 2007, vinham validando esse posicionamento.

Cito os seguintes julgados a título exemplificativo: PCA n. 0004003-61.2019.2.00.0000, Relator: Márcio Schiefler Fontes, 52ª Sessão Virtual, julgado em 20/9/2019; PCA n. 0001121-29.2019.2.00.0000, Relator: Arnaldo Hossepian, 47ª Sessão Virtual, julgado em 31/5/2019; PCA n. 0007173-12.2017.2.00.0000, Relator: Valtércio de Oliveira, 272ª Sessão Ordinária, julgado em 22/5/2018; PCA n. 0007693-45.2012.2.00.0000, Rel. Ney José de Freitas, 173ª Sessão Ordinária, julgado em 06/08/2013; PCA n. 0005849-94.2011.2.00.0000, Rel. Neves Amorim,154ª Sessão Ordinária - julgado em 18/09/2012; PP n. 0006218-25.2010.2.00.0000 - Rel. Jefferson Luis Kravchychyn - 115ª Sessão Ordinária - julgado em 19/10/2010; PCA n. 318 - Rel. Alexandre de Moraes - 35 - julgado em 27/02/2007; PCA n. 0000770-76.2007.2.00.0000 - Rel. Mairan Gonçalves Maia Júnior - 49ª Sessão Ordinária - julgado em 09/10/2007).

Apenas mais recentemente, em 19/10/2021, nos autos do PCA n. 0006497-25.2021.2.00.0000, o CNJ sinalizou possível mudança de orientação a fim de assentar a necessidade de divulgação dos espelhos de prova.

O edital inaugural do concurso do TJGO, porém, foi publicado no dia 14/5/2021. Ou seja, é anterior a essa decisão, de modo que não seria possível para a Corte Goiana antever a repentina mudança de entendimento já há muito consolidado, sendo certo que o edital inaugural não previu a publicação dos espelhos com padrão de respostas detalhado, o que só foi impugnado pelos requerentes após obtenção de resultado desfavorável na prova escrita.

Além disso, ainda não há clareza quanto ao conteúdo que deve obrigatoriamente constar dos espelhos de correção, uma vez que a matéria, nesse particular, persiste sem regulamentação por parte do CNJ. Assinalo, por oportuno, que o PCA n. 0006497-25.2021.2.00.0000 tratou unicamente de concurso lançado pelo TJRJ, no qual não houve a publicação qualquer espelho, não tendo este Conselho avançado quanto ao conteúdo mínimo dos padrões de resposta e de correção.  

No caso concreto, por outro lado, verifico ser incontroverso que o TJGO divulgou espelhos de correção, embora, efetivamente, sem referência à pontuação atribuída a cada item avaliado e sem o detalhamento desejado pelos requerentes.

Assim, tenho que não se pode perder de vista, a essa altura, que o TJGO divulgou espelhos delineando as respostas esperadas, o que permitiu o conhecimento do posicionamento da banca e a interposição de recursos, bem como que todos se submeteram ao mesmo sistema de correção, preservando, assim, o primado da ampla concorrência e a necessária isonomia entre os candidatos.

O mesmo raciocínio se aplica aos espelhos de correção das provas de sentença cível e criminal, questionados por candidatos nos PCAs n. 0004140-38.2022.2.00.0000 e n. 0003642-39.2022.2.00.0000.

Alega-se ainda violação à lei goiana de n. 19.587/2017, que estabelece normas gerais para a realização de concursos públicos no âmbito da Administração Pública estadual e prevê, entre diversas outras determinações, a divulgação de espelho e padrão de resposta em que constem (i) os tópicos de abordagem necessária, (ii) os critérios de atribuição da nota final e (iii) as razões da perda de pontos pelo candidato (art. 53, I, II e III). O art. 1º da mencionada lei estabelece o seu âmbito de incidência:  

 

Art. 1º Esta Lei regulamenta o art. 92, inciso II, da Constituição Estadual, com a finalidade de estabelecer normas gerais para a realização de concursos públicos no âmbito da Administração Pública do Estado de Goiás.

Parágrafo único. Subordinam-se ao regime desta Lei os concursos públicos para a investidura em cargos públicos civis e militares e empregos públicos dos órgãos da Administração direta do Estado de Goiás, suas autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, e as demais entidades por ele controladas direta ou indiretamente.

 

Nesse ponto, em que pese a judiciosa argumentação desenvolvida pelos requerentes, entendo que a referida lei não se aplica aos concursos públicos para ingresso na magistratura.

Com efeito, a magistratura possui como peculiaridade o seu caráter unitário e nacional. Nas palavras do Ministro Gilmar Mendes, “o caráter unitário da magistratura nacional, determinado pela Constituição de 1988, sujeita todos os magistrados (federais e estaduais, da justiça comum e da justiça especializada) a princípios e normas que devem ser as mesmas para todos, de modo a preservar sua unidade sistêmica”.[2]

Dessa característica decorre que os concursos para ingresso na carreira da magistratura, em todos os ramos do Poder Judiciário nacional, devem ser pautados pelas mesmas regras. Interpretação em sentido contrário afasta a coerência do sistema. Aliás, o intuito uniformizador do tratamento consta expressamente dos “considerandos” da Resolução CNJ n. 75/2009, ato normativo que tratou da matéria de forma pormenorizada. Veja-se:

 

CONSIDERANDO que, nos termos do art. 103-B, § 4º, inciso I, da Constituição da República, compete ao Conselho Nacional de Justiça zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências;

CONSIDERANDO que o ingresso na magistratura brasileira ocorre mediante concurso público de provas e títulos, conforme o disposto no art. 93, inciso I, da Constituição da República, observados os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência;

CONSIDERANDO a multiplicidade de normas e procedimentos distintos por que se pautam os Tribunais brasileiros na realização de concursos para ingresso na magistratura, com frequentes impugnações na esfera administrativa e/ou jurisdicional que retardam ou comprometem o certame;

CONSIDERANDO a imperativa necessidade de editar normas destinadas a regulamentar e a uniformizar o procedimento e os critérios relacionados ao concurso de ingresso na carreira da magistratura do Poder Judiciário nacional,

(...)

 

Dessa forma, interpretando-se sistematicamente os dispositivos legais sobre a matéria, compreendo que o disposto na Lei Estadual n. 19.587/2017 reclama exegese restritiva, sendo forçoso concluir que sua aplicação se destina aos concursos públicos em geral realizados no Estado de Goiás, mas não abrange os concursos públicos para ingresso na magistratura, os quais, insista-se, são tratados de maneira uniforme pela Resolução CNJ n. 75/2009.  

É pertinente registrar que a referida resolução tratou do tema de forma diversa, pois, em seu art. 48, caput, delegou aos tribunais a definição dos critérios de aplicação e de aferição da prova discursiva. Dessa forma, tratando-se de regra especial, pois voltada especificamente aos concursos da magistratura, deve prevalecer em relação à regra geral prevista na legislação estadual.

Convém esclarecer, quanto a esse aspecto, que o caso sob análise é distinto daquele apreciado nos autos do PCA n. 0006497-25.2021.2.00.0000, no qual se reconheceu a aplicabilidade da Lei Estadual n. 1.919/1991 ao XLVIII Concurso Público para Ingresso no Cargo de Juiz Substituto do TJRJ.

A decisão, na ocasião, levou em consideração a redação da Lei Estadual n. 1.919/1991, que, em seu at. 1º, determina de forma incisiva que “toda entidade pública ou privada, responsável pela organização de Concursos Públicos, obrigada a, no prazo de até 10 (dez) dias, divulgar o gabarito da prova”.

Entendeu-se, na espécie, que o CNJ não estaria autorizado a afastar a incidência da lei, sob pena de indevido exercício do controle de constitucionalidade, nos moldes da Súmula Vinculante n. 10.

No presente caso, todavia, cuida-se simplesmente de conferir interpretação restritiva à lei estadual, dentro dos limites semânticos de seu texto, o que não se confunde com o controle de constitucionalidade. Trata-se, na realidade, de simples ponderação do enunciado legislativo em relação à sua órbita de incidência, o que se insere não no campo do controle de constitucionalidade, mas sim na esfera da interpretação da lei e da correta subsunção dos fatos (realização de concurso para magistratura) à norma (Resolução CNJ n. 75/2009).

Além disso, no caso do concurso do TJRJ, como já mencionado, não houve sequer divulgação de espelhos de prova, situação diversa da ora tratada, na qual questiona-se o conteúdo dos espelhos divulgados.

Quanto ao PCA n. 0003869-29.2022.2.00.0000, tem-se que não merece ser conhecido na parte em que questiona a higidez da aplicação da prova objetiva (alegação de que candidatos realizaram as provas objetivas em horários diverso e com o uso de aparelhos celulares, devido à falta de energia elétrica em alguns locais de prova).

E isso porque tais fatos já foram devidamente esclarecidos, em definitivo, nos autos dos PCAs n. 0007424-88.2021.2.00.0000, n. 0007427-43.2021.2.00.0000 e n. 0007584-16.2021.2.00.0000. Reproduzo, no trecho que aqui nos interessa, decisão da então Conselheira Tânia Regina Silva Reckziegel:

 

(...) verifica-se do acervo probatório que, após o fechamento dos portões, os(as) candidatos(as) devidamente identificados(as), foram encaminhados(as) até as respectivas salas de prova e tiveram seus equipamentos eletrônicos lacrados. Antes da distribuição dos cadernos de questões, autorizou-se a alguns(as) o acesso aos celulares para que pudessem remarcar seus voos e avisar parentes sobre o possível atraso decorrente da queda de energia, sempre sob a supervisão dos fiscais e coordenadores. Em seguida, os aparelhos foram novamente lacrados, antes da entrega dos cadernos com as questões de prova.

Esclareço que o uso de celular foi devidamente autorizado pela banca, com o objetivo específico de os(as) candidatos(as) comunicarem-se com companhias aéreas e familiares diante de contexto inesperado, mas sempre sob a supervisão dos(as) fiscais que em seguida lacraram novamente os aparelhos.

Ao analisar detidamente os autos, não verifico indícios de violação às regras do edital, porquanto o uso do aparelho celular se deu de forma excepcional, antes da distribuição do caderno de provas, sem causar qualquer prejuízo aos(às) candidatos ou mesmo violação à lisura do certame.

Sobre o tão propalado uso de celular, pronunciou-se esta Casa, em circunstância semelhante, que a simples entrega do cartão de resposta não seria capaz de revelar o conteúdo das questões, não constituindo justificativa para caracterizar nulidade apta a suspender o andamento do certame. Vejamos:

(...)

Imprescindível realçar o cumprimento do tempo de prova previsto no edital, inclusive com restituição do período em que os(as) concorrentes precisaram realizar a avaliação sob iluminação natural, primando pela equidade entre todos(as) os(as) participantes do certame.

Com efeito, houve a utilização do tempo previsto em edital, 5 horas, com compensação dos 35 minutos do tempo de prova realizada sob iluminação natural, tudo no intuito de preservar a isonomia e igualdade material entre os(as) concorrentes, com adoção do mesmo procedimento a todos(as) que estavam alocados na faculdade Delta. Seria totalmente descomedido considerar a situação de outros(as) concorrentes em outras instituições que não sofriam com os efeitos da falta de energia, sendo de todo proporcional e razoável a atuação da FCC. 

 

Já no PCA n. 0003642-39.2022.2.00.0000, conforme relatado, o requerente questiona a ausência de disponibilização de padrão de resposta das provas de sentença e a criação de distinção entre candidatos, ao se exigir a apresentação de recurso exclusivamente pela via presencial ou mediante procurador.

Observo, aqui, que os pedidos formulados pelo requerente perderam o objeto, uma vez o TJGO noticiou nos autos a divulgação dos padrões esperados de resposta (Id 4749387), bem como estabeleceu que os novos recursos deverão ser apresentados pela internet, no Protocolo Geral Eletrônico do tribunal (Id 4776906).

Tecidas essas considerações, observa-se que os pedidos formulados pelos requerentes e terceiros interessados não comportam acolhimento.

Por outro lado, entendo que é chegada a hora de este Conselho debater a pertinência de incluir critérios mais claros acerca da correção das provas discursiva e de sentença na Resolução n. 75/2009, uma vez que a matéria já foi objeto de inúmeras procedimentos neste Conselho e, mais recentemente, enfrentada em processos judiciais julgados pelo STJ sob a ótica dos princípios da transparência e da motivação dos atos administrativos (v.g.: RMS n. 56.639/RS; RMS n. 49.896/RS; RMS n. 58.373/RS). Por tal razão, entendo conveniente encaminhar o inteiro teor deste acórdão à Comissão Permanente de Eficiência Operacional, Infraestrutura e Gestão de Pessoas.

 

Diante do exposto:

 

(i)         homologo a desistência da demanda em relação aos peticionários relacionados na petição de Id 4887862 (PCA n. 0003533-25.2022.2.00.0000);

 

(ii)       julgo improcedentes os PCAs n. 0003533-25.2022.2.00.0000, n. 0003869-29.2022.2.00.0000, n. 0003642-39.2022.2.00.0000 e n. 0004140-38.2022.2.00.0000;

 

(iii)    determino à Secretaria Processual que encaminhe cópia deste acórdão, via sistema SEI, à presidência da Comissão Permanente de Eficiência Operacional, Infraestrutura e Gestão de Pessoas, para que avalie a pertinência de incluir critérios mais claros acerca da correção das provas discursiva e de sentença na Resolução n. 75/2009.

 

É como voto.

Intimem-se. Após, arquivem-se os autos.  

 

Brasília, 21 de outubro de 2022.

 

 

Conselheira Salise Sanchotene

Relatora

 

 

 

 


 

[1] https://www.tjgo.jus.br/index.php/juiz-substituto

[2]ADI 3854, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 07/12/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-023. DIVULG. 05-02-2021. PUBLIC. 08-02-2021.