Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0000346-09.2022.2.00.0000
Requerente: FABRICIO FERREIRA OLIVEIRA
Requerido: CENTRO BRASILEIRO DE PESQUISA EM AVALIACAO E SELECAO E DE PROMOCAO DE EVENTOS - CEBRASPE e outros

 

 

RECURSO ADMINISTRATIVO. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (TJRJ). CONCURSO PÚBLICO PARA O PROVIMENTO DE VAGAS E FORMAÇÃO DE CADASTRO DE RESERVA EM CARGOS DE ANALISTA JUDICIÁRIO. RESOLUÇÃO CNJ N. 203/2015. COTAS RACIAIS. UNIVERSO DE PROVAS DISCURSIVAS DE CANDIDATOS COTISTAS A SEREM CORRIGIDAS. INTERPRETAÇÃO ADOTADA PELO TJRJ QUE POSSUI AMPARO EM EXEGESE RAZOÁVEL DA LEGISLAÇÃO APLICÁVEL À ESPÉCIE E QUE TEM SIDO REFERENDADA PELO PODER JUDICIÁRIO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE FLAGRANTE. INVIABILIDADE DE INTERVENÇÃO DO CNJ. 

1. Pretensão de ampliação do universo de provas discursivas de candidatos negros a serem corrigidas, mediante elaboração da lista de cotistas sem o cômputo de candidatos que obtiveram pontuação suficiente na prova objetiva para figurar na lista de ampla concorrência.

2. A política de cotas raciais, instituída por este Conselho por meio da Resolução n. 203/2015, apresenta como objetivo primário o efetivo preenchimento das vagas disponibilizadas aos candidatos negros, e não sua mera figuração nas fases do concurso. Precedente.

3. A interpretação adotada pelo TJRJ possui amparo em exegese razoável da legislação aplicável à espécie e tem sido referendada pelo Poder Judiciário, o que denota ausência de flagrante ilegalidade apta a desafiar a excepcional intervenção do CNJ. Prestígio à autonomia administrativa do tribunal para a condução do certame.

4. Recurso conhecido e desprovido.

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 12 de agosto de 2022. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0000346-09.2022.2.00.0000
Requerente: FABRICIO FERREIRA OLIVEIRA
Requerido: CENTRO BRASILEIRO DE PESQUISA EM AVALIACAO E SELECAO E DE PROMOCAO DE EVENTOS - CEBRASPE e outros


 

RELATÓRIO

 

Trata-se de recurso administrativo interposto por FABRICIO FERREIRA OLIVEIRA (requerente) contra decisão monocrática que julgou improcedente o pedido e determinou o arquivamento do feito (Id 4628129).

Em sua petição inicial, o recorrente questiona aspectos relacionados à reserva de vagas a candidatos negros e indígenas no LXI Concurso Público para o Provimento de Vagas e a Formação de Cadastro de Reserva em Cargos de Analista Judiciário do TJRJ (Edital n. 1/2020).

 

Por bem resumir a controvérsia, transcrevo o relatório da decisão recorrida (Id 4628129):

 

Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo (PCA), com pedido liminar, proposto por Fabricio Ferreira Oliveira em desfavor do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) e do Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos (CEBRASPE), no qual questiona aspectos relacionados à reserva de vagas a candidatos negros e indígenas no LXI Concurso Público para o Provimento de Vagas e a Formação de Cadastro de Reserva em Cargos de Analista Judiciário do TJRJ (Edital n. 1/2020).

O requerente sustenta ser ilegal o procedimento adotado pela banca examinadora para a definição da quantidade de provas discursivas de candidatos cotistas a serem corrigidas.

Aduz, para tanto, que não foi observada a regra do subitem 6.8.4.2 do edital do certame e as leis e atos normativos correlatos, que dispõem que os candidatos negros ou indígenas aprovados dentro do número de vagas de ampla concorrência não serão computados para efeito de preenchimento das vagas reservadas aos candidatos negros ou indígenas.

Defende ser necessária a retificação do resultado preliminar da correção das provas discursivas, para que não seja computado o número de candidatos negros ou indígenas que estão aprovados nas vagas ofertadas para ampla concorrência, com a inclusão de mais candidatos cotistas na correção dessas provas.

Salienta que o STF entendeu pela constitucionalidade das disposições da Lei n. 12.990/2014, que trata das cotas para negros e pardos nos concursos públicos ao julgar a ADC n. 41, ocasião na qual determinou que os percentuais de reserva de vagas devem ser observados em todas as fases do concurso.

Ao final, formula o seguinte pedido:

“DO PEDIDO Ante todo o exposto, requer ao Conselho Nacional de Justiça sejam apurados os fatos acima narrados, instaurando-se o competente processo legal administrativo para providencias urgentes e imediatas cabíveis e previstas em lei para a espécie, no sentido de fazer valer a Legislação de Cotas para o Concurso Público de Analista do TJ/RJ. Notificar o TJ/RJ e Banca Organizadora (CEBRASPE) ara que promovam retificação no Resultado Preliminar da Correção das Provas Discursivas, com a inclusão do número de candidatos cotistas, conforme vagas previstas no Edital, não computando o número de candidatos aprovados na Ampla Concorrência, em respeito à Legislação em vigor, Resolução do CNJ, regras do próprio Edital e Jurisprudência do SFT (ADC 41).”

O CEBRASPE prestou informações sob o Id. 4618357. Sustenta, em resumo, que: (i) conforme previsão legal e editalícia, os candidatos negros ou indígenas concorrem concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com a sua classificação no concurso, razão pela qual constam tanto da lista dos aprovados dentro do número de vagas da ampla concorrência, como também da lista dos aprovados para as vagas reservadas às cotas, em todas as fases do concurso; (ii) pedido semelhante ao deduzido pelo requerente neste PCA foi julgado improcedente nos autos de ações populares e ações civis públicas; (iii) o procedimento adotado pela banca examinadora não diverge do art. 6º, § 2º, da Resolução CNJ n. 203/2015 e (iv) o número de vagas ofertadas no concurso, sobre o qual incide o percentual destinado às cotas, não se confunde com a posição definida para o corte na classificação da prova objetiva para se prosseguir no certame mediante a correção da prova discursiva (cláusula de barreira).

O TJRJ manifestou-se sob o Id. 4624934.

Afirma que o art. 6º da Resolução CNJ n. 203/2015 é expresso ao garantir aos candidatos negros a possibilidade de disputar concomitantemente as vagas a eles reservadas e às destinadas à ampla concorrência.

Isso significa, segundo afirma, que não é possível excluir da disputa por uma das vagas de cotas o candidato que, na primeira fase, atingiu pontuação que também o habilita para a ampla concorrência.

Assevera que, por questão de justiça, não pode o candidato que obteve bom desempenho na prova objetiva ser punido com a perda do direito de disputar as vagas reservadas em caso de eventual insucesso nas fases seguintes do certame.

Por fim, postula a improcedência do pedido. É o relatório     

Na decisão monocrática de Id 4628129, julguei improcedente o pedido, por não vislumbrar nos fatos narrados pelo requerente flagrante ilegalidade apta a desafiar a excepcional intervenção do CNJ, devendo ser prestigiada, no caso, a autonomia administrativa do tribunal para a condução do certame

 

Em suas razões recursais (Id 4635846), o recorrente, em linhas gerais, reitera as alegações constantes da petição inicial e pede, ao final, a reforma da decisão recorrida para determinar a retificação no Resultado Preliminar da Correção das Provas Discursivas, com a inclusão do número de candidatos cotistas, conforme vagas previstas no Edital, não computando o número de candidatos aprovados na Ampla Concorrência.

Instado a apresentar contrarrazões, o TJRJ se manifestou pelo desprovimento do recurso administrativo (Id 4678803)  

É o relatório.

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0000346-09.2022.2.00.0000
Requerente: FABRICIO FERREIRA OLIVEIRA
Requerido: CENTRO BRASILEIRO DE PESQUISA EM AVALIACAO E SELECAO E DE PROMOCAO DE EVENTOS - CEBRASPE e outros

 


 

VOTO

 

O recurso interposto atende aos requisitos do art. 115 do Regimento Interno do CNJ, razão pela qual dele conheço.

A decisão monocrática contra a qual se insurge a recorrente julgou improcedente o pedido, nos seguintes termos (Id 4628129):

 

Em que pese a densidade da tese defendida pelo requerente, fato é que a matéria vertida neste PCA é ainda controvertida e tem sido apreciada sob diferentes ângulos pelo Poder Judiciário.

Como bem esclarecido pelo CEBRASPE, há decisões proferidas em ações populares e ações civis públicas nas quais se entendeu, à luz da literalidade dos dispositivos que disciplinam a ação afirmativa em questão, pela impossibilidade de aplicação do entendimento defendido na petição inicial.

Para melhor compreensão da controvérsia, transcrevo o § 2º do art. 6º da Resolução CNJ n. 203/2015, ato normativo que regulamentou a matéria no âmbito do Poder Judiciário. Confira-se:

“Art. 6º Os candidatos negros concorrerão concomitantemente às vagas a eles reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com a sua classificação no concurso.

(...)

§ 2º Os candidatos negros aprovados dentro do número de vagas oferecido para ampla concorrência não serão computados para efeito do preenchimento das vagas reservadas a candidatos negros.

Convém observar que o dispositivo – ao determinar a exclusão de candidatos negros das vagas reservadas –, se refere aos candidatos aprovados. Daí ser plenamente defensível a conclusão no sentido de que a aprovação dentro de um determinado número de vagas pressupõe, de fato, o término do concurso.

Por bem analisar a controvérsia, transcrevo trecho da sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública n. 5019549-48.2018.4.04.7107, mencionada pelo CEBRASPE em suas informações (Id. 4618357), que analisou pretensão idêntica à formulada nestes autos em relação a concurso público para a Polícia Federal:

“(...) O caput é claro em aventar que os candidatos negros concorrem tanto às vagas da ampla concorrência, quanto às reservadas. O § 1º, por sua vez, que é peça chave no deslinde do feito, trata de um ponto específico: candidato negro aprovado dentro do número de vagas atinentes à ampla concorrência não gera consequência na lista de vagas reservadas, não tendo o condão de mitigar o número de aprovados às citadas vagas. Trazendo a regra para a hipótese em concreto, colhe-se que se um candidato negro, por exemplo, classificar-se em 1º lugar na lista geral, isso não gerará nenhuma consequência na lista de vagas reservadas. Ou seja, sendo 30 vagas direcionadas a candidatos negros, aquele que alcançou a primeira posição não influenciará em nada na classificação de 30 outros candidatos negros, já que seu ingresso é pela lista geral.

Ocorre que esta regra não guarda nenhuma relação com o número de provas discursivas a serem corrigidas. Não há confundir a referência a ‘candidatos negros aprovados dentro do número de vagas’ com eventual alusão ao cômputo total de provas a serem corrigidas, equivalentes a quatro vezes o número de vagas. Uma coisa é o legislador estipular que o ingresso de candidato negro que alcançou pontuação condizente com aprovação dentro do número de vagas da lista geral não deve influenciar quem ingressará nas vagas especificamente fixadas no edital (20% do total); outra totalmente diversa é adotar tal premissa como válida e impositiva para parâmetros alheios ao ponto regulado, como é o caso da aferição do número de provas a serem corrigidas para vagas reservadas a partir da colocação dos candidatos negros na lista geral (...)”.

Nesse contexto, não se monstra descabida a interpretação conferida pelo TJRJ no sentido de que “somente ao final do certame, quando da aprovação, é que ocorrerá a operação pretendida pelo Requerente” (id. 4624934).

O que se verifica é que o procedimento adotado pelo TJRJ possui amparo em exegese razoável da legislação aplicável à espécie e que tem sido referendada pelo Poder Judiciário.

Destaco, ainda, que o Plenário desta Casa já se debruçou sobre o tema nos autos do PCA n. 0008074-77.2017.2.00.0000, ocasião em que afastou, por unanimidade, pretensão semelhante à deduzida neste PCA. Veja-se:

“PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO DE VAGAS E FORMAÇÃO DE CADASTRO DE RESERVA DO QUADRO DE PESSOAL DA JUSTIÇA DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. IMPUGNAÇÃO DE EDITAL. COTAS RACIAIS. CONVOCAÇÃO PARA PROVA PRÁTICA DE DIGITAÇÃO. DISPOSITIVO QUE INCLUI CANDIDATOS NEGROS CONVOCADOS PELA LISTA DE AMPLA CONCORRÊNCIA NO CÔMPUTO DOS CANDIDATOS CONVOCADOS PELA LISTA DE COTISTAS. OBSERVÂNCIA DA RESOLUÇÃO CNJ Nº 203/2015. AUSÊNCIA DE RISCO PARA O EFETIVO PREENCHIMENTO DAS VAGAS OFERTADAS. (...) IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS.

(...) 2. Pretensão de ampliação da convocação de candidatos negros para a realização da prova prática de digitação, mediante elaboração da lista de cotistas sem o cômputo dos candidatos negros que obtiveram pontuação suficiente para figurar na lista de ampla concorrência.

3. A política de cotas raciais, instituída por este Conselho por meio da Resolução nº 203/2015, apresenta como objetivo primário o efetivo preenchimento das vagas disponibilizadas aos negros, e não sua mera figuração nas fases do concurso.

4. Não havendo risco para o efetivo preenchimento das vagas disponibilizadas aos candidatos negros, não há contrariedade aos mecanismos de ação afirmativa no Poder Judiciário, mormente quando o edital do concurso reproduz, no ponto, o texto da Resolução CNJ nº 203/2015. (...)

6. Improcedência dos pedidos.” (CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0008074-77.2017.2.00.0000 - Rel. HENRIQUE DE ALMEIDA ÁVILA - 33ª Sessão Virtual - julgado em 20/04/2018).

Nesse panorama, não vislumbro nos fatos narrados pelo requerente flagrante ilegalidade apta a desafiar a excepcional intervenção do CNJ, devendo ser prestigiada, no caso, a autonomia administrativa do tribunal para a condução do certame. Nesse sentido:

“RECURSO EM PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ. AUDIÊNCIAS DE REESCOLHA. AUTONOMIA ADMINISTRATIVA DOS TRIBUNAIS. INCOMPETÊNCIA DO CNJ PARA DIRIMIR DÚVIDA INTERPRETATIVA DE DISPOSIÇÃO EDITALÍCIA. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. PREVALÊNCIA DAS DISPOSIÇÕES EDITALÍCIAS. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (...)

III – Salvo flagrante ilegalidade, não compete ao Conselho Nacional de Justiça intervir no andamento do Concurso Público para dirimir dúvida interpretativa de disposição editalícia. (...)

VI – As razões recursais carecem de argumentos capazes de abalar os fundamentos da decisão combatida.

VII – Recurso conhecido e não provido.” (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0000372-41.2021.2.00.0000 - Rel. FLÁVIA PESSOA - 86ª Sessão Virtual - julgado em 14/05/2021).

Diante do exposto, com fundamento no art. 25, X, do RICNJ, julgo improcedente o pedido. Prejudicado o exame da medida liminar. 

 

É importante ressaltar que a reserva de vagas se insere na norma em uma perspectiva de que os candidatos negros, pelas históricas razões de desigualdade existentes na sociedade, seriam impulsionados a ingressar nos cargos públicos, preponderantemente, por meio da política asseguradora da igualdade material.

Desse modo, ainda que as listagens concomitantes fossem previstas desde a redação original da Resolução, situações como as ora apresentadas – em que os candidatos cotistas fossem também os mais bem colocados na ampla concorrência -, seriam, em tese, excepcionais.

Assim, foi preciso interpretar a Resolução diante de casos concretos trazidos ao CNJ, até que se firmou o seguinte a respeito da nomeação:


RECURSO ADMINISTRATIVO - PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. CONCURSO DA MAGISTRATURA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ. LIMITAÇÃO DO CADASTRO RESERVA. IMPOSSIBILIDADE. CANDIDATO OPTANTE PELO SISTEMA DE COTAS QUE LOGROU APROVAÇÃO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS OFERTADAS PELO TRIBUNAL. NECESSIDADE DE SUA EXCLUSÃO DA LISTA DE COTAS. NÃO COMPUTAÇÃO DE SUA NOMEAÇÃO NO PERCENTUAL DE 20% DAS VAGAS RESERVADAS AO SISTEMA DE COTAS DA RESOLUÇÃO CNJ 203/2105. RECURSOS CONHECIDOS E PROVIDOS.

1. Norma editalícia que limita o cadastro de reserva do concurso a apenas 48 candidatos constitui violação ao art. 10 da Resolução CNJ 75/09 que determina que serão considerados aprovados todos aqueles habilitados em todas as etapas do concurso.

2. De acordo com o art. 6º, § 2º, da Resolução CNJ nº 203/2015 e com o art. 3º, § 1º, da Lei nº 12.990/2014, o candidato negro, nomeado pela ordem de classificação na lista da ampla concorrência, porquanto concorre concomitantemente pela lista geral e pela lista de cotas, não entra no cômputo do percentual de 20% das vagas reservadas à política afirmativa para negros nos concursos públicos para ingresso nos cargos do Poder Judiciário.

3. Pedido de reforma da decisão na parte em que foi determinada a anulação da nomeação de candidato perdeu objeto, pois a medida não foi concretizada.

4. É incabível suscitar-se, após a prolação de decisão terminativa, matéria não questionada na inicial dos procedimentos.

5. Prejudicado o recurso administrativo interposto por José Sodré Ferreira Neto. Não conhecido o recurso administrativo de Ana Carolina Gomes Vilar Pimentel na parte em que impugna irregularidades ocorridas na fase de prova oral do concurso. Providos os demais Recursos Administrativos. (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0006108-79.2017.2.00.0000 - Rel. VALTÉRCIO DE OLIVEIRA - 271ª Sessão Ordinária - julgado em 08/05/2018 – grifo nosso).

 

Cabe salientar que, a respeito das fases do concurso, o Conselho Nacional de Justiça concedeu tutela, em sede liminar (2016), na linha do que defende a parte autora, por considerar que entendimento distinto poderia esvaziar o universo de candidatos negros no concurso para ingresso na magistratura, composto por várias etapas:

 

RATIFICAÇÃO DE MEDIDA LIMINAR. RESOLUÇÃO CNJ nº 203/2015. Determinação para que o TJDFT, ao proceder à elaboração da listagem dos candidatos classificados para cada uma das etapas do concurso, faça constar o candidato negro, que tenha pontuação suficiente para figurar na lista da ampla concorrência, das duas listagens (ampla concorrência e cotista), não o computando para o cálculo do percentual de 20% de negros, em cumprimento ao artigo 6º da Resolução CNJ nº 203/2015. (CNJ - ML – Medida Liminar em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0005149-79.2015.2.00.0000 - Rel. LELIO BENTES - 9ª Sessão Virtual - julgado em 22/03/2016).

 

Todavia, o precedente acima, de caráter precário, foi superado por posterior entendimento do Plenário ao apreciar o mérito do PCA n. 0008074-77.2017.2.00.0000, em 20 de abril de 2018. O voto condutor do acórdão lavrado no referido PCA didaticamente esclareceu a respeito das fases do concurso público:

A política de cotas raciais, instituída por este Conselho mediante a Resolução nº 203/2015, apresenta como seu objetivo primário o efetivo preenchimento das vagas disponibilizadas aos negros, e não sua mera figuração nas fases do concurso.

Para melhor visualização desse objetivo, destaco da Resolução nº 203 do CNJ três exigências fundamentais, todas se referindo às vagas do concurso, e não às fases do concurso:

(i) Reserva do percentual mínimo de 20% das vagas aos candidatos negros (art. 2º);

(ii) “Os candidatos negros concorrerão concomitantemente às vagas a eles reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com a sua classificação no concurso” (art. 6º, caput);

(iii) Os candidatos negros aprovados dentro do número de vagas oferecido para ampla concorrência não sejam computados para efeito do preenchimento das vagas reservadas a ele reservadas (art. 6º, § 2º)

Vê-se, portanto, que a Resolução nº 203 do CNJ preocupou-se com o efetivo preenchimento das vagas, e não se debruçou sobre o número de candidatos convocados para as próximas fases do concurso. (CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0008074-77.2017.2.00.0000 - Rel. HENRIQUE DE ALMEIDA ÁVILA - 33ª Sessão Virtual - julgado em 20/04/2018 – grifos no original).

 

Como se observa, não há razões para censurar a interpretação adotada pelo tribunal requerido. O posicionamento levado a efeito de nenhum modo desatente a ADC n. 41, pois a reserva de vagas foi efetivamente aplicada, a despeito de resultar em chamamento mais reduzido do que pretendeu a parte autora.

Ainda que, no caso concreto, a aplicação do precedente do CNJ tenha prejudicado o requerente, o art. 6º, caput, da Resolução CNJ n. 203/2015 determina, como fez o TJRJ, que o candidato seja mantido nas duas listagens (ampla concorrência e cotas) para que, ao final do concurso, em razão da nota final, seja aferida por qual das duas listas será nomeado.

Não se desconhece que em algumas situações práticas, a depender do número de vagas ofertadas, de etapas a transpor e do desempenho dos candidatos, distorções podem ser verificadas, subvertendo toda a lógica da ação afirmativa. Por essa razão, o Grupo de Trabalho Políticas Judiciárias sobre a Igualdade Racial no âmbito do Poder Judiciário (Portaria CNJ n. 108, de 8/7/2020) fez constar no relatório final de atividades:

 

Ainda como fruto da reunião pública e da análise dos memoriais recebidos, foi identificada a necessidade de se aperfeiçoarem dispositivos da Resolução CNJ n. 75/2009, que dispõe sobre concurso público para ingresso na carreira da magistratura em todos os ramos do Poder Judiciário nacional.

Destacou-se a premência de se dar efetividade à Resolução CNJ n. 203/2015, que dispõe sobre a reserva aos negros, no âmbito do Poder Judiciário, de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e de ingresso na magistratura. Seria o aprimoramento das regras para acesso às fases pelos candidatos, não apenas quanto à heteroidentificação, mas também viabilizando o acesso mais amplo ao certame. (CNJ. Relatório Grupo de Trabalho Políticas Judiciárias sobre a Igualdade Racial no âmbito do Poder Judiciário. 2020, p. 14)

 

Assim, na 349ª Sessão Ordinária, realizada em 19 de abril de 2022, o Plenário do Conselho Nacional de Justiça aprovou, por unanimidade, a supressão da cláusula de barreira para candidatos cotistas às demais etapas do certame, bastando, para prosseguimento nas fases vindouras, o atingimento da nota mínima, sem limitação acerca do quantitativo de pessoas convocadas.

Com a nova previsão, para além da ampliação do universo de candidatos cotistas convocados para as etapas subsequentes podendo concorrer entre si, verifica-se especial relevância no caso de concursos com poucas vagas. É que o parágrafo único do art. 7º da Resolução CNJ n. 203/2015 determina o remanejamento à ampla concorrência das vagas destinadas a candidatos cotistas que não sejam preenchidas, e, com o fim da cláusula de barreira, aumentam-se as possibilidades de a ação afirmativa ser efetivamente cumprida, sem necessidade de o dispositivo em comento ser invocado.

Como se nota, estivesse a previsão acima em vigor, o pedido da parte autora apresentaria amparo normativo. Todavia, o Conselho Nacional de Justiça realiza unicamente controle de legalidade, por expressa determinação constitucional, e o entendimento vigente à época do concurso era o sufragado no PCA 0008074-77.2017.2.00.0000, tal como adotado pelo requerido.     

Diante do exposto, nego provimento ao recurso administrativo e mantenho a decisão monocrática que julgou improcedente o pedido.

É como voto.

Intimem-se as partes.

Em seguida, arquivem-se os autos, independentemente de nova conclusão.

 

Brasília, 22 de junho de 2022.

 

 

 

Conselheira Salise Sanchotene

Relatora