Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0000022-87.2020.2.00.0000
Requerente: RODRIGO FILGUEIRA QUEIROZ
Requerido: VINICIUS CASTREQUINI BUFULIN

 

 

EMENTA

   

RECURSO ADMINISTRATIVO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. IMPUGNAÇÃO DE ATOS PRATICADOS NO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE JUDICANTE. AUSÊNCIA DE COMPETÊNCIA DO ÓRGÃO CORRECIONAL. DUPLICIDADE APURATÓRIA. NÃO CABIMENTO. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1 - A decisão de arquivamento foi proferida diante do entendimento de que os documentos juntados aos autos, aliados à apuração dos fatos na origem, eram suficientes para promover o arquivamento da reclamação disciplinar. Assim, a dispensa da juntada dos documentos requeridos pelo reclamante não configura, por si só, cerceamento de defesa.

2 - O Conselho Nacional de Justiça possui competência adstrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não podendo intervir em decisão judicial com o intuito de reformá-la ou invalidá-la. A revisão de ato judicial não se enquadra no âmbito das atribuições do CNJ, nos termos do art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal,

3 - Considerando que os fatos objeto deste expediente também foram apurados nos autos do Pedido de Providências n. 0010632-17.2020.00.0000, apensado aos presentes autos, não se infere a viabilidade de seu exame em ambos os expedientes.

4 - Recurso administrativo não provido.

 

A14/Z03/A10/Z02

 

 

 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por maioria, negou provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. Vencidos o Conselheiro Marcos Vinícius Jardim Rodrigues e os então Conselheiros Tânia Regina Silva Reckziegel, Candice L. Galvão Jobim e André Godinho, que davam provimento ao recurso. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 10 de junho de 2022. Votaram, na presente assentada, os Excelentíssimos Conselheiros Sidney Madruga e Mário Goulart Maia. Votaram, em assentada anterior, os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura (Relatora), Emmanoel Pereira (então Conselheiro), Luiz Fernando Tomasi Keppen (então Conselheiro), Rubens Canuto (então Conselheiro), Tânia Regina Silva Reckziegel (então Conselheira), Mário Guerreiro (então Conselheiro), Candice L. Galvão Jobim (então Conselheira), Flávia Pessoa (então Conselheira), Ivana Farina Navarrete Pena (então Conselheira), Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, André Godinho (então Conselheiro). Não votou o Excelentíssimo Conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0000022-87.2020.2.00.0000
Requerente: RODRIGO FILGUEIRA QUEIROZ
Requerido: VINICIUS CASTREQUINI BUFULIN


RELATÓRIO        

 

 

A EXMA. SRA. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORNACIONAL DE JUSTIÇA (Relatora):

Cuida-se de recurso administrativo apresentado pelo advogado RODRIGO FILGUEIRA QUEIROZ contra decisão proferida pelo então Corregedor Nacional de Justiça que, após a apuração dos fatos pela Corregedoria local, determinou o arquivamento de reclamação disciplinar formulada em desfavor de VINÍCIUS CASTREQUINI BUFULIN, Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Fernandópolis-SP.

 Na petição inicial, narrou o reclamante que é réu na Ação Penal n. 1001812-17.2019.8.26.0189, em trâmite no Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Fernandópolis-SP, na qual se apura o cometimento do crime de calúnia em petição escrita nos autos de mandado de segurança.

 De acordo com o reclamante, em contrariedade ao art. 313, I, do CPP, o juiz reclamado teria determinado sua prisão preventiva de maneira totalmente ilegal, em razão deste, em sua defesa, se negar a apresentar uma terceira peça de alegações finais.

 Sustentou que, “de forma assombrosa, o reclamado prendeu preventivamente o reclamante, no mesmo ato em que acolheu o pedido de renúncia da advogada dativa que o representava até então, determinando a nomeação posterior de outro advogado dativo para apresentar uma terceira peça de alegações finais, retirando do reclamante toda e qualquer chance de recorrer imediatamente contra o decreto ilegal de prisão, pois que o reclamado tratou de deixá-lo, no momento da prisão, sem nenhuma representação nos autos”.

 Dessa forma, entendeu ter havido “afronta ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório, relegando o reclamante ao inferno prisional sem possibilidade de combater o ato ilegal de prisão."

 Alegou que, “por conta dos reiterados indeferimentos de revogação da prisão, o reclamante passou a ser recambiado de camburão para diversas cidades do Estado de São Paulo, submetido a tratamento cruel e desumano ao bel prazer do reclamado, que nunca se ressentiu de afrontar a lei e a Constituição Federal. ”

 Ressaltou que, “ao tomar conhecimento que o reclamante estava sendo mantido em condições condignas na Delegacia de Guarani d’Oeste/SP, em alojamento adaptado para servir como Sala de Estado Maior, nos termos da ordem de prisão, o reclamado determinou ao Delegado respectivo que removesse o reclamante para o Presídio de Segurança Máxima de Riolândia/SP, o qual sabia não possuir a aludida Sala de Estado Maior, e posteriormente para o Presídio de Segurança Máxima de Presidente Venceslau/SP, onde foi humilhado e jogado, como animal, numa cela fétida, alimentado com comida pútrida, da qual se negou a comer, tendo passado fome e adquirido doenças mentais, respiratórias e fúngicas, em meio a convivência com condenados por crimes graves e violentos.”

 Requereu a apuração dos fatos narrados, com a instauração do competente processo administrativo disciplinar para aplicação da penalidade eventualmente cabível.

 Determinada a apuração dos fatos, a Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo proferiu decisão de arquivamento do expediente, nos termos do art. 9º da Resolução n. 135/2011, ao fundamento de que o magistrado reclamado não praticou qualquer falta disciplinar passível de abertura de processo administrativo disciplinar. Concluiu a Corregedoria local que, ao contrário do alegado, seria o reclamante quem realmente ofenderia e achincalharia a magistratura, com petições ofensivas e chulas, elaboradas com o objetivo de tumultuar a Ação Penal n. 1001812-17.2019.8.26.0189, na qual figura como réu (Id 3949309).

 Em decisão de Id 3952157, o então Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Humberto Martins, determinou o arquivamento do presente expediente por entender que a irresignação volta-se contra atos praticados no exercício da atividade judicante, o que não pode ser revisto no âmbito correcional (Id 3952157):

Da análise das informações prestadas pela Corregedoria local verifica-se que são satisfatórios os esclarecimentos, mormente porque o reclamante, por meio de expedientes que tumultuam o processo na origem, tenta agora utilizar-se da Corregedoria Nacional de Justiça para rever decisões judiciais devidamente fundamentadas e proferidas no pleno exercício da jurisdição, que não tem previsão legal.

O CNJ, cuja competência está restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não pode intervir em decisão judicial para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade, porquanto as matérias aqui tratadas não se inserem em nenhuma das previstas no art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal.

 

 Nas razões do recurso de Id 3998196, o recorrente alega que, após apresentação do relatório da Corregedoria local ao CNJ, pugnou pela juntada de cópia integral do procedimento que tramitou naquela Corregedoria e, após a prolação da decisão ora recorrida, pleiteou sua reconsideração, não havendo sido apreciados os pedidos formulados, o que caracteriza cerceamento de defesa.

 Aduz que, no bojo da ação penal a que responde por calúnia, houve sua remoção imotivada de uma sala de Estado Maior para o sistema penitenciário de celas comuns. Destaca que tal transferência se deu com a concordância e o endosso do magistrado reclamado, e que “a Cadeia Pública de Guarani Doeste oferece instalações que permitem a manutenção da prisão provisória de um advogado.”

 Ressalta que, mesmo após proferir a sentença condenatória em regime inicial semiaberto, foi mantida a prisão do reclamante em regime fechado, sem que o reclamado tenha sido intimado pessoalmente acerca da sentença condenatória, como determina o art. 392, I, do CPP.

 Afirma, outrossim, que não havia justificativa para a manutenção da sua prisão preventiva no sistema penitenciário de celas comuns ao argumento do reclamado de que poderia haver constrangimento do novo advogado dativo quanto à não apresentação de memorais, quando caberia apenas ter aplicado medida cautelar de fiança, proporcional ao fim que se buscava, qual seja, “para evitar a obstrução do andamento processual”. Assevera que, mesmo após a prisão atingir o seu objetivo com a apresentação de memoriais, o representado manteve a prisão preventiva do advogado até o esgotamento da instância.

 Salienta que “nenhum motivo plausível foi apresentado para justificar a prisão preventiva ou a remoção do advogado reclamante de uma sala de Estado-Maior (sua prerrogativa legal), para inseri-lo no sistema de celas comuns das penitenciárias do Estado de São Paulo, que sabidamente não possuem salas de Estado-Maior, quais sejam, as Penitenciárias de Riolândia e de Presidente Venceslau 2, o que dispensa maiores argumentações.”

 Sustenta, ainda, que o relatório da Corregedoria local não condiz com a realidade fática, que "menciona que o advogado reclamante teria sido denunciado pela prática de SEIS CRIMES DE CALÚNIA (fls. 2369), ALGO QUE NUNCA CONSTOU NOS AUTOS DA RESPECTIVA AÇÃO DE CALÚNIA, em que na realidade o advogado foi denunciado com base em DOIS CRIMES." Entende que as medidas de atuação do advogado, que foram consideradas ilegítimas e inapropriadas pela Corregedoria local, decorrem do direito de petição e estão previstas na legislação.

 Ao final, requer a reforma da decisão de arquivamento para que sejam apurados os dois fatos não enfrentados pela Corregedoria local: 1) “a ausência de representação processual do advogado reclamante no momento da prisão preventiva, quando o reclamado não apreciou o pedido expresso para habilitação do próprio advogado reclamante em autodefesa, em violação ao Art. 263 do CPP”; 2) “a ordem do juiz reclamado para que o advogado reclamante fosse removido, sem motivação, de uma sala de Estado-Maior para uma cela comum, em violação ao Art. 7º, V, da Lei 8.906/94.”

 Pleiteia, também, a expedição de ofícios ao Delegado de Polícia e à Secretaria de Administração Penitenciária visando à comprovação dos fatos alegados, bem como a juntada da cópia integral do procedimento que tramitou na Corregedoria local e, ao final, o provimento do recurso para que, afastando o arquivamento, seja dada continuidade às investigações, com a oitiva de testemunhas.

 Após a interposição do presente recurso, a Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo juntou aos autos acórdão proferido pelo Órgão Especial do TJSP que, por votação unânime, negou provimento ao recurso interposto contra a decisão de arquivamento proferida no âmbito local (Id 4063572).

 Em novo petitório (Id 4066302), o recorrente requereu a juntada de diversos documentos e alegou que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo não detém competência para julgar ou censurar a conduta profissional de advogados. Afirmou que tal competência é exclusiva da Ordem dos Advogados do Brasil, e que cabe a este Conselho Nacional de Justiça o devido respeito aos precedentes do Supremo Tribunal Federal, que, no julgamento da ADI 1.127, decidiu que “o controle das salas especiais para advogados é prerrogativa da administração forense”.

 Informou que o Ministério Público do Estado de São Paulo propôs, perante o Tribunal de Justiça, a instauração de procedimento investigatório por suposto crime de abuso de autoridade praticado contra o advogado reclamante, o que constitui indício suficiente para que a Corregedoria demonstre interesse em investigar o caso.

 Aduziu que, ao julgar o recurso interposto na origem, "além de atacar a honra deste advogado nos autos de um procedimento interno sigiloso, o TJSP, buscando levar seu posicionamento ao conhecimento público, tratou de divulgar na internet o inteiro teor da decisão difamatória", veiculando assim na imprensa documentos sigilosos da Corregedoria local, ofensivos à honra do advogado reclamante.

 Na sequência, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil  apresentou memoriais (Id 4066936), alegando que a prisão preventiva decretada ultrapassa a proporcionalidade, que eventual desvirtuamento no exercício da profissão deve ser analisado pela Entidade de Classe e que, caso o advogado deva ser recolhido à prisão antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, a Lei Federal n. 8.906/1994 (EAOAB) lhe confere o direito de acomodação em sala de Estado Maior, com instalações e comodidades que não atentem contra a dignidade da profissão.

 Na petição de Id 4103717, o recorrente requereu, com fulcro no art. 8º, III, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça, a propositura ao Plenário de instauração de Processo Administrativo Disciplinar contra o juiz reclamado, ao argumento de que existem indícios suficientes de infração.

 O Ministro Luiz Fux, Presidente do Conselho Nacional de Justiça no exercício cumulativo do cargo de Corregedor Nacional de Justiça, deferiu o ingresso do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil  na presente reclamação disciplinar na condição de terceiro interessado (Id 4098200).

 Contrarrazões juntadas sob o Id 4147882.

 Memoriais pelo recorrente colacionados no Id 4156865.

 No Id 4180624, o recorrente apresenta Relatório Final da Corregedoria da Polícia Civil do Estado de São Paulo.

 No Id 4206498, foram deferidos os pedidos de ingresso no feito, como amicus curiae, formulados pela Associação Paulista de Magistrados – APAMAGIS e pela Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás. E no Id 4223961, foi deferida a inclusão nos autos, como terceira interessada, da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de São Paulo, bem como no Id 4252275 da Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB.

 Na petição de Id 4229035, a OAB – GO, e na petição de Id 4228457, a OAB – SP requereram a juntada integral do procedimento que tramitou na Corregedoria local.

 Novos memoriais apresentados pelo recorrente no Id 4234675, bem como pela OAB – SP no Id 4239229.

 No Id 4249519, o recorrente alegou que foi a ele negado, bem como à OAB, o direito de acesso aos documentos que integram o procedimento disciplinar da corregedoria local. Na sequência, no Id 4249746, o recorrente pleiteou a suspensão do julgamento até que o TJSP prestasse informações ao CNJ nos autos do PP n. 0010632-17.2020.2.00.0000, por serem complementares às informações prestadas nesta RD.

 Em despacho de Id 4254703 foi esclarecido, em atenção a pedido de esclarecimentos do recorrente, que apresentou “certidão de registro automatizado de impedimentos” do STJ para julgamento na Ação Penal n. 971/DF, em que é parte ré o Desembargador Ricardo Mair Anafe, Corregedor-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, que:

"Ora, inicialmente, cumpre registrar que o Desembargador Ricardo Mair Anafe não é parte na presente reclamação disciplinar, tão somente atuando como Corregedor-Geral na apuração dos fatos narrados pelo reclamante, por delegação, encaminhando o resultado dos trabalhos a esta Corregedoria Nacional de Justiça.

Ressalte-se, ainda, que a mencionada ação foi distribuída livremente no Egrégio Superior Tribunal de Justiça, sendo a certidão de impedimento gerada automaticamente pela Coordenadoria de Processamento e Apoio a Julgamentos da Corte Especial, a partir da juntada de procuração aos autos.

Dessa forma, não havendo demonstração de grau de parentesco ou qualquer outro vínculo com o Desembargador Ricardo Mair Anafe, tampouco prova da existência das hipóteses insertas no artigo 144/CPC a gerar impedimento para a apreciação da presente reclamação por parte desta Corregedora Nacional, nada a prover neste particular."

 

 Em manifestação de Id 4266000, o magistrado Vinicius Castrequini Bufulin apresentou memoriais.

 No Id 4266763, consta certidão relativa a decisão proferida pelo insigne Ministro Dias Toffoli, do STF, que negou seguimento ao Habeas Data 124/DF, impetrado pelo ora recorrente.

 Novos memoriais do recorrente no Id 4267593, da OAB – SP, e da OAB – GO (Id 4268015), bem como do Conselho Federal da OAB (Id 4270722).

 No Id 4267995, constam informações da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, prestadas nos autos do PP n. 0010632-17.2020.2.00.0000.

 No despacho de Id 4272321, determinou-se a remessa dos autos à Presidência do CNJ para apreciação das questões de ordem suscitadas no Id 4249519 e no Id 4249717.

 No Id 4273755, o douto Ministro Luiz Fux, Presidente do Conselho Nacional de Justiça, proferiu decisão de nada a prover, consignando que “todas as questões levantadas pelo Recorrente são de inteiro conhecimento por parte dos Conselheiros, que possuem livre acesso aos autos liberados para julgamento, como é o caso desta Reclamação Disciplinar. Assim, são de conhecimento deles o teor do Relatório Final da Corregedoria da Polícia Civil do Estado de São Paulo (id 4180626), bem como o das informações prestadas pelo TJSP (id 4267593)".

 Posteriormente, não foram conhecidos pela Presidência do CNJ os embargos declaratórios (Id 4276878). Irresignado, o recorrente manejou recurso administrativo, tendo o eminente Ministro Luiz Fux esclarecido que “o Recurso Administrativo id 4283386 será analisado conjuntamente com o Recurso Administrativo id 3998196, quando da inclusão oportuna deste procedimento na pauta de julgamento da sessão ordinária do Plenário do CNJ” (Id 4307115).

 No Id 4343367, tendo em vista a necessidade de aguardar as diligências determinadas no PP n. 0010632-17.2020.2.00.0000, associado ao presente, foi determinada a suspensão do andamento do presente expediente.

 No Id 4536180, consta decisão proferida pelo eminente Ministro Dias Toffoli, que julgou prejudicado agravo regimental no Habeas Data 124/DF, negando seguimento ao writ. E no Id 4637469, consta decisão daquele Relator não conhecendo dos embargos de declaração opostos em seguida.

 Por fim, no Id 4538757, consta decisão prolatada pela douta Ministra Cármen Lúcia nos autos do Mandado de Segurança 37.675/DF, também impetrado pelo recorrente em face desta Corregedora sob alegação de cerceamento de defesa por “ocultação de documento”, tendo sido o writ indeferido ante a ausência de “demonstração de ato ilegal da autoridade impetrada e de direito líquido e certo do impetrante à obtenção da decisão administrativa na forma pleiteada.” O agravo regimental manejado na sequência foi improvido pela Primeira Turma do STF (Id 4657094).

É o relatório.

 

 

A14/Z03/A10/Z02

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0000022-87.2020.2.00.0000
Requerente: RODRIGO FILGUEIRA QUEIROZ
Requerido: VINICIUS CASTREQUINI BUFULIN

 


VOTO

 

De início, cumpre rechaçar a preliminar de cerceamento de defesa.

Com efeito, o recorrente narra que não foram apreciados seus pedidos de reconsideração da decisão de arquivamento e de expedição de ofício ao TJSP para o envio de cópia integral do procedimento disciplinar que lá formulou contra o magistrado reclamado. 

Ora, a decisão de arquivamento deste expediente foi proferida pelo então Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Humberto Martins, ao entendimento de que os documentos juntados aos autos, aliados à apuração dos fatos na origem, eram suficientes para promover o arquivamento da reclamação disciplinar. Assim, a dispensa da juntada dos aludidos documentos não configura, por si só, cerceamento de defesa.

E, com a interposição do presente recurso administrativo, resta prejudicado o pedido de reconsideração também formulado pelo recorrente.

No mérito, consoante relatado, pleiteia o recorrente a reforma da decisão de arquivamento, para que sejam apurados dois fatos que não teriam sido enfrentados pela Corregedoria local: 1) “a ausência de representação processual do advogado reclamante no momento da prisão preventiva, quando o reclamado não apreciou o pedido expresso para habilitação do próprio advogado reclamante em autodefesa, em violação ao Art. 263 do CPP”; 2) “a ordem do juiz reclamado para que o advogado reclamante fosse removido, sem motivação, de uma sala de Estado-Maior para uma cela comum, em violação ao Art. 7º, V, da Lei 8.906/94.”

Quanto ao primeiro fato, relacionado à suposta afronta ao artigo 263 do Código de Processo Penal, ante a “ausência de representação processual do advogado reclamante no momento da prisão preventiva, quando o reclamado não apreciou o pedido expresso para habilitação do próprio advogado reclamante em autodefesa”, pretende o recorrente a análise de matéria estritamente jurisdicional.

Ocorre, porém, que o exame de matéria jurisdicional não se enquadra no âmbito das atribuições deste Conselho (art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal), cuja competência está restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não podendo intervir em decisão judicial para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade. 

 A propósito, confiram-se: 

 

"RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. ALEGAÇÃO DE SUSPEIÇÃO. INDEFERIMENTO DE PROVAS E JUSTIÇA GRATUITA. QUESTÕES MERAMENTE JURISDICIONAIS. RECURSO DESPROVIDO. 

1. Alegação de suspeição em razão de suposta parcialidade deve ser realizada no bojo dos autos judiciais, mediante ato processual específico para a espécie. 

2. Magistrada que indeferiu provas e a concessão de justiça gratuita nos autos de ação trabalhista. Irresignação que se volta ao exame de matéria eminentemente jurisdicional, hipótese em que a parte prejudicada deve valer-se dos meios recursais próprios, não se cogitando atuação do CNJ. 

3. Recurso administrativo desprovido."  (CNJ – RA – Recurso Administrativo em RD – Reclamação Disciplinar – 0004381-85.2017.2.00.0000 – Rel. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA – 268ª Sessão Ordinária – j. 20/3/2018)

 

"RECURSO ADMINISTRATIVO. RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. DESVIO DE CONDUTA DO MAGISTRADO. NÃO OCORRÊNCIA. MATÉRIA JURISDICIONAL.

1. Não se verificam elementos probatórios mínimos de falta funcional da magistrada que justifiquem a instauração de procedimento disciplinar no âmbito desta Corregedoria.

2. Conforme assentado na decisão de arquivamento, nota-se que a irresignação do reclamante se refere a exame de matéria eminentemente jurisdicional. Em tais casos, deve a parte valer-se dos meios processuais adequados, não cabendo a intervenção do Conselho Nacional de Justiça.

3. O CNJ, cuja competência está restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não pode intervir em decisão judicial para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade, porquanto a matéria aqui tratada não se insere em nenhuma das previstas no art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal.

Recurso administrativo improvido.” (CNJ – RA – Recurso Administrativo em RD – Reclamação Disciplinar – 0009249-38.2019.2.00.0000 – Rel. HUMBERTO MARTINS – 70ª Sessão Virtual – julgado em 31/07/2020)

 

Do mesmo modo, a alegada desproporcionalidade do decreto de prisão preventiva, bem como sua suposta manutenção indevida após a apresentação dos memoriais e da prolação da sentença condenatória, são questões de natureza exclusivamente jurisdicional. Em casos tais, o interessado deve buscar os meios de impugnação previstos na legislação processual, não cabendo a intervenção desta Corregedoria Nacional de Justiça.

No mais, cumpre ainda ressaltar que a matéria relativa à regularidade do decreto de prisão preventiva do ora recorrente foi apreciada por este Conselho Nacional de Justiça, em definitivo, nos autos da RD n. 0004728-79.2021.00.0000, arquivada por envolver o exame de matéria jurisdicional.

A título de ilustração, cumpre trazer à baila a ementa do acórdão, proferido pelo Pleno do CNJ em 11/2/2022, que negou provimento ao recurso manejado contra o arquivamento do feito:

 

"RECURSO ADMINISTRATIVO. RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. PRETENSÃO DE REVISÃO DE ATO JURISDICIONAL. ART. 103-B, § 4º, DA CF. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO.


1. Inexistindo nas razões recursais qualquer elemento novo capaz de alterar o entendimento adotado, a decisão monocrática combatida deve ser mantida.


2. Os fatos narrados neste expediente referem-se a exame de matéria eminentemente jurisdicional, relacionada com a fundamentação jurídica adotada na decisão que decretou a prisão preventiva do advogado reclamante, nos autos da Ação Penal nº 1001812-17.2019.8.26.0189.


3. O Conselho Nacional de Justiça possui competência adstrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não podendo intervir em decisão judicial com o intuito de reformá-la ou invalidá-la. A revisão de ato judicial não se enquadra no âmbito das atribuições do CNJ, nos termos do art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal.


4. O magistrado não pode ser punido pelo teor de suas decisões, salvo as hipóteses de excesso de linguagem (art. 41 da LOMAN). 


5. Recurso conhecido, uma vez que tempestivo, mas a que, no mérito, nega-se provimento."

 

No que se refere à alegação de que houve ordem do magistrado reclamado para que o advogado reclamante fosse removido, sem motivação, de uma sala de Estado Maior para uma cela comum, trata-se de questão que é objeto de análise nos autos do Pedido de Providências n. 0010632-17.2020.00.0000, apensado aos presentes autos, no qual foi deferida a realização de diligências, determinando-se à Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo que providenciasse a inquirição de diversas testemunhas para melhor apuração dos fatos.

Dessa forma, considerando que o mencionado Pedido de Providências (a ser apreciado pelo Pleno deste CNJ na mesma sessão de julgamento do presente feito) trata de tese que também é objeto destes autos e que naquele feito houve uma apuração mais aprofundada dos fatos, aliada à análise acurada dos documentos e petições juntados ao presente, não se infere a viabilidade de seu exame em ambos os expedientes.

Nesse sentido, há muito se firmou no CNJ o entendimento de que "não cabe a este Conselho Nacional de Justiça, em sede de reclamação disciplinar, proceder a uma nova apuração dos mesmos fatos, não sendo admissível a duplicidade apuratória" (CNJ – RA – Recurso Administrativo em RD – Reclamação Disciplinar – 0005641-08.2014.2.00.0000 - Rel. Min. NANCY ANDRIGHI – 26ª Sessão (EXTRAORDINÁRIA) – j. 19/05/2015).

Ante o exposto, nego provimento ao recurso administrativo.

É como voto. 

 

MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA

 Corregedora Nacional de Justiça

 

A10/A14/Z03/Z02

 

 

 

VOTO DIVERGENTE

 

O Excelentíssimo Senhor Conselheiro Marcos Vinícius Jardim Rodrigues: Trata-se de Recurso Administrativo interposto por Rodrigo Filgueira Queiroz, em face da decisão monocrática da Corregedoria Nacional de Justiça que determinou o arquivamento de Reclamação Disciplinar, sob o argumento de que o Conselho Nacional de Justiça “não pode intervir em decisão judicial para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade”.

Na decisão recorrida (Id 3952157), o então Corregedor Nacional, Ministro Humberto Martins, assim consignou:

[... ] Da análise das informações prestadas pela Corregedoria local verifica-se que são satisfatórios os esclarecimentos, mormente porque o reclamante, por meio de expedientes que tumultuam o processo na origem, tenta agora utilizar-se da Corregedoria Nacional de Justiça para rever decisões judiciais devidamente fundamentadas e proferidas no pleno exercício da jurisdição, que não tem previsão legal.

 

Na mesma esteira, a atual Corregedora Nacional registra, em seu voto que ora divirjo, que a alegação constante desta Reclamação - no sentido de que teria havido “ordem do juiz reclamado para que o advogado reclamante fosse removido, sem motivação, de uma sala de Estado Maior para uma cela comum” - seria inverídica. 

Contudo, com a máxima vênia, penso que os fatos narrados merecem apuração mais acurada, pois conquanto a legalidade da prisão do advogado não contemple o objeto deste procedimento, a execução do decreto prisional demanda deliberação deste Colegiado, diante da notícia de malogro ao artigo 7º, inciso V, da Lei Federal nº 8.906/94.

 É que, conforme está no Inquérito Policial n. 1501714- 72.2019.8.26.0189 (Id 3986194), o juiz reclamado teria procedido à ciência e autorização para a remoção do Recorrente, advogado, da sala de Estado Maior, que teria direito, para cela comum, em frontal violação às prerrogativas da Advocacia Nacional.

No Id 4180626, consta Relatório Final da Corregedoria da Polícia Civil do Estado de São Paulo que reforça a hipótese de que o juiz recorrido tenha decidido sobre a remoção do advogado, ou, ao menos, tenha dela se inteirado antes que ocorresse. Transcrevo trecho:

[...]

Com relação ao requerido pelo advogado investigado em suas declarações, penso ser de todo descabido, valendo consignar que a autoridade policial somente cumpriu a ordem constante no mandado de prisão expedido em desfavor do requerente, cuja transferência à Penitenciária de Riolândia também foi precedida de ciência e endosso do magistrado expedidor do mandado, posto que a Cadeia Pública teve sua ordem tumultuada e segurança fragilizada ao custodiá-lo no interior da carceragem, porém, no alojamento dos Agentes Policiais (carcereiros), local improvisado como “sala de Estado-Maior”. Ademais, falece a este subscritor atribuição para aferição da conduta do ilustre magistrado, possuidor de foro por prerrogativa de função. Por fim, as investigações realizadas e os elementos de prova carreados ao bojo dos presentes autos não trouxeram sequer indício de qualquer ato de corrupção, ativa ou passiva, supostamente praticado pelo investigado Rodrigo Filgueira Queiroz e Agentes Policiais Ana e Roberto, respectivamente.

 

Assim, evidencia-se, no mínimo, a necessidade de esclarecimento dos fatos ora levantados, diante da contradição entre o que disse o delegado e o que defende o juiz recorrido, a demandar, como ressaltei, apuração mais delongada e aprofundada.

Importante ressaltar sobre a ilegalidade de detenção do advogado em cela comum, matéria pacificada na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.127, julgada pelo Supremo Tribunal Federal, na qual se reconheceu a constitucionalidade da referida prerrogativa profissional, de modo tal que os advogados serão recolhidos provisoriamente em Sala de Estado-Maior, resguardando-se sua integridade física e moral.

Não havendo disponível a Sala de Estado-Maior ou de instalação que cumpra seus requisitos, ao profissional deve ser concedida a prisão na modalidade Domiciliar, conforme se infere, por exemplo[1], da Reclamação 4.535/ES, relatada pelo Ministro Sepúlveda Pertence, em que se consignou:     

[...] 2. A decisão reclamada, fundada na inconstitucionalidade do art. 7, V, do Estatuto dos Advogados, indeferiu a transferência do reclamante - Advogado, preso preventivamente em cela da Polícia Federal, para sala de Estado Maior e, na falta desta, a concessão de prisão domiciliar. 3. No ponto, dissentiu do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal na ADIn 1127 (17.05.06, redator p/acórdão Ricardo Lewandowski), quando se julgou constitucional o art. 7, V, do Estatuto dos Advogados, na parte em que determina o recolhimento dos advogados em sala de Estado Maior e, na sua falta, em prisão domiciliar. 4. Reclamação julgada procedente para que o reclamante seja recolhido em prisão domiciliar - cujo local deverá ser especificado pelo Juízo reclamado -, salvo eventual transferência para sala de Estado Maior[2].

 

A Constituição Federal reconheceu a Advocacia como função essencial à Justiça e o advogado indispensável à sua Administração e, para o exercício de tal mister, o Estatuto da Advocacia brasileira (Lei n. 8.906/94) conferiu uma série de prerrogativas que precisam ser conhecidas e respeitadas pelos membros do Judiciário e pela sociedade.

Este Conselho Nacional de Justiça, ao longo de sua história, tem homenageado a advocacia com a devida distinção, não deixando desapercebidas as notícias de violações às prerrogativas profissionais dessa classe jurídica, de modo que penso ser pertinente a apuração adequada para que se possa declarar, com segurança, a ocorrência ou não de conduta irregular do recorrido, pois é certo que o recorrente jamais poderia ter sido removido para a cela comum do sistema penitenciário, mais ainda com sob o endosso do magistrado ora recorrido, razão pela qual, diante das contradições anteriormente apontadas, inclino-me a votar pela abertura de procedimento próprio.

Por fim, conquanto tenha se indicado que a situação revelada nesta RD tenha feições judiciais, a ser desafiada por impugnação prevista no ordenamento jurídico, o ato do magistrado não pode passar desapercebido, porquanto a independência funcional do recorrido no exercício de sua atividade jurisdicional não pode servir para prolação de decisões – ainda que verbais – teratológicas, conforme precedentes deste Conselho, in verbis:

 

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. REITERADA PROLAÇÃO DE DECISÕES TERATOLÓGICAS. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA IMPARCIALIDADE E DA PRUDÊNCIA, BEM COMO DO DEVER IMPOSTO NO ART. 35, I, DA LOMAN, E INCIDÊNCIA NAS INFRAÇÕES DESCRITAS NO ART. 56, I E III, SEGUNDA PARTE, DO MESMO DIPLOMA LEGAL.

A reiterada violação de deveres funcionais, por meio da prolação de decisões teratológicas, envolvendo a liberação de vultosas quantias, sem garantias consistentes, em desfavor de partes notoriamente solventes, revela a existência de dolo na atuação do magistrado acusado, consubstanciado na deliberada intenção de beneficiar, na solidão de qualquer razão de direito sustentável, um dos pólos da relação processual, o que, evidentemente, ultrapassa os limites da regular atuação judicante e passa ao campo da responsabilização disciplinar, caracterizando contumácia na prática de condutas incompatíveis a merecer punição.

O princípio da independência judicial não constitui manto de proteção absoluto do magistrado, capaz de afastar qualquer possibilidade de sua punição em razão das decisões que profere, e tampouco funciona como a cartola de mágico, da qual o juiz pode retirar, conforme seu exclusivo desejo, arbitrariamente, ilusões de direito. Ele é uma garantia do cidadão para assegurar julgamentos livres de pressões, mas de acordo com a lei e o direito.

Processo administrativo disciplinar julgado procedente para aplicar a pena de aposentadoria compulsória, com proventos proporcionais ao tempo de serviço, cuja execução, porém, fica suspensa se e enquanto ocorrer o cumprimento da pena imposta no PAD n. 0001460-03.2010.2.00.0000.

(CNJ - PAD - Processo Administrativo Disciplinar - 0004353-64.2010.2.00.0000 - Rel. Milton Augusto de Brito Nobre - 123ª Sessão - j. 29/03/2011). (Grifei).

 

Isso acontece porque o ato do magistrado tem consequências judiciais e administrativas. Nesse sentido é o entendimento doutrinário:

 

[...] Essa disputa doutrinária envolve não somente a definição do lugar da competência do CNJ na estrutura do Poder Judiciário e a extensão da discricionariedade administrativa dos tribunais, como exemplificamos, mas também os diferentes e antagônicos conceitos de “ato jurisdicional” e “ato administrativo”. Como distinguir, na prática, quando o ato praticado por um juiz possui natureza administrativa — e, portanto, enseja sua responsabilização administrativa e integra a esfera de competência do CNJ — e quando possui natureza jurisdicional — caso em que sua revisão é de competência dos tribunais superiores?

Na realidade, o que ocorre é que, por vezes, uma mesma conduta (o mesmo ato) pode configurar a hipótese de incidência de diferentes normas jurídicas, que prevejam diferentes consequências jurídicas (administrativas, penais, cíveis etc.) como sanção. Nesse sentido, um mesmo ato pode produzir efeitos jurídicos tanto no âmbito jurisdicional quanto no âmbito administrativo.

A diferença entre ato administrativo e ato jurisdicional não decorre, portanto, da essência do ato, mas da maneira pela qual decidimos analisar esse ato. São apenas diferentes perspectivas para se observar o mesmo objeto.[3]

 

Dessa forma, a circunstância de ter sido o ato praticado no bojo de um processo judicial não tem o condão de impossibilitar a instauração de procedimento disciplinar em face de magistrado para apurar as possíveis irregularidades apontadas.

 

Dispositivo

Ante o exposto, pedindo vênia à e. Ministra Corregedora, voto pelo provimento do recurso para, reformando a decisão de arquivamento - uma vez demonstrados os indícios de infração disciplinar face o cometimento de atos ilegais envolvendo o cumprimento de prisão de advogado e sua remoção de Sala de Estado Maior para cela comum -, julgar parcialmente procedente a Reclamação Disciplinar, determinar a instauração de procedimento disciplinar em face do juiz VINICIUS CASTREQUINI BUFULIN.

É o voto que submeto ao Plenário.

 

Brasília, 04 de fevereiro de 2021.

 

 

Conselheiro Marcos Vinícius Jardim Rodrigues

 



[1] Há outros vários precedentes, recentes e mais erados, sobre a substituição – quando ausente a sala de Estado-Maior – da prisão por prisão domiciliar: Rcl 14.921 MC/RS, Rel. Min. Celso de Mello; Rcl 12.922MC/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes; e Rcl 8.853/GO, Rel. Min. Cármen Lúcia; HC 123391, Rel. Min. Gilmar Mendes.

[2] A título de esclarecimento, por Estado-Maior, entende-se grupo de oficiais que assessoram o comandante de uma organização militar: Exército, Marinha, Aeronáutica, Corpo de Bombeiros e Polícia Militar. Portanto, a sala de Estado-Maior é o local de qualquer unidade militar que, ainda que potencialmente, possa por eles ser utilizado para exercer suas funções. Um traço distintivo entre uma cela comum e uma sala de Estado-Maior é a finalidade delas: o aprisionamento de alguém na primeira que, por isso, geralmente contém grades, enquanto que a sala apenas ocasionalmente é destinada para esse fim.

[3] O controle da administração judicial. Autor(es): Falcão, Joaquim. Lennertz, Marcelo. Rangel, Tânia Abrão. Data de publicação: 2009. Fonte: Revista de Direito Administrativo: RDA, Belo Horizonte, n. 250, jan./abr. 2009.

 

O CONSELHEIRO RUBENS CANUTO (VOTO VISTA):

 

Trata-se de Recurso Administrativo contra decisão proferida pela Corregedoria Nacional de Justiça que determinou o arquivamento de Reclamação Disciplinar formulada pelo Advogado Rodrigo Filgueira Queiroz em desfavor do Juiz Vinícius Castrequini Bufulin, da 2ª Vara Criminal da Comarca de Fernandópolis-SP, sob o fundamento de que as condutas imputadas ao magistrado foram praticadas no exercício da atividade jurisdicional, não passíveis de controle disciplinar quando não houver outros atos que indiquem a violação de deveres disciplinares.

O Recurso não merece provimento.

Primeiramente, reforço a tese de impossibilidade de responsabilização disciplinar de magistrado quanto ao conteúdo de ato tipicamente jurisdicional: a decisão judicial prolatada pelo requerido em ação penal, na qual determinou a prisão preventiva do recorrente, em 5/11/2019 (id 3845676).

Como não há indícios de que essa decisão tenha sido prolatada por motivos diferentes do estrito cumprimento de suas funções jurisdicionais, é irrelevante a discussão sobre eventual acerto ou desacerto da decisão que determinou a prisão.

A questão resume-se à avaliação da existência de indícios suficientes de infração disciplinar quanto à possível ordem do Magistrado, sem que ele tivesse atribuição para tanto, para cumprimento do mandado de prisão em desrespeito às prerrogativas do advogado.

Tal como concluiu a e. Relatora, me parece que não há.

Conforme se extrai dos autos, tanto na decisão decretadora da prisão como no respectivo mandado há expressa determinação do “recolhimento do réu em sala do Estado Maior ou local congênere no Estado de São Paulo” (Id 3845676, pp 132 e 135)

O não respeito integral a essa prerrogativa se deu mais pela inexistência de estabelecimento prisional adequado na região do que por determinação do magistrado requerido.

O magistrado foi claro em sua decisão: “Solicite-se,  imediatamente, da Delegacia Seccional local o cumprimento da ordem (art. 420, §  2º,  NSCGJ-TJSP), para que o réu seja recolhido, preferencialmente, em estabelecimento prisional da 18ª Circunscrição Judiciária de Fernandópolis (Cadeia Pública de Guarani d'Oeste), em local apropriado do CDP de Riolândia, ou em outro estabelecimento, caso assim seja necessário para garantir o respeito à prerrogativa de local de recolhimento de advogado presos cautelarmente” (Id 3845676, pp 132 e 135).

Dessa forma, o recolhimento do recorrente a estabelecimento incompatível com sua condição de advogado, bem como a não existência de sala de Estado Maior nos estabelecimentos prisionais, não podem ser imputados ao magistrado.

Como esclareceu o Delegado de Polícia Walter Ananias Costa, de Fernandópolis – SP, responsável pela Cadeia Pública da Cidade de Guarani D’Oeste, (i) o advogado recorrente foi mantido inicialmente em local improvisado na cadeia pública de Guarani D’Oeste, no alojamento dos agentes policiais (carcereiros) do local, fora das celas, onde já tinham sido recolhidos outros advogados e presos com curso superior, diante a inexistência de sala do Estado Maior naquele local; (ii) no mesmo dia, ele seria encaminhado à Penitenciária de Paulo de Faria, local determinado pela Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) do Estado de São Paulo para recebimento de presos de Guarani D’Oeste, só que o recorrente havia discordado verbalmente desse deslocamento, alegando constar expressamente no mandado de prisão que ele deveria permanecer e Guarani D’Oeste ou em Riolândia; (iii) no dia seguinte, após o recorrente afirmar verbal e categoricamente que não iria mais para Riolândia e que resistiria à tentativa de transferência, o delegado contatou o magistrado requerido (por telefone), que teria concordado com a transferência dele para Riolândia (3986194), que foi então efetivada em 14/11/2019.

Note-se que tanto em Garani D’Oeste como em Riolândia eram locais indicados no mandado de prisão para permanência do advogado, e que em nenhuma delas havia Sala do Estado Maior; em ambos os lugares, o local destinado para recolhimento do recorrente era improvisado, separado dos demais presos.

Em 20/11/2019, foi informado nos autos da ação penal a transferência do recorrente do Centro de Detenção Provisória (CDP) de Riolândia para a penitenciária de Presidente Venceslau (id 3845678 p. 92), fato que foi questionado pelo magistrado requerido ao diretor do CDP de Riolândia (ofício encaminhado em 21/11/2019, id 3845678 p. 95).

Em resposta, o Diretor do CDP de Riolândia justificou ao magistrado o seguinte (id 3845678 p 99):

 

O preso Rodrigo Filgueira Queiroz (...), foi incluído neste Centro de Detenção provisória no dia 14/11/2019, procedente da Cadeia Pública de Guarani D’Oeste, em razão do cumprimento de mandado de prisão expedido por Vossa Excelência. Que no ato de sua inclusão neste Estabelecimento Penal, Rodrigo negou-se a adentrar em cela isolado dos demais detentos recolhidos na Unidade Prisional, sob alegação de ter prerrogativas de local de recolhimento específicos para advogados em Sala de Estado Maior.

Considerando que este Centro de Detenção Provisória não possui nenhuma Sala de Estado Maior, bem como o Mandado de Prisão expedido determinada dentre outras, o respeito à prerrogativa de local de recolhimento de advogado presos cautelarmente em Sala de Estado Maior ou local congênere no Estado de São Paulo, solicitamos vaga junto à Coordenadoria de unidades Prisionais da Região Oeste, que determinou a imediata transferência para a Penitenciária I “Zwinglio Ferrreira” de Presidente Venceslau, que dispõe de local apropriado.

 

Vê-se que a transferência do advogado para a penitenciária se deu após sua recusa a adentrar em cela individual a ele destinada no CDP de Riolândia, a qual apesar dão ser Sala de Estado Maior não era cela comum, junto com demais detentos.

Não há nos autos indícios que de tenha havido ciência prévia, concordância muito menos determinação do magistrado requerido para que o recorrente fosse transferido para a penitenciária de Presidente Venceslau.

As medidas à disposição do magistrado necessárias à preservação da prerrogativa do advogado de ser mantido custodiado em local adequado foram adotadas; os motivos da sua não observância não são imputados ao magistrado, mas ao próprio sistema penitenciário, que não têm Salas do Estado Maior suficientes.

O documento juntado pelo recorrente - Relatório Final da Corregedoria da Polícia Civil do Estado de São Paulo (id 4180626) – em nada afasta essa conclusão, pois a conclusão do referido relatório coincide com o depoimento do Delegado de Polícia Walter Ananias Costa quanto à ausência de oposição do magistrado em relação à transferência do custodiado da Cadeia Pública de Guarani D’Oeste para o CDP de Riolândia, ambas sem Sala de Estado Maior, observada a prerrogativa inerente à condição de advogado. Confira-se trecho do referido Relatório (id 4180626, p 5):

 

(...) a autoridade policial somente cumpriu a ordem constante no mandado de prisão expedido em desfavor do requerente, cuja transferência à Penitenciária de Riolândia também foi precedida de ciência e endosso do magistrado expedidor do mandado, posto que a Cadeia Pública [de Guarani D’Oeste] teve sua ordem tumultuada e segurança fragilizada ao custodiá-lo no interior da carceragem, porém, no alojamento dos Agentes Policiais (carcereiros), local improvisado como “sala de Estado-Maior.”

 

Sobre isso, o magistrado requerido esclareceu que a “anuência” se deu no contexto de que a ordem de prisão não proibia remoção, desde que houvesse respeito à prerrogativa citada (id 4147882). O diálogo entre o Delegado e o magistrado foi registrado por este em decisão nos autos da ação penal (antes da instauração de qualquer procedimento investigatório) da seguinte forma (id 3845677, p 62):

 

(...) Aliás, na presente data, por volta às 12:08 horas, esse magistrado recebeu ligação telefônica da linha nº 017 99706-5930, do Delegado de Polícia Dr. Valter Ananias, que comanda provisoriamente a Cadeia Pública de Guarani d'Oeste, informando que o réu, ali recolhido, será colocado em local especialmente disponibilizado pela SAP para alocação de advogados, na Comarca de Paulo de Faria, onde está o CDP de Riolândia, citado expressamente na decisão de decreto da prisão.

 

Não obstante as condutas do recorrente não serem alvo de análise nestes autos, não se pode olvidar que houve recursa por parte do advogado em ser transferido para estabelecimento prisional da Comarca de Paulo de Faria, onde provavelmente teria sido recolhido em estabelecimento que melhor atendesse sua prerrogativa.

Diante disso, concluo não haver indícios suficientes do cometimento de falta funcional por parte do magistrado, a amparar a abertura de PAD, na medida em que o magistrado determinou que o recorrido fosse recolhido em Sala do Estado Maior, ou estabelecimento congênere, respeitada essa prerrogativa.

A não observância integral dessa prerrogativa se deveu à inexistência, tanto na Cadeia Pública de Guarani d'Oeste como no CDP de Riolândia, de Sala de Estado Maior como prevê a legislação, ocasionando na improvisação de espaços outros para o recolhimento de advogados, circunstância essa que não pode ser imputada ao magistrado processado.

Com essas considerações, acompanho a E. Relatora pelo desprovimento do recurso.

É como voto.

Brasília, 4 de março de 2020.

Conselheiro RUBENS CANUTO