Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: CONSULTA - 0007557-04.2019.2.00.0000
Requerente: CONVIVENCIA INTERNACIONAL DE JOVENS - CISV BRASIL
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 


VOTO

A EXMA. SRA. CONSELHEIRA MARIA TEREZA UILLE GOMES (RELATORA): A organização multinacional Convivência Internacional de Jovens – CISV Brasil, formula Consulta ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) acerca da Resolução CNJ 295, de 13 de setembro de 2019.

1 – Preliminar: requisitos regimentais para conhecimento da Consulta

O artigo 89 do RICNJ, ao atribuir ao Plenário do CNJ a incumbência de dirimir dúvida quanto à aplicação de dispositivos legais e regulamentares concernentes à matéria de sua competência, estabeleceu como requisitos para o conhecimento do pedido ser a consulta formulada em tese; possuir interesse e repercussão gerais; e conter a indicação precisa do seu objeto.

Art. 89. O Plenário decidirá sobre consultas, em tese, de interesse e repercussão gerais quanto à dúvida suscitada na aplicação de dispositivos legais e regulamentares concernentes à matéria de sua competência.

§ 1º A consulta deve conter indicação precisa do seu objeto, ser formulada articuladamente e estar instruída com a documentação pertinente, quando for o caso.

§ 2º A resposta à consulta, quando proferida pela maioria absoluta do Plenário, tem caráter normativo geral.

No caso em apreço, parece-nos que a questão de fundo preenche os requisitos em sua integralidade, pois transcende o caso particular e versa sobre a aplicabilidade de dispositivo de norma deste Conselho, que dispõe sobre autorização de viagem nacional para crianças e adolescentes.

Por essa razão, entendo que estão presentes os requisitos do RICNJ, razão pela qual conheço do pedido.

2 – Mérito

Ultrapassada a preliminar, passo ao exame do mérito.

Neste particular, adoto como razões de decidir o Parecer emitido pelo FONINJ, nos seguintes termos (Id 3805519):

Cuida a espécie de CONSULTA formalizada pela CONVIVÊNCIA INTERNACIONAL DE JOVENS - CISV BRASIL em argumentando que não há clareza normativa sobre o tratamento dispensados às crianças e adolescentes estrangeiros que estão na situação de intercâmbio ou em programas específicos, como é o caso do CISV BRASIL, pretende esclarecimento sobre em quais condições essas crianças ou adolescentes podem transitar no território nacional e hospedar-se em hotéis ou estabelecimentos congêneres, em cumprimento a legislação nacional e possibilitando a continuidade destes programas educacionais no país, na forma em que são praticados nos demais 70 países, à luz da RE 295/2019, em especial para esclarecer:

a) quais os requisitos que menores estrangeiros desacompanhados de seus pais devem preencher para que possam transitar pelo território nacional,

b) qual autorização de viagem terão que portar e eventualmente apresentar para fiscalização por parte das autoridades,

c) se devem ou não ser assinada pelos pais e eventualmente apostilada conforme consta da Convenção da Haia,

d) se precisarão de autorização para se hospedar em hotéis ou estabelecimentos congêneres.

[...]

Conforme solicitado, a matéria em questão pretende a análise do alcance da Resolução 295/2019 deste Conselho Nacional que dispõe sobre a autorização de viagem de criança e adolescente NACIONAIS, não alcançando, a meu modesto aviso, as crianças e adolescentes internacionais. Isso porque, embora seja universal a proteção à crianças e adolescentes, nos termos das convenções internacionais inclusive de que o Brasil é signatário, maior rigor se impõe ao Estado na tutela e proteção dos seus próprios cidadãos.

Para os demais impõe-se que cada Estado, dentro da sua esfera de autonomia e soberania, que trace as diretrizes e cuidados. Neste caso, estaremos diante da seguinte hipótese: compete a Polícia Federal a análise da documentação válida para que as crianças e adolescentes estrangeiros desacompanhados de seus pais tenham acesso à fronteira do Brasil. Em sendo permitido o acesso (entrada regular), o mesmo documento considerado válido para este fim – condição nos termos legais mais gravosa e mais rigorosa, há que ser igualmente considerado legítimo para permitir o deslocamento interno da criança e/ou adolescente (condição menos gravosa) no âmbito doméstico, ou seja, se o documento é legítimo e hábil a permitir o trânsito internacional, de igual sorte há que ser válido para permitir o trânsito no âmbito doméstico.

[...]

Nessa linha, entendo que a COSULTA deveria ser respondida nos seguintes termos:

[a] quais os requisitos que menores estrangeiros desacompanhados de seus pais devem preencher para que possam transitar pelo território nacional: Os mesmos requisitos para INGRESSAR NO PAIS, ou seja, os mesmos documentos necessários para o INGRESSO conforme requisitos da Polícia Federal (passaporte válido, com autorização dos pais, etc.) será o documento hábil a autorizar a circulação da criança e adolescente no país.

[b] qual autorização de viagem terão que portar e eventualmente apresentar para fiscalização por parte das autoridades: a mesma autorização que apresentam para a polícia federal quando do ingresso no país.

[c] se devem ou não ser assinada pelos pais e eventualmente apostilada conforme consta da Convenção da Haia: se entender pela autorização específica, deve ser apostilada.

[d] se precisarão de autorização para se hospedar em hotéis ou estabelecimentos congêneres: em havendo necessidade de hospedar-se em hotéis em congêneres (fora das hipóteses d[e] acampamentos ou hospedagens específicas do intercâmbio) deverá atentar-se para o cumprimento nos termos da Recomendação 42/2019 da Corregedoria Nacional de Justiça. 

Ressalvo, por oportuno, que a Corregedoria Nacional de Justiça, na linha do também defendido pelo Parecer do FONINJ, pode, a depender do caso concreto (em razão do volume de jovens ou outras peculiaridades), expedir orientação específica a determinado evento, a exemplo da recente Recomendação CN 42, de 3 de outubro de 2019, editada por ocasião da realização da Copa do Mundo Sub-17, em atenção a requerimento da FIFA. Confira-se:

Capítulo I:

DA CIRCULAÇÃO E HOSPEDAGEM DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM TERRITÓRIO BRASILEIRO

Art. 1º A circulação de crianças e adolescentes, menores de 16 (dezesseis) anos, no território brasileiro, sem a presença de ao menos um dos pais ou do responsável legal, somente poderá ser feita mediante autorização judicial, nos termos do art. 83, caput, da Lei n. 8.069/90.

Art. 2º A autorização judicial não será exigida quando:

I - tratar-se de comarca contígua à da residência da criança ou do adolescente menor de 16 anos, se na mesma unidade da Federação, ou incluída na mesma região metropolitana.

II - a criança ou o adolescente menor de 16 anos estiver acompanhado:

a) de ascendente ou colateral maior, até o terceiro grau, comprovado documentalmente o parentesco;

b) de pessoa maior, expressamente autorizada por mãe, pai, ou responsável, por meio de escritura pública ou de documento particular com firma reconhecida por semelhança ou autenticidade.

III - a criança ou o adolescente menor de 16 anos viajar desacompanhado, expressamente autorizado por qualquer de seus genitores ou responsável legal, por meio de escritura pública ou de documento particular com firma reconhecida por semelhança ou autenticidade.

IV - a criança ou adolescente menor de 16 anos apresentar passaporte válido e que conste expressa autorização para que viaje desacompanhado ao exterior.

§ 1º Ficam dispensados o reconhecimento de firma em cartório e a consularização/apostilamento da autorização em casos de crianças e adolescentes estrangeiros, desde que munidos de autorização assinada por um dos pais ou responsável legal, nos moldes do modelo anexo, sendo exigida, neste caso, cópia simples do documento de identificação do subscritor da autorização.

§ 2º As autorizações dos pais ou responsáveis deverão estar redigidas em língua portuguesa, ou acompanhadas de tradução, se em outro idioma.

Art. 3º Somente será permitida a hospedagem de crianças e adolescentes em hotéis ou estabelecimentos congêneres no território nacional quando acompanhados por um dos pais, responsável legal ou pessoa maior de 18 (dezoito) anos, devidamente autorizada nos termos do artigo anterior desta Recomendação.

Art. 4º Será, excepcionalmente, aceita autorização lavrada em forma diversa da prevista nos artigos anteriores, com a devida tradução, caso não seja no idioma português, desde que contenha todas as informações do modelo contido no anexo desta Recomendação. 

 

Ante o exposto, conheço da presente consulta e a respondo nos termos da fundamentação antecedente.

É como voto. 

Publique-se nos termos do artigo 140 do RICNJ.

Intime-se a requerente.

Em seguida, arquivem-se os autos independentemente de nova conclusão. 

 

Brasília, data registrada no sistema.  

 

Maria Tereza Uille Gomes 

 

Conselheira