Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0004074-05.2015.2.00.0000
Requerente: ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS - AMB
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 


RECURSO ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. REGULAMENTAÇÃO PELO CNJ DA PERMUTA ENTRE MAGISTRADOS ESTADUAIS VINCULADOS A DIFERENTES TRIBUNAIS DE JUSTIÇA. IMPOSSIBILIDADE. INGRESSO EM CARGO DISTINTO DAQUELA PARA A QUAL O SERVIDOR PÚBLICO INGRESSOU POR CONCURSO PÚBLICO. HIPÓTESE VEDADA PELO ART. 37, II, DO CRFB/1988. ACENTUADA SEMELHANÇA ENTRE AS CARREIRAS DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DA MAGISTRATURA. APLICAÇÃO DA RATIO DECIDENDI EXTRAÍDA DA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL ADPF N. 482.

1. Pedido formulado pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) para que o CNJ regulamente a permuta entre magistrados estaduais vinculados a diferentes Tribunais de Justiça.

2. Conforme decidido nos autos do Pedido de Providências n. 465/2006, não é possível a remoção por permuta de magistrados pertencentes Tribunais de Justiça estaduais diversos, mesmo com a concordância dos respectivos Tribunais de Justiça, por caracterizar a ingresso em cargo distinto daquela para a qual o servidor público ingressou por concurso público, hipótese vedada pelo art. 37, II, do texto constitucional.

3. Considera a acentuada semelhança entre as carreiras do Ministério Público e da Magistratura, cuja simetria constitucional já foi reconhecida em oportunidades anteriores, aplicam-se ao caso concreto as razões de decidir (ratio decidendi) adotadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em precedente qualificado (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF n. 482), no qual se reputou inconstitucional decisão do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) que havia autorizado permuta entre membros do Ministério Público vinculados a diferentes Estados da Federação.

4. Referência expressa, na decisão do STF, à simetria da situação regulamentada pelo CNMP com precedente do CNJ (PP n. 465) e à submissão de ambas as instituições aos mesmos princípios e preceitos constitucionais, a reforçar que as peculiaridades do regime jurídico da magistratura não constituem discrímen suficiente para justificar a disparidade de tratamento.  

5. Recurso conhecido e desprovido.

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. Votou a Presidente. Ausente, circunstancialmente, o Conselheiro Giovanni Olsson. Ausente, justificadamente, o Conselheiro Sidney Madruga. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário, 25 de abril de 2023. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene (Relatora), Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0004074-05.2015.2.00.0000
Requerente: ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS - AMB
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 

RELATÓRIO

 

Trata-se de recurso administrativo (Id 5016303), em sede de Pedido de Providências (PP), interposto pela ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS (AMB) contra decisão monocrática que julgou improcedente o pedido de regulamentação da permuta entre magistrados estaduais vinculados a diferentes Tribunais de Justiça.

Por bem descrever o objeto deste PCA, transcrevo o relatório da decisão recorrida:

 

Trata-se de Pedido de Providências (PP) formulado pela ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS (AMB), por meio do qual requer providências deste Conselho Nacional no sentido de regulamentar a permuta entre magistrados estaduais vinculados a Tribunais de Justiça de diferentes Estados da Federação.

A requerente narra que – embora crescente a participação e aprovação de candidatos de diferentes Estados da Federação, em concursos da magistratura estadual, onde alguns se adaptam e outros nutrem o desejo de retornar aos seus Estados de origem –, aos magistrados que optam pela carreira da Justiça Estadual ainda não é permitida a alteração de domicílio, diferentemente do que acontece com aqueles que integram a magistratura federal ou trabalhista.

Argumenta que, não por outro motivo, há uma constante reivindicação no seio da Justiça Estadual no sentido de que seja regulamentada pelo CNJ, enquanto não editado o novo Estatuto da Magistratura, a permuta de magistrados de Estados distintos da Federação.

De acordo com a requerente, não pode haver qualquer tipo de distinção entre magistrados estaduais, federais e trabalhistas, em razão, principalmente, do “caráter nacional da magistratura”, conceito esse já consolidado no âmbito do CNJ e construído a partir de decisões do Supremo Tribunal Federal a respeito do tema (ADI n. 3.367), bem como do “princípio da unidade da magistratura”, reafirmado pelo STF, no julgamento da ADI n. 3.854.

Assevera que os concursos da magistratura, independentemente do Estado da Federação, têm programas e regras assemelhadas e são fiscalizados diretamente pelo CNJ, que editou a Resolução n. 75/2009, uniformizando os concursos públicos para ingresso na carreira em todos os ramos do Judiciário.

Menciona também que já foi criado, no CNJ, grupo de trabalho para estudar as regras destinadas à seleção de novos juízes, entre as quais a de tornar nacional a primeira fase dos certames para ingresso na magistratura.

Salienta que, não obstante o CNJ tenha se manifestado contrário à ideia de permuta entre magistrados estaduais, quando do julgamento do PP n. 456 e do PCA 234 em sua composição inicial, nada impede que a questão seja reexaminada à luz das novas circunstâncias criadas pela jurisprudência do STF e do próprio CNJ.

Para melhor elucidação e análise da proposta, o então Conselheiro Relator Luiz Claudio Silva Allemand solicitou informações aos 27 (vinte e sete) tribunais de justiça do país quanto à respectiva estrutura do primeiro grau de jurisdição, em especial no tocante à divisão em entrâncias (Id 1847480).

Os Tribunais prestaram as informações nos Ids 1864322, 1876047, 1866420, 1878346, 1850917, 1853444, 1872402, 1854813, 1851967, 1876718, 1877151, 1860753, 1863020, 1863947, 1865921, 1872272, 1873090, 1876267, 1870499, 1866027, 1872651, 1862662, 1879119, 1854087, 1870677, 1856243, 1869430, 1853440 e 1868392.

Realizou-se Audiência Pública sobre o tema no dia 24/5/2016, no Plenário deste Conselho.

Foi solicitada a inclusão do feito em pauta de julgamentos no dia 7/3/2017. Em seguida, no despacho de Id 2125428, concedeu-se aos tribunais de justiça e às associações de magistrados prazo para manifestação acerca de minuta de ato normativo voltada à regulamentação do tema, ocasião em que se destacou que Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) havia decidido pela legalidade de remoção por permuta entre membros vitalícios dos Ministérios Públicos Estaduais. Eis o teor do despacho:

DESPACHO

Após a instrução do presente feito, assegurada a manifestação de órgãos públicos, autoridades, entidades da sociedade civil, associações de magistrados estaduais, interessados e especialistas que pudessem contribuir com esclarecimentos sobre o tema por meio de Audiência Pública transmitida ao vivo pelo canal do CNJ no YouTube, foi possível consolidar o tema em uma minuta de Resolução com vistas à regulamentação da permuta no âmbito Poder Judiciário Estadual, tendo sido solicitada a inclusão em pauta para aprovação do texto final no dia 7 de março de 2017. Todavia, até o momento a matéria não foi objeto de deliberação pelo Colegiado. Por outro lado, o Plenário do Conselho Nacional do Ministério Público, no julgamento do Pedido de Providências 229/2015-39, na sessão de 7 de agosto de 2017, decidiu pela legalidade de remoção por permuta entre membros vitalícios dos Ministérios Públicos Estaduais, matéria que guarda estreita similaridade com a tratada nos presentes autos. Dada a nova situação fática relacionada ao julgamento realizado pelo CNMP e a fim de ampliar e democratizar o debate com vistas ao aprimoramento da Resolução, assegurando a participação dos mais diversos interessados na regulamentação da matéria, dê-se ciência da minuta anexa aos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal e Territórios, bem como a Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), facultando-se o prazo de 20 dias para manifestações específicas e fundamentadas relacionadas ao texto final ora apresentado. (...)

Em novo despacho, proferido no dia 3/10/2017 (Id 2275746), o então Conselheiro André Godinho, na qualidade de sucessor do relator originário, solicitou a retirada do presente procedimento de pauta para melhor análise da matéria, considerando que a decisão do CNMP que havia autorizado a permuta entre membros do Ministério Público foi questionada via Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF n. 482) perante o Supremo Tribunal Federal (STF) tendo o Relator, o Exmo. Ministro Alexandre de Moraes, deferido medida cautelar para suspender a eficácia da referida decisão.

O feito foi redistribuído à minha relatoria em razão da vacância da cadeira ocupada pelo então Conselheiro André Godinho por prazo superior a 90 (noventa) dias, nos termos do art. 45-A, § 2º, do RICNJ.

A Associação requerente sustentou a inaplicabilidade da ADPF n. 482 ao Poder Judiciário nas petições de Id 4449434 e 4510161.

 

Em decisão monocrática (Id 4978985), julguei improcedente o pedido por entender que a decisão do STF na ADPF n. 482 se aplicava à carreira da magistratura, considerada a acentuada semelhança com a carreira do Ministério Público.

Contra essa decisão, a requerente interpôs o recurso administrativo de Id 5016303, no qual requer a reforma da decisão sob os seguintes fundamentos:

 

(i) Há nos autos parecer do Professor Gustavo Binenbojm sobre a inaplicabilidade da ADPF n. 482 à magistratura, bem como parecer do Professor André Ramos Tavares, no qual opina pela possibilidade plena da permuta pretendida (Ids 4510164 e 2255355);

(ii) A remoção por permuta nacional far-se-á com a anuência dos Tribunais de Justiça interessados e que aderirem à Resolução a ser aprovada pelo CNJ e após regulamentação interna;

(iii) “O Poder Judiciário é uno, assim como una é a sua função precípua” (Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco. STF. ADI 3367-1. Min. Cezar Peluso);

(iv) A magistratura brasileira é regida por uma única norma, um único estatuto, independentemente da qualidade e denominação da Justiça em que exerçam a função (Lei Complementar nº 35, de 14.03.1979; art. 93, caput, da CF);

(v) A estrutura da Justiça do Distrito Federal e dos Territórios é definida pela Lei n. 11.679/2008 e compõe-se de Juízes de Direito e Juízes de Direito Substitutos, à semelhança do que se observa na justiça estadual;

(vi) inexiste vedação à permuta em razão da diferença de competência entre os Entes permutantes (União e Estados), porquanto o estatuto é único e rege a magistratura nacional (LC n. 35/1979);

(vii) O Ministério Público e o Poder Judiciário possuem desenhos institucionais distintos, considerando que o Procurador-Geral da República não pode rever as decisões dos Procuradores-Gerais de Justiça de cada estado, ao passo que o STF e o STJ podem fazê-lo em relação as decisões dos tribunais, o que demonstra a diferença com o Ministério Público, bem como a unidade de todo o Poder Judiciário;

(viii) inexiste violação ao princípio do concurso público, pois a permuta entre magistrados estaduais foi expressamente prevista na Constituição de 1988 (art. 93, inciso VIII-A, na redação dada pela EC n. 45/2004);

(ix) A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado (Art. 226 da CF/1988). Sob o aspecto humano, o art. 226 da Constituição Federal enuncia a proteção do Estado à família (“A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”), não fazendo sentido que o Estado exclua os seus agentes políticos da proteção.

 

É o Relatório.

 

 

 

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0004074-05.2015.2.00.0000
Requerente: ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS - AMB
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 

VOTO

 

O recurso interposto atende aos requisitos do art. 115 do Regimento Interno do CNJ, razão pela qual dele conheço.

No mérito, em que pesem os judiciosos argumentos apresentados pela recorrente, não se identificam nas razões recursais argumentos ou fatos novos aptos a infirmar a decisão recorrida.

A consulta ao andamento processual da ADPF n. 482 revela que o plenário do STF julgou procedente a arguição para reconhecer a inconstitucionalidade da decisão administrativa do CNMP que havia autorizado permuta entre membros do Ministério Público vinculados a diferentes Estados da Federação. Confira-se a ementa do julgado:

 

CONSTITUCIONAL. FEDERALISMO E MINISTÉRIO PÚBLICO. INEXISTÊNCIA DE UMA ÚNICA CARREIRA COMUM A TODOS OS MINISTÉRIOS PÚBLICOS ESTADUAIS E AO MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO. INCONSTITUCIONALIDADE DA REMOÇÃO, POR PERMUTA NACIONAL, ENTRE MEMBROS DE MINISTÉRIOS PÚBLICOS DIVERSOS. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO CONCURSO PÚBLICO. SÚMULA VINCULANTE 43 DO STF. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL CONHECIDA E JULGADA PROCEDENTE.

1. O Ministério Público da União e os Ministérios Públicos dos Estados são disciplinados por leis complementares próprias, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, as quais estabelecem a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público (art. 128, § 5º, da CF).

2. Por força do princípio da unidade do Ministério Público (art. 127, § 1º, da CF), os membros do Ministério Público integram um só órgão sob a direção única de um só Procurador-Geral. Só existe unidade dentro de cada Ministério Público, não havendo unidade entre o Ministério Público de um Estado e o de outro, nem entre esses e os diversos ramos do Ministério Público da União.

3. A remoção, por permuta nacional, entre membros do Ministério Público dos Estados e entre esses e membros do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, admitida na decisão impugnada, equivale à transferência, ou seja, forma de ingresso em carreira diversa daquela para a qual o servidor público ingressou por concurso, vedada pelo art. 37, II, da Constituição Federal e pela Súmula Vinculante 43, segundo a qual “é inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido”.

4. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental conhecida e julgada procedente.

(ADPF 482, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 03/03/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-053  DIVULG 11-03-2020  PUBLIC 12-03-2020)

 

A AMB argumenta, com supedâneo em parecer do Professor Gustavo Binenbojm, que os desenhos institucionais do Judiciário e do Ministério Público são distintos, de sorte que a compreensão assinalada na ADPF n. 482 não se aplicaria à carreira da magistratura.

Menciona, por exemplo, que o Procurador-Geral da República não pode rever as decisões dos Procuradores-Gerais de Justiça de cada estado, a passo que o STF e o STJ podem fazê-lo em relação às decisões dos tribunais, o que evidencia, segundo afirma, a diferença entre os regimes e a unidade de todo o Poder Judiciário.

Destaco, nesse ponto, que não se pode confundir a subordinação dos Magistrados e Tribunais Estaduais aos Tribunais Superiores – o que se dá no campo estritamente jurisdicional e tem como fundamento a Unidade do Direito –, com a subordinação funcional dos magistrados a seus respectivos tribunais, o que ocorre no campo administrativo.

Assim, o fato de as decisões da Justiça Estadual estarem sujeitas à jurisdição nacional do STF e o STJ não constitui premissa idônea a afastar a regra de Direito Administrativo que impede a transferência para cargo diverso daquela para a qual o servidor ingressou por concurso público (art. 37, II, da CRFB/1988); a permuta entre magistrados é matéria administrativa e, como tal, deve obediência aos princípios reitores da Administração Pública (art. 37, da CRFB/1988).

Em verdade, o que se observa é que Poder Judiciário Estadual e Ministério Público dos Estados são muito semelhantes em seus regimes administrativos: ambos possuem autonomia orgânico-administrativa e financeira, ambos interagem com os Poderes Executivo e Legislativo estaduais ao participarem do ciclo orçamentário (ADI 7073/CE), ambos detêm a iniciativa da lei que define o subsídio de seus membros etc.

As instituições também receberam tratamento administrativo-constitucional aproximado na Emenda Constitucional n. 45/2004, que criou órgãos nacionais congêneres – CNMP e CNJ – cada qual imbuído, nas respectivas esferas de atuação, do controle administrativo, financeiro e da atuação funcional de seus membros.

Demais disso, a similaridade de tratamento que deve existir entre as carreiras da Magistratura e do Ministério Público, no que diz respeito especificamente à permuta entre seus membros, deflui dos próprios fundamentos da decisão do STF.

Conforme consignado na decisão recorrida, o voto do eminente Relator da ADPF, o Exmo. Ministro Alexandre de Moraes, faz menção expressa ao julgamento realizado pelo CNJ nos autos do PP n. 465/2006, no qual se assentou a impossibilidade de permuta entre magistrados oriundos de diferentes Tribunais de Justiça. Peço licença para transcrever o citado voto nos fragmentos de interesse:

 

(...) Quanto ao mérito, entendo que a Ação merece ser julgada procedente. Invoco aqui os fundamentos reproduzidos na decisão que concedeu a medida cautelar neste processo, a partir de voto que proferi, na qualidade de Conselheiro do CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no Pedido de Providências nº 465/2006, de minha relatoria, em situação análoga à presente, com relação a membros do Poder Judiciário. No caso, analisando os mesmos princípios e preceitos constitucionais, o CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, por unanimidade (23ª Sessão Ordinária, em 15 de agosto de 2006), respondeu NEGATIVAMENTE à consulta realizada por associação de classe da magistratura com idêntico objeto, da seguinte maneira:

EMENTA: 1. PODER JUDICIÁRIO NACIONAL - O Poder Judiciário, nos termos do art. 92 da Constituição Federal, é nacional, compondo-se dos ramos especializados da Justiça Trabalhista, Eleitoral e Militar e da Justiça Comum, que abrange as Justiça Federal e Estadual.

2. Cada ramo da Justiça brasileira constitui carreira autônoma, cujo provimento, em regra, se dará por concurso público, salvo as hipóteses excepcionais de investidura politico-constitucional.

3. PODER JUDICIÁRIO E FEDERALISMO - Nos termos do art. 125 da Constituição da República Federativa do Brasil, a organização da Justiça Estadual deve absoluto respeito às regras federalistas da autoorganização, auto-governo e auto-administração (CF, arts. 93 e 96).

4. INEXISTÊNCIA DE UMA ÚNICA CARREIRA REFERENTE À TODAS AS JUSTIÇAS ESTADUAIS - Não há um único Poder Judiciário Estadual, mas sim, existe a Justiça Estadual como um dos importantes ramos da Justiça Brasileira, exercida pelos Tribunais de Justiça Estaduais e por seus juízes vinculados administrativamente, sem que haja qualquer vaso comunicante administrativo ou jurisdicional - entre eles.

5. Impossibilidade de remoção por permuta de magistrados pertencentes a Poderes Judiciários estaduais diversos, mesmo com a concordância dos respectivos Tribunais de Justiça, por corresponder à transferência, ou seja, forma de ingresso em carreira diversa daquela para a qual o servidor público ingressou por concurso, hipótese absolutamente vedada pelo artigo 37, inciso II, do texto constitucional. 5. PEDIDO IMPROCEDENTE". (CNJ - PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 465 - Rel. ALEXANDRE DE MORAES - 23 - julgado em 15/08/2006).

(...)

Não há dúvidas sobre a absoluta simetria da situação em exame com a referida no precedente do CNJ citado acima, pois também o art. 128, § 5º, do texto constitucional determina que leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros, as previsões do artigo 129, §§ 2º, 3º e, especialmente, o § 4º, que inclusive determina a aplicação ao Ministério Público, no que couber, do disposto no art. 93, aplicável à Magistratura. (...)

 

Observe-se que, no voto, cujos fundamentos foram acompanhados pela maioria absoluta da Suprema Corte – integrando, portanto, a ratio decidendi do precedente –, faz-se referência expressa à “simetria da situação em exame com a referida no precedente do CNJ”. O eminente Ministro destaca, ainda, que a decisão deste Conselho considerou os “mesmos princípios e preceitos constitucionais”, tudo a reforçar a conclusão de que as peculiaridades do regime jurídico da magistratura não constituem discrímen suficiente para justificar a disparidade de tratamento.

Nesse contexto, por coerência sistêmica, considerada a acentuada semelhança entre as carreiras do Ministério Público e da Magistratura, cuja simetria constitucional já foi reconhecida em oportunidades anteriores, torna-se inafastável a conclusão de que a eventual regulamentação com conteúdo similar por parte do CNJ incorreria em igual vício de inconstitucionalidade.

A corroborar essa compreensão, tem-se recente decisão do STF na qual foi declarada a inconstitucionalidade de Lei Complementar do Estado do Rio Grande do Norte (Lei Complementar n. 643/2018) no ponto em que permitia a remoção entre Juízes de Direito vinculados a diferentes Tribunais de Justiça (STF. Plenário. ADI 6782/RN, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 6/3/2023).

Embora o núcleo da fundamentação empregada na ocasião tenha sido a incompetência dos Estados para legislar sobre a matéria, é válido ressaltar que a parte final do voto condutor do Exmo. Ministro Gilmar Mendes fez paralelo direto com a ADPF n. 482 e o PP n. 465/2006. Peço licença para transcrever o voto nos trechos pertinentes:


(...)

Registro, ademais, que este Supremo Tribunal Federal se deparou com tema semelhante na ADPF 482, Rel. Min. Alexandre de Moraes, que reconheceu a inexistência de unidade entre Ministérios Públicos de diferentes unidades da federação, bem como entre estes e os variados ramos do Ministério Público da União. Por esse motivo, declarou a inconstitucionalidade da remoção por permuta entre membros do Ministério Público dos Estados, bem como entre eles e os membros do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.

Na ocasião, o voto condutor trouxe os argumentos utilizados no Pedido de Providências nº 465/2006, do Conselho Nacional de Justiça, também de relatoria do Min. Alexandre de Moraes.

Neste Pedido, o CNJ tratou da mesma questão que aqui se debate, como se depreende da ementa da decisão:

(...)

Afirmou o relator na análise do Pedido endereçado ao CNJ:

“A remoção a pedido ou a permuta de magistrados de comarca de igual entrância somente podem ocorrer no âmbito administrativa do Tribunal de Justiça ao qual o magistrado ou magistrados estejam vinculados, sob pena de centralizarmos uma Justiça estadual que é NACIONAL, porém FEDERALISTA.

O Poder Judiciário, nos termos do art. 92 da Constituição Federal, é nacional, compondo-se dos ramos especializados da Justiça Trabalhista, Eleitoral e Militar e da Justiça Comum, que abrange as Justiça Federal e Estadual. 2. Cada ramo da Justiça brasileira constitui carreira autônoma, cujo provimento, em regra, se dará por concurso público, salvo as hipóteses excepcionais de investidura político-constitucional.

A remoção por permuta, da mesma maneira que a promoção, é provimento derivado dentro da mesma carreira (STF Pleno Adin nº 1.193-6 Rel. Min. Maurício Corrêa, Diário da Justiça, Seção I, 17 mar. 2000, p. 2).

A remoção por permuta entre magistrados vinculados a Tribunais de Justiça diversos equivale à transferência, ou seja, forma de ingresso em carreira diversa daquela para a qual o servidor público ingressou por concurso, e absolutamente vedada pelo artigo 37, inciso II, do texto constitucional (cf. a respeito: RTJ 165/684; STF Pleno Adin nº 402-6/DF Rel. Min. Moreira Alves, Diário da Justiça, Seção I, 24 maio 2001, p. 24).” (grifos no original)


Por fim, reitero que a possibilidade de permuta entre juízes de diferentes Tribunais de Justiça encerra inovação cuja envergadura parece extrapolar a competência unicamente administrativa deste Conselho, tanto é que o tema atualmente constitui objeto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n. 162/2019, já em avançado estágio de tramitação no Poder Legislativo.

Quanto a esse aspecto, destaco excerto de voto convergente, com ressalva de fundamentação, apresentado pelo Exmo. Edson Fachin por ocasião do julgamento da ADPF n. 482:

 

(...) A forma de remoção engendrada pela decisão do CNMP ora atacada não foi prevista no robusto arcabouço constitucional e legislativo que disciplinou a instituição. Trata-se de uma inovação veiculada em norma administrativa que extrapola a competência regulamentar conferida ao CNMP, em violação ao princípio da legalidade. Haure-se, portanto, que ao disciplinar a transferência de agentes de ramos diversos do Ministério Público, o CNMP desbordou de sua competência, adentrando em seara que lhe é imprópria. (...)

 

Nesse cenário, sem embargo da absoluta relevância e pertinência da matéria, e sem desconsiderar os legítimos anseios da magistratura, aqui muito bem representada pela Associação dos Magistrados Brasileiros, observa-se que o pedido não comporta acolhimento.

Diante do exposto, nego provimento ao recurso administrativo e mantenho, com os acréscimos e feitos neste voto, a decisão monocrática que julgou improcedente o pedido.  

É como voto.

Intimem-se. Em seguida, arquivem-se os autos, independentemente de nova conclusão.

 

Brasília, 25 de abril de 2023.

 

 

 

Conselheira Salise Sanchotene

Relatora