Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0007208-64.2020.2.00.0000
Requerente: MUNICIPIO DE SILVA JARDIM
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - TJRJ

 

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. PROCESSAMENTO DE PAGAMENTO DE DÉBITOS POR ENTE MUNICIPAL. QUESTIONAMENTO DE DECISÕES PROFERIDAS PELO JUIZ GESTOR DE PRECATÓRIOS. 

1. Pedido de providências em que se discutem atos do juiz gestor de precatórios do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), praticados nos autos do processo administrativo 00000003/2015, referentes ao pagamento de dívidas pelo Município de Silva Jardim/RJ. 

2. Mandado de segurança impetrado pelo município requerente perante o TJRJ versando sobre os mesmos questionamentos suscitados neste procedimento, porém autuado em data posterior. Inexistência de prévia judicialização da matéria. 

3. Pretensões voltadas à revogação da ordem de bloqueio dos repasses de ICMS e à liberação dos valores retidos que perderam o objeto, em virtude, notadamente, da decisão de reconsideração proferida pelo juiz gestor de precatórios do TJRJ.

4. Falta de interesse no pedido de abertura de novo procedimento para futuras cobranças dos precatórios do Município de Silva Jardim/RJ. Medida já adotada pelo Presidente da Corte Fluminense, em observância aos termos da Resolução CNJ 303/2019.

5. Parcelamento solicitado pela parte autora. Decisão de indeferimento proferida pelo juiz gestor de precatórios da Corte Fluminense. Ato Executivo TJ 47/2019, alterado pelo Ato Executivo 206/2019, dispondo que cabe, exclusivamente, ao Presidente do TJRJ apreciar tais pedidos. 

6. Pedidos julgados parcialmente procedentes a fim de se reconhecer que, à luz do Ato Executivo TJ 47/2019, alterado pelo Ato Executivo TJ 206/2019, caberia ao Presidente do TJRJ apreciar os pedidos de parcelamento de débitos apresentados pelo Município de Silva Jardim/RJ, desconstituindo-se as decisões proferidas pelo juiz gestor de precatórios daquela Corte sobre a temática. Demais pedidos julgados prejudicados.


 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, julgou parcialmente procedente os pedidos para: a) julgar prejudicados os pedidos de revogação da ordem de bloqueio dos repasses de ICMS, de liberação dos valores retidos e de abertura de novo procedimento para futuras cobranças e b) reconhecer que, à luz do Ato Executivo TJ 47/2019, alterado pelo Ato Executivo TJ 206/2019, caberia à Presidência do TJRJ apreciar os pedidos de parcelamento de débitos do Município de Silva Jardim/RJ, devendo, por consequência, serem desconstituídas as decisões proferidas pelo juiz gestor de precatórios daquela Corte sobre essa temática, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 30 de março de 2021. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura, Emmanoel Pereira, Luiz Fernando Tomasi Keppen, Rubens Canuto, Tânia Regina Silva Reckziegel, Mário Guerreiro, Candice L. Galvão Jobim, Flávia Pessoa, Ivana Farina Navarrete Pena, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, André Godinho, Maria Tereza Uille Gomes e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votou, em razão da vacância do cargo, o representante do Ministério Público da União.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0007208-64.2020.2.00.0000
Requerente: MUNICIPIO DE SILVA JARDIM
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - TJRJ


 

RELATÓRIO  


Trata-se de pedido de providências, com requerimento de liminar, formulado pelo Município de Silva Jardim/RJ contra decisão do juiz gestor de precatórios do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), que, ao negar pedido de parcelamento de dívidas referentes ao pagamento de precatórios, teria mantido o bloqueio de valores devidos por aquele ente federativo.

Alega o requerente que, por força do regime comum para o pagamento de precatórios previsto no art. 100 da Constituição Federal, foi instaurado, nos autos do processo administrativo 00000003/2015, procedimento para que fosse realizado o pagamento dos precatórios para o exercício de 2019 pelo Município de Silva Jardim/RJ.

Aduz que, consoante se depreende de ofício encaminhado à Secretaria Estadual de Fazenda Pública do Estado do Rio de Janeiro, a autoridade gestora de precatórios do TJRJ teria determinado o bloqueio dos repasses de ICMS devidos ao aludido Município, até o montante de R$ 4.352.345,75.

Afirma que, efetuado o primeiro bloqueio, a procuradoria local, mesmo sem ter acesso aos autos – por equívoco de intimação –, apresentou requerimento de desbloqueio dos valores, juntamente com duas propostas de planos de pagamento. Aponta, ainda, que foi pleiteada, alternativamente, a designação de audiência especial para compor o débito no caso de indeferimento do parcelamento.

Registra, entretanto, que os requerimentos foram negados, assim como o pedido de reconsideração protocolado, mantendo-se, assim, o citado bloqueio impugnado.

Nessa perspectiva, sustenta que a decisão proferida pelo juiz gestor de precatórios do TJRJ, que negou o pedido de parcelamento da dívida e manteve o bloqueio de valores do Município de Silva Jardim/RJ, afrontaria dispositivos da Constituição Federal, bem como violaria a Resolução CNJ 303/2019 e normativos da Corte Fluminense.

Por fim, para além de consignar que todos os 32 precatórios previstos para o orçamento de 2019 decorrem de um único processo judicial, destaca os supostos prejuízos gerados e as dificuldades enfrentadas pelo município, sobretudo diante do atual quadro de pandemia ocasionado pelo novo coronavírus.

Em razão desses fatos, requer liminar para que o juiz gestor de precatórios do TJRJ proceda à imediata revogação da ordem de bloqueio dos repasses de ICMS devidos ao Município de Silva Jardim/RJ, determinando-se, assim, que a Secretaria Estadual de Fazenda Pública do Estado do Rio de Janeiro realize o regular repasse das verbas e a liberação dos valores já retidos.

No mérito, pugna pela confirmação da liminar, a fim de que seja declarada a nulidade do processo administrativo 00000003/2015, especialmente das decisões administrativas denegatórias de parcelamento da dívida e da ordem de bloqueio de repasses de ICMS devidos ao Município de Silva Jardim/RJ, determinando-se, por conseguinte, que o TJRJ promova a abertura de novo procedimento para futuras cobranças.

Em 9/9/2020, foi proferida decisão que indeferiu a liminar pleiteada. No mesmo ato, foi determinada a notificação do TJRJ para que prestasse informações, bem como concedeu-se prazo para manifestação do Fórum Nacional de Precatórios - Fonaprec (Id. 4111715).

A Corte Fluminense informou que: a) em virtude de decisão judicial prolatada nos autos de mandado de segurança (0061054-64.2020.8.19.0000), as decisões que determinaram o bloqueio de repasses de ICMS ao requerente foram reconsideradas; b) o Presidente do TJRJ, à luz, sobretudo, do regramento previsto na Resolução CNJ 303/2019, determinou a intimação do ente devedor, para que comprovasse o pagamento dos precatórios devidos, sob pena de sequestro de valores (Id. 4137899).

O Fonaprec apresentou sua manifestação, inclusive com cópia dos debates ocorridos (Ids. 4174526, 4174527 e 4174528).

É o relatório.


 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0007208-64.2020.2.00.0000
Requerente: MUNICIPIO DE SILVA JARDIM
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - TJRJ

 

 

VOTO

 

 

De início, deve ser registrada a inocorrência de prévia judicialização da matéria versada no presente procedimento, por ocasião da impetração, pelo município requerente, de mandado de segurança (0061054-64.2020.8.19.0000) perante o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ).

Com efeito, o aludido mandamus, cujo objeto diz respeito, em síntese, aos mesmos questionamentos suscitados neste pedido de providências, foi autuado na data de 8/9/2020, enquanto o feito ora em trâmite no âmbito do CNJ foi proposto em momento anterior, na data de 7/9/2020:

 

 

 

 


 

Sendo assim, considerando que o MS 0061054-64.2020.8.19.0000 foi impetrado posteriormente à propositura da presente demanda, há que se reconhecer a competência deste Conselho para a apreciação do pedido.

No que concerne ao mérito, todavia, verifica-se que as pretensões voltadas à revogação da ordem de bloqueio dos repasses de ICMS e à liberação dos valores retidos perderam o seu objeto, em virtude, notadamente, da decisão de reconsideração proferida pelo juiz gestor de precatórios do TJRJ, Afonso Henrique Ferreira Barbosa (Id. 4137907, fl. 78). Nesse particular, constata-se, ainda, que o mencionado juiz, a fim de dar cumprimento à decisão judicial do TJRJ (MS 0061054-64.2020.8.19.0000), determinou a expedição de ofício ao Banco do Brasil solicitando a devolução dos valores eventualmente bloqueados (Id. 4137907, fl. 72).

Outrossim, carece de interesse o pedido de abertura de novo procedimento para futuras cobranças dos precatórios do Município de Silva Jardim/RJ, porquanto tal medida já foi adotada pelo Presidente da Corte Fluminense, em observância aos termos da Resolução CNJ 303/2019, sobretudo no que tange às medidas de sequestro (Id. 4137907, fls. 82/84 - grifei):

 

“[...] Tendo em vista os argumentos aduzidos, e com fundamento no art. 20, parág. 2º, da Resolução 303/19 do CNJ, determino a intimação do Prefeito do Município de Silva Jardim para que, em 10 dias, comprove o pagamento dos valores dos precatórios indicados (conforme relação que consta do processo administrativo nº 03/2015, no total de R$ 4.352.345,75, promova-o ou preste informações, sob pena de sequestro dos valores nos termos do art. 20, parág. 5º, da citada Resolução.

 

Esse, a propósito, é o teor da manifestação do Comitê Nacional do Fórum Nacional de Precatórios (grifei):

 

“[...] Submetido ao Comitê, o parecer técnico exarado pelo relator foi rejeitado pela maioria dos membros em relação aos pedidos de revogação da ordem de bloqueio, de liberação dos valores retidos e de abertura de novo procedimento para futuras cobranças, por compreenderem ter havido a perda do objeto do presente procedimento em relação a tais pleitos. [...]”

(...)


Juíza Gláucia Monteiro


Quanto ao pedido de revogação da ordem proferida pelo juiz gestor de bloqueio dos repasses de ICMS e liberação dos valores já retidos, o juiz revogou sua própria decisão em 01/10/2020, fls. 840.

Antes disso, já havia sido determinada a devolução dos valores bloqueados ao município em virtude da concessão de liminar no MS proferida nos seguintes termos: ‘Sendo assim, defiro a liminar para suspender os efeitos da decisão proferida no processo administrativo nº 0000003/2015. O departamento de precatórios do tribunal tomará as medidas cabíveis perante as repartições competentes para efetivar essa decisão. Os repasses ao Município serão processados normalmente. Os valores bloqueados em razão da decisão objeto dessa liminar serão devolvidos ao ente municipal.’, conforme consulta no MS na página eletrônica do TJRJ.

No que se refere ao pedido para que o TJRJ proceda a abertura de novo procedimento para futuras cobranças, o presidente do tribunal iniciou novo procedimento de cobrança no 02/10/2020, ou seja, no dia seguinte à revogação da ordem de bloqueio pelo juiz gestor de precatórios. O novo procedimento tem como fundamento o § 5º do artigo 20 da Resolução 303/2019, consoante a decisão juntada, fls. 844.”

(...)

 

Juiz Francisco Eduardo Fontenele


“Quanto ao mérito, verifico que a decisão do juiz gestor que determinou o sequestro, e contra a qual se insurge a parte autora, não existe mais (o próprio magistrado a revogou, tendo sido devolvidos os recursos apreendidos em cumprimento a decisão judicial proferida para tal fim). Da mesma forma, observo já haver sido iniciado, e pela mão do presidente do TJRJ, (novo) procedimento de cobrança/sequestro em relação aos mesmos valores.”

 

 

Por fim, no que tange ao parcelamento solicitado pelo município requerente, observa-se que as decisões de indeferimento foram prolatadas pelo juiz gestor de precatórios do TJRJ, Afonso Henrique Ferreira Barbosa, nas datas de 28/8/2020 e 3/9/2020 (grifei): 

 

“[...] Por tal razão,  indefiro o pedido de parcelamento formulado, ressaltando-se que, os débitos oriundos de precatórios devem ser quitados dentro do exercício de 2020.

Desta forma, indefiro o pedido de parcelamento, vez que o município não se enquadra aos requisitos do art. 100, §20ª, da CF, conforme certidão de fls. 293/294, bem como indefiro o desbloqueio de ICMS, em razão da inadimplência do município de Silva Jardim.” (Id. 4137906, fl. 27)

 


 

Indefiro o pedido de reconsideração, pelas razões expendidas na decisão de fls. 296. 

Cumpra-se." (Id. 4137906, fl. 57)

 

 

 

Da leitura das peças juntadas aos autos, percebe-se que a decisão de reconsideração do magistrado, proferida em 1º/10/2020, faz menção tão somente à decisão de fl. 261, que se refere ao bloqueio do repasse de ICMS ao município postulante (grifei):


“[...] Desta forma, reconsidero a decisão de fls. 261, pelos motivos expostos acima. [...]" (Id. 4137907, fl. 78)

 



“Tendo em vista que o ente devedor foi devidamente intimado, quedando-se inerte, oficie-se à Secretaria de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro para que proceda ao bloqueio do repasse de ICMS do referido Município, até o limite do valor devido, observado o teor do artigo 20, §5º da Resolução n. 303/2019 do CNJ. [...]" (Id. 4137905, fl. 55)

 

 

 

Fica claro, portanto, que a decisão de reconsideração diz respeito apenas à determinação de bloqueio de valores, não alcançando, ao meu sentir, as decisões que indeferiram o pedido de parcelamento apresentado pelo Município de Silva Jardim/RJ.

Nesse contexto, tem-se que o indeferimento de parcelamento combatido se distancia das atribuições que foram delegadas ao magistrado pelo Ato Executivo TJ 47/2019, alterado pelo Ato Executivo 206/2019, o qual estabelece que os pedidos de parcelamento de débitos formulados pelos entes públicos devem ser apreciados exclusivamente pelo Presidente do TJRJ (grifei):

 


Ato Executivo TJ 47/2019


 

“Art. 1°. Delegar ao Doutor AFONSO HENRIQUE FERREIRA BARBOSA, Juiz Auxiliar da Presidência, sem prejuízos de suas atuais atribuições, as seguintes competências relativas ao processamento dos precatórios:

I – [...];

V – decidir as impugnações apresentadas pela Fazenda Pública, observando o disposto no Título II, do Ato Normativo n° 02/2019, e ressaltando que pedidos de parcelamento de débitos formulados pelos ente públicos deverão ser apreciados exclusivamente pelo Presidente do Tribunal de Justiça. (Redação dada pelo Ato Executivo TJ nº 206, de 25/10/2019).”

 

Nesse sentido, aliás, é o posicionamento de membros do Comitê Nacional do Fórum Nacional de Precatórios:

 


Juíza Gláucia Monteiro


“[...] Com relação ao pedido de nulidade da decisão do juiz gestor de precatórios, que indeferiu o pedido de parcelamento, nos termos do § 20º do artigo 100 da CF, razão assiste ao município, uma vez que o juiz não tinha competência para decidir sobre parcelamento de débito, pois tal atribuição é do presidente do tribunal, conforme o inciso V, do artigo 1º do Ato Executivo que delegou competência ao próprio juiz, fls. 355. [...]”

(...)

 

Juiz Francisco Eduardo Fontenele


“Forte em tais premissas, a partir do que fulminado o objeto dos pedidos de revogação da ordem de bloqueio, de liberação dos valores retidos e de abertura de novo procedimento para futuras cobranças, entendo, com a devida vênia, que o único pedido que subsiste à análise é aquele relativo ao exame da legalidade da decisão do juiz gestor que indeferiu o pedido de parcelamento citado.

Nesse ponto, verifico que o ato que delegou poderes ao juiz gestor para a gestão dos precatórios não contemplou, é verdade, a atribuição para a prolação de decisões como a questionada, ainda que tal delegação fosse juridicamente possível, defensável e desejável, para a célere gestão dos precatórios. A ausência de tal delegação formal, contudo, evidencia a nulidade do ato praticado pelo juiz gestor, e tal reconhecimento há que ser feito no caso dos autos. [...]”

 

Dessa forma, consoante regramento delineado pelo Ato Executivo TJ 47/2019, modificado pelo Ato Executivo 206/2019, descabe ao juiz gestor de precatórios do TJRJ decidir sobre as solicitações de parcelamento de débitos dos entes públicos fluminenses, sendo essa matéria de apreciação exclusiva do Presidente do tribunal.

Ante o exposto, voto no sentido de JULGAR PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS, a fim de:

a) julgar prejudicados os pedidos de revogação da ordem de bloqueio dos repasses de ICMS, de liberação dos valores retidos e de abertura de novo procedimento para futuras cobranças;

b) reconhecer que, à luz do Ato Executivo TJ 47/2019, alterado pelo Ato Executivo TJ 206/2019, caberia à Presidência do TJRJ apreciar os pedidos de parcelamento de débitos do Município de Silva Jardim/RJ, devendo, por consequência, serem desconstituídas as decisões proferidas pelo juiz gestor de precatórios daquela Corte sobre essa temática.

É como voto.

Brasília, data registrada no sistema.

 

 

Conselheiro MÁRIO GUERREIRO,  

Relator.